07.02.2023

Áreas de Prática: Público & Ambiente

Setores: Energia & Recursos Naturais

Eólica offshore | Estado atual e expectativas

  1. Introdução

Os imperativos da transição energética – a ferramenta mais importante da década em que nos encontramos para a descarbonização da atividade económica e das sociedades – exigem múltiplas, complexas e inovatórias soluções técnicas e económicas. À laudada falta de despachabilidade da energia elétrica de fonte renovável, de onde brotaram ao longo das últimas décadas oceanos índigos de consternações e preocupações técnicas e económicas várias, trouxe-se a resposta de uma perfusão de soluções de armazenamento (rectius, de diferimento intertemporal entre produção e consumo, terminologia mais cara ao legislador nacional; ou de transformação de energia elétrica, por natureza efémera, numa qualquer outra forma de energia). O tempo, agora, é o de aumentar a capacidade instalada de fontes de energia renovável; o desafio colocado aos Estados é o de, de forma integrada, racional e sustentável, equilibrar as necessidades socioeconómicas com os outros interesses públicos (o natural; o ambiental; o ordenamento do território; entre tantos outros). A diversificação de fontes de energia renovável traz consigo também um benefício adicional de estabilidade ao sistema como um todo, combatendo a relativa incerteza da produção com um alargamento dos “fornecedores”.

É neste contexto que o Governo Português se comprometeu a apontar a uma meta de 10 GW de capacidade offshore instalada no final da década. Com cerca de 7,1 GW de capacidade de produção hidroelétrica, 5,6 GW de capacidade de produção eólica, e 1,7 GW de capacidade fotovoltaica[1], a capacidade adicional – à qual se junta a capacidade de produção fotovoltaica já atribuída no âmbito dos Leilões Solares de 2019 e 2020, e do Leilão Solar Flutuante de 2021, bem como do procedimento concorrencial para atribuição do ponto de ligação no passado atribuído à central termoelétrica do Pêgo – constituirá um significativo salto em direção ao objetivo nacional de alimentar 80% do consumo elétrico nacional com energia proveniente de fontes de energia renovável em 2030, assumido no Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 e no Plano Nacional Energia e Clima 2030.

 

  1. O estado atual

Muitos desafios se colocam ao Governo Português e aos stakeholders administrativos na concretização deste objetivo de política pública. Apesar de uma nação com longa história e relação com o Mar e os seus recursos, a experiência com projetos de produção de energia offshore é limitada, apenas se tendo lançado neste subsetor um projeto de inovação – o Windfloat Atlantic, com capacidade instalada de 25MW. A utilização do espaço marítimo nacional é matéria de complexidade notável, tratando-se da utilização exclusiva de um recurso do domínio público, obrigando a um exercício de filigrana legislativa, regulatória e administrativa que permita a adequada ponderação dos interesses públicos na utilização de um recurso relativamente escasso – atendendo às características do mar português – com os interesses particulares de segurança no investimento privado.

O legislador tomou boa nota das necessidades aquando da sua revisão profunda da legislação relativa ao setor energético. O Decreto-lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro prevê, desde logo, o afastamento da legislação setorial no domínio do mar quando haja a atribuição conjunta do título de utilização privativa do espaço marítimo e do título de reserva de capacidade de injeção na rede elétrica de serviço público: fica aquele substituído e consumido pelo procedimento concorrencial determinado pelo Governo.

Sem prejuízo, o ordenamento do espaço marítimo não tomou em consideração a criação de áreas de afetação para a produção de energias de base ou fonte oceânica. A legislação nacional, não impedindo a afetação a estas atividades económicas, exige para o seu desenvolvimento a elaboração de um plano de afetação, atribuído num sistema first come, first served mitigado em que, após publicitação, a existência de interesses incompatíveis de terceiros implica a elaboração pública do plano – o que, ainda que abstratamente factível, demonstra a preferência do decisor público por sistemas centralizados de programação.

Para a preparação desse plano centralizado, o Governo mobilizou stakeholders públicos e privados, organizando-os em diversos grupos de trabalho setoriais para a produção de um relatório capaz de ordenar a política pública para o futuro do Mar. Do grupo de trabalho relativo às energias de origem ou base oceânica têm provindo importantes contributos de todos os seus participantes, encontrando-se o setor privado representado pela APREN – Associação Portuguesa de Energias Renováveis.

