24.01.2022

Áreas de Prática: Financeiro

Setores: Banca e Serviços Financeiros

Regime Jurídico dos Empréstimos Participativos

INTRODUÇÃO

No passado dia 12 de janeiro de 2022, foi publicado o Decreto-Lei 11/2022, que estabelece o regime dos empréstimos participativos no ordenamento jurídico nacional.

A introdução desta nova figura no nosso ordenamento jurídica visa, antes de mais, diversificar as fontes de financiamento das empresas, mas igualmente reduzir a dependência das mesmas do financiamento bancário tradicional e promover a capitalização das empresas através do aumento do seu nível de capitais próprios.

Assim, este novo regime jurídico estabelece as características essenciais dos empréstimos participativos, designadamente a sua definição, a identificação das entidades do setor financeiro habilitadas à sua comercialização, as condições para se proceder à remuneração ou ao reembolso do crédito ou dos títulos representativos de dívida, as regras relativas à conversão do empréstimo participativo em capital social, bem como as disposições de cariz societário que regulam as relações entre a empresa, os seus sócios e as entidades do setor financeiro ou seus investidores.

O presente diploma entrou em vigor no dia 13 de janeiro de 2022.

  1. Definição
    O Decreto-Lei 11/2022 define empréstimo colaborativo como um contrato de crédito oneroso, sob a forma de mútuo ou sob a forma de títulos representativos de dívida, cuja remuneração e reembolso ou amortização dependem, ainda que parcialmente, do resultado da atividade do mutuário e cujo valor em dívida pode ser convertido em capital social do mutuário.
  2. EnquadramentoOs empréstimos participativos são considerados capital próprio para efeitos da legislação comercial, sempre que a respetiva remuneração dependa dos resultados do mutuário e o respetivo reembolso ou amortização esteja sujeito às limitações previstas no Código das Sociedades Comerciais quanto à distribuição de bens, lucros e reservas aos sócios.
    Importa ainda referir que o contrato de empréstimo participativo ou a emissão de títulos representativos de dívida deve mencionar expressamente a sua sujeição ao Decreto-Lei n.º 11/2022.
  3. Âmbito subjetivoEntidades Mutuantes

    De acordo com o artigo 3.º do Decreto-Lei 11/2022 as entidades que podem conceder empréstimos participativos ou subscrever títulos representativos de dívida emitidos ao abrigo do Decreto-Lei n.º 11/2022, são apenas as seguintes:a) Instituições de crédito e sociedades financeiras;
    b) Organismos de investimento alternativo especializado de créditos, de capital de risco e de empreendedorismo social;
    c) Sociedades de investimento mobiliário para fomento da economia (SIMFE);
    d) O Fundo de Capitalização e Resiliência;
    e) Outras entidades que estejam habilitadas à concessão de crédito a título profissional.

    Entidades Mutuárias

    Por sua vez, no que respeita às entidades mutuárias, o diploma apenas esclarece que apenas as sociedades comerciais do setor não financeiro podem contrair empréstimos participativos ou emitir os títulos representativos de dívida emitidos ao abrigo deste novo regime.

  4. Formalidades Prévias e FormaA contratação dos empréstimos participativos, quer seja pela forma de mútuo ou sob a forma de títulos representativos de dívida, depende de deliberação prévia, expressa e favorável da assembleia geral do mutuário.
    Para além disso, no caso dos empréstimos participativos sob a forma de mútuo, estes têm que ser celebrados por escrito.
    No que se refere aos empréstimos realizados através de emissão de títulos representativos de dívida, estes devem seguir o regime aplicável à emissão de valores mobiliários.
    Conforme supra mencionado, toda a documentação referente quer aos empréstimos participativos sob a forma de mútuo, quer realizados através de títulos representativos de dívida, deve mencionar expressamente a sujeição do empréstimo ao regime previsto no Decreto-Lei 11/2022.
  5. FinalidadeOs empréstimos participativos podem ter diversas finalidades, devendo estas ser fixadas no próprio contrato ou nas condições de emissão dos títulos representativos de dívida.
    Deste modo, e nos termos da legislação aplicável, os empréstimos participativos podem ter como finalidade:
    a) O financiamento de investimentos;
    b) O reforço de fundo de maneio;
    c) O reembolso de dívida anterior; ou
    d) Qualquer outra finalidade acordada pelas partes, compatível com o objeto social ou política de investimento do mutuante e do mutuário, quando aplicável, e com a legislação aplicável.
  6. RemuneraçãoConceito e Determinação

