29.04.2022

Áreas de Prática: Trabalho

Das Normas Corporativas no Direito Civil e no Direito do Trabalho

Artigo originalmente publicado na Revista Internacional de Direito do Trabalho, Ano I, 2021, Nº1

 

Sumário
1.º Considerações prévias e objecto
2.º Bases do Estado Novo
3.º Código Civil de 1966
4.º Período transitório do Pós-Revolução
5.º Regime Democrático

Resumo
Este texto visa analisar, olhando para a doutrina e jurisprudência, os caminhos possíveis para responder às principais questões que se têm colocado face à previsão legal das normas corporativas constante do Código Civil, tendo também presente o actual quadro laboral.

 

1.º Considerações prévias e objecto

I. O Código Civil (de 1966) qualificou como “… fontes imediatas do direito as leis e as normas corporativas” (artigo 1.º, n.º 1); seguidamente, explicitou que são “leis todas as disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes” e “normas corporativas as regras ditadas pelos organismos representativos das diferentes categorias morais, culturais, económicas ou profissionais no domínio das suas atribuições, bem como os respectivos estatutos e regulamentos internos” (artigo 1.º, n.º 2).
Em termos de hierarquia, determinou que “as normas corporativas não podem contrariar as disposições legais de caracter imperativo” (artigo 1.º, n.º 3), e, por outro lado, que “… prevalecem sobre os usos” (artigo 3.º, n.º 2).

II. Tratando-se o Código Civil de um diploma surgido durante o Estado Novo (Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de Novembro de 1966) e tendo presente a mudança de regime político ocorrida em 1974, as normas acima citadas colocam diversas dúvidas, desde logo, sobre a sua caducidade e, em caso negativo, relativamente ao seu conteúdo.
É, por isso, importante, uma análise evolutiva, começando pelas bases do Estado Novo (2.º), a feitura do Código Civil de 1966 (3.º), o período transitório do pós-revolução (4.º) e, finalmente o quadro democrático, tendo sempre presente as principais orientações doutrinárias e jurisprudenciais (5.º).

 

2.º Bases do Estado Novo

I. Derrubada a I República, pelo movimento de 28 de Maio de 1926, foi instituída a Ditadura Militar[3] – “gérmen de um Estado corporativo”[4] – que sem revogar a totalidade da Constituição de 1911 desmantelou as suas instituições, gerando um efectivo interregno constitucional até Abril de 1933[5].
O novo regime ditatorial era naturalmente opositor dos movimentos colectivos laborais e, portanto, combatia qualquer perturbação social[6]; assim, não demorou muito para que o legislador interviesse na temática dos fenómenos colectivos[7].

II. O regime instituído em 1926 foi adquirindo conteúdo doutrinário, tendo contado para o efeito com o importante contributo de OLIVEIRA SALAZAR (Ministro das Finanças, a 27 de Abril de 1928) na consagração do projecto político corporativo de inspiração cristã[8]. Criadas as condições para se concluir a fase de transição da Ditadura Militar para o Estado corporativo, procedeu-se à sua institucionalização, o que aconteceria com a Constituição de 1933 – descendente política e jurídica da ditadura militar – transformando o país numa república corporativa (artigo 5.º).
O Estado corporativo, influenciado pelos normativos italianos[9], assentou em dois importantes pilares jurídicos: a Constituição (de 1933)[10] e o Estatuto do Trabalho Nacional (aprovado pelo Decreto Lei n.º 23:048, de 23 de Setembro de 1933)[11], tendo sido sob a influência e a vigência destes dois diplomas, em especial do Estatuto do Trabalho Nacional, que se verificou uma vasta produção legislativa, facto que constituiu o primeiro conjunto sistemático da história do Direito do Trabalho nacional[12].
Os dois diplomas continham normas sobre os fenómenos colectivos[13]. E tinham também em comum, por um lado, a proibição de conflitos laborais; por outro, uma regulação tutelar centrada no direito individual, acompanhada de um apertado controlo dos fenómenos colectivos, tudo em nome do superior interesse colectivo do Estado[14]. Dito de outra forma: a constituição do ordenamento laboral corporativo foi feita sob duas ideias base: a) a da solidariedade entre a propriedade, o capital e o trabalho; b) a do primado da protecção legal da situação individual do trabalhador, em contraposição à forte limitação e controlo imposto na acção colectiva laboral[15].

III. A Constituição consagrou, como referimos, uma república unitária e corporativa, adoptando uma inequívoca postura intervencionista do Estado nos sectores económico, social e cultural[16], que assentava “… na interferência de todos os elementos estruturais da Nação na vida administrativa e na feitura das leis” (artigo 5.º)[17]. Entre os elementos estruturais encontravam-se os organismos corporativos (título IV da parte I), que podiam ser, de acordo com a redacção inserida pela Lei n.º 1885, de 23 de Março de 1935[18], morais, culturais e económicos (artigo 14.º)[19].
A Lei Fundamental plasmava ainda no catálogo dos direitos e garantias individuais dos cidadãos, para além da liberdade de escolha de profissão ou género de trabalho, indústria ou comércio (artigo 8.º, n.º 7), o de reunião e associação (artigo 8.º, 14.º[20]), competindo, no entanto, “ao Estado reconhecer as corporações morais ou económicas[21] e as associações ou organizações sindicais” (artigo 14.º)[22], salientando-se a função social desempenhada pela propriedade, capital e trabalho, em regime de cooperação económica e solidariedade (artigo 35.º)[23]. Com este novo quadro, em que existia uma preferência da iniciativa económica privada em contraponto com uma perspectiva supletiva e subsidiária da iniciativa económica pública (artigo 33.º)[24], o Estado deixou o abstencionismo e assumiu a função de coordenar e regular a vida económica e social da Nação (artigo 31.º), renunciando à direcção económica directa e encarregando-se, face à falta de uma efectiva actividade sindical, de promover e auxiliar a formação dos organismos corporativos[25].

IV. O Estatuto do Trabalho Nacional assumiu, como referimos, uma função estruturante na organização do corporativismo e foi um importante complemento da Lei Fundamental, pelo que se compreende também o seu cariz marcadamente doutrinário. Trata-se de um texto “emblemático dos princípios ideológicos, políticos e de organização que informam o corporativismo português no crucial domínio das relações de trabalho”[26]. Encontra-se, por isso, no diploma os valores que concretizam ou reiteram o plasmado na Constituição, salientando-se a constante preocupação de paz social assente na solidariedade entre a propriedade, o capital e o trabalho (v.g., artigos 5.º e 11.º) e a consequente proibição (e punição) de perturbação de actividades económicas (artigo 9.º); por outro lado, foram também consagradas regras atinentes ao direito individual tendo subjacente a tutela do trabalhador (v.g., artigos 24.º e ss).
O Estatuto continha também princípios norteadores da organização corporativa, devendo destacar-se, por um lado, a não obrigatoriedade da organização profissional, por outro, a necessidade de reconhecimento por parte do Estado e, finalmente, uma estrutura piramidal dos diversos organismos corporativos (v.g., artigo 41.º)[27].

V. No mesmo dia da publicação do Estatuto do Trabalho Nacional constavam do Diário do Govêrno dois outros diplomas que concretizaram os seus quadros jurídicos e que constituíram também alicerces (específicos) do regime. Trata-se do acto legislativo que fixou as bases a que estavam sujeitos os grémios (organismos corporativos, Decreto-Lei n.º 23:049)[28] e do que reorganizou os sindicatos nacionais (Decreto-Lei n.º 23:050)[29]. De facto, estamos perante legislação que continha, na esteira do quadro acima descrito, um acentuado controlo dos poderes públicos (por exemplo, estava vedada a inscrição em organismos de carácter internacional, sem autorização do Governo) e submissão dos sujeitos colectivos ao interesse da Nação[30], impondo – a qualquer custo – a harmonia de classes, o que levou a uma adulteração da natureza do associativismo, em especial de trabalhadores.
Foi assim colocada em causa uma das traves mestras do sindicalismo: a independência face ao patronato, aos partidos políticos e ao Estado, apenas lhes restando a dissolução ou a submissão ao regime corporativo[31]. Transmutou-se, deste modo, a sua natureza: passaram de entidades[32] de resistência e de luta para organismos fortemente condicionados e controlados na sua actuação pelo Estado, passando mesmo a fazer parte dele, em nome dos superiores interesses da Nação[33], assumindo, portanto, natureza pública e tendo poderes de representação de natureza institucional[34]. Compreende-se, por isso, que os organismos corporativos fossem, na perspectiva política, “… comummente concebidos como correias de transmissão da vontade do Poder”[35].

VI. O associativismo patronal foi organizado através de grémios. O legislador, na sequência do artigo 42.º do Estatuto do Trabalho Nacional, conferiu personalidade jurídica àquelas organizações corporativas, determinando que representam todos os elementos do mesmo ramo do comércio, indústria ou agricultura, independentemente de inscrição; por outro lado, reiterou que “ajustam” com os sindicatos nacionais contratos colectivos obrigatórios para todos os que pertençam à mesma actividade (artigo 6.º do Decreto-Lei 23:049), devendo assegurar a execução dos acordos e contratos colectivos de trabalho e demais compromissos corporativos, bem como fiscalizar o cumprimento da disposições aprovadas e promover a aplicação de penas aos delinquentes[36].

 

Para além das fontes estaduais (onde se incluem as portarias e os despachos regulamentares), o contrato colectivo encontrava-se condicionado por uma teia de outros instrumentos. De facto, sendo considerado uma fonte corporativa, o contrato colectivo tinha ainda, por exemplo, de respeitar – apesar de as áreas de regulaçã não serem coincidentes – os regulamentos corporativos (dimanados dos Conselhos das Corporações[37]), tal como os regulamentos dimanados dos organismos de coordenação económica[38].
E foi, aliás, face a esta pulverização de fontes corporativas, que o Estado sentiu a necessidade de fixar doutrina relativamente à classificação dos actos jurídicos mediante os quais se realiza a regulamentação corporativa das relações económico sociais e a sua disciplina unitária.
O Despacho, de 5 de Fevereiro de 1942, da autoria de MOTTA VEIGA, apresentou uma divisão entre actos plurilaterais (convenções colectivas de trabalho, acordos intercorporativos e contratos-tipos) e unilaterais (estatutos e regulamentos corporativos e tarifas).
As convenções colectivas seriam, deste modo, objecto de definição, segundo a qual são “os actos jurídicos celebrados entre dois ou mais organismos corporativos (contratos colectivos), ou entre um ou mais organismos corporativos e uma ou várias emprêsas ou entidades (acordos colectivos), e destinados a regular os termos a que devem obedecer os contratos singulares de trabalho entre as respectivas categorias de patrões e de trabalhadores. Só os contratos colectivos devem conter obrigatòriamente as normas estabelecidas no art. 34.º do Estatuto do Trabalho Nacional”[39]

 

VII. As limitações e ineficiências da contratação colectiva foramdiversas vezes colmatadas através da intervenção do Governo, pois o Estado Novo não deixou naturalmente apenas a cargo dos organismos corporativos a matéria da regulamentação colectiva.
Foram então conferidos poderes ao Governo através de uma intervenção legislativa em 1935 (Decreto-Lei n.º 25:701, de 1 de Agosto), ampliada em 1938 (Decreto-Lei n.º 29:006, de 17 de Setembro de 1938), para determinar através de despacho os salários mínimos[40]. Em 1943, o legislador atribuiu competência aquele órgão para fixar as condições de prestação do trabalho e a remuneração sempre que estivessem em causa os interesses superiores da economia e da justiça social (despachos de regulamentação do trabalho ou despachos de salários mínimos e despachos de alargamento de âmbito (duma convenção ou parte dela).
Neste quadro, a regulação do trabalho obteve uma apresentação original, uma vez que ficou entregue às convenções colectivas do trabalho – entretanto objecto de regulação especifica (Decreto-Lei n.º 36:173, de 6 de Março)[41] – e aos despachos governamentais[42], cuja intervenção se verificava em nome da paz social e da justiça social, assumindo carácter excepcional[43].

 

3.º Código Civil de 1966

I. Em 1966, ocorreria a segunda codificação do direito civil[44]. A proposta da parte geral, a cargo de MANUEL DE ANDRADE[45], sob a influência, desde logo, do Código Civil italiano (de 1942)[46], incluía, numa técnica não isenta de reparos[47], as normas corporativas entre  as fontes de Direito, definindo as como “… as ditadas por organismos representativos de categorias profissionais ou económicas, nos limites das suas atribuições, bem como os respectivos estatutos e regulamentos” (artigo 1.º, n.º II, alínea b)[48], devendo respeitar as disposições legais imperativas (n.º III), mas prevalecendo sobre os usos (artigo 3.º, n.º II).
Em termos de vigência de fontes, os contratos colectivos mereceram uma atenção especial[49], propondo-se que “nos contratos colectivos pode estabelecer-se que as suas disposições comecem a vigorar numa data anterior à da publicação, contanto que posterior à da celebração” (artigo 5.º, n.º II)[50].
Estes preceitos relevam então, e desde logo, que o legislador conferiu à autonomia normativa, “… um lugar especialmente significativo, embora confinado ao âmbito corporativo …”[51].

II. A influência do Código Civil Italiano (de 1942) é inequívoca[52], tendo sido também importados alguns lapsos técnicos. Com efeito, existe similitude – ainda que parcial, pois é manifesta, por exemplo, a omissão dos contratos colectivos do trabalho, acordos económicos colectivos e das sentenças laborais – entre regras da parte geral do nosso Código Civil e os artigos iniciais do Codice Civile (de 1942), desde logo, na qualificação das normas corporativas como fontes de Direito (artigo 1.º), na inclusão (embora expressa) dos contratos colectivos na categoria das normas corporativas (artigo 5.º), a subordinação destas à lei (artigo 7.º) e na sua supremacia face aos usos (artigo 8.º).
A temática dos contratos em especial foi da responsabilidade de GALVÃO TELLES[53]. Como sabemos, as normas propostas por MANUEL DE ANDRADE e GALVÃO TELLES não transitaram integralmente para o Código Civil: em matéria de fontes, o projecto qualificou as normas corporativas como tal (artigo 1.º, n.º 1), definiu-as (artigo 1.º, n.º 2, in fine) e determinou a sua hierarquia (artigos 1.º, n.º 3, e 3.º, n.º 2); por outro lado, o Código Civil conferiu uma atenção residual ao contrato de trabalho (artigos 1152.º e 1153.º, sobre direito individual), tendo optado por excluir da codificação a temática, remetendo-a para legislação especial, tal como os princípios orientadores[54].
A consagração das normas corporativas como fonte de Direito era claramente fruto do regime corporativo então existente, numa altura em que a Ordem jurídica portuguesa estava legal e constitucionalmente informada pelo princípio do corporativo[55], ainda que a própria referência àquelas, possa ser qualificada, pela doutrina actual, mais de duas décadas após a queda do fascismo italiano, em 1945, como “surpreendentes”[56] ou como uma “… (… homenagem tardia ao «sistema corporativo» criado pela Constituição de 1933, mas nunca inteiramente concretizado durante o  Estado Novo) …”[57].
De acordo com a doutrina da época, mediante a definição legal de normas corporativas “… e até através da própria destrinça entre leis e normas corporativas, desenhou-se uma noção de norma corporativa stricto sensu que se fez corresponder ao âmbito do direito corporativo interno”[58], o que significa o gerado pelos próprios organismos corporativos (costume, estatutos e regimes dos organismos corporativos, acordos intercorporativos, convenções colectivas de trabalho – contratos colectivos de trabalho e acordos colectivos de trabalho, contratos tipo de origem corporativa, regulamentos corporativos sobre preços, processo de fabrico,concorrência, regime de trabalho, etc.)[59].
Em termos hierárquicos, SOARES MARTINEZ salientava a supremacia do direito corporativo externo face ao interno, pois estas fontes “… reflectem a prossecução do bem comum nacional, superior à defesa dos interesses de instituições da Nação integradas”, advertindo ainda que o Estado devia limitar a sua actividade, incluindo a legislativa, às áreas que só ele pode fixar, deixando para os organismos corporativos a feitura das normas através das quais se auto-regularão[60]; em termos de direito corporativo interno, e assentando no mesmo critério do bem comum, sustenta o Professor que “as fontes de direito emanadas dos organismos corporativos superiores, representando bens comuns de grau mais elevado, hãode sobrepor-se às fontes emanadas dos organismos corporativos inferiores …”, exemplificando com a prevalência do regulamento de uma corporação sobre uma convenção colectiva, uma vez que prossegue “… interesses de categorias e instituições mais restritas”[61].

