O Novo Regime de Gestão de Ativos

Foi publicado o novo Regime de Gestão de Ativos, aprovado por intermédio do Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28 de abril (“RGA”).

Com o RGA, Portugal passa a dispor de um regime unitário, coerente e transversal aos vários tipos de organismos de investimento coletivo existentes no ordenamento jurídico nacional, revogando-se a anterior legislação vigente nesta matéria (o Regime Jurídico do capital de Risco, do Empreendedorismo Social e do Investimento Social – “RJCRESIE” – e o Regime Geral dos Organismos Coletivos – “RGOIC”).

O presente diploma entra em vigor a 29 de maio de 2023, salvo determinadas exceções previstas no regime transitório e referidas abaixo.

 

1. Sociedades Gestoras

As diferentes categorias de Sociedades Gestoras (“SG”) são reduzidas às seguintes:

– Sociedades Gestoras de Organismos de Investimento Coletivo– “SGOIC”; e,

– Sociedades de Capital de Risco – “SCR”.

Assim, as duas tipologias de SG agora vigentes terão o seguinte âmbito de atividade:

(i) SGOIC:

Podem exercer, alternativa ou cumulativamente:

a) A atividade de gestão de Organismos de Investimento Coletivo em Valores Mobiliários (“OICVM”);

b) A atividade de gestão de Organismos de Investimento Alternativo (“OIA”), encontrando-se apenas excluída a possibilidade de gestão, a título exclusivo, de OIA de capital de risco;

c) Atividades e serviços de investimento, variáveis consoante a atividade desenvolvida diga respeito à gestão de OICVM ou de OIA

(ii) SCR:

a) a atividade de gestão de OIA, desde que pelo menos um dos organismos geridos seja qualificado como OIA de capital de risco e a maioria dos organismos sob gestão não sejam OIA imobiliários”.

b) as SCR de grande dimensão podem ainda desenvolver as atividades e serviços de investimento que as SGOIC se encontrem habilitadas a desenvolver relativamente à atividade de gestão de OIA.

Em cada tipologia de SG, o RGA vem prever duas categorias: Sociedades Gestoras de grande e de pequena dimensão.

A categoria de cada SG variará consoante os ativos sob gestão de SG excedam (grande dimensão) ou não (pequena dimensão) (i) 100.000.000€ e incluam ativos adquiridos através de recurso ao efeito de alavancagem ou (ii) 500.000.000€ e não incluam ativos adquiridos através do recurso ao efeito de alavancagem e em relação aos quais não existam direitos de reembolso que possam ser exercidos durante um período de 5 anos a contar da data de investimento inicial.

Consoante a qualificação de SG como sociedade de grande ou de pequena dimensão, será distinto o regime aplicável.

Destacamos, a nível do regime aplicável, as seguintes diferenças:

(i) Procedimento simplificado de autorização, aplicável somente à atividade de gestão de OIA por SG de pequena dimensão, com prazo de decisão da Comissão do Mercado de Valores Mobiliário (“CMVM”) estipulado em 30 dias (versus o prazo de decisão de 3 meses aplicável às SG de grande dimensão)

(ii) Um número reduzido de elementos instrutórios necessários ao pedido de autorização de SG de pequena dimensão;

(iii) Capital inicial mínimo de € 75.000, com obrigatoriedade de constituição de um montante adicional de fundos próprios de 0,02% do montante em que o valor líquido global das carteiras sob gestão exceda € 250.000.000. Por referência às atuais sociedades gestoras de pequena dimensão (SCR e SGOIC) o montante de capital inicial reduz-se de € 125.000 para € 75.000;

(iv) A dispensa de designação de depositário relativamente a OIA dirigidos exclusivamente a investidores profissionais quando geridos por sociedade gestora de pequena dimensão; e

(v) A possibilidade de prestação de serviços transfronteiriços na União Europeia, ao abrigo da liberdade de prestação de serviços ou do direito de estabelecimento, exclusivo às SG de grande dimensão.

