Euro Digital – BCE avança para a fase de preparação do projeto

No passado dia 18 de outubro, o Conselho do Banco Central Europeu comunicou que iria avançar para a fase de preparação do processo de implementação do “Euro Digital”. De acordo com o comunicado do BCE, no final desta fase deverão estar estabelecidas as regras fundamentais do sistema de euro digital, com vista a permitir uma ponderação e futura decisão final sobre a emissão de um euro digital, quando concluído também o processo legislativo da União Europeia.

Esta nota informativa pretende esclarecer o projeto em curso para o Euro Digital, nomeadamente os seus objetivos, possíveis aplicações práticas e os próximos passos da sua evolução. Faz-se também uma breve reflexão sobre a Proposta de Regulamento relativo à criação do euro digital, avançada pela Comissão Europeia, e as consequências deste novo meio de pagamento para as instituições de crédito e para os prestadores de serviços de pagamento.

 

  1. O que é o Euro Digital?

 

O Euro Digital, tal como atualmente configurado, seria um método de pagamento eletrónico que estaria disponível, gratuitamente, para uso generalizado na Zona Euro.

Na sua versão atual, o Euro Digital assume as seguintes características:

  • É um método de pagamento digital suportado pelo BCE;
  • Aceite universalmente na Zona Euro e incorporado na rede ATM;
  • Gratuito;
  • Disponível não só online como offline;
  • Com garantia de segurança e privacidade;
  • Valor garantido pelo BCE, menos suscetível a volatilidade.

Os objetivos da criação do Euro Digital são variados, mas todos servem uma finalidade última: salvaguardar o papel da moeda pública pela disponibilização de uma alternativa digital, tornando a Zona Euro mais robusta, inovadora e competitiva.

Para compreender o Euro Digital, importa  distingui-lo das criptomoedas e, em particular, das chamadas stablecoins. Fundamentalmente, o Euro Digital é apoiado por um banco central, que garante a sua fiabilidade e estabilidade, mas impede a sua integração numa rede de descentralizada e reduz a sua suscetibilidade de vir a ser utilizado numa lógica de investimento ou especulação.

As criptomoedas e as stablecoins têm características distintas. As primeiras, na sua generalidade, incorporam a possibilidade de volatilidade do seu valor, o que não deverá acontecer com o Euro Digital. Por outro lado, a estabilidade e a credibilidade das stablecoins dependem da entidade que as emite e da sua capacidade para cumprir o compromisso de manter o valor da moeda ao longo do tempo. No caso das moedas digitais de bancos centrais, a solidez desse compromisso deverá ser mais resiliente, contribuindo para manter o seu valor.

 

  1. Quais são os usos possíveis?

 

De acordo com a informação disponibilizada pelo BCE, o Euro Digital terá amplo leque de usos, todos tendo em vista o objetivo de permitir a realização de pagamentos e transações com segurança e de assegurar um nível de privacidade semelhante ao da utilização de numerário.

Neste sentido, as principais operações que poderão ser realizadas com recurso ao Euro Digital serão, por exemplo, pagamentos de bens ou serviços, tanto em estabelecimentos físicos como online, transações entre indivíduos e transações de, para e entre instituições governamentais. Apesar destes serem os usos principais que o Banco Central Europeu definiu, há margem para explorar novos e diferentes usos desta forma digital do euro ao longo do seu projeto de desenvolvimento. Entre eles, a disponibilização de carteiras digitais operadas pelo BCE para guardar e transferir a moeda digital e a integração com a rede física ATM ou com os sistemas já disponibilizados pelos prestadores de serviços de pagamento.

 

  1. Cronologia do processo do Banco Central Europeu

 

O processo de CBDC (central bank digital currency) do Banco Central Europeu iniciou-se, em setembro de 2020, com um período de avaliação da viabilidade tecnológica do projeto e resultou em conclusões que serviram de base à fase de investigação, iniciada em outubro de 2021. Esta focou-se, essencialmente, em definir o formato e condições gerais de distribuição de um possível Euro Digital. Discutiram-se quais os usos prioritários do Euro Digital e quais as preferências e necessidades do mercado ao mesmo tempo que se intensificou o trabalho técnico relativo à avaliação de impacto no mercado.

A próxima fase, a de preparação, que agora se inicia, centrar-se-á na finalização do conjunto de regras para o euro digital e a identificação de prestadores de serviços para a eventual criação de uma plataforma e infraestrutura específicas para o Euro Digital. O processo incluirá também testes e experiências para assegurar a conformidade com os pré-requisitos técnicos do Eurosistema.

A par do trabalho técnico liderado pelo BCE e pelas autoridades nacionais, o Euro Digital tem sido discutido regularmente tanto no Conselho da União Europeia como no Parlamento Europeu, tendo ambas as instituições manifestado o seu apoio ao desenvolvimento do projeto. A decisão final sobre a emissão de um Euro Digital depende da adoção de um quadro legislativo a nível europeu.

