Embora não seja do conhecimento público quais os acordos das empresas farmacêuticas originadoras com os Estados, percebe-se, por um lado, que esses acordos existem de facto – na medida em que são os próprios intervenientes (empresas e Estados) que os anunciam – e, por outro lado, que os pedidos de patentes associados às vacinas estão em curso, podendo agora conjeturar-se como serão os acordos entre os mesmos intervenientes após a concessão das patentes, no sentido dos possíveis esquemas de licenciamento ou compensações às empresas farmacêuticas que alcançaram as soluções técnicas plasmadas nas vacinas.
Tendo em consideração a máxima urgência em administrar as vacinas à população mundial, é sabido que as empresas farmacêuticas chegaram a acordos comerciais com os Estados no sentido de fabricarem e distribuírem essas vacinas, mas, aparentemente, o conteúdo técnico das vacinas não terá sido revelado ou sido cedido por tais empresas. Tratam-se assim de meros acordos comerciais, em que os Estados adquirem as vacinas.
As questões que se colocam a partir de agora serão outras, no que toca à propriedade intelectual.
No pressuposto de que as patentes associadas às vacinas serão concedidas, que modalidade será aplicada: licenças a favor dos Estados? Licenças compulsórias? Compensações? O chamado voucher system?
Também não se sabe ainda publicamente o que irá ser seguido pelas empresas farmacêuticas e Estados, mas tudo aponta para que não sejam escolhidos esquemas de licenças compulsórias ou voucher system – basicamente, uma cedência gratuita da patente ao Estado em troca da extensão do período de validade de outra patente da mesma empresa, à sua escolha – isto porque os acordos comerciais já firmados entres as farmacêuticas e Estados não antecipam estas modalidades.
O que estará pois em cima de mesa será a negociação de licenças de uso e exploração das patentes a favor dos Estados – que, por sua vez, possam sublicenciar a terceiros, permitindo uma maior produção industrial das vacinas – ou a manutenção de acordos comerciais entre as empresas farmacêuticas e os Estados.
O que não parece nada provável é que existam cedências das patentes aos Estados, sem quaisquer compensações financeiras às empresas farmacêuticas, designadamente o chamado reward system, que se trata de uma compensação atribuída pelos Estados às empresas que desenvolveram e alcançaram as soluções técnicas das vacinas.
Apesar de haver quem sustente que as patentes deveria ser cedidas gratuitamente aos Estados ou fossem estabelecidas licenças gratuitas, atendendo ao largo investimento financeiro dos Estados atribuído à investigação e desenvolvimentos destas vacinas, cremos que as empresas não abdicarão da defesa da sua propriedade intelectual, especialmente em contexto de uma futura e expectável entrada de medicamentos genéricos (neste caso, vacinas) no mercado.
A propriedade intelectual, que é um dos maiores ativos das empresas, é uma justa compensação, no caso das patentes, às empresas farmacêuticas do elevado custo dos programas de investigação e desenvolvimento, sendo que existe um real e muito relevante benefício para toda a comunidade com a divulgação pública do progresso científico associado às patentes. O monopólio temporário de exclusividade que a patente assegura é largamente compensada pela divulgação pública dos conteúdos técnicos das patentes, o que contribui decisivamente para a evolução de novas soluções técnicas mais avançadas, no caso do vírus que nos ocupa, contribuirá para que sejam alcançadas vacinas ainda mais eficazes em relação a novas estirpes do vírus Covid-19.
Conclui-se que a propriedade intelectual ocupará sempre um papel de grande relevância na saúde da população mundial, porque contribui sempre para o desenvolvimento científico em todos os países mundiais.