27.06.2023

Áreas de Prática: Financeiro

Setores: Banca e Serviços Financeiros

Recapitalização, Resolução e Supervisão Bancárias

INTRODUÇÃO

No passado dia 9 de dezembro foi publicada em Diário da República a Lei n.º 23-A/2022, que transpõe para o ordenamento jurídico nacional a Diretiva (UE) 2019/878, relativa ao acesso à atividade bancária e supervisão prudencial (a CRD V), e a Diretiva (UE) 2019/879, relativa à recuperação e resolução de instituições de crédito e empresas de investimento (a BRRD II), alterando o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), o Código dos Valores Mobiliários e legislação conexa.

Na presente Newsletter, destacamos as principais novidades no âmbito da recapitalização, resolução e supervisão bancárias, matéria que terá reflexos diretos na estrutura da atividade e no modo de cumprimento das obrigações regulatórias de um amplo leque de entidades no setor financeiro.

A equipa APDFin da Abreu Advogados preparou um serviço que visa acautelar o cumprimento destas novas regras que serão previsivelmente implementadas no nosso mercado, incluindo não apenas a elaboração e revisão da documentação necessária, mas também a formação às equipas jurídicas e de compliance e aos seus colaboradores nas áreas de negócio relevantes.

A Abreu Advogados dispõe ainda de uma equipa multidisciplinar com experiência na revisão do Bail-in Playbook de instituições de crédito, adequando o referido manual às exigências do Single Resolution Board (SRB) e às mais recentes atualizações legislativas.

 

PRINCIPAIS NOVIDADES

1. Reforço dos Requisitos de Capital

No essencial, as regras aplicáveis aos requisitos de capital continuam a determinar-se por referência ao pacote da CRD IV e, em particular, ao Regulamento (UE) N.º 575/2013, em cumprimento dos termos dos Acordos de Basileia.

Ainda assim, a transposição agora efetivada pelo legislador português vem introduzir atualizações relevantes em matérias como o nível das reservas de risco sistémico, reservas contracíclicas e os requisitos e orientações respeitantes a fundos próprios adicionais.

A alteração desses limiares poderá implicar revisões operacionais pelas instituições abrangidas, considerando o potencial impacto na constituição de reservas e no consequente cumprimento de obrigações para com os reguladores.

 

2. Recuperação e resolução de instituições de crédito e empresas de investimento

A revisão do RGICSF promovida pela Lei n.º 23-A/2022, de 9 de dezembro incide diretamente na matéria da recuperação e resolução de instituições de crédito e empresas de crédito, que é também o escopo das diretivas CRD V e da BRRD II, agora transpostas.

Por esta altura, a experiência acumulada ao nível europeu e nacional na resolução e recapitalização de instituições financeiras é já considerável, pelo que se pode notar que as alterações ao RGICSF, sendo extensas, visam sobretudo clarificar as disposições já vigentes.

Espera-se que esta revisão venha a permitir resolver algumas das principais questões que vinham sendo identificadas pelas instituições e pelos reguladores nacionais como potencialmente ambíguas na execução do quadro legal, incluindo na elaboração dos procedimentos de governo interno.

No âmbito da resolução bancária, destacamos o poder conferido ao Banco de Portugal, após consulta ao Banco Central Europeu nos casos em que seja este a autoridade de supervisão competente, de suspender obrigações de pagamento ou de entrega emergentes de um negócio jurídico em que uma instituição de crédito em situação ou risco de insolvência seja parte.

Com este amplo poder de suspensão dos negócios jurídicos de que uma instituição seja parte, espera-se que a aplicação de poderes de resolução possa extravasar o âmbito da recapitalização e proteger a solvabilidade e continuidade da atividade económica da instituição intervencionada.

