04.12.2024

Áreas de Prática: Público & Ambiente

Novas Regras para Energias Renováveis e Simplificação de Licenciamentos

O Parlamento Europeu e o Conselho aprovaram a 3.ª Diretiva Energias Renováveis (Diretiva (UE) 2023/2413 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de outubro de 2023, doravante Diretiva RED III), com o objetivo de responder aos crescentes desafios colocados pela descarbonização, num contexto internacional de cadeias de valor fortemente pressionadas e com tensões geopolíticas desfavoráveis à aceleração de projetos industriais de larga escala, simultaneamente aumentando a ambição comunitária com a penetração de energias renováveis no consumo energético final.

Para a transposição parcial, contendo as disposições mais imediatas da Diretiva RED III, o Governo aprova agora o Decreto-Lei n.º 99/2024, de 3 de dezembro, que altera o quadro regulatório às energias renováveis, produzindo alterações quer no Decreto-lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro, que estabelece a organização e o funcionamento do Sistema Elétrico Nacional, quer do Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de outubro, que aprova o regime jurídico da avaliação de impacte ambiental.

A par da transposição, procurou o Governo introduzir medidas de simplificação e desburocratização do licenciamento de projetos de energias renováveis, incluindo de unidades de produção para o autoconsumo e de comunidades de energia renovável. Da mesma forma, e com o desiderato de melhorar as condições de competitividade do setor industrial português, numa lógica de reindustrialização verde, muito focada na eletrificação dos consumos industriais, são introduzidas alterações no estatuto do cliente eletrointensivo.

Por fim, e em linha com as recentes comunicações públicas do Governo, são estabelecidas as bases para a atividade de registo e contratação bilateral de energia e/ou de potência. Esse mecanismo é considerado um apoio significativo através da remoção de obstáculos regulamentares e administrativos injustificados e desproporcionados à contratação de cPPAs (Corporate Power Purchase Agreements), procurando aumentar a atratividade desse produto e a liquidez desse mercado.

Destacamos as principais alterações legislativas introduzidas:

  1. Na Avaliação de Impacte Ambiental

Passa a ser obrigatório o procedimento de definição do âmbito do estudo de impacte ambiental no procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental para os centros electroprodutores de energias renováveis. O procedimento de definição do âmbito do estudo de impacte ambiental, que se mantém opcional e escolha do promotor em todos os outros casos, destina-se a definir vinculativamente a Administração pública sobre o conteúdo que deve constar do Estudo de Impacte Ambiental para a correta avaliação dos impactes ambientais potenciais dos projetos a desenvolver.

Os centros electroprodutores de fonte primária solar e instalações de armazenamento de energia colocalizadas estão isentos de Avaliação de Impacte Ambiental quando sejam instalados em edifícios ou em estruturas artificias, existentes ou futuras, com exceção de:

  • massas de água artificiais;
  • de edifícios classificados ou em vias de classificação e respetivas zonas de proteção;
  • zonas ou estruturas relevantes para a salvaguarda dos interesses de defesa nacional ou de segurança.

O reequipamento de centro eletroprodutor de fonte primária solar ou eólica não está sujeito nem a procedimento de apreciação prévia e decisão de sujeição a Avaliação de Impacte Ambiental (decisão caso-a-caso), nem a procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental.

  1. Na regulamentação do Setor Elétrico
  • Licenciamento

São introduzidas clarificações conceptuais: quanto à instalação de armazenamento e quanto à hibridização, este último passando expressamente a incluir o armazenamento em centro eletroprodutor ou UPAC preexistente.

