27.03.2023

Áreas de Prática: Público & Ambiente

Serviços: ESG – Environmental, Social and Governance

Deveres de informação em matéria de Sustentabilidade no setor Financeiro

Contexto

A sustentabilidade tornou-se um imperativo na economia mundial, onde o setor financeiro assume um papel fundamental na transição para uma economia mais sustentável. Nesta matéria, a União Europeia tem promovido várias iniciativas legislativas, de entre as quais se destacam o Regulamento SFDR[1], relativo à divulgação de informações relacionadas com a sustentabilidade no setor dos serviços financeiros, e o Regulamento Delegado[2] que define normas técnicas de regulamentação, bem como o Regulamento da Taxonomia, relativo ao estabelecimento de um regime para a promoção do investimento sustentável[3]. Em harmonia, exigem a divulgação de informações específicas em matéria de sustentabilidade por parte das entidades gestoras de ativos (intervenientes no mercado financeiro) e de consultores de investimento.

A Circular 001/2023 da CMVM veio recentemente tornar pública a análise do nível de adaptação aos requisitos de divulgação de informação aos investidores em matéria de sustentabilidade no âmbito da gestão de organismos de investimento coletivo, demonstrando que existem entidades que não estão a cumprir de forma cabal estes deveres.

 

  1. Quais são os principais deveres emergentes do Regulamento SFDR?

O Regulamento SFDR estabelece requisitos harmonizados de transparência aplicáveis aos intervenientes no mercado financeiro e aos consultores financeiros no que concerne à integração dos riscos em matéria de sustentabilidade e à consideração dos impactos negativos nos seus processos de tomada de decisão, e, ainda, à prestação de informações relacionadas com a sustentabilidade a nível dos produtos financeiros.

Este Regulamento consagra deveres jurídicos de informação ao nível da entidade, aplicáveis a todos os intervenientes no mercado financeiro, e ainda deveres jurídicos ao nível do produto financeiro, que contemplam deveres específicos de divulgação consoante o produto financeiro em causa. A divulgação de informações deverá, consoante o produto, ser publicada nos websites, divulgada no âmbito das informações pré-contratuais e incluída nos relatórios periódicos.

 

  1. A quem se aplicam estes deveres?

Importa ter presente que os deveres que devem ser observados se distinguem consoante estejamos perante um interveniente no mercado financeiro ou um consultor financeiro. À luz do SFDR, são tidas como intervenientes no mercado financeiro as entidades previstas no ponto 1) do artigo 2.º, compreendendo as entidades que criam produtos financeiros. Por seu turno, são consideradas como consultores financeiros as entidades previstas nas alíneas do ponto 11) do artigo 2.º, englobando as entidades que prestam consultoria para investimento ou aconselhamento em matéria de seguros. Importa também referir que estes deveres se aplicam a todos os gestores de fundos de investimento alternativos que tenham atividade num Estado-Membro da UE, ainda que tenham sede num país terceiro.

 

  1. Em que consistem os deveres de informação ao nível da entidade?

Os deveres de informação ao nível da entidade aplicam-se a todos os intervenientes no mercado financeiro e devem ser refletidos nas suas políticas, as quais terão de ser publicadas nos seus websites e mantidas atualizadas.

Estes deveres dividem-se em três categorias:

 

  • Transparência das políticas relativas à integração dos riscos em matéria de sustentabilidade

Devem integrar os riscos relevantes em matéria de sustentabilidade nos seus processos de tomada de decisões de investimento, sempre que os mesmos sejam significativos ou potencialmente significativos, devendo incluir os aspetos organizacionais, de gestão de risco e de governação desses processos.

  • Transparência das políticas de remuneração no que respeita à integração dos riscos em matéria de sustentabilidade

Devem incluir nas suas políticas de remuneração informações sobre o modo como estas correspondem à integração dos riscos em matéria de sustentabilidade. Esta informação deve ser incluída nas políticas de remuneração e estar conforme a legislação setorial.

