14.02.2023

Áreas de Prática: Público & Ambiente

Setores: Ambiente, Energia & Recursos Naturais

Ambiente + Simples | Simplificação de licenciamentos ambientais

O recém publicado Decreto-Lei 11/2023, de 10 de fevereiro, anuncia a “reforma e simplificação de licenciamentos ambientais”. A necessidade de reduzir os custos de contexto que dificultam, atrasam ou impedem o investimento é reconhecida no preâmbulo do diploma.

A linha do diploma é, no essencial, uma linha de simplificação de procedimentos administrativos, na qual se destaca, por muito significativa, a redução das obrigações de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) às normas imperativas de Direito da UE, associada à disciplina das situações em que as autoridades nacionais podem exercer a sua discricionariedade em matéria de sujeição de determinados projetos a AIA.

Um tal apelo à diminuição da pegada regulatória tem ecos no programa de “better regulation” da UE no segmento da desburocratização e da diminuição de custos para os agentes económicos (sob o mote “cutting red tape”). No dia 9 de fevereiro deste ano o Conselho Europeu extraordinário, no contexto do plano de re-industrialização apresentado pela Comissão Europeia, concluiu, a propósito do “quadro regulamentar: são essenciais condições de enquadramento simples, previsíveis e claras para o investimento na União Europeia. Os procedimentos administrativos e de concessão de licenças deverão ser simplificados e acelerados, inclusive para assegurar a capacidade de fabrico dos produtos fundamentais para atingir os objetivos de neutralidade climática da UE, tendo em conta toda a cadeia de abastecimento e de valor transfronteiras.“

Considerando a orientação política do Conselho Europeu são de esperar futuros comandos legislativos em sede de Direito da UE determinando novas iniciativas de desburocratização e de simplificação de procedimentos administrativos.

No último ano as medidas legislativas de simplificação de procedimentos administrativos têm sido concentradas em Portugal no sector das energias renováveis, com a publicação do Decreto-Lei 30-A/2022, de 18 de abril, que aprovou “medidas excepcionais que visam assegurar a simplificação dos procedimentos de produção de energia a partir de fontes renováveis” e do Decreto-Lei 72/2022, de 19 de outubro, que alterou o primeiro. Sem surpresa, o Decreto-Lei 11/2023 vem novamente alterar o  Decreto-Lei 30-A/2022. No âmbito da UE e também com uma aposta na simplificação dos procedimentos administrativos que condicionam a instalação e funcionamento de equipamentos de produção de energias renováveis merece destaque o recente Regulamento (UE) do Conselho de 22 de dezembro de 2022, que estabelece um regime para acelerar a implantação das energias renováveis.

Não obstante a grande extensão do Decreto-Lei 11/2023, o seu preâmbulo anuncia que se trata do início da “reforma de simplificação dos procedimentos existentes” e que “serão futuramente adotadas novas iniciativas legislativas com o mesmo propósito de simplificação e redução dos encargos administrativos para as empresas também noutras áreas, incluindo, em especial, o urbanismo, ordenamento do território, indústria, comércio e serviços e agricultura.

Assim, a maior parte das medidas do Decreto-Lei 11/2023, seguindo a lógica que presidiu já – por exemplo – ao regime jurídico dos Projetos de Interesse Nacional (PIN), simplifica, clarifica e acelera procedimentos administrativos, fazendo-o por via de modificações e aditamentos a diversos regimes jurídicos, aqui enunciados pela ordem em que são modificados: AIA, arranque e corte de oliveiras, proteção do sobreiro e da azinheira, regime jurídico da conservação da natureza e da biodiversidade, Reserva Ecológica Nacional, Reserva Agrícola Nacional, classificação de bens culturais, instalações de gases combustíveis em edifícios, emissões industriais, prevenção e controlo de emissões poluentes para o ar, produção de água para reutilização, utilização de recursos hídricos, regime geral da gestão de resíduos, regime jurídico da deposição de resíduos em aterros, sistema de indústria responsável (SIR) e simplificação dos procedimentos de produção de energia a partir de fontes renováveis. Todas estas alterações legislativas entrarão em vigor no dia 1 de março de 2023.