III. Na altura da entrada em vigor do Código Civil (1 de Junho de 1967) estava vigente o Decreto-Lei n.º 47 032, de 27 de Maio de 1966[62], que regulava o contrato de trabalho e tinha substituído o diploma de 1937 (primeiro regime específico do contrato de trabalho – Lei n.º 1:952, de 10 de Março), que há muito carecia de revisão[63], tendo o novo quadro legal introduzido novidades, para além do direito individual, na área da contratação colectiva[64].
O diploma de 1966 teve a preocupação, desde logo, de reconhecer, de forma expressa, diversas matérias que poderiam ser reguladas por fontes infra-legais, clarificando a natureza destas[65].
Por outro lado, identificou as fontes especiais aplicáveis ao contrato, fixou a hierarquia entre elas e delimitou os espaços de aplicação entre as fontes superiores e inferiores. Trata-se de temas que tinham merecido a atenção da doutrina, obtendo agora resolução expressa sob a forma de lei. Deste modo, o legislador estabeleceu, com a epígrafe normas aplicáveis aos contratos de trabalho:

 

“Os contratos de trabalho estão sujeitos, em especial, às normas legais de regulamentação do trabalho, às emitidas pelo Ministro das Corporações e Previdência Social dentro da competência que por lei for atribuída, às normas emanadas das corporações, às convenções colectivas de trabalho e aos usos locais da profissão do trabalhador, segundo a indicada ordem de procedência” (artigo 12.º)[66/67].
Daqui resultava, desde logo, uma hierarquia entre a portaria de extensão e de regulamentação face à convenção colectiva.”

 

Tendo acrescentado, com a epígrafe prevalência na aplicação das normas:

 

“1. As fontes de direito superiores prevalecem sempre sobre as fontes inferiores, salvo na parte em que estas, sem oposição daquelas estabeleçam tratamento mais favorável para o trabalhador.
2. Quando numa disposição deste diploma se declarar que a mesma pode ser afastada por convenção colectiva de trabalho, entende-se que o não pode ser por cláusula de contrato individual” (artigo 13.º)[68].”

 

E previa ainda o diploma, sob a epígrafe invalidade parcial do contrato, que

 

“2. As cláusulas do contrato de trabalho que importarem para o trabalhador regime menos favorável do que o estabelecido em preceitos imperativos são de pleno direito substituídas por estes” (artigo 14.º, n.º 2)[69/70].”

 

IV. Em 1969, surgiria, já em fase do Marcelismo (desde Setembro de 1968)[71], o novo regime do contrato de trabalho, que veio substituir o diploma de 1966, regulador do contrato individual de trabalho[72], não se  tendo operado quaisquer “transformações radicais na matéria”, podendo mesmo afirmar-se que se manteve o modelo legal de regulação[73]; e pode também dizer-se que na temática da convenção colectiva não se verificaram alterações substanciais[74], o que, aliás, não ocorreria até à revogação do diploma de 1969.
Mantiveram-se por isso os normativos sobre as fontes especiais aplicáveis ao contrato, a hierarquia entre elas e a delimitação dos espaços de aplicação entre as fontes superiores e inferiores (artigos 12.º[75] e 13.º) e a intervenção do contrato de trabalho (artigo 14.º, n.º 2)[76].

 

4.º Período transitório do Pós-Revolução

I. Com o 25 de Abril de 1974, inicia-se uma nova fase política com acentuados reflexos jurídicos, económicos e sociais[77]. Entre as diversas preocupações políticas sobressai a da área laboral, como se comprova compulsando as medidas preconizadas no Programa do Movimento das Forças Armadas[78], o que não impediu que os diplomas vigentes tal como as convenções celebradas pelos sindicatos corporativos mantivessem a sua aplicação.
Entre as disposições do Programa, destaca-se, desde logo, a indicação, nas medidas a curto prazo, da liberdade de reunião e de associação[79] e da consequente liberdade sindical, de acordo com lei especial a emitir (B, n.º 5 alínea b)). Tudo isto sob o quadro constitucional (de 1933), que se manteve em vigor, na parte em que não contrariasse o Programa do Movimento das Forças Armadas, sublinhando-se, no entanto, apesar de a Constituição de 1933 ter sido “… fonte do Direito constitucional português até à entrada em vigor da nova Constituição, se bem que – como não podia deixar de ser – em termos muito diferentes daqueles em que o era antes do 25 de Abril …”[80].
Assistiremos nesta fase, a diversos diplomas com proclamada componente ideológica, de carácter transitório, que têm com objectivo responder aos desafios imediatos numa conjuntura económica e social de forte instabilidade, evitando um crescimento da conflitualidade laboral, o que levou a restrições, por exemplo, da autonomia colectiva[81]. Num período de transição política e face à necessidade de ir lançando os alicerces do novo regime, muitas foram as vezes, perante a pressão do tempo e a inerente urgência, que foram sendo adoptadas medidas pontuais, ignorando uma perspectiva geral da área laboral e contendo uma técnica legislativa deficiente.

II. A regulamentação colectiva foi mantendo-se em vigor, pelo menos formalmente, sob o quadro Constitucional e legal de 1933. Na verdade não se verificou “uma crise aguda de validade ou de operacionalidade do corpo normativo anterior a Abril de 1974 (quer na parte legislativa, quer na de origem convencional), não obstante a crise dos pressupostos ideológicos e das estruturas económicas e sociais a que se referenciava”[82]; os próprios organismos corporativos não foram objecto de uma eliminação global, diversamente do que se passou em Itália, prolongando-se a sua extinção sectorial por vários anos[83]. E, assim, tanto a legislação, como as convenções outorgadas pelos organismos corporativos continuaram a aplicar-se às relações laborais existentes, apesar de estarmos face a uma rotura de regime[84]. Esta situação não podia naturalmente deixar de originar alguma crise na efectividade das leis existentes, não obstante, comodissemos, a manutenção do regime legal e convencional.

 

Recorde-se a realidade italiana, cujo regime corporativo “cairia” a 25 de julho de 1943, quando o Grand Consiglio retirou a confiança a MUSSOLINI; seguiu-se naturalmente o desmantelamento das principais instituições corporativas[85]. Com efeito, com um dos primeiros actos do governo de BADOGLIO foi iniciada a extinção das estruturas, através do Regio Decreto Legge 9 agosto 1943, n.º 721 (Soppressione degli organi corporativi centrali, del Comitato interministeriale di coordinamento prezzi e del Comitato interministeriale per l’autarchia)[86], que derrogou as fontes corporativas, sobrevivendo ainda as organizações sindicais, agora controladas pelos homens da resistência[87]; um ano depois, surgiu o Decreto Legislativo Luogotenenziale, 2 novembre 1944, n.º 303 (Miglioramenti economici a favore dei lavoratori, nel caso di rapporti di lavoro già disciplinabili con contratti collettivi)[88]; e, logo de seguida, o Decreto Legislativo Luogotenenziale, 23 novembre 1944, n.º 369 (soppressione delle organizzazioni sindacali fasciste e liquidazione dei rispettivi património)[89] que extinguiu as organizações sindicais[90].
Apesar destas intervenções legislativas, e mesmo perante o fim do regime de MUSSOLINI, o que não impediu a continuação da sua influência[91], as normas corporativas então existentes continuaram em vigor, com a eficácia originária, “salvo posteriores modificações” (artigo 43.º do Decreto Legislativo n.º 369, de 23 de Novembro de 1944)[92]. O modelo laboral de contratação colectiva oriundo do regime fascista manteve-se mesmo após o fim deste, permitindo a outorga de relevantes acordos interconfederais em matéria social e económica, visando, por exemplo, a temática salarial e os despedimentos[93]. Significa isto, que a eliminação do “ordenamento corporativo não destruiu as normas dos contratos colectivos corporativos que se juntaram aos contratos coletivos de direito comum, os quais encontraram a sua disciplina, além das normas ditadas pelo Código Civil para os contratos coletivos corporativos, nas normas relativas aos contratos em geral dadas pelo mesmo código, fundando a sua relevância no art. 39 da Constituição Republica”[94].
Em suma, assistimos à sobrevivência de diversos normativos do Estado fascista, incluindo do Código Civil[95], relativas às associações sindicais e à sua actividade (nomeadamente, contrato colectivo)[96], tendo o legislador ordinário aguardado pelo novo quadro constitucional (artigos 39.º e 40.º da Constituição de 1947[97]) para intervir substancialmente nos fenómenos colectivos[98].

 

III. Foi neste quadro e com o país em graves dificuldades financeiras, que foram sendo elaborados os diplomas laborais. Corria o ano de 1975 quando surgiram os normativos relativos ao associativismo sindical e patronal[99]. A estrutura sindical pulverizada do Estado Novo foi aceite como “herança sindical, praticamente intacta” pela Revolução[100/101], sendo legalmente consagrada a unicidade sindical[102]; na mesma altura foram apresentadas as bases do associativismo sindical (Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril, LAS) e patronal (Decreto-Lei n.º 215-C/75, com a mesma data, LAP) que se prolongariam por várias décadas[103], colocando assim termo aos normativos corporativos[104]. Os novos articulados instituíram a liberdade de associação – mais especificamente, quanto aos sindicatos, a liberdade sindical – na área laboral, terminando com a ingerência que o Estado Novo tinha realizado, apesar de vigorar também agora a unicidade sindical.

IV. A revolução de 25 de Abril de 1974 colocou termo à Constituição de 1933 que tinha sido um suporte essencial do regime deposto, inaugurando se um diferente modelo constitucional[105].
O novo sistema constitucional ficaria sedimentado com a Constituição de 1976 que entrou em vigor a 25 de Abril de 1976 (artigo 312.º, n.º 3)[106], configurando a nova Lei Fundamental uma rotura com a ordem constitucional vigente à data de 25 de Abril de 1974[107]. O novo quadro constitucional é bem revelador do momento político existente, contendo a Constituição diversas marcas ideológicas. Pode, por isso, dizer-se que a Constituição de 1976 é um documento compromissório resultante da pulverização política presente na Assembleia Constituinte[108] e sujeita a diversas influências constitucionais históricas e estrangeiras[109], sendo “… o espelho, afinal, das tensões e contradições que caracterizaram e animaram esse período da história portuguesa”[110].

 

5.º Regime Democrático

I. Não obstante a existência de uma rotura com o regime político anterior, a Lei Constitucional – não ignorando que a (nova) Constituição ocuparia o topo da pirâmide jurídica, tendo todo o modelo legislativo construído sob o quadro da Constituição de 1933 – manteve o direito ordinário, desde que não colidisse com a Constituição ou com os princípios nela sufragados (artigo 293.º, n.º 1)[111], revelando assim preocupação em assegurar alguma estabilidade regulativa; naturalmente que a ausência de uma revogação expressa – certamente de difícil elaboração – causou diversas dificuldades (interpretativas e) aplicativas, com as inerentes incertezas e inseguranças jurídicas que deixou de conformar a legislação ordinária, desde logo, em matéria laboral[112].
Considerando que por direito ordinário se deve entender “… não apenas as normas de direito legislado mas também quaisquer normas jurídicas de valor infraconstitucional”[113], parece-nos que se deve aqui incluir, desde logo, os instrumentos convencionais. Deste modo,
pode dizer-se que o quadro convencional não foi objecto de rejeição jurídica pela Constituição, apesar dos problemas de efectividade que, como vimos, ocorreram, o que dificilmente poderia deixar de se verificar face a um regime infra-constitucional que, elaborado sob a Lei Fundamental de 1933 e mesmo quando formalmente compatível com a Constituição (de 1976), apresentava substanciais disparidades valorativas.

II. A Constituição conferiu, no âmbito de um amplo catálogo de direitos fundamentais[114], vários direitos aos trabalhadores e às respectivas entidades representativas (sistema de dupla representação)[115] (artigos 51.º a 59.º)[116], em especial tutelando os que prestam a actividade num quadro de subordinação jurídica[117]. Na verdade, no capítulo dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores é bem mais ampla e intensa a regulação conferida às formas de representação colectiva do que a atenção dada às relações de trabalho, sufragando-se as suas dimensões mais relevantes, nomeadamente a matéria das comissões de trabalhadores, do associativismo sindical, da autonomia colectiva e da auto-tutela.

 

Alguma doutrina atribui influência à Constituição italiana (27 de Dezembro de 1947) quanto ao tratamento desenvolvido dos direitos dos trabalhadores e aos direitos resultantes do exercício do trabalho, incluindo o dever de o Estado assegurar meios de protecção dos trabalhadores no caso de acidente, doença, invalidez, velhice e desemprego, bem como a garantia da liberdade sindical e direito à greve[118]. Compulsando aquele diploma (artigos 35.º a 40.º), verifica-se, de facto, a aludida influência, embora se deva sublinhar que, na área colectiva, a Constituição italiana não contem uma regulação tão pormenorizada relativamente aos sindicatos (artigo 39.º) – nem se refere às comissões de trabalhadores – e, por outro lado, o direito à greve é exercido nos termos da lei (artigo 40.º), portanto, com uma parametrização diferente da constante da nossa lei Fundamental; igualmente o preceito sobre contratação colectiva não tem idêntica regulação (artigo 39.º, 3.º §).

 

E entre as temáticas consagradas pelo legislador, mereceram, como referimos, especial relevância as atinentes aos fenómenos colectivos, em particular as relativas às formas de representação colectiva, matérias aniquiladas em regimes não democráticos e que foram singularmente condicionadas e restringidas no Estado Novo.
De facto, a Lei Fundamental preocupou-se em acautelar diversas situações que inexistiram no Estado Novo ou constituíram uma realidade formal, bem como responder ao risco de um novo regime autoritário, motivos que levaram também a que o quadro normativo contivesse normas sem dignidade constitucional face à especial preocupação em garantir a sua efectiva existência (v.g., artigo 55.º, n.ºs 2 e 3)[119].
Deve também notar-se que a consagração da fenomenologia colectiva não é alheia à “… ideia de democracia social e de cidadania do trabalhador na empresa …”, nem à de “… institucionalização do conflito colectivo …”[120]. Compreende-se, por isso, que o legislador constituinte se tenha ocupado essencialmente das relações colectivas de trabalho, delineando os seus  traços gerais em detrimento da atenção dispensada à relação individual.

 

Apesar de ter privilegiado os fenómenos colectivos, os direitos dos trabalhadores abrangeram também os individuais, podendo salientar-se, entre os primeiros os direitos à segurança no emprego (artigo 52.º, alínea b)), à igualdade retributiva (artigo 53.º, alínea a)); entre os fenómenos colectivos, os relativos às comissões de trabalhadores (artigos 55.º e 56.º)[121], a liberdade sindical (artigo 57.º)[122], os direitos das associações sindicais, entre os quais o de contratação colectiva (artigo 58.º[123]) e o direito à greve (artigo 59.º), bem como a proibição do lock-out (artigo 60.º)[124].
Registe-se ainda a relevância concedida à temática laboral, integrando a lista dos limites materiais de revisão constitucional os direitos dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais (artigo 290.º, alínea e))[125].

 

Sublinhe-se, no entanto, que apesar da importância concedida à matéria de trabalho, os direitos constitucionais dos trabalhadores não obtiveram (formalmente) a qualificação de direitos, liberdades e garantias, usufruindo, todavia, da aplicação dos regimes destes direitos (artigo 17.º)[126].

