20.01.2022

Áreas de Prática: Financeiro

Setores: Banca e Serviços Financeiros

Transposição da diretiva da distribuição transfronteiriça | Novo Regime das Empresas de Investimento

TRANSPOSIÇÃO DA DIRETIVA DA DISTRIBUIÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA DE OIC
No passado dia 9 de dezembro de 2021, foi publicado o Decreto-Lei 109-F/2021, de 9 de dezembro, que alterou o Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (“RGOIC”), transpondo parcialmente a Diretiva (UE) 2019/1160, de 20 de junho de 2019, relativa à distribuição transfronteiriça de organismos de investimento coletivo, e a Diretiva Delegada 2021/1270 de 21 de abril de 2021, respeitante aos riscos de sustentabilidade e aos fatores de sustentabilidade a ter em conta por parte dos organismos de investimento coletivo em valores mobiliários.

O Decreto-Lei 109-F/2021 entrou em vigor no passado dia 10 de dezembro de 2021, com exceção das regras referentes à integração dos riscos de sustentabilidade que apenas entram em vigor a 1 de agosto de 2022.

Complementarmente, foi igualmente publicada a Lei 99-A/2021, de 31 de dezembro que, de entre os múltiplos diplomas que altera, procede igualmente à alteração de algumas disposições do RGOIC, aprovado em anexo à Lei 16/2015, de 24 de fevereiro, resultante, em grande medida, das alterações introduzidas no Código dos Valores Mobiliários, sendo necessário atualizar as referências constantes do RGOIC para o CVM.

Por sua vez, as alterações introduzidas pela Lei 99-A/2021 no RGOIC entrarão em vigor 30 dias após a sua publicação.

 

1. Contexto Legislativo
As alterações efetuadas no RGOIC pelo Decreto-Lei 109-F/2021 refletem uma necessidade identificada pelas instituições europeias de harmonização de diversas matérias relativas à atividade transfronteiriça de Organismos de Investimento Coletivo (OICs), com o objetivo de garantir a igualdade de condições de concorrência e a uniformização da proteção dos investidores.

Por sua vez, no que concerne a Lei 99-A/2021, esta procedeu a uma reforma extensa sobre diversos diplomas em matéria de mercado de capitais, com o objetivo de promover a proteção dos investidores e estimular o desenvolvimento, a competitividade e a eficiência dos mercados, através da implementação de uma regulação mais simples, objetiva, clara e proporcional, com reflexos na legislação aplicável aos OICs.

 

2. Objeto e âmbito de aplicação
O Decreto-Lei 109-F/2021, de 9 de dezembro vem alterar significativamente Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, consagrado na Lei 16/2015, de 24 de fevereiro, incidindo essas alterações sobre:
(i) O novo regime de pré-comercialização;
(ii) O regime da comercialização, bem como cessação da comercialização transfronteiriça de Organismos de Investimento Coletivo sedeados em outros Estados Membros, através da adoção de um procedimento harmonizado;
(iii) Implementação de fatores de sustentabilidade no âmbito da atividade dos Organismos de Investimento Coletivo em valores mobiliários e respetivos gestores.

A Lei 99-A/2021, de 31 de dezembro, introduziu igualmente alterações a múltiplos artigos do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, de modo a compatibilizar o mesmo com o CVM, atualizando a terminologia adotada pela legislação portuguesa sobre esta matéria, bem como introduzir referência a novas regras aplicáveis às sociedades gestoras.

 

3. Regime da pré-comercialização
O Decreto-Lei n.º 109-F/2021, de 9 de dezembro, vem aditar os artigos 229.º-A a 229.º-D, relativos ao novo conceito de “Pré-comercialização”.

Uma vez que o conceito de pré-comercialização divergia entre os diversos regimes jurídicos, não chegando sequer a existir em alguns deles, como era o caso da legislação portuguesa, a Diretiva (UE) 2019/1160 procedeu à definição harmonizada de pré-comercialização, tendo esta sido transposta para o artigo 229.º-A do Decreto-Lei 109-F/2021.