    Para efeitos do Decreto-Lei n.º 11/2022 considera-se como remuneração quaisquer contrapartidas indexadas aos resultados do mutuário que sejam acordadas no contrato de empréstimo participativo ou nas condições de emissão dos títulos representativos de dívida.
    Segundo o artigo 8.º que regula a remuneração, esta pode ser determinada por uma de duas formas:(i) Por percentagem fixa ou crescente dos resultados, através da análise de indicadores financeiros, como seja o volume de negócios, volume operacional ou resultado líquido da empresa; ou
    (ii) Através da determinação do valor proporcional ao peso do valor nominal do empréstimo participativo no capital próprio do mutuário.

    Ainda neste âmbito, cabe referir que a remuneração pode ainda ter uma componente adicional de taxa de juro, devida nos termos definidos no contrato, de forma independente dos resultados do mutuário.

    Pagamento

    O mutuário apenas procede ao pagamento da remuneração caso aufira resultados distribuíveis, e, caso tenha sido estabelecido no contrato, após deliberação prévia da assembleia geral do mutuário.

    Damos ainda nota que não haverá lugar a pagamento da remuneração caso o capital próprio do mutuário seja ou se tornasse, em virtude do pagamento, inferior à soma do capital social e das reservas ou na hipótese de os lucros do exercício serem necessários para cobrir prejuízos transitados ou para formar ou reconstituir reservas impostas por lei ou pelo contrato de sociedade.

    Incumprimento

    Dispõe ainda o presente diploma que, na eventualidade de o mutuário não efetuar o pagamento da remuneração devida, o mutuante poderá:

    (i) Acionar as garantias prestadas para segurança do empréstimo participativo, ou
    (ii) Proceder à conversão do mesmo em capital social.

  7. ReembolsoO mutuário pode proceder ao reembolso do empréstimo participativo ou à amortização dos títulos representativos de dívida, a todo o tempo, pelo valor nominal, acrescido da remuneração fixada contratualmente ou nas condições associadas aos títulos representativos de dívida e da que se venceria até ao início do trimestre em que ocorra o reembolso (por referência às respetivas demonstrações financeiras).O mutuante pode, deste modo, solicitar o reembolso total ou parcial do empréstimo participativo, incluindo qualquer remuneração devida, desde que tal se encontre previsto no contrato ou nas condições de emissão e respeite as condições neles previstas.

    Os limites ao pagamento da remuneração são igualmente aplicáveis ao pagamento do reembolso.

     

  8. Conversão em Capital SocialRequisitos

    Para além das situações que hajam sido previamente definidas no contrato, o regime dos empréstimos participativos permite a conversão do empréstimo em capital social, nos seguintes casos:a) O reembolso não ocorreu na totalidade, mesmo após decorrido o prazo de reembolso fixado pelas partes no contrato ou nas condições de emissão dos títulos representativos de dívida;
    b) O mutuário não efetuou o pagamento da remuneração devida durante mais de 12 meses, seguidos ou interpolados, em determinado período fixado no contrato ou nas condições de emissão dos títulos representativos de dívida;
    c) O órgão de administração do mutuário não apresentou ao mutuante comprovativo da aprovação de contas e depósito na Conservatória do Registo Comercial decorridos 12 meses sobre o prazo legal para o efeito.