III. Entre os direitos dos trabalhadores relativos ao fenómeno colectivo, o legislador concedeu, desde logo, especial atenção à liberdade sindical (artigo 57.º)[127] – particularmente fustigada durante o Estado Novo e no pós-revolução [128] -, ao direito de contratação colectiva (58.º, n.ºs 3 e 4), acompanhado pelo direito à greve (artigo 59.º)[129], constitucionalizando, deste modo, a autotutela colectiva. E compreende-se que assim tenha sido, porquanto “… o conjunto formado por liberdade sindical, liberdade de negociação e greve é condição necessária de todas as outras liberdades dos trabalhadores; só a referida acção colectiva permite afirmar e fazer funcionar todas essas liberdades dos assalariados”[130].
O Direito colectivo assumiu então dignidade constitucional, não numa perspectiva restritiva ou (aparentemente) neutra, mas garantística[131].

IV. A Lei Fundamental consagrou, do ponto de vista formal, a liberdade sindical como figura autónoma do direito de contratação colectiva e do direito à greve. Em vez de optar por uma noção ampla de liberdade sindical[132], o legislador constituinte autonomizou a contratação colectiva das restantes figuras, o que, naturalmente, não quer dizer que tenha ignorado a ligação “umbilical” entre as diferentes situações, em especial a relação incindível entre a liberdade sindical, a autonomia colectiva e a greve nem que na liberdade sindical se não possa incluir a contratação colectiva e a greve.

 

O direito à greve surgiu, como referimos, (formalmente) autonomizado face à contratação colectiva e à liberdade sindical, tendo o legislador constituinte optado, de forma clara, por não limitar os fins daquele direito à autonomia colectiva (desde logo, artigo 57.º, n.º 2); a ausência de uma instrumentalidade (absoluta) entre o direito de greve e a contratação colectiva[133] não significa que aquele não seja um elemento especialmente relevante para o exercício efectivo da autonomia colectiva, sem o qual ficaria destituído de um meio de pressão essencial.

 

Inserido na matéria dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais (título III, da parte I), o direito de contratação colectiva foi colocado no artigo relativo aos direitos das associações sindicais e contratação colectiva (epígrafe), tendo obtido a seguinte redacção:

 

“3. Compete às associações sindicais exercer o direito de contratação colectiva.
4. A lei estabelece as regras respeitantes à competência para a celebração das convenções colectivas de trabalho, bem como à eficácia das respectivas normas”.

 

Ficou, deste modo, consagrada a autonomia colectiva a cargo das associações sindicais, na sequência das diversas propostas sobre a matéria, o que não impediu, que ao longo dos tempos de verificassem constantes restrições a este direito[134].

V. O novo quadro constitucional – e subsequentes revisões[135] – teve naturalmente efeitos ao nível de vários diplomas. Na verdade, incompatibilidade constitucional e oposição política[136] tornaram definitiva a decisão de terminar com a unicidade sindical, intervindo o legislador através do Decreto-Lei n.º 773/76, de 27 de Outubro (artigo 1.º)[137]; terminava assim a unicidade dando lugar ao pluralismo sindical.
Por outro lado, houve também necessidade de intervir no Código Civil (de 1966), cumprindo-se a adaptação constitucionalmente prevista em matéria de direitos, liberdades e garantias (artigo 293.º, n.º 3), o que levou a diversas modificações[138].
Ficaram, no entanto, incólumes os artigos que continham referências às normas corporativas (artigo 1.º, 3.º, n.º 1, do Código Civil).

VI. Em termos jurídico-laborais, a evolução legislativa ocorrida após 1970 – ano em que entrou em vigor a Lei do Contrato de trabalho (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969, LCT -, faz com que surja a questão de saber se a hierarquia estabelecida na parte final do artigo 12.º da LCT, ainda se manteve em vigor ou, ao invés, cessou. Ou seja: temos de apurar se a parte final do artigo 12.º, n.º 1, da LCT, ficou vigente, visto que desta norma resulta que a portaria de extensão e de condições de trabalho estão num plano superior ao da convenção colectiva[139]. Para nós, todos os instrumentos de regulamentação colectiva se encontravam (e encontram) ao mesmo nível hierárquico. Concordamos, por isso, com a doutrina[140], segundo a qual as portarias, e, desde logo, em virtude de serem excepcionais, sucedâneas das fontes convencionais e não existir poder revogatório relativamente a estas, situam-se num plano hierárquico idêntico ao da convenção colectiva, do acordo de adesão e da decisão arbitral[141]. Assim sendo, a posição das portarias e das convenções colectivas não podia ser entendida tal como era apresentada pelo artigo 12.º, n.º 1, da LCT (in fine)[142]. Com efeito, existe uma idêntica posição hierárquica, não obstante a portaria dimanar da Administração central, segundo a LRCT, nomeadamente  nos seus artigos 2.º, 29.º, 36.º, e 38.º[143]; não só do artigo 2.º da LRCT, não resulta qualquer ordenação hierárquica, como decorre dos artigos 29.º e 36.º, uma preferência do legislador pelas fontes autónomas face às heterónomas, de modo que pode dizer-se que estas são subsidiárias daquelas[144]. Note-se que pode mesmo identificar-se, no artigo 36.º, n.º 1, da LRCT, uma preferência do legislador pelas portarias de extensão face às de regulamentação do trabalho, pois segundo este preceito estas portarias não serão possíveis sempre que as de extensão o forem, situação que traduz o reconhecimento da autonomia colectiva como valor fulcral dos instrumentos de trabalho[145]. É preciso afirmar, no entanto, que esta preferência legal pelas fontes autónomas também não leva à existência de subordinação hierárquica das fontes heterónomas face às autónomas[146]. O que “…com essa preferência se tem de articular [é] o regime das portarias de extensão, integrando ambos os momentos no conjunto sistémico da lei. Trata-se de articular o princípio do reconhecimento da autonomia colectiva com as limitações que a própria lei lhe estabelece, e que em última análise decorrem da prevalência da lei e se baseiam no interesse público”[147]. Esta equiparação hierárquica entre as fontes autónomas e as fontes heterónomas ou, mais especificamente, entre a convenção e a portaria de extensão, encontra claro acolhimento também nos artigos 29.º, n.º 4, e 38.º da LRCT.
O assunto ficaria definitivamente resolvido com o Código do Trabalho de 2003 (aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, artigo 1.º), cuja redacção foi mantida no diploma de 2009 (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, artigo 1.º)[148].

VII. Chegados aqui e sem que tenha existido uma revogação (expressa) das normas do Código Civil relativas às normas corporativas (artigos 1.º e 3.º, n.º 2), coloca-se o problema da sua vigência. Com efeito, não obstante as diversas alterações ao Código Civil – mais precisamente 77 – a norma foi sempre mantida, inclusive aquando da actualização do diploma (Decreto Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro) face ao novo quadro constitucional (artigo 293.º, n.º 3).
Mantendo-se actual a querela doutrinária sobre a vigência das normas do Código Civil, é possível agrupar essencialmente duas posições:

 

1) Tese da cessação: Essa posição é preconizada, por exemplo, por MOTA PINTO, que defende terem deixado de existir normas corporativas com a extinção dos organismos previstos na Constituição de 1933 (artigos 16.º e 17.º), considerando que “só o facto de a revisão do Código Civil pelo Decreto-Lei n.º 496/77 ter sido limitada… pode explicar este facto surpreendente, de o artigo 1.º do Código Civil ter permanecido inalterado”[149].
2) Tese da vigência: Entre os seus defensores está OLIVEIRA ASCENSÃO para quem as referências codicistas continuam a ser actualmente invocáveis para a determinação do papel das fontes institucionais do direito, uma vez que “as ordens profissionais, [que não são o mesmo que os sindicatos,] por exemplo, produzem regras, pelas quais disciplinam toda a categoria respectiva. Essas regras são reconhecidas pelo poder público; e, todavia, não são regras do Estado, são regras de produção dos próprios interessados. Por isso, as disposições do Código Civil português que não forem reflexo da extinta orgânica corporativa, mas se acomodem ao problema substancial das posições de entes intermediários, como o art. 1.º/3 e o art. 3.º/2, devem considera-se em vigor”[150/151]. Idêntica  posição seria acolhida por FREITAS DO AMARAL que, admitindo a existência de normas corporativas, as define como “aquelas que estabelecem os estatutos, a organização e a disciplina interna das entidades privadas supra ou infra-estaduais”, dando como exemplo, os estatutos e os regulamentos internos de organizações privadas internacionais (v.g., FIFA, UEFA) e nacionais (vg., associações e fundações)[152]. Também MENEZES CORDEIRO, depois de sublinhar que a categoria normas corporativas se define pelo “… traço formal da sua origem (produção corporativa) e pelo seu objecto (estatutos e regulamentos internos)”, nota que “a liberalização da sociedade, posterior à Constituição, tornou paradoxal e teoricamente possível, verdadeiras «normas corporativas»”, pelo que admite que “esse lugar” é preenchido pelos diploma privados (nos quais subsume a fonte convencional, a par dos negócios normativos e dos regulamentos privados)[153]. Igualmente CAPELO DE SOUSA, defendendo que “nada obstaria à revogação tácita ou à interpretação ab-rogante do art. 1.º CC …”, considera que as normas corporativas mantêm utilidade, tendo presente que a representatividade se mantém, em novas bases, resultando da liberdade de associação fontes de Direito, tais como os estatutos e regulamentos internos[154].
A tese da vigência tem sido igualmente sustentada pela jurisprudência, reconduzindo a expressão normas corporativas – rectius, o seu conteúdo – aos Estatutos de uma Associação de Comerciantes[155], de uma fundação pública de direito canónico, registada como fundação de solidariedade social[156], a um regulamento desportivo adoptado pela Federação Portuguesa de Futebol[157/158].

 

VIII. Na verdade, a posição que advoga a vigência das normas corporativas está em consonância com o propósito de MANUEL DE ANDRADE, que escrevia, como vimos, que “na definição do termo «normas corporativas», procurou-se fazê-la corresponder não só à vigente organização corporativa, como ainda a possíveis contingências futuras”[159]. E, de facto, cremos que uma interpretação conforme a Constituição impõe a manutenção dos preceitos civis, porquanto é possível identificar não só um sentido útil para as normas, como fixar o seu conteúdo dentro dos quadros Constitucionais, reconduzindo-a a diversos actos jurídicos, como o tem feito a doutrina e a jurisprudência[160]. Não consideramos, no entanto, que a convenção colectiva deva ser incluída na tipologia das normas corporativas, porquanto o próprio legislador do Estado Novo, na LCT de 1969, realizou essa destrinça, ao contrapor “normas emanadas das corporações” a “convenções colectivas de trabalho” (artigo 12.º, n.º 1)[161]; e se na própria vigência do regime corporativo, essa subsunção já tinha sido afastada pelo legislador[162], não identificamos motivos para incluir a convenção colectiva dentro dos espartilhos das normas corporativas, separando-a dos restantes instrumentos de regulamentação colectiva, notando ainda que actualmente a convenção colectiva, “… um dos traços mais idiossincráticos …” do Direito laboral[163], é reconhecida como fonte (imediata) de Direito[164]

 

 

 