Neste sentido, é estabelecido o regime aplicável à pré-comercialização de OICs por entidades gestoras europeias, relativamente a Organismo de Investimento Alternativo (OIA) que ainda não se encontre autorizado ou não tenha sido notificado para comercialização no Estado-Membro em que os potenciais investidores têm domicílio ou sede social. A lei portuguesa seguiu de perto a definição de pré-comercialização constante da diretiva, como “a prestação de informações ou a comunicação, direta ou indireta, sobre estratégias de investimento ou ideias de investimento por entidade gestora, ou em seu nome, para aferir o interesse de potenciais investidores profissionais, com domicílio ou sede social na União Europeia, num OIA, ou num compartimento patrimonial autónomo, que não esteja autorizado ou não tenha sido notificado para comercialização no Estado-Membro em que os potenciais investidores têm domicílio ou sede social”.

Por sua vez, os artigos subsequentes não só identificam os casos em que pode existir pré-comercialização, mas densificam qual a informação que deverá ser prestada aos investidores e o procedimento de supervisão e cooperação no âmbito da pré-comercialização.

Importa realçar os seguintes pontos relativamente a este novo regime:
(i) O novo artigo 229º-D determina que a notificação à CMVM sobre a pré-comercialização deve ser feita num suporte duradouro;
(ii) Este regime não é alargado a OIA não comunitários, o que significa que qualquer comercialização destes organismos desencadeará requisitos de autorização. Recordamos, a este respeito, que a definição de comercialização no ordenamento jurídico português é bastante ampla, abrangendo qualquer atividade dirigida a investidores, no sentido de divulgar para efeitos de subscrição ou propor a subscrição de unidades de participação ou de ações em OICs, utilizando qualquer meio publicitário ou de comunicação; e
(iii) Não abrange os Organismos de Capital de Risco, dado que não houve qualquer alteração ao Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado, consagrado na Lei 18/2015, na sua redação atual.

 

4. Regime da comercialização e cessação de comercialização de Organismos de Investimento Coletivo em valores mobiliários;

Tendo em atenção a possibilidade dos Organismos de Investimento Coletivo em Valores Mobiliários (OICVM) serem comercializados em Estados-Membros que não os de origem, o Decreto-Lei 109-F/2021 veio adotar medidas de harmonização em sede de comercialização e cessação de comercialização destes mesmos organizamos.

Neste sentido, com o objetivo de eliminar a obrigatoriedade de presença física em território nacional (ou, alternativamente, nomear um terceiro para efeitos de comercialização) e reforçar a proximidade da execução de certas funções no estado de acolhimento, o diploma começa por harmonizar o procedimento de notificação de alterações às autoridades competentes de acolhimento da sociedade gestora, bem como o regime da disponibilização de infraestruturas nos Estados-Membros em que é efetuada a comercialização. Deixa, assim, de ser necessário nomear um agente pagador com presença em Portugal, o que acontecia até à data, geralmente pela nomeação de um banco português ou com sucursal em Portugal.

Ainda neste contexto de simplificação, foi criado um procedimento de cessação da comercialização transfronteiriça de OICVM e de OIA, como forma de garantir condições previsíveis para desinvestir em caso de cessação da sua comercialização no Estado-Membro de acolhimento.

Neste âmbito, importa ainda realçar que o novo artigo 203.º-A lista as condições necessárias para a cessão da comercialização transfronteiriça, a saber:
(i) Apresentação ao público, durante o prazo mínimo de 30 dias úteis, de uma oferta de recompra ou de resgate das unidades de participação, livre de quaisquer encargos ou deduções, e transmitida individualmente, de forma direta ou através de intermediário financeiro, a todos os investidores cuja identidade seja conhecida. Esta regra não é, no entanto, aplicável a OIA fechado ou de fundos europeus de investimento a longo prazo;
(ii) Divulgação da intenção de cessar a comercialização dessas unidades de participação através de suporte acessível ao público que seja habitual na comercialização dos OICVM e OIA e adequado ao investidor típico, incluindo por meios eletrónicos; e
(iii) Alteração ou revogação dos contratos celebrados com intermediário financeiro ou seu representante, com efeitos a partir da data da retirada da notificação, para impedir novas ofertas ou colocações, diretas ou indiretas, de unidades de participação.

 

5. Sustentabilidade
Em matéria de sustentabilidade, as alterações introduzidas derivam, essencialmente, da transposição da Diretiva Delegada 2021/1270, de 21 de abril, refletindo um compromisso central da União Europeia na transição para uma economia mais sustentável e eficiente em termos de recursos, focada em objetivos de natureza ambiental, social e de governance (ESG).