É transposta a norma da Diretiva RED III que prevê o interesse público e o superior interesse para a saúde e segurança públicas para o planeamento, construção e exploração dos centros electroprodutores de fonte renovável e/ou de instalações de armazenamento, incluindo das suas infraestruturas de ligação à rede, admitindo-se assim:

  • a afetação de habitats nacionais ou espécies prioritárias de um sítio da lista nacional de sítios, de um sítio de interesse comunitário, de uma Zona Especial de Conservação e de uma Zona de Proteção Especial, mediante a aprovação de medidas compensatórias necessárias à proteção da coerência global da Rede Natura 2000, que serão avaliadas na Avaliação de Impacte Ambiental;
  • a prática dos atos ou das atividades proibidas, ou a utilização dos meios proibidos, relativos à proteção de espécies avícolas protegidas, quando não exista alternativa satisfatória e não seja afetada a manutenção das populações de espécies protegidas num estado de conservação favorável, sendo esses atos licenciados pelo ICNF, I.P.;

Fica também, por esta via, cumprido um dos requisitos para a derrogação de objetivos ambientais definidos na Lei da Água[1].

Quanto à atividade de armazenamento, é introduzida no procedimento de licenciamento a verificação prévia da capacidade de carregamento através da RESP, que é realizada pela DGEG no âmbito do procedimento de controlo prévio. O operador da rede competente e o gestor global do SEN determinam, sob consulta da DGEG, qual o valor máximo de potência aparente permitido para o carregamento a partir da RESP das unidades de armazenamento da instalação de armazenamento.

São alterados os critérios de proximidade presumida das Unidades de Produção para o Autoconsumo às Instalações de Utilização, passando a não ter limitações de distância quando estejam ligadas à mesma subestação da Rede Nacional de Transporte ou da Rede Nacional de Distribuição, e aplicando-se agora os critérios preexistentes de distância geográfica para os casos em que a ligação seja feita através de subestações distintas. As distâncias são ainda aumentadas para o dobro sempre que os territórios sejam de baixa densidade, declarados como tal em Portaria.

  • Prazos

Quanto a matéria de prazos para controlo prévio administrativo:

  • Nos centros electroprodutores sujeitos a licença de produção e licença de exploração:
    • Os prazos para a obtenção da licença de produção e de exploração, no seu conjunto, são agora de:
      • Dois anos, para os projetos de energias renováveis;
      • Três anos, para os projetos de energias renováveis.
    • Os prazos anteriores não incluem:
      • Os períodos para a construção dos centros eletroprodutores de energia renovável, incluindo as respetivas ligações à rede, e das infraestruturas conexas para garantir a estabilidade, fiabilidade e segurança da RESP;
      • Os períodos do processo administrativo para as modernizações significativas da rede, para garantir a sua estabilidade, fiabilidade e segurança;
      • Os períodos dos processos para a impugnação, administrativa ou judicial, de decisão, ato ou omissão ao cumprimento do disposto no presente decreto-lei.
    • Os prazos passam agora apenas a poder ser prorrogados a pedido do interessado pelo membro do Governo responsável pela área da energia, em circunstâncias excecionais.
    • O Diretor-Geral de Energia e Geologia pode, oficiosamente, prorrogar os prazos por um prazo máximo de seis meses, sempre que verifique “circunstâncias extraordinárias decorrentes dos projetos, com impacto, designadamente, na segurança e fiabilidade da RESP”.
  • No sobre-equipamento e no reequipamento:
    • O prazo não pode exceder o prazo de um ano, a contar do respetivo pedido, que pode ser prorrogado por despacho do diretor-geral da DGEG, pelo período máximo de três meses, mediante a verificação fundamentada de circunstâncias extraordinárias decorrentes dos projetos, com impacto, designadamente, na segurança e fiabilidade da RESP
  • Nos centros electroprodutores sujeitos a registo prévio:
    • Um mês, sempre que a fonte seja solar e a potência instalada seja igual ou inferior a 100 kW;
    • Três meses, para as restantes unidades de produção de fonte solar e armazenamento de energia, incluindo as unidades integradas em edifícios e em estruturas artificiais, com exceção das superfícies de massas de água artificiais;
    • Dois anos, para o reequipamento dos projetos de energias renováveis offshore que estejam sujeitas a registo prévio.
  • Cauções

É reduzido o montante da caução a prestar na modalidade de acordo entre o interessado e o operador da RESP de € 15.000,00 / MVA para € 10.000,00 / MVA, sendo aumentada a sua duração inicial para 30 meses. Adicionalmente, a caução deve agora ser mantida até à entrada em funcionamento do centro eletroprodutor, instalação de armazenamento ou UPAC, sob pena de caducidade do procedimento e consequência perda do direito de ligação, conforme aquele que já era o texto aprovado no passado do acordo a celebrar.

