26.08.2025
Setores: Energia & Recursos Naturais
Novo Regime Jurídico da Mobilidade Elétrica: liberalização do modelo, reforço da transparência e novos prazos de adaptação
Foi publicado o Decreto-Lei n.º 93/2025, de 14 de agosto, que aprova o novo Regime Jurídico da Mobilidade Elétrica (RJME), revogando o Decreto-Lei n.º 39/2010. Este diploma executa na ordem jurídica interna o Regulamento (UE) 2023/1804 (AFIR), redefinindo profundamente a organização e funcionamento do setor, centrando-se na liberalização do modelo, promoção da concorrência, simplificação procedimental e reforço da experiência do utilizador final. O novo regime passa ainda a abranger expressamente as embarcações elétricas (marítimas e fluviais), refletindo uma necessidade em cobrir todas as realidades da mobilidade elétrica.
Fim da gestão centralizada e novo modelo de mercado
O novo regime elimina a obrigatoriedade de gestão centralizada da rede de mobilidade elétrica, até agora assegurada pela MOBI.E, permitindo que os operadores estabeleçam e explorem as suas próprias redes de pontos de carregamento, sem prejuízo de serem obrigados a permitirem o acesso universal a todos os utilizadores.
Este modelo assenta numa lógica de livre concorrência, sendo que os operadores poderão prestar diretamente o serviço de carregamento, contratar energia no mercado ou recorrer a autoconsumo. É igualmente extinta a figura do Comercializador de Eletricidade para a Mobilidade Elétrica (CEME), suprimindo-se um nível de intermediação e reduzindo-se custos para os operadores, que depois se refletiam nos consumidores/utilizadores.
O diploma prevê um regime transitório até 31 de dezembro de 2026, período durante o qual a atual plataforma se mantém em operação para efeitos de agregação e transmissão de dados, com tarifação regulada pela ERSE.
Pagamentos ad hoc e transparência de preços e novas definições legais
Os pontos de carregamento instalados ou renovados devem obrigatoriamente permitir o carregamento ad hoc, isto é, sem necessidade de contrato prévio, devendo ainda garantir a aceitação de meios de pagamento eletrónicos amplamente utilizados na União Europeia, incluindo cartões bancários e códigos QR.
Deve ainda ser assegurada a disponibilização, de forma clara e visível, dos preços aplicáveis e das suas componentes antes do início do carregamento, incluindo a divulgação da taxa ou tarifa de ocupação (overstay fee), bem como o respeito pelo princípio da não discriminação entre utilizadores e prestadores de serviços de mobilidade elétrica.
O diploma introduz, com força legal, as definições de “carregamento ad hoc”, “carregamento inteligente (smart charging)”, “carregamento bidirecional (vehicle-to-grid)” e “roaming eletrónico”, harmonizando a terminologia nacional com o Regulamento AFIR.
Para os pontos de carregamento de potência igual ou superior a 50 kW que já se encontrem instalados e em funcionamento à data de entrada em vigor do diploma, estas obrigações de meios de pagamento apenas serão exigíveis a partir de 1 de janeiro de 2027.
Dados e interoperabilidade
É criada a Entidade Agregadora de Dados para a Mobilidade Elétrica (EADME), responsável pela receção e transmissão ao Ponto de Acesso Nacional, gerido pelo IMT – Instituto da Mobilidade e Transportes, dos dados estáticos e dinâmicos relativos aos pontos de carregamento, conforme exigido pelo Regulamento AFIR.
A designação da EADME deverá ocorrer até 31 de dezembro de 2026, sendo que a atividade deve ser exercida de forma autónoma e independente em relação aos operadores do mercado.
Licenciamento e operação de pontos de carregamento
A operação de pontos de carregamento passa a depender de licença emitida pela DGEG – Direção-Geral de Energia e Geologia, com validade de 10 anos e possibilidade de prorrogação, ou, em certos casos ainda por definir em portaria, de mera comunicação prévia.
O regime introduz o deferimento tácito de pedidos de licença, mediante o decurso de 30 dias sem decisão expressa. Os operadores deverão ainda contratar seguro de responsabilidade civil e assegurar a realização de inspeções técnicas por entidades inspetoras reconhecidas (EIIEL) antes do início da exploração e, posteriormente, de cinco em cinco anos.
Instalação em domínio público e reforço da concorrência
A instalação de pontos de carregamento em bens do domínio público continua dependente de licença de utilização privativa. Nos casos de áreas de serviço, áreas concessionadas ou subconcessionadas e concessões municipais de estacionamento, os respetivos concessionários poderão instalar pontos de carregamento, mas deverão reservar espaço e submeter a concurso a instalação por outros operadores, de forma a garantir diversidade de oferta.
Novos requisitos urbanísticos
O diploma impõe que novas operações urbanísticas que incluam estacionamentos disponham de infraestrutura elétrica adequada para carregamento, com potência mínima a fixar por portaria.
Nos edifícios existentes, qualquer condómino poderá instalar ponto de carregamento para uso exclusivo ou partilhado, mediante comunicação prévia à administração do condomínio e com possibilidade de oposição apenas em casos taxativamente previstos (como a existência prévia de pontos partilhados adequados ou questões de segurança).
Tecnologia, energia e sustentabilidade
O novo regime contempla o carregamento inteligente e o carregamento bidirecional (vehicle-to-grid), permitindo aos veículos fornecer energia à rede. Os operadores podem recorrer a autoconsumo e são previstas regras para a valorização económica das emissões evitadas quando a eletricidade utilizada for proveniente integralmente de fontes renováveis, através da emissão de títulos de CO₂, a regulamentar por portaria.
Regulação, fiscalização e sanções
Compete à ENSE, E.P.E. e à AMT – Autoridade da Mobilidade e dos Transportes a fiscalização do cumprimento das disposições constantes do novo regime, sem prejuízo das atribuições da ERSE. Em caso de incumprimento grave, incluindo ausência de licença ou comunicação prévia, inexistência de seguro de responsabilidade civil obrigatório ou falta de realização das inspeções periódicas obrigatórias, a entidade fiscalizadora pode determinar o encerramento imediato do ponto de carregamento, bem como adotar as medidas necessárias à reposição da legalidade.
O diploma tipifica infrações leves e graves, fixando coimas que, para pessoas coletivas, podem atingir 40.000 euros nos casos mais graves.
Próximos passos e regulamentação
Está prevista a aprovação, no prazo de 120 dias, de diversas portarias e regulamentos que concretizarão aspetos técnicos e procedimentais essenciais, incluindo requisitos para a licença de OPC’s, regras técnicas de instalação e funcionamento, potência mínima em edifícios e metodologias de agregação de dados.