Neste âmbito, o Decreto-Lei 109-F/2021 dispõe que os OICVM e suas sociedades gestoras devem integrar e ponderar os riscos e fatores de sustentabilidade no exercício da sua atividade, sempre tendo em conta a natureza, a escala e a complexidade das atividades.

Estas entidades ficam, deste modo, sujeitas a novas regras gerais de conduta, tendo que dispor de recursos e de capacidade técnica necessária para a integração efetiva dos critérios de sustentabilidade.

 

6. Alterações introduzidas pela Lei 99-A/2021, de 31 de dezembro

No que se refere às alterações introduzidas pela Lei 99-A/2021, de 31 de dezembro, importa salientar, em primeiro lugar, a atualização das referências às disposições do Código dos Valores Mobiliários (aprovado pelo Decreto-Lei 486/99, de 13 de Novembro) no sentido de eliminar qualquer referência a “sociedade aberta”.

Para além disso, foram aditados requisitos de transparência aplicáveis aos intermediários financeiros que prestam os serviços de gestão de carteiras por conta de outrem, nomeadamente através da prestação de informação relativa:
(i) Aos riscos essenciais relevantes de médio a longo prazo associados aos investimentos;
(ii) À composição, a rotação e os custos de rotação da carteira;
(iii) À utilização de consultores em matéria de votação para as atividades de envolvimento e para a sua política de empréstimo de valores mobiliários;
(iv) À maneira como essa política é executada a fim de desempenhar as suas atividades de envolvimento, se aplicável, em particular por ocasião da assembleia geral das sociedades participadas;
(v) À hipótese de os intermediários financeiros tomarem as decisões de investimento com base na avaliação do desempenho de médio a longo prazo da sociedade participada, incluindo o desempenho não financeiro, e, em caso afirmativo, a forma como o fazem; e
(vi) À possibilidade de existiram conflitos de interesses em relação às atividades de envolvimento e, em caso afirmativo, quais, e que tratamento lhes foi dado pelos gestores de ativos.

Foi, ainda, introduzida a obrigação de estabelecer uma política de envolvimento dos acionistas na sua estratégia de investimento, que deve ser divulgada ao público.

Por fim, veio a presente lei esclarecer que os Fundos de Investimento Alternativos que obtêm capitais exclusivamente de investidores profissionais e que são obrigados a publicar um prospeto nos termos do Código dos Valores Mobiliários Português, só são obrigados a partilhar a informação que é complementar à informação já divulgada no próprio prospeto.

Adicionalmente, relativamente aos Fundos de Investimento Alternativo que se qualificam como emitentes para o qual Portugal é o Estado-Membro competente ou um emitente cujos valores mobiliários são admitidos exclusivamente à negociação num mercado regulamentado em Portugal mas para o qual Portugal não é o Estado-Membro competente, passa a ser necessário publicar o relatório e contas anuais no prazo de quatro meses após o final do exercício financeiro (e mantê-los à disposição do público durante dez anos), sendo que, neste caso, os Fundos de Investimento Alternativo apenas são obrigados a partilhar com os investidores a informação que é complementar à informação já divulgada no relatório anual supra mencionado.

 

CONCLUSÕES
É, assim, de realçar a importância da transposição da Diretiva (UE) 2019/1160, de 20 de junho de 2019, e da Diretiva Delegada 2021/1270, de 21 de abril de 2021, como forma de eliminar restrições à livre circulação de ações e unidades de participação de organismos de investimento coletivo na União, garantindo simultaneamente uma proteção mais uniforme dos investidores, bem como garantir a igualdade de condições de concorrência entre os organismos de investimento coletivo.

 

NOVO REGIME DAS EMPRESAS DE INVESTIMENTO

Foi aprovado pelo Conselho de Ministros o Decreto-Lei n.º 109-H/2021, de 10 de dezembro, que transpõe três Diretivas da União Europeia relativas ao setor financeiro e aprova o Regime das Empresas de Investimento.

A presente reforma legislativa, ao procurar coligir e reorganizar o regime jurídico aplicável às empresas de investimento, tem impacto em diversos diplomas, destacando-se as alterações ao Código dos Valores Mobiliários e ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.