[3] Sobre a matéria, a título de exemplo, FERNANDO ROSAS e J. M. BRANDÃO DE BRITO, Dicionário Histórico do Estado Novo, volume I (A-L), Bertrand Editora, Venda Nova, 1996, pp. 273-274 (Ditadura Militar).
[4] NUNES ABRANTES, “O Direito do Trabalho do «Estado Novo»”, Themis – Revista da Faculdade de Direito da UNL, ano VII, n.º 13, 2006, p. 32. É comum a doutrina delimitar a fase do corporativismo (ou do Estado Novo) entre 1926 e 1974, cfr. MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1989, reimpressão, 1994, pp. 50 e 56 e ss, e Direito do Trabalho, volume I, Almedina, Coimbra, 2018, pp. 120 e 126 e ss, bem como Tratado de Direito Civil, volume I, cit., pp. 538 e ss, que distingue entre 1926/1966 e 1966/1974; MENEZES LEITÃO, Direito do Trabalho, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 40 e ss, subdivide a fase do Estado Novo em período ditatorial (28 de Maio de 1926 até à aprovação da Constituição de 1933), corporativo (desde esta aprovação até ao Governo de MARCELLO CAETANO) e período liberalizante (desde este momento até ao movimento militar de 25 de Abril de 1974).
[5] Para mais desenvolvimentos, PAULO OTERO, Direito Constitucional Português – Identidade Constitucional, volume I, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 272-273.
[6] Para uma análise do quadro legal, JOSÉ ANTÓNIO BARREIROS, “Criminalização Política e Defesa do Estado”, Análise Social, volume XVIII (72-73- 74), 1982, n.º 3.º, 4.º e 5.º, pp. 822 e ss.
[7] Pode ver-se em M. DA C. TAVARES DA SILVA, Direito do Trabalho (Apontamentos das Lições de Direito do Trabalho da Dra. Maria da Conceição Tavares da Silva, ao curso do 2.º ano), Instituto de Estudos Sociais, Lisboa, 1964/1965, policopiado, pp. 412 e ss, a identificação de vários diplomas que entraram em vigor após a revolução de 1926 e antes da Constituição de 1933.
[8] FERNANDO ROSAS e J. M. BRANDÃO DE BRITO, Dicionário Histórico do Estado Novo, volume I (A-L), cit., p. 274 (Ditadura Militar), encontrando-se uma breve apreciação do Estado Novo, nesta obra, pp. 315 e ss (Estado Novo). Registe-se que a Escola Corporativa Católica possuiu grande difusão em Portugal, sendo o Centro Académico de Democracia Cristã de Coimbra um dos pólos de propaganda, que teve como membro e orientador OLIVEIRA SALAZAR, cfr. MARCELLO CAETANO, O Sistema Corporativo, s.e., Lisboa, 1938, p. 27, com mais informação nas páginas anteriores. Veja-se também, entre outros, o texto escrito por OLIVEIRA SALAZAR, Como se Levanta um Estado, Atomicbooks, Lisboa, 2007, em meados da década de trinta, onde o Autor explica os antecedentes e as opções políticas do Estado Novo. Sobre as influências doutrinárias no pensamento corporativo  português, por exemplo, MARCELLO CAETANO, O Sistema Corporativo, cit., pp. 21 e ss; FEZAS VITAL, Curso de Direito Corporativo, s.e., Lisboa, 1940, pp. 41 e ss. Para um enquadramento do corporativismo, entre outros, NUNES AGRIA, A Doutrina Corporativa, Centro de Estudos Sociais e Corporativos, s.e., s.d.; MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, volume I, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 533 e ss, bem como, do mesmo Autor, Código Civil Comentado, I – Parte Geral, coordenação de Menezes Cordeiro, CIDP, Almedina, 2020, pp. 73 e ss; LUÍS PEDRO CUNHA, Estudos sobre o Corporativismo Publicados no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade Coimbra, Working Papers, Boletim de Ciências Económicas, série BCE 18, 2016, em especial, pp. 10 e ss, https://www.uc.pt/fduc/ij/publicacoes/wpbce; CUNHA GONÇALVES, Princípios de Direito Corporativo, s.e., Lisboa, 1935, em especial, pp. 41 e ss, 59 e ss e 79 e ss, com importante informação histórica e de direito comparado; SILVA LEAL, “Os Grupos Sociais e as Organizações na Constituição de 1976 – A Rotura com o Corporativismo”, AAVV, Estudos sobre a Constituição, volume III, coordenação de Jorge Miranda, Petrony, Lisboa, 1979, em especial, pp. 212 e ss; SOARES MARTINEZ, Manual de Direito Corporativo, 3.ª edição, Petrony, Lisboa, 1971, pp. 207 e ss, e 219 e ss.
[9] Para uma análise do fascismo, comparando o quadro português com o italiano, por exemplo, MANUEL LUCENA, A Evolução do Sistema Corporativo Português, volume I, Perspectivas e Realidades, Lisboa, 1976, pp. 28 e ss, em especial, pp. 38 e ss.
[10] A Lei Fundamental de 1933 foi precedida da publicação do projecto ao qual se seguiu uma fase de discussão na imprensa, onde se publicaram artigos, comentários e entrevistas sobre o diploma. Sobre os principias diplomas influenciadores da Constituição (de 1933), cfr. MARCELLO CAETANO, A Constituição de 1933 – Estudo de Direito Político, Coimbra Editora, 1956, p. 8. 11 Decreto-Lei n.º 23:048, de 23 de Setembro de 1933, Diário do Govêrno, de 23 de Setembro de 1933, I série, número 217, pp. 1655-1658. Este diploma foi inspirado na Carta Italiana do Trabalho (Carta del Lavoro), datada de 21 de Abril de 1927, conforme expressamente se reconhece no Parecer da Câmara Corporativa, n.º 42/VI, de 6 de Junho de 1956 (que versou sobre a proposta de lei n.º 37 – Corporações), cujo relator foi JOSÉ CARDOSO PIRES, publicado no Diário das Sessões da Assembleia Nacional, VI legislatura, n.º 150, de 14 de Junho de 1956, p. 1062. Influência relevante teve também o catolicismo social. Uma apreciação genérica do Estatuto pode ser vista em MANUEL LUCENA, A Evolução do Sistema Corporativo Português, volume I, cit., pp. 179 e ss; FERNANDO ROSAS e J. M. BRANDÃO DE BRITO, Dicionário Histórico do Estado Novo, volume I (A L), cit., pp. 319-320 (Estatuto do Trabalho Nacional).
[12] SILVA LEAL, “Da Falta de Interesse dos Juristas Portugueses pelo Direito do Trabalho”, Revista do Gabinete de Estudos Corporativos, ano XI, n.º 44, 1960, p.516, defende mesmo que “até 1933 não tinha sentido falar entre nós de direito do trabalho. Quando muito, poder-se-ia falar de uma legislação de protecção do trabalhador”; acrescentando: “O direito do trabalho, com a publicação da Constituição e do Estatuto, não passa a ser imediatamente uma realidade, mas é desde logo um projecto que o legislador pretende levar por diante e que vai ter influência na evolução posterior da nossa ordem jurídica”.
[13] Vd., pelo seu interesse histórico e revelador da relevância da matéria, Trabalho, Sindicatos e Greves no Regime Fascista, Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista, Presidência do Conselho de Ministros, Lisboa, 1984, na qual se pode consultar, entre outras matérias, a troca de correspondência entre o Presidente do Conselho (OLIVEIRA SALAZAR) e os Ministros das Corporações e Previdência Social sobre o movimento sindical e as greves.
[14] Como certeiramente observa FRANCESCO DE ROBERTIS, Storia delle Corporazioni e del Regime Associativo nel Mondo Romano, volume I, Adraitica Editrice, Bari, 1971, p. 4, é historicamente comum acontecer uma depreciação do fenómeno associativo, conferindo-se maior prevalência ao individualismo em períodos de autoridade.
[15] Neste sentido, MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 20.ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, p. 56. Veja-se também ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 9.ª edição, Instituto de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito de Lisboa, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 89-90; PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho, Parte I – Dogmática Geral, 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, pp. 94-95.
[16] Para mais desenvolvimentos sobre a Administração do Estado intervencionista, com análise da situação do Estado Novo, PAULO OTERO, Manual de Direito Administrativo, volume I, Almedina, Coimbra, 2013, pp. 280 e ss, salientando que postura seria continuada, ainda que com diferenças, com a Constituição de 1976.
[17] Para uma análise dos elementos estruturais da Nação, SILVA LEAL, “Os Grupos Sociais e as Organizações na Constituição de 1976 – A Rotura com o Corporativismo”, cit., pp. 224 e ss.
[18] Diário do Govêrno, I série, número 67, pp. 409-411.
[19] Conforme se deduz do artigo 15.º da Constituição, os morais eram os que tinham objectivos “de assistência, beneficência ou caridade”; os culturais, “…científicos, literários, artísticos ou de educação física”; e os económicos, “… de aperfeiçoamento técnico ou de solidariedade de interesses”. Para mais desenvolvimentos, por exemplo, FEZAS VITAL, Curso de Direito Corporativo, s.e., Lisboa, 1940, pp. 140 e ss.
[20] Embora remetendo, nos termos do § 2.º, a sua regulação para leis especiais. O Decreto-Lei n.º 39 660, de 20 de Maio de 1954, Diário do Govêrno, de 20 de Maio de 1954, I série, número 110, pp. 557-558, estabeleceu, de forma restritiva, o exercício do direito de associação, cfr., MANUEL LUCENA, A Evolução do Sistema Corporativo Português, volume I, cit., pp. 140 e ss.
[21] Nos termos do artigo 18.º, nestas corporações “estarão organicamente representados todos os elementos da nação”.
[22] O artigo 15.º remetia para normas especiais, a constituição e o exercício das suas funções.
[23] Sobre este ponto, por exemplo, ORLANDO DE CARVALHO, Critério e Estrutura do Estabelecimento Comercial, O Problema da Empresa como Objecto de Negócio, volume I, Atlântida, Coimbra, 1967, p. 58, nota 39; e, numa perspectiva mais ampla, M. DA C. TAVARES DA SILVA, Direito do Trabalho, cit., pp. 416 e ss, em especial, pp. 420 e ss.
[24] Com interesse para uma análise do princípio da iniciativa económica privada na Constituição de 1933, AFONSO QUEIRÓ e BARBOSA DE MELO, “A Liberdade de Empresa e a Constituição (A Propósito do Dec-lei n.º 47 240, de 6 de Outubro de 1966)”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XIV, 1967, n.ºs 3-4, pp. 216 e ss; e sobre os direitos fundamentais económicos, VITAL MOREIRA, A Ordem Jurídica do Capitalismo, 3.ª edição, «Perspectiva Jurídica», Centelho, Coimbra, 1978, pp.145 e ss.
[25] COELHO DO AMARAL, “O Contrato Colectivo de Trabalho no Direito Corporativo Português”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, suplemento XI, 1953, p. 343.
[26] FERNANDO ROSAS e J. M. BRANDÃO DE BRITO, Dicionário Histórico do Estado Novo, volume I (A-L), cit., p. 319 (Estatuto do Trabalho Nacional). Veja-se também, numa análise da doutrina italiana sobre o Estatuto, ANSELMO ANSELMI, Corso di Legislazione Sindacale e Corporativa Comparata, Casa Editrice Poligrafica Universitaria, Firense, 1934, pp. 66 e ss.
[27] Para mais desenvolvimentos sobre a organização corporativa, vd., entre outros, MARCELLO CAETANO, O Sistema Corporativo, cit., pp. 65 e ss; SOARES MARTINEZ, Manual de Direito Corporativo, cit., pp. 398 e ss; VITAL MOREIRA, Direito Corporativo – (Tópicos das Lições do Ano Lectivo de 1971-72 na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra), Unitas, Coimbra, 1972, pp. 181 e ss; FEZAS VITAL, Curso de Direito Corporativo, cit., pp. 140 e ss. Saliente-se, ainda, o Parecer da Câmara Corporativa, n.º 42/VI, de 6 de Junho de 1956 (versou sobre a proposta de lei n.º 37 – Corporações), cit., pp. 1052-1126, onde se faz uma pormenorizada análise do corporativismo (em especial, no que respeita à concepção portuguesa, vd. pp. 1061 e ss). Para uma análise profunda do modelo do corporativismo, vd., o já citado, Parecer da Câmara Corporativa n.º 42/VI (sobre a proposta de lei n.º 37 – bases para as instituições das corporações), cit., pp. 1052 e ss.
[28] Diário do Govêrno, de 23 de Setembro de 1933, I série, número 217, pp.1658-1659.
[29] Diário do Govêrno, de 23 de Setembro de 1933, I série, número 217, pp.1659-1661. O diploma teve como principais fontes o Decreto de 9 Maio de 1891 e a legislação sindical italiana.
[30] O interesse colectivo num regime corporativo assume alguma relevância, mas é naturalmente condicionado pelo bem comum (fim supremo do Estado), em nome do qual se restringe intensamente aquele. Sobre o assunto, ALMEIDA POLICARPO, “Conciliação dos Conflitos Colectivos de Trabalho”, Estudos Sociais e Corporativos, ano IV, n.º 13, 1965, pp. 41 e ss.
[31] Neste sentido, ALEXANDRE VIEIRA, Para a História do Sindicalismo em Portugal, 2.ª edição, Seara Nova, Lisboa, 1974, pp. 210-211. Poderia parecer inusitado que um regime corporativo admitisse associações profissionais de classe, mas deve ter-se bem presente o apertado quadro gizado para a intervenção dos sindicatos nacionais. Sobre esta matéria, MARCELLO CAETANO, O Sistema Corporativo, cit., p. 70, reflecte que poderá considerar-se estranho que se parta de associações de classe social, colocando à parte dos outros elementos solidários da produção os trabalhadores que fornecem o seu trabalho. Esclarece, no entanto, op. cit., p. 71, que a explicação se encontra “… no facto de estar tão arreigada a consciência de classe operária que se tornou necessário reconhecê-la e aproveitá-la para a depurar do sentido da luta, e assim a levar a fundir-se com a classe patronal nos quadros da mesma unidade corporativa. A diferença entre os antigos eram organizações ofensivas e defensivas para a luta de classes, ao passo que os actuais são elementos estructurais das Corporações e, como tais, propõem-se realizar a solidariedade dos interêsses na comunhão dos fins”.
[32] Principalmente, como é natural, os sindicatos.
[33] A organização associativa laboral encontrava-se, de acordo com a concepção corporativa do Estado, inserida na Organização Corporativa, integrando a Administração Indirecta ou Autónoma.
[34] SOARES MARTINEZ, Manual de Direito Corporativo, cit., p. 402, o que justifica, salienta o Autor, que os actos que praticam obriguem todos os elementos abrangidos pela categoria profissional e não somente os seus membros.
[35] SILVA LEAL, “Os Grupos Sociais e as Organizações na Constituição de 1976 – A Rotura com o Corporativismo”, cit., p. 207.
[36] CUNHA GONÇALVES, Princípios de Direito Corporativo, cit., p. 156.
[37] Recorde-se que competia a este órgão corporativo “propôr ao Governo normas obrigatórias para a regulamentação colectiva das relações económicas e disciplina unitária das actividades que coordenam”, devendo seguir-se a aprovação por despacho do Conselho Corporativo (artigo 4.º, alínea d) e § 1.º do Decreto-Lei n.º 29:110, de 12 de Novembro de 1938; sobre o Conselho Corporativo, vd., já cima referidos, o Decreto-Lei n.º 24:362, de 15 de Agosto de 1934, órgão de orientação superior da organização corporativa nacional, presidido pelo Presidente do Conselho de Ministros, artigo 1.º e § 2.º), bem como o Decreto-Lei n.º 40 324, de 6 de Outubro de 1955. 38 Nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 26:757, de 8 de Julho de 1936, “os grémios, uniões e federações coordenados pelos organismos corporativos a que este diploma se refere devem acatar os regulamentos e determinações por aqueles estabelecidos e promover o seu cumprimento por parte dos agremiados”; e este diploma refere-se a organismos, criados pelo Ministro do Comércio e da Indústria, “…destinados a coordenar e a regular superiormente a vida económica e social nas actividades directamente ligadas aos produtos de importação e de exportação” (artigo 1.º). Para uma análise dos diversos instrumentos de regulação, VITAL MOREIRA, Auto-Regulação Profissional e Administração Pública, Almedina, Coimbra, 1997, pp. 235 e ss.
[39] Bases para uma classificação dos actos jurídicos através dos quais se realiza a regulamentação corporativa das relações económico-sociais e a sua disciplina unitária, publicado no Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, ano IX, n.º 3, de 14 de Fevereiro de 1942, pp. 51-52, itálico no original.
[40] Para mais desenvolvimentos sobre a regulamentação administrativa, vd., GONÇALVES DA SILVA, A Portaria de Extensão: Contributo para o seu Estudo, Dissertação de Mestrado, Faculdade de Direito de Lisboa, policopiado, 1999, em especial, pp. 89 e ss, “Pressupostos, Requisitos e Eficácia da Portaria de Extensão”, AAVV, Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, volume I, coordenação de Romano Martinez, Almedina, Coimbra, 2001, pp. 674 e ss; ROMANO MARTINEZ e GONÇALVES DA SILVA, “O Âmbito do Regulamento de Condições Mínimas”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XLV (XVIII da 2.ª série), 2005, n.° 4, pp. 360 e ss.