A par desta longa série de modificações de diversos procedimentos administrativos previstos em diversos regimes jurídicos avulsos, o Decreto-Lei 11/2023 anuncia uma reforma de fundo assente na certificação automática, por via electrónica, de carácter gratuito e quase incondicional da ocorrência de deferimentos tácitos “ou de outro tipo de efeitos positivos associados à ausência de resposta das entidades competentes, à luz do Código do Procedimento Administrativo ou de qualquer outra lei ou regulamento, independentemente da natureza da entidade competente para a prática do ato”. Esta reforma implica a modificação de diversos dispositivos do Código do Procedimento Administrativo e, dadas as suas implicações, só entrará em vigor a 1 de janeiro de 2024.

Será também esta a data da entrada em vigor do regime do “Reporte Ambiental Único” (RAU) criado pelo artigo 2.º do Decreto-Lei 11/2023, regime esse mediante o qual se pretende tramitar de forma desmaterializada no SILiAmb — Sistema Integrado de Licenciamento do Ambiente, o cumprimento, por parte dos agentes económicos, da maioria dos deveres de informação periódica impostos pelos diversos regimes jurídicos das actividades económicas com incidência ambiental, introduzindo coerência, interoperabilidade e ainda eliminação de repetições desnecessárias entre cada tipo de informação a prestar no âmbito de cada qual dos regimes jurídicos cumulativamente aplicáveis à mesma atividade. O correto funcionamento do RAU é condição para a certificação automática dos deferimentos tácitos e situações afins.

A ambição destas duas reformas (desmaterialização integral dos procedimentos e regime automático da certificação dos deferimentos tácitos) obrigará a um grande esforço de capacitação em recursos humanos, tecnológicos e informáticos por parte dos diversos serviços da Administração Pública, desde logo a Agência Portuguesa do Ambiente, I.P., as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional , e, em particular, “a Agência para a Modernização Administrativa, I. P., é responsável pela coordenação das medidas necessárias à execução administrativa do presente Decreto-Lei, bem como pela sua monitorização permanente e por assegurar o cumprimento dos prazos previstos nos números anteriores.”

No entretanto deverá ser publicada uma rectificação do Decreto-Lei 11/2023 corrigindo alguns lapsos como o que consta do artigo 32.º que refere uma numeração errada dos respetivos anexos.

Se se quiser sumariar as principais alterações que entram em vigor no dia 1 de março de 2023, cumpre salientar, segundo uma divisão em oito eixos fundamentais, que:

 

  1. No âmbito dos procedimentos de AIA, seus regime jurídico e efeitos

– Deixam de estar sujeitos a AIA, seja obrigatória, seja caso a caso, no essencial, as ampliações e alterações de determinados projetos já avaliados, dentro de determinadas condições, no sentido de não se incorrer em repetições desnecessárias desta avaliação.

Por seu turno, deixam de estar obrigatoriamente sujeitos a AIA, para passarem a estar sujeitos a AIA caso a caso, projetos de centros eletroprodutores de energia solar quando a área ocupada por painéis solares e inversores seja inferior a 100 ha, bem como um leque mais vasto de projetos de parques eólicos e respetivo sobre-equipamento e de projetos ligados à piscicultura, tal qual ainda as redes de transporte de energia elétrica até 20 km e 110 kV;

– Deixam de estar sujeitos a AIA os parques e plataformas logísticas que já tenham sido sujeitos a avaliação ambiental estratégica, sem prejuizo da sujeição a AIA de cada projeto específico dentro dos mesmos;

Mesmo ao nível dos projetos sujeitos a AIA, são introduzidas alterações de redação que poderão determinar, na sua interpretação, alterações das regras práticas de sujeição;

É criada a conferência procedimental dita de «análise ambiental de corredores», com vista à determinação da fixação ambientalmente mais adequada do traçado de redes de comunicações ou de abastecimento, o que torna a sujeição a AIA, quando necessária, apenas necessária na respetiva fase de execução;