 

2. Organismos de Investimento Coletivo:

A entrada em vigor do RGA também veio introduzir alterações na tipologia de Organismos de Investimento Coletivo (“OIC”), particularmente a nível dos OIA.

Mantém-se, ao abrigo deste novo regime, as tipologias de OIC previamente existentes (OICVM e OIA), criando-se uma categoria residual de OIA. Esta nova categoria abrange aqueles OIA que tenham por objeto “O investimento em valores mobiliários ou em outros ativos financeiros ou não financeiros, incluindo nos ativos permitidos aos tipos de OIA mencionados nas alíneas anteriores”, substituindo os atuais OIA em valores mobiliários, organismos de investimento em ativos não financeiros e fundos de empreendedorismo social.

A possibilidade de emissão de obrigações por parte de OIAs encontra-se agora expressamente admitida – quer para organismos sob forma societária, quer sob forma contratual –, por referência ao regime estabelecido no Código das Sociedades Comerciais, com as adaptações constantes do RGA, nomeadamente com os limites expressamente previstos para o endividamento.

Relativamente aos OIAs, denota-se a particular atenção do legislador à tentativa de fomentar a sua competitividade, atratividade e fomentação, sendo os seus regimes objeto de cirúrgicas alterações no sentido de atingir estes fins.

Por referência a cada um destes OIA, e para além dos OIA de tipo residual que referimos acima, destacamos:

(i) OIA Imobiliários:
Para além da manutenção dos restantes ativos suscetíveis de integrar o património deste tipo de OIA, alarga-se o catálogo de ativos suscetíveis de investimento por esta tipologia de OIA, abrangendo-se ativos que, até então, eram apenas passiveis de integrar os organismos de investimento imobiliário (investimento em prédios rústicos e mistos e desenvolvimento de projetos de construção e de reabilitação de imóveis para arrendamento, exploração onerosa ou revenda).

(ii) OIA de capital de risco:

a) Obrigatoriedade de prever o período de detenção de investimentos nos respetivos documentos constitutivos nos casos em que este período seja igual ou superior a 12 anos;

b) Obrigatoriedade de investir, no mínimo, em 10% de ações emitidas por cada uma das entidades em que o OIA de capital de risco detenha valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamentado;

c) Ausência de estipulação que, anteriormente, impunha limites máximos de investimento em valores mobiliários admitidos à negociação

(iii) OIA de Créditos:

a) A possibilidade de SG de pequena dimensão gerirem OIA de Crédito;

b) A aplicação de determinados aspetos do regime de crédito bancário à atividade de concessão de crédito por estes OIA; e

c) a participação de OIA de Crédito na central de responsabilidade de crédito.

 

2.1 Comercialização, Pré-Comercialização e Agentes Vinculados

Em matéria de pré-comercialização de OIC, destaca-se a criação da figura de Agentes Vinculados, em linha com o que já vem sendo permitido em outros ordenamentos europeus.

Passa, assim, a ser permitido às SG contratarem com intermediários financeiros registados juntos da CMVM para o exercício das atividades de colocação com ou sem garantia ou de receção e transmissão de ordens por conta de outrem para que, através destes, exerçam a atividade de pré-comercialização.

A Atividade de pré-comercialização só pode ser exercida por SG em relação à sua atividade de gestão de OIA, e só pode ser direcionada a investidores profissionais. Os agentes vinculados de SG estão sujeitos ao regime disposto no CVM, com as respetivas adaptações.