[41] Com uma análise desenvolvida, GONÇALVES DA SILVA, Da Eficácia da Convenção Colectiva, volume I, Dissertação de Doutoramento, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2012, pp. 316 e ss.
[42] COELHO DO AMARAL, “O Contrato Colectivo de Trabalho no Direito Corporativo Português”, cit., p. 346.
[43] COTTA DIAS, “Despachos de Regulamentação do Trabalho, 1º Colóquio Nacional do Trabalho da Organização Corporativa e da Previdência Social, Comunicações”, volume II, s.e., Lisboa, 1961, p. 85.
[44] O Código Civil foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de Novembro de 1966, tendo entrado essencialmente em vigor no dia 1 de Junho de 1967 (artigo 2.º), tendo sido desencadeada a sua elaboração por VAZ SERRA, na sequência do Decreto 33:908, de 4 de Setembro de 1944 (artigo 1.º), Diário do Govêrno, de 4 de Setembro de 1944, série I, número 196, pp. 830 e ss, onde se encontra a justificação para um novo Código. Para uma análise da segunda codificação, vd., por todos, MENEZES CORDEIRO, Teoria Geral do Direito Civil – Relatório, policopiado, Lisboa, 1987, pp. 331 e ss. Pode ainda ver-se, MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 4.ª edição, 2005, por PINTO MONTEIRO e PAULO MOTA PINTO, pp. 81 e ss, em especial, 85 e ss; CAPELO DE SOUSA, Teoria Geral do Direito Civil, volume I, Coimbra Editora, 2003, pp. 120 e ss; ANTUNES VARELA, “A Elaboração do Código Civil”, AAVV, A Feitura das Leis, I volume, coordenação de Rebelo de Sousa e Jorge Miranda, Instituto Nacional de Administração, Oeiras, 1986, pp. 17 e ss, em especial, pp. 21 e ss.
[45] MANUEL DE ANDRADE, “Fontes de Direito – Vigência, Interpretação e Aplicação da Lei”, Boletim do Ministério da Ivstiça, n.º 102 (Janeiro), 1961, pp. 141 e ss, devendo salientar-se que, como consta na nota deste texto, o Autor considerava ainda um “… simples esboço, ou bosquejo, que se propunha rever ….”.
[46] Sobre a noção de normas corporativas no Codice Civile, ORONZO MAZZOTTA, Diritto Sindacale, quarta edizione, G. Giappichelli, Torino, 2017, p. 96. É também de registar a repercussão do BGB no nossso Código Civil, cfr. SINDE MONTEIRO, “Manuel de Andrade e a Influência do BGB sobre o Código Civil Português de 1966”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, volume 75, 2003, em especial, pp. 187 e ss (enquadramento histórico) e pp. 194 e ss (aspectos de regulamentação).
[47] Como nota MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, volume I, cit., p. 543, “em termos formais estranha-se a contraposição entre «leis» e «normas corporativas»; ou se dizia «normas legais» e «normas corporativas» (fórmula inadequada já que as fontes contêm normas mas não são, elas próprias, normas) ou se optava por «leis» e «diplomas corporativos». Andrade não chegou a rever o seu projecto e Varela decidiu entronizá-lo mesmo contra a vontade do seu Autor”. E acrescenta o Professor, op. cit., p. 543: “Em termos materiais, não se entende como considerar as «normas corporativas» como «fontes imediatas»: parece claro que elas retiram a sua jurídico-positividade da lei e não de elas próprias”; na mesma linha, MENEZES CORDEIRO, Código Civil Comentado, I – Parte Geral, cit., p. 76. Veja-se também, em sentido crítico, FREITAS DO AMARAL, “Da Necessidade de Revisão dos Artigos 1.º a 13.º do Código Civil”, Themis, ano I, n.º 1, 2000, pp.12-13; e do mesmo Professor, com a colaboração de Ravi Afonso Pereira, Manual de Introdução ao Direito, cit., pp. 357 e ss; CASTANHEIRA NEVES, “Fontes de Direito. Contributo para a Revisão do seu Problema”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, volume LVIII, 1982, pp. 169 e ss, em especial, pp. 217 e ss; JOSÉ HERMANO SARAIVA, “Apostilha Crítica ao Projecto do Código Civil”, Revista da Ordem dos Advogados, ano 27, 1967, pp. 5 e ss, em especial, pp. 23 e ss. Para uma análise comparativa, BIGOTTE CHORÃO, “As Fontes do Direito no Código Civil Português e no Código Civil Espanhol”, Temas Fundamentais de Direito, Almedina, Coimbra, 1991, pp. 197 e ss, em especial, pp. 207 e ss, sobre as normas corporativas.
[48] Observava JOSÉ HERMANO SARAIVA, “Apostilha Crítica ao Projecto do Código Civil”, cit., p. 25, que normas corporativas não significavam quaisquer normas de direito corporativo, “… mas apenas normas emanadas dos organismos corporativos, o que é completamente diferente”; por outro lado, salienta ainda o Autor, op. cit., pp. 25-26, que muitas das normas de direito corporativo tem natureza de lei, existindo ainda uma fonte relevante na definição deste direito que não é lei nem resulta dos organismos representativos das representações das categorias profissionais e económicas: são as deliberações do Conselho Corporativo, a quem compete, nomeadamente dirimir as dúvidas interpretativas e aplicativas das leis gerais da organização corporativa, impondo-se a todos os organismos e serviços públicos; esta situação revela a insuficiência da definição, uma vez que exclui as normas mais relevantes em termos hierárquicos. E, retenha-se, que o próprio MANUEL DE ANDRADE, “Fontes de Direito – Vigência, Interpretação e Aplicação da Lei”, cit., pp. 147-148, reconhecia as deficiências, escrevendo que “na definição do termo «normas corporativas», procurou-se fazê-la corresponder não só à vigente organização corporativa, como ainda a possíveis contingências futuras. Tal como está enunciada, ela não se ajusta aos organismos morais e culturais, previstos no art. 17.º da Constituição Política. Não se conseguiu, por agora uma fórmula relativamente precisa que pudesse abrangê-los, sem deixar de fora os organismos corporativos económicos, esses já existentes e destinados sempre a maior evidência. Mas é claro que deverão qualificar-se também como corporativas as normas que, quanto àqueles outros organismos, equivalham às definidas no art.º 1.º, II, b)”.
[49] O n.º 1 do artigo 5.º dizia: “A lei só se torna obrigatória depois de publicada. O tempo que para este efeito deva ocorrer sobre a publicação da lei, quando ela mesma não proveja diversamente, será o determinado na respectiva legislação especial”.
[50] Ponderava MANUEL DE ANDRADE, “Fontes de Direito – Vigência, Interpretação e Aplicação da Lei”, cit., p. 149, que “porventura será aconselhável estender o mesmo preceito aos outros contratos-tipos (Tarifverträge) ou acordo congéneres estipulados por organismos corporativos”.
[51] BIGOTTE CHORÃO, “As Fontes do Direito no Código Civil Português e no Código Civil Espanhol”, cit., p. 207, que crítica o facto de outras fontes normativas (por exemplo, estatutos de uma sociedade comercial não terem sido previstos pelo Código (pp. 208-209). Acrescenta ainda o Autor que se trata do “… poder de entidades diferentes do Estado produzirem normas jurídicas destinadas a fazer parte do ordenamento jurídico” (p. 208). Acontece, no entanto, que essas entidades eram, em bom rigor, efectivamente controladas pelo Estado, integrando-o mesmo; como bem salienta MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, volume I, cit., p. 546, “… as corporações acabavam por se reconduzir ao Estado, em sentido muito amplo, mas ainda real; a jurídica-positividade das normas corporativas advinha da autoridade estadual”.
[52] Como salienta MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, volume I, cit., p. 542.
[53] O articulado continha uma proposta de um capítulo sobre o contrato de trabalho que se desdobrava em duas secções (I- disposições preliminares e II- trabalho em empresas), cfr. GALVÃO TELLES, “Aspectos Comuns aos Vários Contratos”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, volume VII, 1950, pp. 234 e ss, “Contratos Civis – Exposição de Motivos”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Lisboa, volume IX, 1953, pp. 144 e ss, e “Contratos Civis – Projecto”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Lisboa, volume X, 1954, pp. 161 e ss. O articulado está publicado em GALVÃO TELLES, “Contratos Civis – Projecto”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Lisboa, volume X, 1954, pp. 219 e ss, encontrando-se uma breve explicação das opções em “Contratos Civis – Exposição de Motivos”, cit., pp. 204 e ss.
[54] Explicava VAZ SERRA, e depois GALVÃO TELLES citando-o, a propósito da feitura do actual Código Civil, que “… entre nós o direito relativo às relações entre o trabalhador e a empresa (prescindindo já de outros aspectos) não pode dizer-se que tenha alcançado uma fase definitiva ou suficientemente estável para consentir a sua codificação, não parecendo, por isso, aconselhável, nas matérias abrangidas pela legislação social, ir além da enunciação de alguns princípios mais gerais (nos contratos em especial e na responsabilidade civil). Deixar-se-á às leis especiais o cuidado de desenvolver a regulamentação”, VAZ SERRA, “A Revisão Geral do Código Civil – Alguns Factos e Comentários)”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, volume XXII (1946), 1947, p. 493, sendo também relevante pp. 464-465, 473 e ss; GALVÃO TELLES, “Contratos Civis – Exposição de Motivos”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Lisboa, volume IX, 1953, p. 199. Ao exposto acrescentava GALVÃO TELLES, “Contratos Civis – Exposição de Motivos”, cit., p. 200: “a exposta orientação justifica-se plenamente …. O Direito do Trabalho, de tão larga importância nos tempos que correm e diante de qual se abre um futuro promissor, encontra-se ainda em franca evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial, embora já estejam lançados os fecundos germes do seu desenvolvimento e crescimento. Uma vez que a sua elaboração ainda não está completa, se bem que se possam dar como mais ou menos definidas as directrizes fundamentais das suas transformações, seria prematuro aprisioná-lo nos quadros estáveis de um Código, e parece prudente apenas fixar neste essas directrizes, deixando o mais para a legislação complementar”, cfr. igualmente o Parecer da Câmara Corporativa n.º 45/VII (regime do contrato de trabalho) Diário das Sessões da Câmara Corporativa, ano 1961, n.º 4, 20 de Dezembro, pp. 373 (3), no qual, GALVÃO TELLES na qualidade de relator, invoca também o facto de os trabalhos do Código Civil não estarem ainda para breve. 55 Como bem salienta BIGOTTE CHORÃO, “As Fontes do Direito no Código Civil Português e no Código Civil Espanhol”, cit., p. 207.
[56] MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, volume I, cit., p. 543.
[57] FREITAS DO AMARAL, com a colaboração de Ravi Afonso Pereira, Manual de Introdução ao Direito, volume I, Almedina, Coimbra, 2004, p. 358.
[58] SOARES MARTINEZ, Manual de Direito Corporativo, cit., p. 287.
[59] SOARES MARTINEZ, Manual de Direito Corporativo, cit., p. 286, que contrapõe o interno ao direito corporativo externo (o criado por entidades alheias à vida corporativa, v.g., normas da Assembleia Nacional e do Governo), fazendo depois uma desagregação e análise do externo (pp. 314 e ss) e do interno (pp. 320 e ss), salientando-se que estão excluídos dos acordos intercorporativos às matérias das relações de trabalho, ao contrário do que se passa com as convenções colectivas (pp. 323-324); já os contratos-tipo, outorgados entre organismos corporativos e empresas neles incluídos, visam fixar cláusulas a incluir nos “… contratos a celebrar entre si, ou entre elas e o público, com o fim de uniformizar as respectivas relações contratuais” e nisso assemelham-se à convenção colectiva, uma vez que vai conformar os contratos individuais celebrados no futuro (p. 328).
[60] SOARES MARTINEZ, Manual de Direito Corporativo, cit., pp. 331-332 e nota 1.
[61] SOARES MARTINEZ, Manual de Direito Corporativo, cit., p. 332.
[62] Entrou em vigor no dia 23 de Setembro de 1933 (artigo 128.º); recorde se que um amplo conjunto de diplomas estruturantes do Estado Novo datava também de 23 de Setembro, embora de 1933. O diploma regulava também a sua aplicação aos contratos em vigor (artigo 130.º), os contratos excluídos (artigo 131.º), fixava um prazo de revisão (artigo 132.º)
[63] Por exemplo, já em 1944, MARTINS DE CARVALHO “O Que São e o Que Deveriam Ser as Convenções Colectivas de Trabalho para Empregados e Operários”, O Direito, ano 126.º, 1994, I-II, p. 351, considerava “… indispensável e da maior urgência a revisão da Lei n.º 1952”, itálico no original, exemplificando com os regimes de aviso prévio e de férias; chamava também a atenção para a importância de identificar as matérias que eram supletivas e imperativas face à convenção colectiva.
[64] Podem identificar-se as principais inovações no preâmbulo, Diário do Governo, de 27 de Maio de 1966, I série, número 125, pp. 830 e ss, bem como nos trabalhos preparatórios que a seguir citaremos. Igualmente importante é a consulta, no Ministério do Trabalho, da compilação de diversos textos de M. DA C. TAVARES DA SILVA, Proposta de Lei sobre o Regime do Contrato de Trabalho, dactilografado, s.d. passim, que tem presente a proposta inicial do Governo e o Parecer da Câmara Corporativa.
[65] A título de exemplo, artigos 44.º, n.º 3 (sobre o período experimental), 60.º, n.º 3 (fixação do período de férias), 79.º (especiais garantias de emprego ou de retribuição), 88.º, n.º 1 (fixação da retribuição), 89.º, n.º 3 (forma de pagamento da retribuição), 116.º, (acesso das mulheres à profissão), 120.º, n.º 2 (limite de idade mínima).
[66] O texto corresponde, com meras alterações formais, ao da revisão de 1964 “1. Os contratos de trabalho estão sujeitos, em especial, às normas legais de regulamentação do trabalho, aos despachos do Ministro das Corporações e Previdência Social, emitidos dentro da competência que por lei lhe for atribuída, às normas emanadas das corporações, às convenções colectivas de trabalho e aos usos locais da profissão do trabalhador, segundo a indicada ordem de precedências”.
[67] Cfr. ALMEIDA POLICARPO e MONTEIRO FERNANDES, Lei do Contrato de Trabalho Anotada, Almedina, Coimbra, 1970, pp. 51 e ss.
[68] O n.º 1 corresponde, com alterações ao n.º 2 do artigo 12.º da revisão ministerial de 1964, tendo sido eliminados os n.ºs 3 e 4: 2. “2. Porém, na parte em que importe tratamento mais favorável para o trabalhador, o disposto numa fonte de direito prevalece sobre o estabelecido nas fontes superiores, salvo se destas resultar o contrário. 3. Toda a estipulação do contrato individual pelo qual se afaste ou modifique o disposto, com carácter supletivo, nas fontes de direito indicadas no n.° 1 deste artigo, deve constar de documento assinado por ambas as partes, salvo se estabelecer regime mais favorável para o trabalhador. 4. A falta da forma prescrita no número anterior implica a nulidade da parte correspondente do contrato nos termos dos artigos 14.ºe 15.º”.
[69] Era diferente o texto da revisão ministerial de 1964, relativa ao artigo 14.º: “2. As cláusulas do contrato de trabalho contrárias a normas preceptivas são de pleno direito substituídas por estas”. É ainda importante notar a eliminação, face à última versão ministerial, do conteúdo do artigo 13.º (princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador), segundo o qual: “Em caso de dúvida, a interpretação e a integração das normas que regulam os contratos de trabalho bem como das cláusulas destes devem fazer-se à luz do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, sem prejuízo da possível satisfação equitativa dos interesses de ambas as partes”.
[70] Pode ver-se observações aos preceitos em SIMÕES CORREIA, Novo Regime Jurídico do Contrato de Trabalho (Decreto-Lei n.º 47 032, de 27 de Maio de 1966), Livraria Editora Pax, Braga, 1966, pp. 30 e ss.