Por outro lado, conferir ao Banco de Portugal um inesperado poder de gestão quotidiana de instituições financeiras, sobretudo considerando que o exercício do mesmo implicaria um incumprimento contratual autorizado pela lei, acarreta um potencial prejuízo para diversas contrapartes das instituições financeiras, mesmo que estranhas aos setor. A essas preocupações acresce ainda o facto de o poder se direcionar a instituições supervisionadas pelo Banco Central Europeu e que, pela sua dimensão, poderão implicar um risco sistémico acrescido.

As instituições e as suas contrapartes deverão considerar atentamente o impacto potencial desta disposição aquando da negociação dos termos das suas relações, procurando mitigar os riscos inerentes e os eventuais custos do incumprimento.

 

3. Planos de Resolução

Em matéria de planeamento da resolução o novo diploma apresenta várias novidades, determinando, desde logo, que a autoridade de supervisão da instituição de crédito deverá elaborar um plano de resolução.

O plano de resolução deverá prever as medidas de resolução suscetíveis de serem aplicadas quando a instituição de crédito preencher os requisitos para a aplicação de resolução, onde abarca a possibilidade de a situação de insolvência ser idiossincrática, ou, em oposição, ocorrer em períodos de instabilidade financeira generalizada ou eventos sistémicos.

Se o Banco de Portugal se encontrar na qualidade de autoridade de resolução ao nível do grupo, caber-lhe-á a elaboração e atualização de um plano de resolução de grupo para cada grupo sujeito à sua supervisão em base consolidada, no âmbito de um colégio de resolução, podendo para o efeito consultar as entidades de supervisão relevantes, quer sejam as autoridades de supervisão dos Estados-Membros ou de países terceiros.

Não obstante, o plano de resolução do grupo será adotado por decisão conjunta da autoridade de resolução a nível do grupo e das autoridades de resolução de filiais do grupo.

Nos termos dos mais recentes artigos 138.º AE e ss., encontram-se definidos os elementos que devem constar nos planos de resolução de uma instituição de crédito bem como nos planos de resolução de grupo, sendo a lista dos mesmos bastante densificada ao longo dos artigos.

Nesta matéria, a instituição de crédito ou a empresa-mãe do grupo estão sujeitas a vários deveres de comunicação de informação, a cumprir no âmbito da elaboração, revisão ou atualização dos planos, podendo o Banco de Portugal determinar que prestem esclarecimentos, informações e documentos, ou ainda inspecionar os seus estabelecimentos.

Importa ainda acrescentar que, os planos de resolução deverão ser revistos com uma periocidade não superior a um ano ou quando se verifique algum evento ou alteração do qual resulte a necessidade de revisão antecipada.

A acrescer, sempre que se trate de uma entidade que exerça uma atividade de intermediação financeira ou emita instrumentos financeiros admitidos à negociação em mercado regulamentado o Banco de Portugal terá de comunicar à CMVM o respetivo plano de resolução.

De referir ainda que o Banco de Portugal poderá estabelecer obrigações simplificadas ou até mesmo dispensar a elaboração de planos de resolução autónomos, segundo critérios restritos, devendo para esse efeito ter em consideração o potencial efeito sistémico que a situação de insolvência e posterior processo de liquidação possam ter.

Por último, cumpre dar nota que é também atribuída ao Banco de Portugal a possibilidade de proibir uma instituição de crédito de proceder a distribuições superiores ao montante máximo distribuível relativo ao requisito mínimo de fundos próprios e créditos elegíveis.

Desta feita, é de fácil perceção o enorme esforço que a elaboração e constante revisão ou atualização dos planos de resolução irá requerer ao Banco de Portugal.

Não obstante, e considerando a complexidade inerente à elaboração de um plano de resolução, fará todo o sentido que as autoridades de supervisão estejam preparadas para rapidamente atuar sempre que considerarem que uma instituição de crédito ou um grupo se encontra passível de resolução, assegurando nessa medida a continuidade das funções críticas desenvolvidas por essas entidades e evitando dessa forma, na medida do possível, consequências adversas para todo o sistema financeiro e económico.

