Imagens de videovigilância podem ser utilizadas contra trabalhadores?

O Tribunal da Relação do Porto [1] veio, recentemente, acordar da inexigência de prévio procedimento criminal como requisito de legitimação à utilização das imagens captadas por sistemas de videovigilância no âmbito de processo disciplinar.

A questão controvertida sobre a qual o referido Acórdão se pronunciou, incide sobre a admissibilidade do uso de imagens de videovigilância como meio de prova no âmbito do procedimento disciplinar – em concreto quando não seja apresentada queixa crime sobre os factos praticados pelo trabalhador. Esta questão reveste grande relevância prática uma vez que as imagens de videovigilância podem consubstanciar um valioso elemento de prova no âmbito de um procedimento disciplinar.

De acordo com o artigo 20.º, n.º 1 do Código do Trabalho, “O empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador”.

O princípio geral de que os registos provenientes dos meios de videovigilância não podem, em princípio, ser utilizados como meio de prova em sede de procedimento disciplinar, advém do primado do direito constitucional à privacidade, cujo artigo 20.º n.º 1 do Código do Trabalho espelha e reflete no mundo laboral.

Todavia, o n.º 2 do mencionado preceito legal, ressalva que “A utilização de equipamento referido no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem.”.

Neste sentido, os meios de videovigilância podem ser instalados quando estiver em causa a proteção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à atividade profissional o justifiquem.

Por outro lado, segundo o artigo 28.º, n.º 4 e 5 da Lei de Proteção de Dados Pessoais [2], essas mesmas imagens recolhidas pelos sistemas de videovigilância apenas poderiam ser utilizadas no âmbito de um procedimento disciplinar na medida em que o fossem no âmbito de um processo penal.

Porém, o Tribunal da Relação entendeu que apesar de o artigo 28.º, n.º 4 da Lei de Proteção de Dados Pessoais mencionar que as imagens gravadas apenas poderiam ser utilizadas no âmbito do processo penal, o n.º 5 do mesmo preceito abre o âmbito de utilização de tais  gravações ao apuramento da responsabilidade disciplinar do trabalhador em causa, na medida em que os factos tenham relevância criminal. Em concreto pode ler-se no Acórdão em apreço que:

“(…) Os meios de videovigilância não podem ser utilizados com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador, antes visando a proteção e segurança de pessoas e bens, pelo que poderão ser utilizados como meio de prova, no apuramento da responsabilidade disciplinar, se não estiver em causa o controlo do desempenho do trabalhador e os factos possam ter relevância criminal, mas independentemente de existir processo no foro criminal.

Esta decisão judicial vem assim abrir caminho para o empregador poder equacionar sobre a apresentação, ou não, de queixa crime contra o trabalhador visado, sem prejuízo de poder utilizar as imagens recolhidas por sistema de videovigilância em sede disciplinar.

[1] Acórdão 28 de novembro de 2022 referente ao processo n.º 6337/21.8T8VNG.P1

[2] Lei n.º 58/2019, de 08 de agosto

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