– Quando em sede de AIA tenham sido emitidos pareceres favoráveis, expressos ou tácitos, no âmbito dos regimes jurídicos relativos ao corte de oliveiras, de proteção ao sobreiro e à azinheira, da conservação da natureza e da biodiversidade, da REN, da RAN, e dos bens culturais classificados, pelas entidades competentes para a aplicação de tais regimes, deixam de ser exigidas as intervenções das mesmas entidades posteriores à AIA, eliminando-se a duplicação de procedimentos;

– Consagra-se o dever de fundamentação de facto e de direito, relação com impactes perspetivados e proporcionalidade das condições da DIA;

Determina-se que os prazos para deferimento tácito se contam desde o momento da receção do EIA e não desde o momento de receção do pedido «devidamente instruído», o que, na prática, permitia que o prazo apenas se iniciasse quando a Administração Pública o entendesse.

 

  1.  No domínio da prevenção e controlo da poluição e das emissões

Elimina-se a necessidade de renovação da LA, a qual deixa assim de ter de ser renovada ao fim de 10 anos por iniciativa do interessado, sem prejuizo da necessidade de realizar o procedimento para alteração de LA quando existam alterações substanciais da instalação industrial ou quando seja necessário atualizar a LA em função da evolução das melhores técnicas disponíveis e noutros casos previstos na lei;

Dispensam-se de LA instalações sem escala industrial tais como as atividades químicas experimentais, a preparação final de produtos em loja, a produção em estabelecimentos comerciais ou de retalho e as pequenas atividades de fabrico artesanal – legalmente definidas como as exercidas em estabelecimentos com potência elétrica igual ou inferior a 99 kVA, potência térmica não superior a 4 x 10(elevado a 6) kJ/h e número de trabalhadores não superior a 20;

Dispensa-se o título de emissões para o ar para quem já tem ou poderá vir a ter LA;

Elimina-se a participação de entidades acreditadas na instrução dos procedimentos de licenciamento para obtenção de LA

Torna-se meramente facultativa a utilização de verificadores acreditados para o reporte de informações por operadores de instalações sujeitas ao regime de PCIP;

É eliminada a necessidade de prévia aprovação do plano de gestão de efluentes pecuários para que ocorra a emissão de LA, assim se permitindo que esta última seja emitida de forma mais rápida, embora na estrita condição da posterior aprovação daquele plano;

Determina-se que ocorre deferimento tácito do pedido de LA mediante o mero decurso do prazo legal de decisão sem que a Administração se pronuncie.

 

  1. No âmbito das obrigações de reporte

Conforme já se referiu, é criado o RAU em matéria ambiental, por forma a simplificar e desmaterializar obrigações de reporte, eliminando o esforço de carregar informação redundante, na medida em que este reporte único inclui todas as monitorizações referentes aos regimes ambientais da competência da APA e das CCDR que derivam de legislação da UE, permitindo-se, de forma eletrónica e totalmente desmaterializada, que a submissão de um determinado reporte alimente outros reportes e torne assim desnecessária a repetição de informações, ainda que para efeitos de outro regime jurídico diferente daquele ao abrigo do qual foi prestada informação precedente.

 

  1. No domínio da reutilização de águas

Deixa de ser necessária licença de produção e licença de utilização para certos casos de aproveitamento de águas para reutilização, como sejam a reutilização pela mesma pessoa singular ou coletiva ou por entidades incluídas no mesmo grupo, e também quando, em sistemas de gestão de águas residuais urbanas, apenas exista uma entidade gestora que produza água para uso próprio ou cedência a terceiros, desde que os recetores ambientais sejam os mesmos da descarga de águas que lhe dá origem.

 

  1. No domínio do regime jurídico da utilização de recursos hídricos

Passam a estar sujeitas a mera comunicação prévia, que permite o início da obra após um determinado prazo sem a oposição da Administração, obras para construção de infraestruturas hidráulicas e captação de águas para aproveitamento de recursos hídricos particulares inseridas em malha urbana cujo aproveitamento seja enquadrado por PDM ou que se traduzam na recuperação de infraestrutura existente;

A sujeição de várias utilizações de recursos hídricos diferentes entre si, quando levadas a cabo por um único operador e pedidas simultaneamente para a mesma unidade/local/empreendimento, a um único título de utilização de recursos hídricos, e não a tantos títulos de utilização de recursos hídricos quantas as utilizações diferentes entre si em causa;

Clarifica-se que, nos pedidos de autorização, o deferimento tácito se forma na ausência de decisão expressa após o decurso do prazo legalmente estabelecido;

A renovação das licenças de utilização passa a ser automática caso não existam alterações, dispensando-se, ao contrário do que vem sucedendo até agora, o interessado de realizar um procedimento para renovação da licença.