    Apresentação da Proposta de Conversão

    Uma vez que se verifique qualquer uma das situações previamente descritas, o mutuante pode apresentar proposta de conversão em capital social do empréstimo participativo ao mutuário, acompanhada de relatório elaborado por revisor oficial de contas.
    Para efeitos de preparação da proposta, o órgão de administração do mutuário deverá prestar ao mutuante a informação que por este haja sido solicitada. De realçar que, caso esta informação não seja prestada no prazo de 10 dias a contar da data em que a mesma seja solicitada, o valor da participação é aferido pelo revisor oficial de contas.
    Neste sentido, assim que a proposta de conversão seja recebida, o mutuário deverá convocar uma Assembleia Geral com o intuito de aprovar a proposta, no prazo máximo de 60 dias contados da data de receção do pedido.
    Alteramos para o facto de, na eventualidade de a proposta ser recusada, não ter sido convocada a Assembleia Geral ou não ser aprovada ou executada qualquer uma das deliberações nela previstas, num prazo de 90 dias a contar da data de receção da proposta, o mutuante poder requerer o suprimento judicial da deliberação de alteração social.

    Direitos de Preferência

    Nos termos previstos na legislação aplicável, os sócios ou acionistas do mutuário gozam sempre de preferência no aumento de capital.

    Consequentemente, caso exerçam o seu direito de preferência, o aumento deve ser realizado em dinheiro, que é obrigatoriamente aplicado na amortização dos créditos que, de outra forma, seriam convertidos em capital social.

    Caso não seja exercido o direito de preferência por qualquer um dos sócios ou acionistas, podem os preferentes subscrever a parte de capital que caberia aos demais, na proporção das suas ações.

    Efetivação

    A conversão em capital reduz proporcionalmente as participações dos titulares de participação social no capital social do mutuário que não tenham previamente participado no aumento de capital do mutuário.

    A participação no capital social do mutuário decorrente da conversão do empréstimo participativo é proporcional ao valor do empréstimo não pago, acrescido do valor nominal das remunerações que não hajam sido pagas, relativamente ao capital próprio do mutuário nas últimas contas aprovadas, o qual deve incluir, para efeitos deste cálculo, o valor total dos empréstimos participativos contraídos. Após o aumento de capital social, o capital próprio do mutuário tem de ser superior ao valor do capital social à data da proposta.

    Alternativas
    Se o contrato de sociedade do mutuário assim o permitir ou, alternativamente, caso seja deliberada emissão de obrigações convertíveis em ações pela assembleia geral do mutuário, o mutuante e o mutuário, podem estabelecer no contrato que o mutuante tem um direito potestativo à conversão do empréstimo participativo em capital social do mutuário, nas circunstâncias e nos termos definidos expressamente pelas partes.

  9. Transmissibilidade
    Nos termos definidos no presente diploma, os créditos emergentes dos contratos de empréstimo participativo podem ser cedidos a terceiros, incluindo-se, neste âmbito as sociedades de titularização de crédito.
  10. Articulação com o regime da insolvênciaEm caso de insolvência do mutuário, os empréstimos participativos consideram-se créditos subordinados, graduados acima dos créditos dos sócios e de outras pessoas especialmente relacionadas com o devedor.

 

CONCLUSÕES

Do acima exposto, importa, assim, sublinhar que a grande novidade trazida pelo regime dos empréstimos participativos prende-se com a possibilidade de conversão do capital de empréstimos participativos contratados sob a forma de mútuo.

Do elenco de entidades que podem conceder empréstimos participativos, destacamos, ainda, o recém-criado Fundo de Capitalização e Resiliência gerido pelo Banco Português de Fomento. Ficamos, assim, a aguardar a possibilidade de serem concedidos empréstimos participativos no âmbito dos programas de apoio deste mesmo Fundo, bem como outros similares.

 

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