30.11.2023

Áreas de Prática: Financeiro

Novas regras para o crédito ao consumo na UE – Diretiva 2023/2225

 1. Contexto

 

No dia 30 de outubro de 2023, foi publicada a Diretiva (UE) 2023/2225 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de outubro de 2023, sobre os contratos de crédito aos consumidores, comummente referida como a 2.ª Diretiva do Crédito aos Consumidores (doravante a “CCD II”).

A CCD II vem substituir a anterior diretiva (Diretiva 2008/48/CE ou “CCD I”) e pretende adaptar o regime do crédito ao consumo às novas formas de crédito, em particular as que são disponibilizadas online, e aos novos riscos a estas associados. Esta necessidade de revisão adveio também do reconhecimento que alguns aspetos da CCD I foram diferentemente transpostos pelos vários ordenamentos jurídicos nacionais, o que importava corrigir.

 

2. Principais objetivos

 

Um dos principais objetivos da CCD II é, pois, alcançar uma maior harmonização em matéria de contratos de crédito aos consumidores, através da promoção de uma abordagem mais uniforme na concessão de crédito aos consumidores nos vários Estados-Membros e assegurar um nível adequado e coerente de defesa dos consumidores em toda a União.

Esta harmonização permitirá potenciar o desenvolvimento de um mercado de crédito ao consumo transfronteiriço, enquanto cria um ambiente mais transparente e previsível para as transações de crédito em toda a UE, facilitando a compreensão e comparação de diferentes ofertas por parte dos consumidores.

A proteção do consumidor assume-se também como uma prioridade para o legislador europeu. Nessa medida, a CCD II vem estabelecer medidas destinadas a assegurar que os consumidores sejam informados de maneira clara e compreensível sobre os termos e condições dos contratos de crédito, capacitando-os a tomar decisões financeiras informadas. Considera-se que a proteção do consumidor é essencial para garantir relações equitativas entre as instituições financeiras e os consumidores, assim se promovendo uma acrescida confiança no mercado de concessão de crédito.

Por fim, a CCD II visa também contribuir para reduzir o sobre-endividamento, promovendo a consciencialização dos consumidores em relação aos custos associados à concessão de crédito, através da obrigatoriedade de prestação de certas informações por parte das instituições que concedem crédito e dos intermediários de crédito, incluindo na publicidade relativa a contratos de crédito. A avaliação obrigatória da solvabilidade dos consumidores e a prestação de informações adequadas ao consumidor sobre os contratos de crédito e quaisquer serviços acessórios também são uma concretização deste objetivo.

 

3. Descrição das medidas adotadas

 

O âmbito de aplicação da CCD II é mais alargado do que o da CCD I. Estas regras passam, agora, a aplicar-se também a:

  • Contratos de crédito de pequeno montante (abaixo de 200€);
  • Contratos de crédito sem juros nem quaisquer outros encargos, também conhecidos como créditos Buy-Now Pay-Later (BNPL);
  • Contratos de crédito cujo montante total de crédito é superior a 100.000€, desde que não sejam garantidos por hipoteca ou qualquer outra garantia equivalente, nem por um direito relativo a bens imóveis, cujo objetivo seja a realização de obras em imóveis de habitação;
  • Serviços de crédito ao consumidor concedidos por plataformas de crowdfunding;

Importa ainda destacar os seguintes desvios da CCD II face à CCD I, passando a considerar-se como estando igualmente excluídas do seu âmbito de aplicação as seguintes situações:

i. Contratos de crédito cujo montante total de crédito é superior a 100.000€ (o anterior limite era de 75.000€);

ii. Contratos de aluguer ou de locação financeira que não prevejam uma obrigação ou opção de compra do objeto do contrato, seja no próprio contrato, seja num contrato separado (anteriormente apenas estava prevista a obrigação);

iii. Pagamentos diferidos em que:

    1. um fornecedor de bens ou um prestador de serviços, sem que um terceiro disponibilize crédito, dá tempo ao consumidor para pagar os bens fornecidos ou os serviços prestados;
    2. o preço de compra é isento de juros e outros encargos e apenas contém encargos limitados imputados ao consumidor por mora no pagamento; e
    3. o pagamento deve ser integralmente efetuado no prazo de 50 dias a contar da entrega do bem ou da prestação do serviço.iv. Pagamentos diferidos em que um fornecedor de bens ou um prestador de serviços não seja micro, pequena ou média empresa, que ofereçam serviços da sociedade da informação que consistam na celebração de contratos à distância com consumidores em que:
      1. um terceiro não ofereça nem adquira crédito;
      2. o pagamento deva ser integralmente efetuado no prazo de 14 dias a contar da entrega dos bens ou da prestação dos serviços, e
      3. o preço de compra é isento de juros e quaisquer outros encargos e apenas contém encargos limitados imputados ao consumidor por mora no pagamento;
  • contratos de crédito respeitantes a empréstimos concedidos a um público restrito ao abrigo de uma disposição legal de interesse geral, com taxas devedoras inferiores às praticadas no mercado ou sem juros; e
  • contratos de crédito existentes em 20 de novembro de 2026 (com exceções).

Importa assinalar que a CCD II prevê que os Estados-Membros podem isentar da aplicação da presente diretiva determinadas situações (por exemplo os contratos de crédito sob a forma de cartões de débito diferido), restringir a aplicação de determinadas normas, por exemplo, relativamente ao pagamento diferido, ou determinar que em determinadas situações não devem ser aplicáveis algumas normas a contratos de crédito (i) cujo montante total de crédito seja inferior a 200€; (ii) em que o crédito seja concedido sem juros e sem quaisquer outros encargos ou (iii) através dos quais o crédito tenha de ser reembolsado no prazo de três meses e pelos quais sejam cobrados apenas encargos insignificantes.