[71] Para mais desenvolvimentos, GONÇALVES DA SILVA, Da Eficácia da Convenção Colectiva, volume I, cit., pp. 334 e ss; e, mais recentemente, MONTEIRO FERNANDES, “A Legislação do Trabalho e a «Primavera Política»”, AAVV, Os Anos Sessenta em Portugal. Duas Governações, Diferentes Políticas Públicas, «Biblioteca das Ciências Sociais/História/51», coordenação de Brandão de Brito e Borges Santos, Afrontamento, Porto, 2020, em especial, pp. 137 e ss.
[72] Recorde-se que, de acordo com o artigo 132.º do Decreto-Lei n.º 47 032, de 1966, o seu regime deveria ser revisto até 31 de Dezembro de 1968, o que aconteceu, tendo sido este diploma revogado pelo novo Decreto-Lei (artigo 3.º do diploma que aprova o regime). Em termos de aplicação do novo regime, o legislador prescreveu a manutenção dos contratos em vigor à data da publicação do diploma em tudo o que implique regime mais favorável para o trabalhador.
[73] Preâmbulo do diploma n.º 49 408, de 24 de Novembro, Diário do Governo, de 24 de Novembro de 1969, I série, número 275, p. 1671, sendo identificados as principais alterações nas páginas seguintes. Este diploma teve origem no Projecto de Decreto-Lei n.º 8/IX (revisão do Decreto-Lei n.º 47 032, de 27 de Maio de 1966 – regime jurídico do contrato de trabalho) Actas da Câmara Corporativa, de 31 de Dezembro de 1968, IX Legislatura, n.º 117, pp. 2007 e ss, sobre o qual incidiu o Parecer da Câmara Corporativa n.º 28/IX (revisão do Decreto-Lei n.º 47 032, de 27 de Maio de 1966 – regime jurídico do contrato individual de trabalho), Actas da Câmara Corporativa, de 9 de Julho de 1969, IX legislatura, n.º 143, pp. 2237 e ss.
[74] Concentrando-nos na matéria relativa àquele instrumento, salientamos que no artigo 12.º, relativo às normas aplicáveis aos contratos de trabalho, a mera referência aos usos constante do n.º 1 foi eliminada, tendo o legislador consagrado um preceito autónomo que determinava: “Desde que não contrariem as normas acima indicadas e não sejam contrários aos princípios da boa fé, serão atendíveis os usos da profissão do trabalhador e das empresas, salvo se outra coisa for convencionada por escrito”. Note-se ainda, a título de curiosidade, que, por um lado, o n.º 2 do artigo 14.º (invalidade parcial do contrato) substituiu a expressão “… são de pleno direito substituídas por estes” por “… consideram-se substituídas por estes”; por outro, o condicionamento, limitação ou proibição do acesso de mulheres à actividade laboral deixou de poder ser feita por convenção colectiva (artigo 119.º).
[75] O n.º 1 deste preceito seria objecto de uma revogação tácita na sua parte final pela Constituição de 1976 ao conferir ao direito de contratação colectiva a natureza de direito fundamental e, ainda que assim não entendesse, pelo regime da LRCT, deixando assim a convenção colectiva de estar subordinada às portarias; por outro lado, a parte referente às corporações deve entender-se também suprimida.
[76] O diploma seria objecto de ampla análise doutrinal, nos anos seguintes, podendo exemplificar-se, na década de setenta, NUNES AGRIA e CARDOSO PINTO, Manual Prático de Direito do Trabalho, Contrato Individual de Trabalho, Almedina, Coimbra, 1972, passim, contendo nas pp. 35 e ss matéria relativa à convenção colectiva; ABÍLIO NETO, Contrato de Trabalho – Notas Práticas, 2.ª edição, Livraria Petrony, Lisboa, 1972, passim; LOBO XAVIER, Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Anotado, 2.ª edição, Biblioteca Jurídica Atlântida, Coimbra, 1972; E mais especificamente, MONTEIRO FERNANDES, “O Princípio do Tratamento mais Favorável ao Trabalhador: sua Função”, Estudos de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1972, pp. 7 e ss.
[77] Um apreciação geral pode ser vista em MANUEL LUCENA, “Reflexões sobre a Queda do Regime Salazarista e o que se lhe Seguiu”, Análise Social, volume XXXVII (162), 2002, pp. 7 e ss. E ainda em MARINÚS PIRES DE LIMA, “Relações de Trabalho, Estratégias Sindicais e Emprego (1974-90)”, Análise Social, volume XXVI (114), 1991, 5.º, pp. 905 e ss, tendo especialmente em atenção.
[78] O Programa do Movimento das Forças Armadas está publicado em anexo à Lei Constitucional n.º 3/74, de 14 de Maio de 1974 – alterado pela Lei Constitucional n.º 6/75, de 26 de Março -, sendo parte integrante do diploma. Como bem salienta JORGE MIRANDA, A Constituição de 1976 (Formação, Estrutura, Princípios Fundamentais), Petrony, Lisboa, 1978, p. 42, “o Programa do Movimento das Forças Armadas não foi … um mero texto político; foi também, desde o início, um texto carregado de sentido jurídico, pois, com o êxito da acção revolucionária, transformou-se de acto interno do Movimento em acto constitucional do Estado”.
[79] Ao abrigo da Lei n.º 3/74 foi emitido o Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de Novembro – revogou o Decreto-Lei n.º 39 660, de 20 de Maio de 1954 (artigo 18.º)-, que consagrou a liberdade de associação, afirmando que a “todos os cidadãos maiores de 18 anos, no gozo dos seus direitos civis, é garantido o livre exercício do direito de associarem para fins não contrários à lei ou à moral pública, sem necessidade de qualquer autorização prévia” (artigo 1.º, n.º 1); a aquisição de personalidade jurídica verificava-se com o depósito do acto de constituição e dos estatutos (artigo 4.º, n.º 1), podendo filiar-se em associações ou organismos internacionais, mas a promoção e constituição de associações internacionais em Portugal estava dependente de autorização do Governo (artigo 13.º, n.ºs 1 e 2). Este diploma seria posteriormente objecto de alterações. Registe-se também os artigos 157.º e ss, em especial 167.º e ss do Código Civil. Para uma análise da matéria, MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I – Parte Geral, Tomo III, Almedina, Coimbra, 2004, pp. 564 e ss; TEIXEIRA DE SOUSA e LEONOR BELEZA, “Direito de Associação e Associações”, AAVV, Estudos sobre a Constituição, volume III, coordenação de Jorge Miranda, Petrony, Lisboa, 1979, pp. 157 e ss. Veja-se também o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 589/2004, de 6 de Outubro (www.tribunalconstitucional.pt), que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do artigo 13.º, n.º 2, por violação do artigo 46.º, n.º 1, que fazia depender de autorização do Governo a promoção e constituição de associações internacionais em Portugal.
[80] JORGE MIRANDA, A Constituição de 1976 (Formação, Estrutura, Princípios Fundamentais), cit., p. 54, com desenvolvimento nas páginas subsequentes. Vd. artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 3/74, de 14 de Maio de 1974, que acrescenta ainda a exigência da compatibilização da Constituição do regime corporativo com a Lei Constitucional n.º 1/74, de 25 de Abril e a Lei Constitucional n.º 2/74, de 14 de Maio (artigo 1.º, n.º 2), bem como a determinação de que as normas constitucionais de 1933 deverão ser interpretadas e integradas de acordo com o Programa do Movimento das Forças Armadas (artigo 1.º, n.º 3). Para uma análise do direito constitucional revolucionário e transitório, incluindo as várias dezenas de leis constitucionais (35, entre o 25 de Abril de 1974 e 2 de Abril de 1976), e a organização do poder político, JORGE MIRANDA, op. cit., pp. 41 e ss, 49 e ss e 60 e ss, respectivamente.
[81] É o caso do Decreto-Lei n.º 217/74, de 27 de Maio, em que o legislador intervém, por exemplo, em matéria de retribuição mínima, ainda que esta tenha sido fixada por anteriores contratos de trabalho ou instrumentos de regulamentação vigentes (artigo 3.º, n.º 1).
[82] MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, cit., pp. 58-59, itálico no
original.
[83] MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, volume I, cit., pp. 544-545. DULCE FREIRE, ESTEVÃO FERREIRA, ANA MARGARIDA RODRIGUES, Corporativismo e Estado Novo. Contributo para um Roteiro de Arquivos das Instituições Corporativas (1933-1974), «Estudos e Relatórios», n.º 1, Instituto de Ciências Sociais, Lisboa, 2014, p. 5, refere que, em Abril de 1974, existiriam cerca de 2400 organismos corporativos, nos seus diferentes níveis, sublinhando também, pp. 5-6, que “à semelhança do que aconteceu com outras instituições criadas pela ditadura, os organismos corporativos começaram a ser extintos ou transformados nos meses que se seguiram à Revolução de 25 de Abril de 1974. Os processos de dissolução e substituição do sistema corporativo foram, por vezes, longos e complexos, conduzindo a diversas fusões, reorganizações de serviços, transferência de competências, divisão de patrimónios e redistribuição de funcionários”.
[84] Sustenta MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, volume I, cit., p. 546, a propósito das normas de produção corporativa, que se mantiveram, “… na medida em que não tenham sido implícita ou explicitamente revogadas pela legislação posterior à queda do Estado Novo …”, dando como exemplo, as normas das convenções colectivas.
[85] VITTORIA BALLESTRERO, Diritto Sindacale, sesta edizione, Giappichelli, Torino, 2018, pp. 37 e ss.
[86] Gazzetta Ufficiale della Repubblica Italiana, serie generale, n.º 190, de 17 de Agosto de 1943, www.normattiva.it. Entre as diversas revogações (artigo 1), encontra-se a eliminação (artigo 1, n.º 4) do artigo 3, 2.º §, da legge 3 aprile 1926, n. 563 (sulla disciplina giuridica dei rapporti collettivi di lavoro e il titolo III delle Norme di attuazione approvate con Regio Decreto del 1° luglio 1926, n. 1130). Por sua vez, o diploma de 1943 manteve a possibilidade de as associações sindicais outorgarem acordos económicos colectivos obrigatórios para todas as categorias representadas, desde que aprovadas por decreto, bem como as sanções por incumprimento, situação em que remeteu para as leis sindicais anteriores (artigo 4).
[87] A 2 de Setembro de 1943, pouco antes da assinatura do armistício com os aliados anglo-americanos foi outorgado um contrato interconfederal (denomimando Patto Buozzi-Mazzini, cfr. www.rassegna.it), que restaurou as commissioni interne, na área da indústria, como entidade unitária de representação dos trabalhadores, eleita directamente por estes (artigo 2.º), em empresas com, no mínimo 20 trabalhadores (artigo 1.º, alínea a)), tendo diversas competências, entre elas, a de negociar, mediante autorização da associação sindical local, contratos colectivos ao nível da empresa (artigo 4.º, alínea d)). As comissioni interne tiveram a primeira regulação, em 1906, através do acordo entre a FIOM (Federazione Impiegati Operai Metallurgici) e a fábrica de automóveis Italia, tendo sido eliminadas com Pacto de “Palazzo Vidoni” (2 de Outubro de 1925), foi assinado entre CGII (Confederazione Generale dell’Industria Italiana) e Confederazione delle Corporazioni Fasciste. Depois do Pacto de 1943, novo acordo, a 1 de Agosto de 1947, subscrito entre a CGIL unitária e a Confindustria. Contrariamente ao acordo de 1943, o de 1947 e os seguintes (1953 e 1966) eliminaram expressamente a intervenção das comissioni interne em matéria de contratação colectiva, cfr. NUNZIA CASTELI, El Modelo Sindical Italiano de Representación en el Lugar de Trabajo, 2015, www.relats.org, nota 31, pp. 12-13; bem como, GIUSEPPE PERA, “La Posizione Giuridica delle Commissioni Interne di Fabbrica”, 1954, publicado em Scritti di Giuseppe Pera, II, Diritto Sindacale, Giuffrè, Milano, 2007, pp. 951 e ss, notando que lhes compete “…. Assegurar a tutela do interesse colectivo, mais exactamente a tutela do interesse colectivo da comunidade da empresa, quantitativamente mais restrito que o interesse colectivo de categoria ou intercategorial realizado pela organização sindical” (p. 954).
[88] Gazzetta Ufficiale della Repubblica Italiana, serie speciale, n.º 81, de 14 de Novembro de 1944, www.edizionieuropee.it. A medida legislativa foi fundamentada com a necessidade de justificar a juridicidade dos acordos então existentes, o que mereceu críticas, sustentando-se que se trata de “erro evidente porque, agora veremos, sempre subsiste um ordenamento jurídicos sobre cujos carris a acção sindical pode desenvolver, bem ou mal, conforme o novo espírito dos tempos”, LODOVICO BARASSI, Il Diritto del Lavoro, volume I, Giuffrè, Milano, 1949, p. 21.
[89] Gazzetta Ufficiale della Repubblica Italiana, serie generale, n.º 95, de 16 de Dezembro de 1944, www.normattiva.it.
[90] FRANCO CARINCI, LUCA TAMAJO, PAOLO TOSI e TIZIANO TREU, Diritto del Lavoro, 1. Il Diritto Sindacale, 8.ª edizione, Utet, Milão, 2018, pp. 30-31. Veja-se também, entre outros, VITTORIA BALLESTRERO, Diritto Sindacale, cit., pp. 41-42; LUISA SANSEVERINO, “Contratto Collettivo di Lavoro”, Enciclopedia del Diritto, X (contratto-cor), direzione Franceso Calasso, Giuffrè, Milano, 1962, pp. 57-58. VITAL MOREIRA, Auto-Regulação Profissional e Administração Pública, cit., p. 215, sustenta que “… permaneceram de pé em grande parte as estruturas públicas herdadas do fascismo: as numerosas ordens profissionais, os consórcios, o Automóvel Clube Italiano e a fedração dos caçadores. A Associação Nacional dos Mutilados e mesmo as comunidades religiosas hebraicas!…”.
[91] Como nota MARCO TARCHI, “O Passado Fascista e a Democracia em Itália”, AAVV, A Sombra das Ditaduras. A Europa do Sul em Comparação, organização de António Costa Pinto, Imprensa de Ciências Sociais, Lisboa, 2013, p. 66, com desenvolvimento nas páginas subsequentes, “a forma como o fascismo foi extinto contribuiu para o prolongamento da sua influência póstuma na sociedade italiana. A sua queda não foi nem a consequência de uma insurreição popular, nem a conclusão de um desinteresse progressivo dos seus princípios por parte das elites, nem o golpe de misericórdia de uma guerra desastrosa. Foi antes o resultado de um conjunto confuso e complicado de causas, que levaram uma grande parte da opinião pública a ficar tão estupefacta quanto insatisfeita. A demissão de Mussolini pelo rei a 25 de julho de 1943 foi determinada por um golpe interno e, se por um lado comprovava a frustração do povo italiano com as mortes e os sacrifícios sofridos a combater numa guerra indesejada, por outro, teve apenas um efeito marginal sobre a continuidade institucional do regime”. 92 Com efeito, o diploma, apesar de suprimir as confederações sindicais e as associações sindicais fascistas, deixou em vigor o anterior regime intersindical, relativo às convenções colectivas (artigo 43). A Corte di Cassazione, sentenza 15 novembre 1950, n. 2594, afirmou que “os contratos colectivos … podem ser aplicados a relações individuais, mesmo que estabelecidas após a abolição do sistema corporativo, mas apenas enquanto a eficácia transitória da regulamentação colectiva for mantida, ou seja, até ao termo dos próprios contratos”. Para uma análise do aresto, em sentido crítico, F. SANTOROPASSARELLI, “Durata Transitoria delle Norme Corporative”, Il Foro Italiano, volume LXXIV, 1951, I, colunas 578 e ss, que contém a decisão judicial. Veja-se ainda, sobre a eficácia temporal da convenção colectiva, FERRUCCIO PERGOLESI, “Lineamenti Sistematici del Diritto del Lavoro”, Rivista di Diritto del Lavoro, anno VI, 1954, I, 1954, p. 278.
[93] Para mais desenvolvimentos sobre a evolução histórica do movimento sindical e da contratação colectiva, com vários anexos documentais, GUIDI, VALCAVI, SALVARANI, GIAMBARBA, LA PORTA, DRAGO e VINAY, Movimento Sindacale e Contrattazione Collettiva 1945-1973, «Collana di Cultura Sindacale», numero 1, 4.ª edizione, Franco Angeli Editore, Milano, 1974, pp. 17 e ss.