Salvo algumas exceções pontuais, as alterações entram em vigor no dia 1 de fevereiro de 2022.

 

1. Novo Conceito de Empresa de Investimento
Até à presente data as empresas de investimento, definidas no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, encontravam-se elencadas em diversos tipos, cada um sujeito a regimes legais específicos. O Regime das Empresas de Investimento, à semelhança do que já sucede noutros ordenamentos jurídicos, vem eliminar esta distinção, passando a definir um regime legal único aplicável às empresas de investimento, definidas como pessoas coletivas que, não sendo instituições de crédito, têm como atividade principal a prestação de serviços de investimento a terceiros ou o exercício de atividades de investimento a título profissional, como previstas no Código dos Valores Mobiliários. Elimina, ainda, a supervisão prudencial dupla que existia até à data, deste tipo de empresas, pelo Banco de Portugal e CMVM, passando esta última a ser a única entidade supervisora.

O novo regime estabelece que as empresas de investimento devem adotar a forma de sociedade anónima, havendo a possibilidade de adotar a forma de sociedade por quotas, se exercerem exclusivamente a atividade de consultoria para investimento. Para além disso, devem adotar a expressão “empresa de investimento” na sua denominação social.

Os requisitos de capital mínimo social dependem das atividades concretamente exercidas e estarão entre os € 750.000,00, € 150.000,00 e € 75.000,00. Adicionalmente, o capital social inicial da empresa de investimento é integralmente subscrito e realizado na data da sua constituição.

 

2. Funções de supervisão da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários
Conforme referido, uma das principais novidades do novo regime é a supressão da sobreposição de competências de supervisão das empresas de investimento, que passam a estar sob responsabilidade exclusiva da CMVM. Essa alteração permitirá, de acordo com o Governo, reduzir os custos administrativos e melhorar o exercício da atividade de supervisão.

Nesse sentido, cabe à CMVM a concessão de autorização para o início de atividade das empresas de investimento em Portugal, ainda que em coordenação com outras entidades, como o Banco de Portugal e a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, atendendo às atividades que essas empresas pretendam vir a exercer.

No âmbito dos requisitos de organização interna para as empresas de investimento, importa também notar que o regime prevê um extenso enquadramento para o seu sistema de governo societário, também sob supervisão da CMVM.

Os poderes de supervisão da CMVM têm a natureza e extensão prevista no Código dos Valores Mobiliários e na legislação relativa às instituições de crédito em matéria de recuperação das empresas de investimento (incluindo a aplicação de medidas de intervenção corretiva, designação de administradores provisórios e de suspensão ou destituição de administradores).

O quadro sancionatório segue o previsto no Código dos Valores Mobiliários, tanto para o seu regime substantivo como para o seu regime processual.

 

3. Participações qualificadas
A pretensão de aquisição de uma participação qualificada depende prévia informação à CMVM sempre que se projete adquirir uma percentagem que atinja ou exceda os limiares de 20%, 33% ou 50% de direitos de voto, calculados nos termos do artigo 20.º do Código dos Valores Mobiliários, ou de participação no capital da empresa de investimento ou que esta passe a ser sua filial.

Perante essa comunicação, a CMVM dispõe de 60 dias úteis para conduzir um procedimento de avaliação inicial, que poderá ser prorrogado, em determinadas situações, por mais 30 dias úteis.

O dever de comunicação mantém-se também para situações de diminuição ou alienação de participação qualificada, de acordo com os limiares descritos acima.

 

4. Poderes regulamentares da CMVM
Para concretizar o disposto no novo regime, a CMVM terá poderes para regulamentar um amplo elenco de matérias relevantes, que incluem, por exemplo, os elementos instrutórios que devem acompanhar comunicações, pedidos de autorização para constituição, fusão, cisão e transformação das empresas de investimento, os critérios utilizados para avaliação da adequação dos membros de órgãos sociais e de titulares de participações qualificadas em empresas de investimento ou a apresentação, manutenção e revisão de planos de recuperação.

 

CONCLUSÕES

O Novo Regime das Empresas de Investimento vem assim simplificar o quadro legislativo aplicável a estas empresas, antecipando-se que as alterações terão um profundo impacto no setor dos serviços e atividades de investimento, tornando o mercado português mais competitivo face aos outros Estados-membros.

Conhecimento