Relativamente à comercialização de OIC, são ainda destacadas as seguintes alterações:

a) Modificações no regime de passaporte, nomeadamente quanto às alterações da informação apresentada pela sociedade gestora para o exercício de atividade noutro Estado-membro ao abrigo da liberdade de prestação de serviços ou do estabelecimento de sucursal;

b) Revogação das regras relativas ao regime das comunicações promocionais da Diretiva UCITS, passando este regime a constar do Regulamento (UE) 2019/1156, de 20 de junho de 2019;

c) Previsão dos meios que a sociedade gestora da União Europeia deverá dispor no âmbito da comercialização transfronteiriça de OIC junto de investidores não profissionais em Portugal, sendo clarificado que não é exigida presença física;

d) Aditamento de informações ao conteúdo da carta de notificação para efeitos de comercialização transfronteiriça de OIC;

e) Ajustamento do regime aplicável às alterações aos elementos comunicados no âmbito da notificação para a comercialização transfronteiriça;

f) Previsão de um procedimento harmonizado de cessação da comercialização transfronteiriça; e

g) Introdução do regime da pré-comercialização transfronteiriça de OIA a investidores profissionais.

 

3. Fiscal

Como é sabido, os rendimentos obtidos pelos OIC e os Fundos de Capital de Risco beneficiam de um regime especial de tributação, previsto no Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), bem como os rendimentos respeitantes às respetivas unidades de participação pagos ou colocados à disposição dos respetivos titulares.

Contudo, surge com o novo regime uma nova figura – OIA de Créditos – que, por se tratar de uma figura nova, não se encontra expressamente previsto na tipologia do EBF, mas que por serem OIC deverão ser aí incluídos.

A dúvida que surge e tem assolado o mercado é se esta nova figura deverá ser enquadrada no regime fiscal previsto para os Fundos de Capital de Risco ou se como um subtipo de Fundo de Investimento Mobiliário. A dúvida é pertinente e relevante na medida em que o enquadramento num ou noutro regime pode resultar ou não numa exclusão de tributação relevante em sede de IRC.

Isto porque, se for enquadrado como Fundo de Investimento Mobiliário uma mais valia obtida com a alienação de uma carteira de créditos estará sujeita a IRC, mas se for enquadrado no regime dos Fundos de Capital de Risco essa mais-valia já será isenta. Com efeito, enquanto os Fundos de Capital de Risco beneficiam de uma isenção total de IRC dos rendimentos por si gerados, os Fundos de Investimento Mobiliário apenas beneficiam desse isenção nalgumas categorias de rendimentos, onde não se incluem as referidas mais-valias.

Resta saber qual virá a ser a posição da autoridade tributária nesta matéria e se irá emitir algum esclarecimento sobre este tema por forma a trazer alguma segurança e certeza jurídica nesta sede.

Em suma, merecem destaque as seguintes alterações:

1. Sociedades Gestoras:

a) Requalificação da tipologia de SG, passando o ordenamento jurídico nacional a prever apenas dois tipos de Sociedades Gestoras: as SGOIC, e as SCR, eliminando-se as figuras das Sociedades de Empreendedorismo Social (“SES”) e as Sociedades Gestoras de Fundos de Capital de Risco (“SGFCR”);

b) A criação de Sociedades Gestoras de Grande Dimensão e de Pequena Dimensão, categorias transversais aos dois tipos de Sociedade Gestora de ora em diante existentes em Portugal;

c) Criação de um procedimento simplificado de autorização, aplicável às sociedades gestoras de pequena dimensão, no que diz respeito à atividade de gestão de OIA (permitida quer à SGOIC, quer à SCR);

d) Simplificação e agilização de procedimento instrutório para a constituição e início de atividade de Sociedades Gestoras;

e) Exclusão das Sociedades de Desenvolvimento Regional da possibilidade de gerir OIA de capital de risco.