Além do alargamento do âmbito de aplicação, a nova Diretiva introduz várias alterações ao regime vigente, das quais se destacam as alterações no âmbito:

  • das informações a prestar aos consumidores previamente à celebração do contrato de crédito,
  • das regras de publicidade; e
  • da avaliação de solvabilidade dos consumidores.

A informação pré-contratual é obrigatoriamente prestada a título gratuito e terá de incluir, de forma clara e destacada, todas as informações que sejam essenciais a uma tomada de decisão informada por parte do consumidor. Será necessário, por exemplo, informar o consumidor do montante total do crédito, das taxas de juro associadas, da TAEG, da duração do contrato de crédito e das consequências em caso de pagamentos em falta ou em atraso.

Relativamente à publicidade e comercialização de contratos de crédito, proíbe-se as comunicações que criem ou possam vir a criar falsas expectativas quanto ao custo de um crédito ou ao montante total imputado ao consumidor e exige-se que as instituições que concedem crédito ao consumidor incluam na publicidade uma advertência equivalente à seguinte:

Atenção! Pedir dinheiro emprestado custa dinheiro”.

As entidades estão, de igual forma, proibidas de incentivar os consumidores à contração de empréstimos quando esse incentivo se basear na premissa de que tal irá melhorar a sua situação financeira, ou equivalente. Ademais, os consumidores passarão a ter de ser informados, de forma clara, sempre que estiver em causa o tratamento automatizado de dados pessoais para efeitos de personalização das ofertas que lhes são apresentadas.

O direito de livre revogação sofreu, também, várias alterações no sentido de aumentar a proteção do consumidor. Além do prazo de 14 dias de calendário para exercer o direito de livre revogação do contrato de crédito sem qualquer motivo, se o consumidor não tiver recebido todos os termos e condições e todas as informações associadas ao contrato de crédito nos termos da nova Diretiva, este passa a dispor de 12 meses e 14 dias para revogar o contrato de crédito, a contar do momento da celebração. Este prazo não se aplica no caso de o consumidor não ter sido sequer informado do direito de livre revogação.

De igual modo, são também previstas alterações ao nível da avaliação da solvabilidade dos consumidores. Os mutuantes serão responsáveis pela realização desta avaliação prévia à concessão de crédito. A nova Diretiva enfatiza que o tratamento dos dados pessoais do consumidor tem de respeitar o RGPD e que, sempre que se recorrer ao tratamento automatizado dos dados no contexto desta avaliação, o consumidor tem o direito de ver explicadas as principais variáveis, a lógica e os riscos inerentes a este tratamento.

Numa lógica de acrescida proteção do consumidor, a nova Diretiva proíbe as vendas associadas obrigatórias (tying) e a concessão de crédito não solicitado pelo consumidor.

 

4. Impacto e obrigações para as instituições que concedem crédito e os intermediários de crédito

 

Os mutuantes e intermediários de crédito estarão obrigados ao cumprimento de todas as regras anteriormente referidas e das demais compreendidas pela CCD II. Mais, os mutuantes e os intermediários de crédito que não sejam instituições de crédito ou instituições de pagamento estarão sujeitos a um processo de autorização e registo junto do Banco de Portugal. Sem embargo, estarão isentas deste processo as instituições de moeda eletrónica.

A nova Diretiva impõe ainda obrigações específicas a cumprir pelos intermediários de crédito, que terão de indicar aos consumidores o alcance dos seus poderes e, caso aplicável, a remuneração a pagar pelo consumidor ao intermediário de crédito pelos serviços prestados por este último. O valor desta remuneração terá também de ser comunicado ao mutuante, para efeitos de cálculo da TAEG.

A CCD II vem também abranger os prestadores de serviços de crédito de financiamento colaborativo. Se estes concederem diretamente um crédito aos consumidores, ser-lhes-ão aplicáveis as regras relativas aos mutuantes. No caso de estarem meramente a intermediar a concessão de crédito entre mutuantes e consumidores, aplicam-se-lhes as regras relativas aos intermediários de crédito.

Importa ainda assinalar a necessidade de os mutuantes implementarem serviços de aconselhamento sobre gestão de dívida para os consumidores que tenham ou possam ter dificuldades em cumprir os seus compromissos financeiros, mediante a imputação de encargos limitados.

Por fim, é crucial que as instituições que atuem como mutuantes ou como intermediários de crédito aos consumidores a um nível transfronteiriço monitorizem o processo de implementação desta nova Diretiva nos vários Estados Membros, no sentido em que a harmonização não será total e poderá haver especificidades na legislação nacional dos Estados-Membros.

 

5. Como podemos ajudar?

 

As regras constantes da Diretiva 2023/2225 só serão aplicáveis a partir de 20 de novembro de 2026. Os Estados-Membros têm até 20 de novembro de 2025 para adotar e publicar as disposições necessárias para dar cumprimento a esta Diretiva e devem aplicá-las a partir de 20 de novembro de 2026. A Diretiva 2008/48 continuará a aplicar-se aos contratos de crédito em vigor até à adoção das novas disposições pelos Estados Membros e, quanto a estes, deverá aplicar-se até à sua cessação.

A Abreu Advogados tem ampla experiência no acompanhamento de instituições de crédito, sociedades financeiras e prestadores de serviços de financiamento colaborativo. Nesse âmbito, temos uma equipa especializada em Direito Bancário e Financeiro que poderá auxiliar os clientes no acompanhamento e análise de nova legislação que crie obrigações em relação às entidades financeiras e na implementação de soluções que facilitem o cumprimento dessas obrigações, nomeadamente das impostas pelas medidas constantes desta Diretiva.

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