  • Consideração dos principais impactos negativos sobre os fatores de sustentabilidade (Principal Adverse Impacts– “PAIs”) nas decisões de investimento
  • Comply: Se tiverem em conta os PAIs das decisões de investimento sobre os fatores de sustentabilidade:
    1. Devem publicar uma declaração sobre as políticas de diligência devida relativamente a esses impactos, atendendo à sua dimensão, natureza, à escala das suas atividades e aos tipos de produtos financeiros que disponibilizam;

As regras relativas a esta declaração são complementadas pelas Normas Técnicas de Regulamentação do SFDR (“RTS”).

A declaração deve estar publicada numa secção separada do website, e seguir o modelo definido no Quadro 1 do Anexo I, que deverá ser preenchido nos termos dos artigos 5.º a 10.º dos RTS.

  • Or explain: Se não tiverem em conta os PAIs das decisões de investimento sobre os fatores de sustentabilidade[4]:
    1. Devem publicar motivos claros para tal, incluindo, se for necessário, informações sobre se e quando tencionam ter em conta esses impactos negativos.

A declaração no sentido de que não tomam em consideração os impactos negativos das suas decisões de investimento nos fatores de sustentabilidade deverá ser publicada numa secção distinta do seu website, e incluir os elementos referidos no artigo 12.º dos RTS.

 

  1. Quais são os deveres ao nível do produto financeiro?

Primeiramente, é importante ter em mente que os deveres ao nível do produto financeiro são distintos de acordo com a sua classificação. Para cada produto financeiro, e em função da sua classificação, emergem deveres de informação no âmbito das informações pré-contratuais (artigos 6.º, 8.º e 9.º), no âmbito dos sítios Web (artigo 10.º) e ainda nos relatórios periódicos (artigo 11.º).

 

  1. Como devem ser classificados os produtos financeiros?

Os intervenientes no mercado financeiro devem classificar os produtos financeiros em três categorias:

  • Produtos do artigo 6.º

O produto financeiro não tem como missão promover quaisquer objetivos específicos em matéria de sustentabilidade.

  • Produtos do artigo 8.º

O produto financeiro promove, entre outras, características ambientais ou sociais, ou uma combinação de ambas, desde que sejam efetuados em empresas que respeitem as práticas de boa governação.

  • Produtos do artigo 9.º

O produto financeiro tem como objetivo a realização de investimentos sustentáveis.

 

  1. Em que consistem os deveres jurídicos de informação pré-contratuais ao nível do produto financeiro?

Nas informações pré-contratuais devem ser divulgadas informações relativas (i) à integração dos riscos em matéria de sustentabilidade; e (ii) aos impactos negativos para a sustentabilidade.

 

  • Transparência no que respeita à integração dos riscos em matéria de sustentabilidade
  • Os intervenientes no mercado financeiro devem incluir na divulgação de informações pré-contratuais as descrições dos seguintes elementos:
    • O modo como os riscos em matéria de sustentabilidade são integrados nas decisões de investimento; e
    • O resultado da avaliação dos potenciais impactos dos riscos em matéria de sustentabilidade no rendimento dos produtos financeiros que disponibilizarem.

Se considerarem que os riscos em matéria de sustentabilidade não são relevantes, devem incluir nas descrições do produto uma explicação clara e concisa das razões que o justificam.

A acrescer, se o produto for classificado como um produto do artigo 8.º ou como um produto do artigo 9.º, a informação pré-contratual deve ainda incluir o seguinte:

 

  • Produtos do artigo 8.º:
    • Informações sobre o modo como essas características são alcançadas;
    • Se tiver sido designado um índice de referência, informações sobre se e de que forma este índice corresponde a essas características;
    • Caso o produto promova características ambientais, deve ainda atender-se ao artigo 6.º do Regulamento da Taxonomia.

Estas informações devem ser divulgadas de acordo com o modelo definido no Anexo II dos RTS, preenchidos de acordo com os artigos 14.º a 17.º dos RTS.

 

  • Produtos do artigo 9.º:
    • Se tiver sido designado um índice de referência:
      • Informação sobre a forma como o índice designado está alinhado com esse objetivo;
      • Explicação sobre por que razão e de que forma o índice designado difere de um índice geral de mercado;
      • Indicação do local onde é possível consultar a metodologia utilizada para o cálculo do índice.