 

  1. Proposta da Comissão Europeia

 

O processo legislativo para o Euro Digital foi iniciado pela Comissão Europeia, com a apresentação do Digital Euro Package, um pacote legislativo composto por três propostas relativas ao Euro Digital:

  • Proposta de Regulamento relativo à criação do euro digital;
  • Proposta de Regulamento relativo à prestação de serviços de euro digital por prestadores de serviços de pagamento constituídos em Estados-Membros cuja moeda não é o euro e que altera o Regulamento (UE) 2021/1230 do Parlamento Europeu e do Conselho;
  • Proposta de Regulamento relativo ao curso legal das notas e moedas em euros.

A Proposta de Regulamento relativo à criação do euro digital visa introduzir o euro digital como uma acréscimo à moeda existente, a par das notas e moedas físicas. Inclui os elementos fundamentais da conceção do euro digital, tendo em conta a sua viabilidade tecnológica, com o objetivo de o alinhar com os objetivos políticos pretendidos, e de permitir ao Banco Central Europeu emitir o euro digital de acordo com a sua missão e responsabilidades.

Esta Proposta da Comissão está, por agora, alinhada com os objetivos do BCE, conferindo curso legal ao Euro Digital, assegurando a sua aceitação universal e enfatizando preocupações com a garantia de um elevado nível de privacidade, enquanto refere também a necessidade de cumprimento de regras que minimizem o risco de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, concebe o euro digital como acessível, gratuitamente, em toda a Zona Euro, estabelecendo ainda a base regulatória das taxas sobre os serviços de pagamento e impõe limites à utilização do Euro Digital como reserva de valor.

Em relação aos prestadores de serviços de pagamento (“PSP”), a Proposta explica, num Considerando inicial, que “em conformidade com a autorização que lhes foi concedida para prestar serviços de pagamento ao abrigo da Diretiva 2015/2366, todos os prestadores de serviços de pagamento (PSP) autorizados na UE podem prestar serviços de pagamento em euros digitais, incluindo serviços de pagamento adicionais em euros digitais, para além dos serviços de pagamento básicos em euros digitais. Os prestadores de serviços de pagamento não necessitam de uma autorização adicional das respetivas autoridades competentes para prestarem serviços de pagamento em euros digitais.” É ainda referido que, quanto à distribuição do euro digital, os PSP deverão estabelecer uma relação contratual com os utilizadores.

Também as instituições de crédito que disponibilizem uma conta de pagamento passam a estar obrigadas a oferecer, a pedido dos clientes, “a totalidade do conjunto de serviços de pagamento básicos em euros digitais às pessoas singulares residentes nos Estados-Membros cuja moeda é o euro”, por força do artigo 14º da proposta da Comissão.

Aos bancos e prestadores de serviços de pagamento cabe a função de intermediários, com a responsabilidade de assegurar a distribuição e prestação de serviços relacionados com o Euro Digital (sem necessidade de para isso obter uma autorização adicional). Entre os serviços previstos estará, desde logo, a criação de condições para uso e acesso aos euros digitais, a abertura de contas, a iniciação e receção de pagamentos e a emissão de instrumentos de pagamento específicos.

Esta proposta é ainda uma versão preliminar. As fases seguintes do processo legislativo da União Europeia, até à aprovação final, serão morosas e, provavelmente, alterarão esta versão inicial publicada pela Comissão.

Por agora, fica claro o compromisso político com a integração dos operadores financeiros (sobretudo os bancos e os prestadores de serviços de pagamento) no projeto do Euro Digital, configurado como um serviço de pagamento adicional aos já disponibilizados. Essa novidade, a que se acrescenta a potencial obrigação de vir a disponibilizar serviços de pagamento básicos com euros digitais, deverá levar as instituições financeiras a acompanhar de perto o processo técnico e legislativo em curso, visando antecipar potenciais alterações regulamentares com impacto no seu negócio.

 

  1. Qual a contribuição de Portugal neste projeto?

 

Por forma a acompanhar o processo a partir de Portugal, o Banco de Portugal criou o Grupo de Contacto com o Mercado sobre o Euro Digital. Este grupo tem como objetivo promover a discussão entre diferentes intervenientes da sociedade com experiência profissional no mercado de pagamentos. Assim, espera-se obter a visão dos intervenientes em relação ao impacto do Euro Digital em vários setores de atividade e em relação às oportunidades que este projeto poderá trazer ao mercado de pagamentos português. É, esperado que os resultados da reflexão conjunta venham a ser comunicados ao BCE, através de recomendações que devem refletir os impactos e objetivos discutidos no panorama nacional.

 

  1. Como podemos ajudar?

 

Bancos e Prestadores de Serviços de Pagamentos vão ter um papel fundamental na distribuição desta nova forma do Euro. O Euro Digital vai implicar, entre outras novidades, o surgimento de novas formas de onboarding de clientes; a prestação de serviços de wallets; novos meios de pagamentos online e em POS; e a criação de funcionalidades avançadas com pagamentos programáveis que, em última análise, se vão estender a todos os serviços bancários.

A Abreu Advogados tem ampla experiência no acompanhamento de prestadores de serviços de pagamento, instituições de crédito, sociedades financeiras e sucursais de instituições de crédito e de instituições financeiras. Nesse âmbito, temos uma equipa especializada em Direito Bancário e Financeiro e tecnologia que poderá auxiliar os clientes no na estruturação jurídica de produtos e modelos de negócio inovadores no quadro da legislação do Euro Digital.

 

 

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