19.12.2023

Áreas de Prática: Financeiro

Novas regras para os contratos de serviços financeiros celebrados à distância

  1. Contexto e enquadramento legislativo

No dia 29 de novembro foi publicada a nova Diretiva (UE) 2023/2673 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de novembro de 2023, sobre contratos de serviços financeiros celebrados à distância (“Nova Diretiva”). Esta Diretiva vem alterar a Diretiva 2011/83/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores (“DDC”), e revogar a Diretiva 2002/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro de 2002, relativa à comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores (“Diretiva 2002/65/CE”).

A DDC não abrangia serviços financeiros (ie serviços de natureza bancária, de crédito, de seguros, de pensão individual, de investimento ou de pagamento), o que impedia a complementaridade entre esta e a Diretiva 2002/65/CE sobre a comercialização à distância de serviços financeiros prestados a consumidores. Nesse sentido, a Nova Diretiva vem alargar o âmbito da DDC, passando esta a incluir um capítulo expressamente dedicado aos contratos de serviços financeiros celebrados à distância, o Capítulo III-A.

A revogação da Diretiva 2002/65/CE prende-se principalmente com a necessidade de atualização das regras aplicáveis aos contratos de serviços financeiros celebrados à distância em consequência da evolução do mercado dos serviços financeiros e dos meios de comunicação à distância utilizados.

 

  1. Principais objetivos

Os principais objetivos desta Nova Diretiva são modernizar e simplificar as normas aplicáveis aos contratos de serviços financeiros celebrados à distância, criando um conjunto de regras harmonizado a nível europeu. A simplificação e harmonização das normas trazem óbvias vantagens, tanto para os consumidores como para as instituições financeiras, na medida em que garantem acrescida transparência e segurança jurídica.

 

  1. Alterações

As principais alterações trazidas por esta Nova Diretiva são relativas:

  1. ao direito de retratação;
  2. a informações pré-contratuais;
  • a padrões obscuros;
  1. a ferramentas automatizadas.

 

Direito de retratação

A Nova Diretiva continua a prever um prazo de 14 dias de calendário para o exercício do direito de retratação, sem necessidade de indicação do motivo nem penalização. O prazo conta-se após a data da celebração do contrato à distância ou a data em que o consumidor receba tanto a informação pré-contratual como os termos e condições contratuais, se essa data for posterior à data da celebração do contrato à distância. Se o consumidor não tiver recebido a informação pré-contratual nem os termos e condições contratuais, o prazo de retratação apenas expira decorridos 12 meses e 14 dias de calendário após a celebração do contrato à distância e, caso o consumidor não tenha sido informado sobre o seu direito de retratação num suporte duradouro, poderá exercer o direito de retratação sem qualquer limitação de prazo. Há também alterações às normas relativas ao direito de retratação nos casos em que os contratos são celebrados através de uma interface em linha, ou seja, de um website ou aplicação móvel, nos quais se passam a prever obrigações adicionais para o prestador de serviços financeiros à distância. Nestes casos, terá de ser assegurada ao consumidor a possibilidade de exercer o direito de retratação através da mesma interface que utilizou para celebrar o contrato. Esta função de retratação terá de estar disponível e visível durante todo o prazo de retratação.

 

Informações pré-contratuais

Os requisitos de informação aplicáveis aos contratos à distância para serviços financeiros prestados a consumidores são semelhantes aos já existentes na Diretiva 2002/65/CE. No entanto, há algumas alterações no sentido da modernização e adaptação destes requisitos ao ambiente digital.

Passa-se, assim, a incluir, se aplicável, a obrigatoriedade de facultar ao consumidor a informação de que o preço foi personalizado com base numa decisão automatizada.

Sempre que a estratégia de investimento do serviço financeiro integre fatores ambientais ou sociais, terão de ser prestadas ao consumidor informações sobre quaisquer objetivos ambientais ou sociais visados pelo serviço financeiro.