[94] GIOVANNI NICOLINI, “A Contratação Coletiva no Ordenamento Italiano”, Relações de Direito Coletivo Brasil-Itália, coordenação de Yone Frediani e Sávio Zainaghi, LTr, São Paulo, 2004, p. 80. sofridos a combater numa guerra indesejada, por outro, teve apenas um efeito marginal sobre a continuidade institucional do regime”. 92 Com efeito, o diploma, apesar de suprimir as confederações sindicais e as associações sindicais fascistas, deixou em vigor o anterior regime intersindical, relativo às convenções colectivas (artigo 43). A Corte di Cassazione, sentenza 15 novembre 1950, n. 2594, afirmou que “os contratos colectivos … podem ser aplicados a relações individuais, mesmo que estabelecidas após a abolição do sistema corporativo, mas apenas enquanto a eficácia transitória da regulamentação colectiva for mantida, ou seja, até ao termo dos próprios contratos”. Para uma análise do aresto, em sentido crítico, F. SANTORO-PASSARELLI, “Durata Transitoria delle Norme Corporative”, Il Foro Italiano, volume LXXIV, 1951, I, colunas 578 e ss, que contém a decisão judicial. Veja-se ainda, sobre a eficácia temporal da convenção colectiva, FERRUCCIO PERGOLESI, “Lineamenti Sistematici del Diritto del Lavoro”, Rivista di Diritto del Lavoro, anno VI, 1954, I, 1954, p. 278.
[93] Para mais desenvolvimentos sobre a evolução histórica do movimento sindical e da contratação colectiva, com vários anexos documentais, GUIDI, VALCAVI, SALVARANI, GIAMBARBA, LA PORTA, DRAGO e VINAY, Movimento Sindacale e Contrattazione Collettiva 1945-1973, «Collana di Cultura Sindacale», numero 1, 4.ª edizione, Franco Angeli Editore, Milano, 1974, pp. 17 e ss.
[94] GIOVANNI NICOLINI, “A Contratação Coletiva no Ordenamento Italiano”, Relações de Direito Coletivo Brasil-Itália, coordenação de Yone Frediani e Sávio Zainaghi, LTr, São Paulo, 2004, p. 80.
[95] Diploma também objecto de alterações, tendo sido eliminadas diversas referências ao fascismo, através do Decreto Legislativo Luogotenenziale, n.º 287, 14 settembre 1944 (Provvedimenti relativi alla riforma della legislazione civile), www.normattiva.it. No entanto, as muitas disposições que se referem a “normas corporativas” mantiveram-se vigentes, LODOVICO BARASSI, Il Diritto del Lavoro, volume I, cit., 1949, pp. 47 e ss.
[96] LODOVICO BARASSI, Il Diritto del Lavoro, volume I, cit., 1949, p. 21.
[97] Cfr., por exemplo, FRANCO CARINCI, “Il Lungo Cammino per Santiago della Rappresentatività Sindacale (dal Titolo III dello Statuto dei Lavoratori al Testo Unico sulla Rappresentanza 10 Gennaio 2014)”, Diritto delle Relazioni Industriali, 2014, n.º 2, pp. 309 e ss; FRANCO CARINCI, LUCA TAMAJO, PAOLO TOSI e TIZIANO TREU, Diritto del Lavoro, 1. Il Diritto Sindacale, cit., pp. 99 e ss; MASSIMO D´ANTONA, “Il Quarto Comma dell’Art. 39 della Costituzione, Oggi”, Giornale di Diritto del Lavoro e di Relazioni Industriali, n.º 80, 1998, §§ 1.º e ss; ANDREA LASSANDARI, La Contrattazione e il Contratto Collettivo, «Il Diritto del Lavoro», Ediesse, Roma, 2003, pp. 31 e ss. [98] FRANCO CARINCI, LUCA TAMAJO, PAOLO TOSI e TIZIANO TREU, Diritto del Lavoro, 1. Il Diritto Sindacale, cit., pp. 236 e ss, e 289 e ss; ORONZO MAZZOTTA, Diritto Sindacale, cit., pp. 97-98.
[99] Sem prejuízo do já referido Decreto-lei n.º 695/74, de 5 de Dezembro.
[100] SILVA LEAL, “Os Grupos Sociais e as Organizações na Constituição de 1976 – A Rotura com o Corporativismo”, cit., p. 241. O que naturalmente não impede que algumas estruturas tenham sido extintas, como, por exemplo, aconteceu com as corporações, tendo os seus bens revertido a favor do Estado, cfr. artigo 1.º, n.º1, do Decreto n.º 362/74, de 17 de Agosto. Veja-se também LOBO XAVIER, “O Papel dos Sindicatos nos Países em Desenvolvimento – Monopólio e Pluralismo Sindicais”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXV, 1978, n.ºs 3-4, pp. 297 e ss.
[101] Os adiamentos que foram ocorrendo face à publicação da Lei Sindical contribuíram para que os sindicatos oriundos do corporativismo – em regra dirigidos por comissões directivas provisórias – fossem adquirindo, em termos práticos, um estatuto de aceitação tanto por parte do Estado, como dos trabalhadores como do patronato (colocar dúvidas sobre a representatividade perante o silêncio de décadas que se verificou no Estado Novo seria visto como uma atitude claramente provocatória). Note-se, aliás, que no final de Junho de 1974, o I Governo Provisório publicou – invocando a necessidade de assegurar condições materiais de exercício da actividade sindical, cfr. preâmbulo, Diário do Governo, de 10 de Julho de 1974, I série, número 159, p. 810 – o Decreto-Lei n.º 329/74, de 10 de Julho, que manteve em vigor toda a legislação anterior sobre a matéria, bem como todos os despachos de quotização obrigatória existentes e, por outro lado, procedeu à revogação do Decreto-Lei n.º 30/74, de 1 de Fevereiro – que, recorde-se, alterou o regime de quotização a observar relativamente às categorias profissionais e económicas representadas pelos sindicatos e que neles se não associem voluntariamente – (artigo 1.º). Para mais desenvolvimentos, JOSÉ BARRETO, A Formação das Centrais Sindicais e do Sindicalismo Contemporâneo em Portugal (1968-1990), Dissertação Apresentada à Prova de Acesso à Categoria de Investigador Auxiliar, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, policopiado, Lisboa, 1991, pp. 239 e ss, e quadros 1a e 4d, pp. 575 e 582, respectivamente; SILVA LEAL, “Os Grupos Sociais e as Organizações na Constituição de 1976 – A Rotura com o Corporativismo”, cit., pp. 239 e ss. Deve notar-se que alguns diplomas acabariam por não ser objecto de revogação expressa, cfr., por exemplo, artigos 1.º, 13.º, alínea b), e 14.º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 70/2011, de 16 de Junho.
[102] Assim, a 30 de Abril de 1975, o Conselho da Revolução reconhecia a Intersindical Nacional “… como confederação geral dos sindicatos portugueses, bem como toda a sua estrutura de âmbito regional, distrital e local …” (artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 215-A/75); situação que gerou ampla oposição por parte das restantes forças políticas, em especial PSD e PS, ainda que inicialmente a contestação não tenha sido particularmente intensa. Para mais desenvolvimentos, demonstrando as alterações de posição de muitos que no Estado Novo defenderam doutrina bem diferente, JOSÉ BARRETO, A Formação das Centrais Sindicais e do Sindicalismo Contemporâneo em Portugal (1968-1990), cit., pp. 250 e ss. Existiram algumas vozes discordantes da consagração legal da unicidade sindical (por exemplo, PS e PSD, embora este partido fazendo-a depender de um plebiscito nacional), apesar de num momento inicial não terem revelado a assertividade que posteriormente surgiria; registe-se também que a filiação sindical obrigatória, doutrina defendida pela Intersindical foi rejeitada, cfr. ainda JOSÉ BARRETO, op. cit., pp. 272 e ss. Veja-se também, defendendo a unicidade, ÁLVARO CUNHAL, A Revolução Portuguesa. O Passado e o Futuro, 2.ª edição, Avante, Lisboa, 1976, em especial, pp. 108 e 374 e ss.
[103] Apesar de o legislador declarar a sua transitoriedade. Na verdade, a LAS afirmava no seu preâmbulo que o novo quadro legal era provisório (Diário do Governo, de 30 de Abril, I série, número 100, p. 634(2)). Por sua vez, a LAP prescrevia a sua revisão no prazo de um ano a contar da data de publicação (artigo 18.º).
[104] O Decreto-Lei n.º 215-B/75 revogou expressamente a legislação sobre associações sindicais (artigo 53.º); o 215-C/75 revogou o Decreto-Lei n.º 695/74, de 5 de Dezembro (constituição de associações patronais) (artigo 19.º). O DecretoLei n.º 443/74, de 12 de Setembro – que afirmava, no preâmbulo, que “Dentro das linhas de orientação do Programa do Governo Provisório conta-se a «extinção progressiva do sistema corporativo e a sua substituição por um aparelho administrativo adaptado às novas realidades políticas, económicas e sociais»” – já tinha determinado a eliminação das corporações dependentes do Ministério da Economia (artigo 1.º, n.º 1), dependente, no entanto, a data da efectiva extinção de despacho do Ministro da Economia (artigo 1.º, n.º 2), tendo sido anos mais tarde alterado pelo Decreto-Lei n.º 203/84, de 15 de Junho, que tratou novamente da matéria da desafectação de bens pertencentes aos antigos organismos corporativos obrigatórios dependentes do extinto Ministério da Economia. Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 293/75, de 16 de Junho, estabeleceu a transição entre os grémios (facultativos) e as associações patronais, conferindo-lhes, sob pena de extinção, sessenta dias para se transformarem em associações patronais – prazo que foi prorrogado por noventa dias pelo Decreto-Lei n.º 684/75, de 10 de Dezembro (artigo único) -, revendo os estatutos em conformidade com o Decreto-Lei n.º 215- C/75 (artigo 1.º, n.º 1). Por outro lado, foram considerados, durante aquele prazo, associações patronais para efeitos de negociação colectiva (artigo 2.º, n.º 1).
[105] Recorde-se, no entanto, que, como vimos, a Lei Constitucional n.º 3/74, de 14 de Maio, manteve transitoriamente em vigor a Constituição de 1933 naquilo que não contrariasse o Programa do Movimento das Forças Armadas nem quaisquer leis constitucionais, devendo ser interpretada com base nos princípios expressos naquele Programa (artigo 1.º, n.ºs 1 a 3).
[106] A Constituição foi aprovada pela Assembleia Constituinte a 2 de Abril do mesmo ano, constando do Programa do Movimento das Forças Armadas – publicado, como vimos, em anexo à Lei Constitucional n.º 3/74, de 14 de Maio de 1974 – a sua elaboração (A, n.º 2, alínea a)). Para um enquadramento histórico da Constituição, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 1980, pp. 1 e ss; SOUSA FRANCO, Noções de Direito da Economia, 1.º volume, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1982/1983, pp. 168 e ss; JORGE MIRANDA, “A Revolução de 25 de Abril e o Direito Constitucional”, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 242, 1975, pp. 5 e ss, bem como, do mesmo Autor, A Constituição de 1976 (Formação, Estrutura, Princípios Fundamentais), cit., maxime, pp. 13 e ss e 75 e ss; e, do mesmo Professor, “Decisões Políticas: Aprovação, Abstenção e rejeição no Momento Constituinte de 1976”, AAVV, 20 Anos da Constituição de 1976, coordenação de Gomes Canotilho, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, «Studia Iuridica», n.º 46, Coimbra Editora, 2000, pp. 177 e ss; e, ainda, do mesmo Professor, na obra com RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I (artigos 1.º a 79.º), 2.ª edição, Coimbra Editora, 2010, pp. 13 e ss (introdução geral).
[107] SILVA LEAL, “Os Grupos Sociais e as Organizações na Constituição de 1976 – A Rotura com o Corporativismo”, cit., pp. 195 e ss, e 235 e ss e 247 e ss.
[108] Para mais desenvolvimentos, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, cit., 1980, pp. 8-9; dos mesmos Autores, Fundamentos da Constituição, Coimbra Editora, 1991, pp. 27-28; JORGE MIRANDA, A Constituição de 1976 (Formação, Estrutura, Princípios Fundamentais), cit., por exemplo, p. 276, com elementos de direito comparado; PAULO OTERO, Direito Constitucional Português – Identidade Constitucional, cit., pp. 155 e ss.
[109] Para uma análise, desde logo, das Leis Fundamentais portuguesas anteriores e estrangeiras que influenciaram a Constituição de 1976, cfr. PAULO OTERO, Direito Constitucional Português – Identidade Constitucional, cit., pp. 253 e ss, e 289 e ss, respectivamente, demonstrando vectores de continuidade. Veja-se também JORGE MIRANDA, As Constituições Portuguesas – De 1822 ao Texto Actual da Constituição, 3.ª edição, Livraria Petrony, Lisboa, 1992, pp. 7 e ss, em especial, 12 e ss; e REBELO DE SOUSA em REBELO DE SOUSA e MELO ALEXANDRINO, Constituição da República Portuguesa Comentada, Lex, Lisboa, 2000, pp. 40-41. 110 CARDOSO DA COSTA, A Evolução Constitucional no Quadro da Constituição da República de 1976, Tribunal Constitucional, Coimbra, 1994, p. 6. 111 Com a epígrafe direito ordinário anterior, determinava o preceito: “O direito anterior à entrada em vigor da Constituição mantém-se, desde que não seja contrário à Constituição ou aos princípios nela consignados”. Por sua vez, em termos de matéria constitucional, o legislador prescreveu: “As disposições da Constituição de 1933, revogada pela Revolução de 25 de Abril de 1974, que foram ressalvadas pela Lei n.º 3/74, de 14 de Maio, caducam com a entrada em vigor da Constituição” (artigo 292.º, n.º 1). Para uma análise da Constituição e do direito anterior, JORGE MIRANDA, A Constituição de 1976 (Formação, Estrutura, Princípios Fundamentais), cit., pp. 109 e ss.
[112] BARROS MOURA, Direito do Trabalho (Notas de Estudo), policopiado, Lisboa, 1979/1980, p. 141, fala mesmo “… de um novo Direito do Trabalho português moldado pela Constituição”. Sobre a vigência do Estatuto do Trabalho Nacional, SILVA LEAL, “Os Grupos Sociais e as Organizações na Constituição de 1976 – A Rotura com o Corporativismo”, cit., pp. 244 e ss, que defende terem sido revogados a grande maioria dos preceitos pela legislação de ordem económica e sindical publicada pelos Governos Provisórios.
[113] JORGE MIRANDA, A Constituição de 1976 (Formação, Estrutura, Princípios Fundamentais), cit., p. 116. Acrescenta o Professor, op. cit., p. 122, “não importa que as leis e outros actos fossem inconstitucionais material, orgânica ou formalmente antes da entrada em vigor da Constituição. E isso, não porque a norma constitucional se reduza a mero limite externo da norma legislativa cujo desaparecimento restitui a esta plena eficácia jurídica, mas, pelo contrário, porque o poder constituinte é soberano e o seu exercício em certo momento consome o exercício de todo o poder do Estado em momentos precedentes”.
[114] Sobre os direitos fundamentais na Constituição (texto inicial), VIEIRA DE ANDRADE, Direito Constitucional (Sumários das Lições proferidas ao Curso Complementar de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Coimbra no ano lectivo de 1977/78), policopiado, Coimbra, 1978, pp. 67 e ss; GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, cit., 1980, pp. 52 e ss, 57 e ss sobre os direitos, liberdades e garantias; JORGE MIRANDA, A Constituição de 1976 (Formação, Estrutura, Princípios Fundamentais), cit., pp. 303 e ss, em especial pp. 316 e ss; REBELO DE SOUSA, Direito Constitucional, I-Introdução à Teoria da Constituição, Livraria Cruz, Braga, 1979, pp. 176 e ss.
[115] Estamos naturalmente a referirmo-nos às comissões de trabalhadores (artigo 55.º e 56.º) e às associações sindicais (artigos 57.º e 58.º). Com elementos comparatísticos, CATARINA CARVALHO, Da Dimensão da Empresa no Direito do Trabalho – Consequências Práticas da Dimensão da Empresa na Configuração das Relações Laborais Individuais e Colectivas, Coimbra Editora, 2011, pp. 462 e ss, contendo também referências ao quadro nacional (pp. 482 e ss).
[116] Cfr., por exemplo, ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, cit., 2019, pp. 168 e ss; PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho, Parte I – Dogmática Geral, cit., pp. 98-99. Deve ainda ter-se presente que os direitos fundamentais previstos na Constituição “não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional” (artigo 16.º, n.º 1). Sobre esta cláusula aberta, JORGE MIRANDA, “A Abertura Constitucional a novos Direitos Fundamentais”, AAVV, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Manuel Gomes da Silva, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, 2001, pp. 559 e ss; BLANCO DE MORAIS, “Os Direitos, Liberdades e Garantias na Jurisprudência Constitucional Portuguesa: Um Apontamento”, O Direito, 2000, III-IV, pp. 363 e ss; PAUL OTERO, “Direitos Históricos e Não Tipicidade Pretérita dos Direitos Fundamentais”, AAVV, Ab Vno Ad Omnes: 75 Anos da Coimbra Editora 1920-1995, organização de Antunes Varela, Freitas do Amaral, Jorge Miranda, Gomes Canotilho, Coimbra Editora, 1998, pp. 1061 e ss, em especial, 1068 e ss.
[117] Sobre a noção de trabalhador no quadro constitucional, JORGE MIRANDA, A Constituição de 1976 (Formação, Estrutura, Princípios Fundamentais), cit., pp. 522-523; SILVA LEAL, “Os Grupos Sociais e as Organizações na Constituição de 1976 – A Rotura com o Corporativismo”, cit., p. 288.
[118] PAULO OTERO, Direito Constitucional Português – Identidade Constitucional, cit., p. 292.