 

  1. No domínio da gestão de resíduos

– Elimina-se a necessidade de obtenção de título específico de operação de gestão de resíduos quando se trate de operação de resíduos permitida por título relativo a estabelecimento industrial abrangido pelo Sistema da Indústria Responsável (SIR) em procedimento realizado para o efeito quanto a instalações intrínsecas ou extrínsecas à atividade industrial, substituindo-se o procedimento de controlo prévio de operações de gestão de resíduos  por um parecer vinculativo da autoridade licenciadora competente em matéria de resíduos mas no quadro do procedimento para a atribuição de um título, ao abrigo do SIR;

– Explicita-se que a utilização de resíduos, em substituição de matérias-primas, não provoca, nos estabelecimentos industriais enquadrados pelo SIR, um agravamento dos procedimentos administrativos a que estão sujeitos;

– Exclui-se do âmbito de aplicação do Regime Geral da Gestão de Resíduos e do Regime Jurídico da Deposição de Resíduos em Aterro a gestão de resíduos das explorações de depósitos minerais e de massas minerais;

– Restringe-se a um conjunto mais reduzido de produtores de resíduos perigosos a obrigação de planificar a minimização da produção de resíduos;

– Passa a prever-se a aplicação harmonizada da classificação de resíduos, em caso de conflito entre os produtores e os operadores de tratamento de resíduos, prevendo-se, igualmente, que a caracterização de resíduos passe a ser efetuada através do sistema integrado de registo eletrónico, com a consequente desmaterialização do procedimento atual;

– Passa a permitir-se, nos aterros para resíduos não perigosos, a humidificação dos resíduos através da reinjeção de lixiviados ou de concentrado da unidade de tratamento avançado por membrana, desonerando-se os operadores dos custos com o transporte e encaminhamento dos mesmos para destino final adequado;

– Eliminam-se alguns dos valores-limite aplicáveis a aterros de resíduos não perigosos, substituindo a previsão dos mesmos pela possibilidade de definição de parâmetros adicionais para determinadas tipologias de resíduos, por forma a diminuir os constrangimentos com a admissibilidade de resíduos em aterro.

 

  1. No domínio estrito do setor energético

– Os edifícios novos ou sujeitos a obras deixam de estar obrigados a ter instalações de gás.

 

  1. Quanto ao regime geral do procedimento administrativo, constante do Código do Procedimento Administrativo

– Determina-se que as entidades administrativas apenas podem solicitar por uma única vez novos documentos, esclarecimentos, elementos complementares ou informações ao interessado, bem como que, sempre que tal aconteça, o prazo de decisão não fica suspenso, desde que o particular responda com o envio dos documentos, esclarecimentos, elementos complementares ou informações no prazo geral de 10 dias;

– Passa a prever-se que o pedido de elementos para correção do pedido e a produção de prova devem ser realizados simultaneamente e não em dois momentos separados;

– Determina-se que os pareceres de entidades administrativas não podem ser emitidos fora do prazo previsto na lei, bem como que a entidade responsável pelo procedimento fica obrigada a avançar com o mesmo assim que esse prazo seja ultrapassado, em vez de insistir na solicitação do parecer ou de continuar a aguardar pelo mesmo.

– Reduzem-se os prazos gerais para a emissão de pareceres no procedimento administrativo geral.

A aprovação deste novo quadro normativo e, tanto ou mais do que essa  aprovação e respetiva entrada em vigor, a respetiva complementação administrativa, levantarão novos problemas jurídicos de interpretação, de submissão de projetos e até, em não poucos casos, de diminuição de garantias administrativas dos agentes económicos, sem prejuizo do salutar objetivo de simplificação que presidiu a esta reforma.

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