09.11.2021

Áreas de Prática: Financeiro

Setores: Banca e Serviços Financeiros, Seguros

Fim das práticas discriminatórias no acesso a seguros e créditos bancários

Teve lugar, no dia 22 de outubro de 2021, a aprovação do Projeto de Lei n.º 691/XIV/2.ª, que prevê o fim das práticas discriminatórias no acesso a seguros e a créditos bancários por parte de doentes de cancro, VIH ou diabetes, também conhecida por “Lei do Direito ao Esquecimento”.

Neste contexto, e tendo em consideração a redação final datada de 3 de novembro, elaboramos esta nota informativa, com breves indicações sobre o âmbito e medidas do diploma sob análise.

 

1. Contexto Legislativo
Atendendo à necessidade de reavaliação da situação de pessoas curadas de determinadas patologias ou que sofrem de doenças controladas como cancro, diabetes, VIH/SIDA ou Hepatite C, que têm vindo a enfrentar obstáculos variados no que toca a pedidos de crédito pessoal ou subscrição de seguros de vida, foi apresentado e aprovado na generalidade e especialidade o projeto de Lei n.º 691/XIV/2.ª relativo a esta temática.

Neste sentido, e após a votação final global do diploma, o mesmo fica agora a guardar publicação no Diário da República e entrará em vigor no dia 1 de janeiro de 2022.

 

2. Objeto e âmbito de aplicação
A presente Lei vem instituir em Portugal o “Direito ao Esquecimento” por parte de pessoas que tenham superado situações de risco agravado de saúde no acesso a contratos de crédito e seguro.

 

2.1. Alteração e Aditamento ao Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril

O presente diploma procede à revisão dos artigos 15.º e 217.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, na sua redação atual, bem como ao aditamento dos artigos 15.º-A e 15.º-B ao mesmo diploma.

Neste sentido, passam a ser consideradas práticas discriminatórias, em razão da deficiência ou em risco agravado de saúde, as ações ou omissões, dolosas ou negligentes, que violem o princípio da igualdade, implicando para as pessoas naquela situação um tratamento menos favorável do que aquele que seja dado a outra pessoa em situação comparável, remetendo diretamente para os termos da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto.

Importa realçar que se encontra prevista expressamente a supervisão da Autoridade de Seguros e Fundos de Pensões relativamente a práticas e técnicas de avaliação, seleção e aceitação de riscos próprios do segurador, para efeitos de celebração, execução e cessação do contrato de seguro.

Destaca, ainda, a obrigatoriedade de prestação de informação sobre o rácio entre os fatores de risco específicos e os fatores de risco de pessoa em situação comparável mas não afetada por aquela deficiência ou risco agravado de saúde, por parte do segurador ao proponente ao qual tenha sido recusada a celebração de um contrato de seguro ou tenha ocorrido o agravamento do respetivo prémio em razão de deficiência ou de risco agravado de saúde.

Propõem, adicionalmente, o aditamento ao Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, dos artigos 15.º-A e 15.º-B, relativamente ao acesso aos créditos e a seguros, no qual o Estado celebra e mantém um acordo nacional relativo ao acesso ao crédito e a contratos de seguros por parte de pessoas que tenham superado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência, entre este e as associações setoriais representativas de instituições de crédito, sociedades financeiras, sociedades mútuas, instituições de previdência e empresas de seguros e resseguros, bem como organizações nacionais que representam pessoas com risco agravado de saúde, pessoas com deficiência e utentes do sistema de saúde.

Elenca, igualmente, quais os beneficiários da medida acima exposta, bem como as entidades às quais se aplica o acordo, assumindo particular importância a possibilidade de se convencionar um mecanismo de pooling para os custos adicionais decorrentes da contratação de seguros ou créditos com pessoas que tenham superado situações de risco de saúde agravado ou de deficiência o qual será exclusivamente financiado pelas instituições privadas aderentes.

Neste âmbito, fica a cargo do Banco de Portugal, no que respeita aos contratos de créditos, e à Autoridade de Seguros e Fundos de Pensões, relativa a contratos de seguros, a fiscalização do cumprimento do referido acordo.

Damos especial nota que estas medidas aplicam-se igualmente a pessoas que apesar de terem superado situações de risco agravado e que tenham, comprovadamente cessado a fase de tratamento ativos, ainda se encontrem a realizar tratamentos coadjuvantes.

 

2.2. Alteração à Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto

Propõe, assim, a alteração dos artigos 3.º e 9.º da Lei n.º 46/2006 de 28 de agosto, , relativamente à definição de “pessoa com risco agravado de saúde” enquanto “pessoa que sofre de toda e qualquer patologia que determine uma alteração orgânica ou funcional, de longa duração, evolutiva, potencialmente incapacitante e que altere a qualidade de vida do portador a nível físico, mental, emocional, social e económico e seja causa potencial de invalidez precoce ou de significativa redução de esperança de vida”, bem como as consequências aplicáveis à violação do acordo que concretiza o disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 72/2008, supra referido.

 

CONCLUSÕES

O “Direito ao Esquecimento”, pela sua importância social, tem vindo a ser desenvolvido em contexto europeu, com foco na evidente e necessária tutela das pessoas com risco agravado de saúde que pretendam aceder a produtos de crédito e/ou seguros.

Importa, assim, sublinhar a importância da adoção deste diploma em Portugal e as consequências positivas da implementação das presentes medidas, em doentes com cancros superados ou outras doenças crónicas que, ainda que não superadas, estejam sob controlo, que até à presente data podiam ver dificultado o acesso à contratação de seguros de vida e créditos.

Conhecimento