O primeiro resultado direto dos trabalhos do grupo de trabalho é a proposta preliminar de novas áreas de implantação para energias renováveis, em consulta pública. Essa proposta preliminar identifica 10 áreas propostas para afetação no âmbito de um plano de afetação de iniciativa pública, que cruzam os resultados de um estudo conduzido pelo Laboratório Nacional de Energia e Geologia com servidões e restrições administrativas preexistentes e fatores abióticos relevantes que impedem ou dificultam, com soluções técnicas em fase comercial, a implantação de centros electroprodutores em espaço marítimo.

As áreas identificadas têm características interessantes para o desenvolvimento de projetos de energias renováveis de base oceânica, com velocidades médias do vento de até 8,5 m/s, fluxos de potência incidente do vento (a 100m) de até 650 W/m2 e número de horas equivalentes à potência nominal de até 4250 h/ano. Quanto aos fatores abióticos, destacam-se nas zonas não-nearshore uma distância máxima da linha de costa de cerca de 30 mn e uma batimetria máxima de 200 m, com declive globalmente inferior a 2º.

Foram estimados para os cerca de 3200 km2 de área proposta offshore um potencial de 10 GW de potência passível de instalação, e ainda para os cerca de 191 km2 de área proposta nearshore um potencial de cerca de 1 GW adicional.

 

  1. Desafios near term

A proposta preliminar de novas áreas de implantação para energias renováveis, para além do condão de as identificar expressamente, disseminando a discussão para a sociedade e permitindo participação direta de todos os interessados no relevante para as suas motivações, traz consigo maior clareza sobre os próximos passos que o Governo português pretende seguir.

Por um lado é expressa e categoricamente afirmada a necessidade de lançar mão de um plano de afetação de iniciativa pública – o Plano de Afetação de Energias Renováveis-, ficando assim prejudicada a possibilidade de aplicação do mecanismo first come, first served mencionado acima. Tal potencia benefícios ao nível da sã concorrência, nivelando-se o conhecimento de todos os intervenientes de mercado sobre o recurso disponível, ainda que acarrete consigo a responsabilidade da celeridade por forma a captar, cativar e manter o interesse dos investidores. Destarte, a necessidade de uma avaliação ambiental estratégica em muito arrisca delongas suplementares, indesejáveis para o objetivo de política pública prosseguida pelo Governo.

Por outro lado, fica ainda indefinido o exato modelo de contratação e atribuição de direitos. Ainda que o Decreto-lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro, na sua redação atual permita e facilite a atribuição conjunta de direitos sobre o espaço marítimo nacional e sobre a ligação à rede, permitindo uma atribuição racional e economicamente ponderada dos bens relevantes para a tomada de decisão de investimento, a abundância de modelos em utilização no mercado europeu e mundial indica várias soluções potenciais para a sua execução. A experiência recente e análoga do Leilão Solar Flutuante de 2021 indicia uma preferência pela atribuição simultânea do título de utilização privativa do espaço marítimo, do ponto de ligação à rede elétrica de serviço público e das condições financeiras do fornecimento – por exemplo, com recurso a Contracts for Difference ou a mecanismos economicamente similares, ou em alternativa com exposição absoluta ao mercado -, mas tal decisão ainda se encontra encoberta por considerável incerteza.

Por último, existe considerável risco sistémico advindo da incerteza acrescida na procura de uma adjudicação rápida. A intenção declarada do Governo de lançar mão de um procedimento adjudicatório tão brevemente quanto possível impossibilita os investidores interessados a um estudo detalhado, eventualmente com recolha de dados in situ, às áreas a que pretendem licitar – indiciando um perfil de oferta de licitação mais conservador que o verificado na feliz experiência recente de procedimentos concorrenciais para atribuição de reservas de capacidade em Portugal.

É por isso relevante a comunicação pronta, expedita e detalhada das intenções do Governo quanto a estes programas públicos – reduzindo incertezas e oferecendo ao setor privado certeza e segurança sobre o pipeline em oferta pública, maximizando o equilíbrio de benefícios ambientais, económicos e sociais para os stakeholders públicos, os investidores privados e os consumidores, rumo à neutralidade carbónica em 2050.

 

[1] Previsão para 2021, atualizada a outubro de 2022, Direção-Geral de Energia e Geologia, in https://www.dgeg.gov.pt/pt/estatistica/energia/eletricidade/producao-anual-e-potencia-instalada/

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