Também quanto à modalidade de acordo entre o interessado e o operador da RESP, prevê-se agora, inovatoriamente, que esta deva ser devolvida ao interessado quando o acordo não venha a ser celebrado por motivo imputável ao operador da RESP.

  • Reserva Agrícola Nacional

É introduzida uma presunção legal de que a implantação de centros electroprodutores solares e das respetivas linhas internas e de ligação à RESP é um uso permitido de áreas de Reserva Agrícola Nacional sempre que estas representem menos de 10 % da área total contratada (ainda que este conceito seja indefinido) e menos de 1 hectare.

Presume-se ainda o cumprimento dos requisitos previstos no Regime Jurídico da Reserva Agrícola Nacional para outros fins, sempre que naqueles solos se pretenda implantar apoios e passar linhas internas a centros electroprodutores e de ligação de centros electroprodutores, e estas não imponham restrições decorrentes da constituição da servidão da linha que prejudiquem a cultura dominante na área afetada.

  • Contratação bilateral de energia

A Organização do Mercado Ibérico, ou qualquer um dos seus polos nacionais, assegurará a gestão da atividade de registo e contratação bilateral de energia, estando sujeita a regulamentação da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, a quem compete aprovar o Manual de Procedimentos da Atividade de Registo e Contratação Bilateral de Energia.

A subregulamentação da atividade de registo e contratação bilateral de energia será aprovado no prazo de 120 dias contados da entrada em vigor do Decreto-lei n.º 99/2024, de 4 de dezembro, por Portaria do membro do Governo responsável pela área da energia.

  • Estatuto do Cliente Eletrointensivo

Foi atualizada a referência à orientação da Comissão Europeia sobre os auxílios estatais à proteção do clima e do ambiente e da energia 2022, passando agora a ser potenciais Clientes Eletrointensivos as empresas que se integrem nos setores de atividade identificadas no Anexo 1 à Comunicação da Comissão Europeia 2022/C 80/01 sobre as ‘Orientações relativas a auxílios estatais à proteção do clima e do ambiente e à energia 2022’. Da mesma forma, é alargada a abrangência do regime às instalações ligadas à rede elétrica de serviço público em Baixa Tensão.

O benefício da diminuição dos encargos correspondentes aos CIEG aplicável aos Clientes Eletrointensivos é expandido, sendo majorado para 85%:

  • no caso dos Clientes Eletrointensivos nos setores identificados no Anexo 1 à Comunicação da Comissão Europeia 2022/C 80/01 sobre as ‘Orientações relativas a auxílios estatais à proteção do clima e do ambiente e à energia 2022’ como pertencentes a um setor “em risco significativo”
  • no caso de Clientes Eletrointensivos nos setores identificados no Anexo 1 à Comunicação da Comissão Europeia 2022/C 80/01 sobre as ‘Orientações relativas a auxílios estatais à proteção do clima e do ambiente e à energia 2022’ como pertencentes a um setor “em risco”, sempre que demonstrem que pelo menos 50 % do seu consumo de eletricidade provém de fontes de energia renováveis e, cumulativamente, pelo menos 10 % desse consumo seja assegurado por um instrumento de contratação a prazo ou contrato bilateral, ou, pelo menos, 5 % abrangido por autoconsumo de origem renovável.
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  • Outros

É clarificada a norma de cedências municipais, prevendo-se, entre outros, que possam as cedências ser substituídas agora por opção municipal por uma compensação única e em numerário no valor de € 1.500,00 por MVA de potência de ligação atribuída.

A forma de prestação das cedências é definida por protocolo a celebrar entre o interessado e o município ou municípios abrangidos, sendo elemento instrutório para a emissão da licença de exploração.

O Decreto-lei n.º 99/2024, de 3 de dezembro, entra em vigor a 18 de dezembro de 2024.

Conhecimento