É também de carácter obrigatório o fornecimento de instruções práticas para o exercício do direito de retratação, referido no ponto anterior, aqui se incluindo a prestação de informações sobre a existência e localização da função de retratação, quando se trate de contrato celebrado através de uma interface em linha (website ou aplicação móvel).

Por último, é introduzida a obrigação de informar o consumidor quando, no caso de informações prestadas por via eletrónica, o profissional é autorizado a organizar essas informações por níveis. Esta prática é conhecida como layering e consiste em apresentar, num primeiro nível, mais visível, as informações consideradas essenciais e, apenas posteriormente, num segundo plano, apresentar as partes mais pormenorizadas da informação pré-contratual. Se o layering for utilizado, o consumidor terá de ter a opção de ver, guardar e imprimir todas as informações, constantes dos vários níveis, num único documento.

 

Padrões obscuros

A Diretiva acrescenta regras relativas a dark patterns, ou padrões obscuros. Estes correspondem a “práticas que distorcem ou prejudicam de forma substancial, intencional ou de facto, a capacidade dos consumidores que sejam destinatários do serviço financeiro de fazerem escolhas ou tomarem decisões autónomas e informadas”[1]. Estas práticas são proibidas pela Nova Diretiva em relação à prestação de serviços financeiros à distância. Complementarmente, o Regulamento (UE) 2022/2065 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de outubro de 2022, relativo a um mercado único para os serviços digitais, proíbe os padrões obscuros em websites operados por prestadores intermediários de serviços.

Atenta a gravidade destas práticas quando operadas no âmbito da contratação de serviços financeiros, a Nova Diretiva possibilita aos Estados-Membros introduzirem regras mais rigorosas.

 

Ferramentas automatizadas

Quando o profissional fornece ao consumidor explicações pré-contratuais relativas a contratos de serviços financeiros à distância através de ferramentas automatizadas como chatbots, aconselhamento automatizado ou ferramentas interativas, deverá haver sempre a possibilidade de o consumidor optar por uma intervenção humana, a título gratuito. As regras relativas a ferramentas automatizadas são semelhantes às presentes na 2ª Diretiva do Crédito aos Consumidores (ver a nota informativa sobre as Novas regras para o crédito ao consumo na EU – Diretiva 2023/2225).

 

Outras alterações

A Nova Diretiva vem também estender a aplicação de certas normas já existentes na DDC aos contratos de serviços financeiros à distância, nomeadamente as relativas a pagamentos adicionais, à execução, à prestação não solicitada e à prestação de informações, bem como à aplicação de sanções.

 

  1. Entrada em vigor

A Nova Diretiva foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia a 28 de novembro e as medidas introduzidas entraram em vigor vinte dias depois da sua publicação, ou seja, no dia 18 de dezembro de 2023. Os Estados-Membros terão um período de 24 meses, até 19 de dezembro de 2025, para transpor a Nova Diretiva para os respetivos ordenamentos jurídicos, tendo as novas disposições de ser aplicadas a partir de 19 de junho de 2026.

 

  1. Como podemos ajudar?

Apesar de as novas regras apenas entrarem em vigor no ano de 2026, os prestadores de serviços financeiros deverão antecipar o cumprimento das obrigações emergentes desta Nova Diretiva, nomeadamente no sentido da adaptação dos websites e aplicações móveis utilizados para a contratação de serviços financeiros às novas regras em sede de padrões obscuros, ferramentas automatizadas e layering de informação pré-contratual.

A Abreu Advogados tem uma equipa especializada em Direito Bancário e Financeiro que poderá auxiliar os Clientes no acompanhamento e análise de nova legislação que crie obrigações e na implementação de soluções que facilitem o seu cumprimento, nomeadamente daquelas que serão impostas pelas medidas constantes desta Nova Diretiva.

 

[1] ver considerando 41 da Nova Diretiva

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