 

2. Organismos de Investimento Coletivo:

a) Mantém-se a tipologia de OICs já existente no Ordenamento Jurídico Português: Organismos de Investimento em Valores Mobiliários e Organismos de Investimento Alternativo;

b) Relativamente aos OIA, passam a estar previstos i) OIA imobiliários; ii) OIA em capital de Risco; iii) OIA de Créditos; iv) criação de uma nova figura residual de OIA, em substituição dos atuais OIA em valores mobiliários, organismos de investimento em ativos não financeiros e fundos de empreendedorismo social;

c) Possibilidade de Emissão de Obrigações por parte de OIA, que passa a estar expressamente prevista;

d) Introdução da figura do Agente Vinculado, inovação no nosso ordenamento jurídico, passando a ser possível na fase de comercialização de OICs nomear este agente para atuar em nome e representação da sociedade gestora;

e) Desenvolvimento do regime aplicável a OIA de Créditos, passando a estar previsto o regime aplicável à concessão de crédito pelos OIA de Créditos;

f) Eliminação da figura do investidor em capital de risco;

g) Introdução do regime de Pré-comercialização transfronteiriça de OIA a investidores profissionais.

 

3. O regime transitório acautela determinadas matérias da seguinte forma:

a) Prazo de 180 dias para que SG e OICs se adaptem ao disposto no RGA;

b) Manutenção em vigor dos regulamentos da CMVM adotados ao abrigo do RGOIC e do RJCRESIE, na medida em que sejam compatíveis com o RGA, e até que se proceda à sua substituição, revogação, ou alteração expressa;

c) Aplicação dos procedimentos previstos no RGA no tocante a pedidos de autorização ou de registo para início de atividade, pendentes à data de entrada em vigor do RGA, convertendo-se os procedimentos aplicáveis aos previstos no RGA, com reinício da contagem de novos prazos de decisão;

d) Extinção de procedimentos pendentes à data de entrada em vigor do RGA relativos a factos que anteriormente estavam sujeitos a autorização e registo e agora passam a estar sujeitos a mera comunicação dos factos;

e) Manutenção dos prazos previstos nos regimes anteriores relativamente às comunicações sujeitas a oposição da CMVM em que os prazos de oposição se encontrem ainda em curso à data de entrada em vigor deste diploma;

f) Sujeição automática ao regime das sociedades gestoras de pequena dimensão ou OIA autogerido autorizadas à data de entrada em vigor do presente diploma que preencham os requisitos estabelecidos no RGA relativos à sociedade gestora de pequena dimensão, havendo, no entanto, a possibilidade de, através de mera comunicação à CMVM estas SG ou OIA autogeridos poderem manifestar a sua intenção de ser qualificados como sociedades gestoras de grande dimensão;

g) Prazo de adaptação ao RGA de 1 ano para os fundos de gestão de património imobiliário (Criados ao abrigo do DL 316/93 de 21 de setembro);

h) Prazo de 1 ano para extinção dos fundos de investimento mobiliário por trabalhadores de sociedades em processo de reprivatização e de fundos de sindicação de capital de risco, sem prejuízo da hipótese de conversão em OIC disciplinados pelo RGA.

 

Conclusão:

É notório o esforço do legislador em alcançar os objetivos visados com esta profunda remodelação do panorama legislativo aplicável à gestão de investimento coletivo: o reforço da competitividade e atratividade do mercado nacional, a coerência e proporcionalidade da regulação, a preferência pela supervisão ex post ao invés da supervisão ex ante e a simplificação da regulação aplicável.

Por seu turno, elimina-se o goldplaiting e promove-se a aproximação a legislação nacional ao quadro legislativo europeu, acompanhando as tendências e práticas de mercados de outros Estados-Membros.

É de esperar que os efeitos deste novo Regime contribuam de forma positiva para o aumento da atratividade, dinamização e crescimento deste importante setor.

Como podemos ajudar?

A equipa de Direito Financeiro da Abreu Advogados tem uma equipa que se encontra especialmente vocacionada e preparada para apoiar as sociedades gestoras, OICs, investidores e demais participantes no planeamento e na execução de todas as ações necessárias ao cumprimento destas novas regras que serão implementadas no nosso mercado.

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