 

  • Se não tiver sido designado um índice de referência:
    • Uma explicação da forma como esse objetivo deve ser alcançado;

 

  • Se o produto financeiro tiver como objetivo a redução de emissões de carbono:
    • Objetivo de exposição a baixas emissões de carbono, por forma a alcançar os objetivos de longo prazo relativos ao aquecimento global do Acordo de Paris.
    • Se não estiver disponível nenhum índice de referência da UE para a transição climática ou índice de referência da UE alinhado com o Acordo de Paris, devem incluir uma explicação pormenorizada da forma como é assegurado o esforço continuado para alcançar o objetivo de reduções de carbono, de forma a alcançar os objetivos de longo prazo relativos ao aquecimento global previstos no Acordo de Paris.

 

  • Se um produto financeiro investir numa atividade económica que contribua para um objetivo ambiental na aceção do artigo 2.º, ponto 17 do SFDR, deve incluir as informações necessárias à luz do artigo 5.º do Regulamento da Taxonomia.

Estas informações devem ser divulgadas em conformidade com o modelo definido no Anexo III dos RTS, preenchido nos termos do disposto nos artigos 18.º e 19.º dos RTS.

 

  • Transparência dos impactos negativos para a sustentabilidade a nível do produto financeiro

Sempre que tiverem em conta os PAIs sobre os fatores de sustentabilidade nas suas decisões de investimento, a divulgação de informações pré-contratuais deve incluir o seguinte:

  • Uma explicação clara e fundamentada sobre se, e em caso afirmativo de que forma, um produto financeiro tem em conta os PAIs sobre os fatores de sustentabilidade;
  • Uma declaração de que está disponível informação sobre os PAIs sobre os fatores de sustentabilidade nas informações a divulgar nos relatórios periódicos.

 

Se não tiverem em conta os PAIs, a divulgação de informações pré-contratuais deve incluir, para cada produto financeiro, uma declaração de que o interveniente no mercado financeiro não tem em conta os PAIs nas suas decisões de investimento sobre os fatores de sustentabilidade, bem como as razões para tal.

 

  1. Em que consistem os deveres de informação no âmbito dos relatórios periódicos?

Sempre que os intervenientes no mercado financeiro propuserem um produto financeiro do artigo 8.º ou do artigo 9.º, devem incluir nos relatórios periódicos uma descrição dos seguintes elementos:

 

  • Produtos do artigo 8.º:
    1. Em que medida são alcançadas as características ambientais ou sociais;

Esta informação deverá ser apresentada nos termos do Anexo IV dos RTS, que deverá ser preenchido à luz do disposto na secção I do Capítulo V dos RTS, artigos 50.º a 57.º.

No mais, caso o produto promova características ambientais, deve ainda atender-se ao artigo 6.º do Regulamento da Taxonomia.

 

  • Produtos do artigo 9.º:
    1. O impacto global do produto financeiro em matéria de sustentabilidade, através de indicadores de sustentabilidade relevantes; ou
    2. Caso tenha sido designado um índice de referência, uma comparação entre o impacto global do produto financeiro em matéria de sustentabilidade com os impactos do índice designado e de um índice geral através de indicadores de sustentabilidade;

Esta informação deverá ser apresentada à luz do Anexo V dos RTS, que deverá ser preenchido nos termos do disposto na secção 2 do Capítulo V dos RTS, artigos 58.º a 63.º.

A acrescer, se o produto financeiro investir numa atividade económica que contribua para um objetivo ambiental na aceção do artigo 2.º, ponto 17 do SFDR, deve incluir-se nos relatórios periódicos as informações requeridas à luz do artigo 5.º do Regulamento da Taxonomia.

 

  1. Como é que os deveres jurídicos de divulgação de informação estabelecidos no SFDR se complementam com o Regulamento da Taxonomia?

O Regulamento da Taxonomia veio complementar as regras de transparência na divulgação de informações pré-contratuais e nos relatórios periódicos estabelecidas no Regulamento SFDR, que diferem consoante o produto financeiro em causa.

 

  • Produtos do artigo 6.º:

As informações a divulgar nos termos da legislação setorial a que se referem o artigo 6.º, n.º 3 e 11.º, n.º2 devem ser acompanhadas da declaração constante do artigo 7.º Regulamento da Taxonomia.