 

4. Reforço da Supervisão Multilateral

Em matéria de regulação prudencial, naturalmente próxima da questão da recapitalização interna, as novidades introduzidas correspondem, essencialmente, à transposição das Diretivas CRD V e BRRD II.

A par de um acréscimo de competências e poderes de supervisão do Banco de Portugal, é acentuada a necessidade de cooperação e comunicação com organismos de supervisão nacionais, como por exemplo a CMVM ou a ASF, mas também internacionais, como o Fundo Monetário Internacional ou o Conselho de Estabilidade Financeira, para além, é claro, do Banco Central Europeu e das demais autoridades de supervisão nacionais na União Europeia e, em particular, da Zona Euro.

Numa altura em que a multidisciplinariedade é comum e se torna cada vez mais difícil aplicar separações objetivas ou geográficas rígidas para a atividade das instituições financeiras, saúda-se o reforço das responsabilidades transversais dos supervisores relevantes.

 

5. Poderes de redução ou de conversão de instrumentos de fundos próprios e créditos elegíveis das filiais

A redução ou conversão de instrumentos de fundos próprios e créditos elegíveis são medidas de resolução ao dispor do Banco de Portugal que antecedem à Recapitalização Interna (Bail-in). No âmbito da atualização legislativa, procedeu-se a ligeiras alterações aos referidos poderes, sendo os mesmos atualmente extensíveis aos instrumentos de fundos próprios e créditos elegíveis das filiais das instituições financeiras que cumpram certos requisitos de elegibilidade.

Entre os critérios de elegibilidade dos créditos de filiais que poderão ser incluídos no vulgo Bail-in destacam-se os seguintes:

  1. Os instrumentos que sejam emitidos a favor da entidade de resolução que pertença ao mesmo grupo de resolução e sejam por ela subscritos, direta ou indiretamente através de outras entidades pertencentes ao mesmo grupo de resolução;
  2. Os créditos emergentes desses instrumentos terem uma graduação em caso de insolvência inferior à dos créditos emergentes de instrumentos que não são, nem tenham sido, elegíveis para os fundos próprios da entidade em causa;
  3. O exercício dos poderes de redução ou de conversão aos créditos emergentes desses instrumentos ser coerente com a estratégia de resolução do grupo de resolução;
  4. A aquisição do instrumento não ser financiada direta ou indiretamente pela entidade em causa.

A revisão do RGICSF promovida pela Lei n.º 23-A/2022, de 9 de dezembro, realizou ainda um conjunto de aditamentos, relativamente à definição dos requisitos mínimos de fundos próprios e créditos elegíveis de filiais. Ao que acresce, a definição dos critérios para a dispensa do cumprimento do requisito mínimo de fundos próprios e créditos elegíveis por parte deste tipo de entidades e ainda, a regulação dos requisitos mínimos para as filiais de instituições de importância sistémica global que se encontram estabelecidas num país terceiro.

 

6. Reconhecimento contratual da recapitalização interna

Com a entrada em vigor do novo diploma, foram realizadas alterações relativamente ao reconhecimento contratual da recapitalização interna, i.e., para além de ser exigido às instituições de crédito a inclusão de uma cláusula nos seus contratos em que o credor reconhecia que o seu crédito poderia ser objeto dos poderes de redução ou de conversão ou da medida de recapitalização interna e aceitaria a produção dos respetivos efeitos.

O Banco de Portugal passará a poder exigir que, caso o instrumento ou contrato constitutivo de um crédito elegível esteja sujeito à lei de um país terceiro, a instituição de crédito tenha de demonstrar que a decisão de aplicar os poderes de redução ou de conversão de instrumentos de fundos próprios e créditos elegíveis produzirá efeitos ao abrigo da lei desse país terceiro, tendo em conta, nomeadamente, os termos contratuais que serão aplicados e os eventuais acordos internacionais existentes que possam reconhecer nesse país terceiro a eficácia das medidas de resolução nacionais, sob pena de o referido instrumento não ser considerado para efeitos do cálculo do montante de fundos próprios e de créditos elegíveis.

Conhecimento