 

  • Produtos do artigo 8.º:

Caso o produto financeiro promova características ambientais, devem incluir na divulgação de informações pré-contratuais e nos relatórios periódicos:

  • A declaração constante do artigo 6.º do Regulamento da Taxonomia.
  • As informações presentes no artigo 5.º do Regulamento da Taxonomia, mutatis mutandis.

 

  • Produtos do artigo 9.º:

Se o produto financeiro investir numa atividade económica que contribua para um objetivo ambiental na aceção do artigo 2.º, ponto 17 do SFDR, devem incluir na divulgação de informações pré-contratuais e nos relatórios periódicos as informações presentes no artigo 5.º do Regulamento da Taxonomia, a saber:

  • Informações sobre o objetivo ambiental ou os objetivos ambientais estabelecidos no artigo 9.º do Regulamento da Taxonomia para os quais contribui o investimento subjacente ao produto financeiro;
  • Uma descrição da forma e em que medida os investimentos subjacentes ao produto financeiro financiam atividades económicas sustentáveis do ponto de vista ambiental ao abrigo do artigo 3.º do Regulamento da Taxonomia, devendo especificar a proporção dos investimentos em atividades económicas sustentáveis do ponto de vista ambiental selecionadas para o produto financeiro.

 

  1. Em que consistem os deveres de divulgação de informação nos sítios Web?

Os intervenientes no mercado financeiro devem publicar e atualizar nos respetivos websites de forma clara, concisa e compreensível para os investidores as seguintes informações:

  • Descrição das características ambientais ou sociais (produto do artigo 8.º) ou do objetivo de investimento sustentável (produto do artigo 9.º);
  • Informação sobre as metodologias utilizadas para avaliar, medir e monitorizar as características ambientais ou sociais do impacto dos investimentos sustentáveis selecionados para o produto financeiro;
  • As informações referidas no artigo 8.º e 9.º;
  • As informações referidas no artigo 11.º, a propósito dos relatórios periódicos.

 

Com efeito, concluímos que a par da divulgação nos websites das políticas emergentes dos deveres a nível da entidade, é igualmente necessária a divulgação nos websites das informações pré-contratuais exigidas nos artigos 6.º, 8.º e 9.º, bem como das informações exigidas nos relatórios periódicos.

As informações devem ser publicadas numa secção distinta intitulada “Informações relacionadas com a sustentabilidade”, e integrada na mesma parte do website onde se encontra a restante informação relacionada com o produto, incluindo as comunicações de marketing. Deve, ainda, conter as informações constantes do artigos 25.º a 36.º dos RTS, quando forem classificados como produtos financeiros do artigo 8.º, e dos artigos 37.º a 49.º, quando forem classificados como produtos do artigo 9.º.

 

  1. Como podemos ajudar?

A sustentabilidade é um dos princípios nucleares da Abreu Advogados. A equipa APDFin da Abreu Advogados assessora as entidades abrangidas pela referida regulamentação, visando acautelar o cumprimento destas novas regras que serão implementadas no nosso mercado, incluindo não apenas a elaboração e revisão da documentação necessária, mas também a formação às equipas jurídicas e de compliance e aos seus colaboradores nas áreas de negócio relevantes.

 

[1] Regulamento (UE) 2019/2088 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de novembro de 2019, doravante designado por “Regulamento SFDR” ou “SFDR”.

[2] Regulamento (UE) 2022/1288 da Comissão, de 6 de abril de 2022, que complementa o Regulamento (UE) 2019/2088, doravante designado por “RTS” ou “Normas Técnicas de Regulamentação”.

[3] Regulamento (UE) 2020/852 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de junho de 2020, doravante designado por “Regulamento da Taxonomia”.

[4] Se estiver em causa um interveniente no mercado financeiro que exceda o número médio de 500 trabalhadores, ou seja empresa-mãe de um grande grupo, que por sua vez exceda o número médio de 500 trabalhadores, a entidade está obrigada a considerar os PAIs nas suas decisões de investimento, e, por conseguinte, não está abrangido pelo regime de comply or explain.

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