[119] Assim, VIEIRA DE ANDRADE, Direito Constitucional, cit., pp. 68-69, que fala na “… redenção histórica de um período da vida comunitária …” e no “… perigo, que se desenhava, de uma outra ditadura, «totalitária», e como manifestação da insegurança colectiva que caracterizava então o processo revolucionário”. Também JORGE MIRANDA na introdução geral da obra com RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I (artigos 1.º a 79.º), cit., 2010, p. 17, afirma: “Mas foi porque uns temiam pelas liberdades, outros pelos direitos dos trabalhadores e pelos direitos sociais, outros pelas nacionalizações e pela reforma agrária, outros pelo Parlamento e pela separação dos poderes, outros ainda pela descentralização regional e local, que a Constituição acabou por ficar como ficou”, veja-se também p. 23.
[120] NUNES DE CARVALHO, “Reflexão sobre a Constituição e o Direito do Trabalho”, cit., pp. 43-44.
[121] Foi a Lei Fundamental de 1976, o primeiro diploma a regular a constituição e os direitos das comissões de trabalhadores, cfr. BRITO CORREIA, “A Lei Sobre as Comissões de Trabalhadores”, Revista da Ordem dos Advogados, ano 40, II, 1980, pp. 450 e ss, bem como, do mesmo Autor e no mesmo sentido, Direito do Trabalho – Participação nas Decisões, volume III, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 1984, pp. 241 e ss, com análise das posições na Assembleia Constituinte. O quadro constitucional seria concretizado pelo Decreto-Lei n.º 57/77, de 18 de Fevereiro, que regulou a eleição das comissões de trabalhadores, aplicando-se também às eleições das direcções sindicais e à aprovação dos respectivos estatutos (artigo 4.º).
[122] Na esteira do artigo 16.º da LAS, embora ampliada na Lei Fundamental.
[123] A Constituição previu outros direitos das associações sindicais, como, por exemplo, o direito de antena (artigo 40.º, n.º 1), o de participar no sistema de segurança social (artigo 63.º, n.º 2, também aplicável a outras organizações das classes trabalhadoras), o de intervir na elaboração do plano (artigo 94.º, n.º 2, mais precisamente às organizações das classes trabalhadoras).
[124] Para uma análise mais desenvolvida dos preceitos, vd. as anotações respectivas de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, cit., 1980; SOARES MARTINEZ, Comentários à Constituição Portuguesa de 1976, cit.. E, em especial sobre o então artigo 59.º (greve), LOBO XAVIER, Direito da Greve, Verbo, Lisboa, 1984, pp. 29 e ss.
[125] Sobre os limites materiais, entre outros, JORGE MIRANDA, A Constituição de 1976 (Formação, Estrutura, Princípios Fundamentais), cit., pp. 234 e ss, defendendo o Autor a tese da dupla revisão (pp. 240 e ss).
[126] Determinava o preceito: “O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos direitos enunciados no título II, aos direitos fundamentais dos trabalhadores, às demais liberdades e ainda a direitos de natureza análoga, previstos na Constituição e na lei”. Sobre a matéria, VIEIRA DE ANDRADE, Direito Constitucional, cit., p. 170; JOÃO CAUPERS, Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição, Almedina, Coimbra, 1985, pp. 118 e ss, em especial, pp. 121-122; CASTRO MENDES, “Direitos, Liberdades e Garantias – Alguns Aspectos Gerais”, AAVV, Estudos sobre a Constituição, 1º volume, coordenação de Jorge Miranda, Petrony, Lisboa, 1977, pp. 93 e ss; JORGE MIRANDA, A Constituição de 1976 (Formação, Estrutura, Princípios Fundamentais), cit., pp. 339-340, bem como o Parecer da Comissão Constitucional n.º 10/78, de 28 de Março, Pareceres da Comissão Constitucional, 5.º volume, Imprensa Nacional da Casa da Moeda, Lisboa, 1979, pp. 47-48.
[127] Os direitos colectivos têm sido plasmados em diversos documentos internacionais, em especial a liberdade sindical que, comummente, inclui a negociação colectiva e a greve. A matéria assume especial acuidade face à reconhecida superioridade hierárquica do internacional perante o direito interno (infraconstitucional), constituindo mais um parâmetro da actividade do legislador ordinário, cfr. supra. A liberdade sindical constitui uma realidade amplamente aceite pelos diversos ordenamentos em que existem democracias pluralistas, constando de vários documentos internacionais ou alguns dos seus elementos; são o caso, por exemplo: a) Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) (aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros, de 19 de Janeiro de 1978, Diário da República, de 9 de Março de 1978, I Série, n.º 57; b) Convenção Europeia dos Direitos do Homem (Roma, 1950), aprovada para ratificação, com reservas, pela Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro; c) Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (de 7 de Dezembro de 2000), notando-se que a Carta, após as alterações introduzidas pelo Tratado de Lisboa (em vigor a 1 de Dezembro de 2009), passou a ter a mesma força jurídica dos Tratados (artigo 6.º, n.º 1, do Tratado da União Europeia), integrando o bloco de constitucionalidade susceptível de apreciação por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia; relativamente à Organização Internacional do Trabalho, saliente se, a título de exemplo, a Convenção n.º 87, aprovada pela Lei n.º 45/77, de 7 de Julho, relativa à liberdade sindical e a protecção do direito sindical, já atrás referida.
[128] Entre a qual se incluía a liberdade de constituir associações sindicais, considerada uma especialidade face ao direito de associação, cfr. Parecer da Comissão Constitucional n.º 18/78, de 27 de Julho, cit., p. 8. A este propósito (liberdade de constituição, artigo 57.º, n.º 2, alínea a)) escreviam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA – defensores da unicidade na Assembleia Constituinte-, Constituição da República Portuguesa Anotada, cit., 1980, p. 152, que “na falta de expressa revisão constitucional, deve ter se por constitucionalmente inadmissível também a proibição legal de constituição de sindicatos paralelos. Contudo, a Constituição considera a unidade dos trabalhadores com um elemento fundamental da defesa dos seus direitos e interesses e, num plano mediato, como uma condição de construção do poder democrático dos trabalhadores (cfr. n.ºs 1, 4 e 5 e artigo 55.º, n.º 1). Daqui se deduz que, implicitamente, ao erigir a unidade em elemento fundamental da prossecução dos direitos dos trabalhadores, a Constituição embora proibindo a garantia legal da unidade sindical (através da proibição de sindicatos paralelos), impõe como directiva ao legislador ordinário o não favorecimento legal da pulverização sindical”, itálico no original. A Assembleia Constituinte afastou a unicidade, operando uma síntese entre a liberdade sindical e a unidade, ou seja, um pluralismo assente – tanto quanto possível – na unidade.
[129] Já ordinariamente reconhecido, plasmado, como vimos, no Decreto-Lei n.º 392/74, de 26 de Agosto. Uma análise do conteúdo do artigo 59.º, bem como da compatibilidade constitucional do diploma de 1974 com a Constituição (artigo 59.º e 293.º) foi realizada pela Procuradoria-Geral da República, no Parecer n.º 123/76- B, de 3 de Março de 1977, publicado em PALMA RAMALHO, Lei da Greve Anotada, Lex, Lisboa, 1994, pp. 105 e ss; segundo este Parecer a maior parte das disposições do Decreto-Lei n.º 392/74 foram revogadas pela Lei Fundamental, revogação que incluiu o artigo 5.º (alteração dos contratos e acordos colectivos vigentes) e 6.º (pelo menos parcialmente, greve declarada em incumprimento do processo fixado em contratos e acordos colectivos).
[130] NUNES ABRANTES, “Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais – Breves Reflexões”, AAVV, II Congresso Nacional de Direito do Trabalho – Memórias, coordenação de António Moreira, Almedina, Coimbra, 1999, p. 107, nota 2.
[131] A contratação colectiva estava prevista, como vimos, na Constituição de 1933 (artigo 37.º), mas em termos diferentes, pois, desde logo, não usufruía da tutela agora concedida, sendo os sujeitos colectivos entes de natureza pública.
[132] Como era preconizada, por exemplo, pela Organização Internacional do Trabalho, cfr. La Liberté Syndicale, Recueil de Décisions du Comité de la Liberté Syndicale du Conseil d´Administration du BIT, Bureau International du Travail, Géneve, 1972, p. 82, onde se defende que “o direito de negociar livremente com os empregadores as condições de trabalho constitui um elemento essencial da liberdade sindical …”.
[133] Assim, LIBERAL FERNANDES, A Obrigação de Serviços Mínimos como Técnica de Regulação da Greve nos Serviços Essenciais, Coimbra Editora, 2010, p. 59, nota 88; LOBO XAVIER, Direito da Greve, cit., pp. 42-43, para quem o ordenamento concebe a greve como uma arma das organizações de trabalhadores que transcende o campo da contratação colectiva, apesar da relevância daquela para o exercício deste.
[134] Como bem nota MARIA JOSEFINA MENEZES LEITÃO, O Diálogo Social, o Desenvolvimento Sócio-Económico e o Papel dos Parceiros Sociais – A Negociação Colectiva em Portugal: Aspectos mais Relevantes da Experiência Portuguesa, 2000, http://www.ilo.org, p. 7: “É interessante mencionar que dos direitos colectivos do trabalho consagrados na Constituição de 1976, o direito de negociação colectiva foi aquele que sofreu mais alterações e restrições. Isto revela até que ponto a forma como se desenrola e os seus resultados são social e economicamente importantes e explica o motivo pelo qual os poderes públicos são, por vezes, levados a procurar condicionar o seu exercício”.
[135] Para uma análise das diversas alterações constitucionais, GONÇALVES DA SILVA, Da Eficácia da Convenção Colectiva, volume I, cit., pp. 461 e ss, e 477 e ss.
[136] Antes mesmo da aprovação da Lei Fundamental, o Ministério do Trabalho requereu judicialmente a extinção da Intersindical, considerando que o DecretoLei n.º 215-A/75, violava valores fundamentais, JOSÉ BARRETO, A Formação das Centrais Sindicais e do Sindicalismo Contemporâneo em Portugal (1968-1990), cit., p. 316, nota 1.
[137] Este preceito revogou o Decreto-Lei 215-A/75, de 30 de Abril, bem como os artigos 7.º, 9.º, 11.º e 12.º da LAS, todos eles limitadores da liberdade sindical. O diploma de 1976 foi objecto de apreciação de inconstitucionalidade, argumentando-se razões formais, orgânicas e materiais (por permitir o pluralismo sindical proibido pela Constituição), tendo a Comissão Constitucional defendido que o Conselho da Revolução não deveria declarar a sua incompatibilidade com a Lei Fundamental, posição que foi seguida por aquele órgão através da Resolução n.º 343/79, de 28 de Novembro, cfr. Parecer n.º 31/79, de 6 de Dezembro, Pareceres da Comissão Constitucional, 10.º volume, Imprensa Nacional da Casa da Moeda, Lisboa, 1980, pp. 59 e ss.
[138] Por exemplo, em matéria de casamento e filiação (Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro).
[139] O problema, como decorrerá do exposto, coloca-se entre as convenções e as portarias, uma vez que os outros instrumentos (decisão arbitral e acordo de adesão) se reconduzem à convenção colectiva.
[140] Tal posição é também acolhida por MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito do Trabalho, cit., p. 206, que ordena as normas legais, e de imediato “… as convenções colectivas de trabalho e instrumentos equiparados …”. No que respeita à doutrina de ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, Instituto de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito de Lisboa, Almedina, Coimbra, 2002, o Professor, op. cit., pp. 189-190, ao referir-se às portarias diz que “são instrumentos que dependem da autorização do Estado, mas relacionam-se, assemelham-se e até se subordinam (cfr. art. 38.º LRCT) às convenções colectivas”; posição reiterada em Direito do Trabalho, cit., 2019, p. 199. Por sua vez, escreve mais à frente, op. cit., 2002, p. 258, que “o conflito de normas em Direito do Trabalho é solucionado com recurso à hierarquia estabelecida em moldes idênticos aos dos outros ramos de Direito. E, assim, o primeiro lugar é ocupado pelas normas constitucionais, depois as regras de Direito Internacional geral e convencional, em terceiro lugar as normas emanadas de órgãos estaduais, na sua ordem normal (leis da Assembleia da República e decretos-leis do Governo, decretos, portarias, etc.), em quarto lugar os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e, por último, se houver omissão no contrato de trabalho, os usos da profissão e da empresa”, mantendo a mesma posição em Direito do Trabalho, cit., 2019, p. 283. Para LOBO XAVIER Curso de Direito do Trabalho, Verbo, Lisboa, 2.ª edição, 1993, p. 255, nota 2, “o art. 12.º, n.º 1, da LCT indica as normas específicas que regem o contrato de trabalho e a sua hierarquia, devendo, contudo, notar-se que o preceito tem uma redacção extremamente desactualizada (devendo compaginarse com a LCRT, principalmente art. 14.º)”. Contudo, LOBO XAVIER (op. cit.) pp. 255-256, não obstante defender, uma igual hierarquia para os instrumentos de regulamentação, acaba, por afirmar que “nas várias espécies de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho também pode estabelecer-se algo de semelhante a uma hierarquia”. Deste modo, para o mesmo autor, (op. cit.) p. 256, nota 1, “… os acordos colectivos de trabalho ou acordos de empresa preferem os contratos colectivos (art. 14.º, n.º 2, da LRCT) e as CCT [convenções colectivas] às PRT [portarias de regulamentação de trabalho] (art. 38.º da LRCT). Ainda nesta ordem de ideias, há uma precedência das CCT verticais relativamente às horizontais ou profissionais (art. 12.º da LRCT). De qualquer modo, os casos previstos nos arts. 12.º e 38.º não envolvem um problema hierárquico puro”. Também GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1993, p. 985 (III), ao tratarem dos actos sujeitos a fiscalização da constitucionalidade, afirmam: “os contratos e acordos colectivos de trabalho … com valor pelo menos idêntico ao das portarias de regulamentação de trabalho …”, itálico no original, posição reiterada em CRP – Constituição da República Portuguesa Anotada (artigos 108.º a 296.º), volume II, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 901 (III). O Tribunal Constitucional no aresto n.º 172/93, de 10 de Fevereiro, pp. 8-9, afirmou que o art. 12.º, n.º 1, da LCT, é “… uma disposição legal estabelecida no quadro do anterior sistema jurídico corporativo, e cuja desactualização é patente”. Por sua vez, SOUSA E BRITO, em voto de vencido do aresto do Tribunal Constitucional n.º 172/93, de 10 de Fevereiro, www.tribunalconstitucional.pt, p. 33, afirma que “do artigo 12.º da Lei do Contrato Individual de Trabalho e dos artigos 5.º, 6.º, 14.º, n.º 1 da Lei de Regulamentação Colectiva do trabalho deriva, nomeadamente, que as convenções colectivas se situam hierarquicamente abaixo das normas jurídicas de origem estatal …”. Para SOUSA E BRITO, (op. cit.) p. 34, existem, contudo, situações de “… identidade de nível entre … norma estatal e a convenção colectiva. É o que se passa entre as portarias de regulamentação e as convenções colectivas”, argumentando para o efeito com o art. 38.º da LRCT.
[141] JORGE LEITE, Direito do Trabalho, volume I, Serviços de Acção Social da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1998, p. 106.
[142] Neste sentido, MÁRIO PINTO, FURTADO MARTINS e NUNES CARVALHO Comentário às Leis do Trabalho, volume I, Lex, Lisboa, 1994, p. 62 (5). Note se que MÁRIO PINTO, em escrito individual posterior defende outra posição. De facto, o Autor, Direito do Trabalho, Introdução e Relações Colectivas de Trabalho, Universidade Católica Editora, Lisboa, 1996, p. 158, escreve: “recordemos, a começar, a hierarquia das fontes de direito do trabalho, levando em conta o art. 12.º da LCT. Assim, temos: 1.º) normas constitucionais; 2.º) normas internacionais; 3.º) leis e decretos-leis; 4.º) decretos legislativos regionais; 5.º) decretos regulamentares; 6.º) portarias de extensão e portarias de regulamentação de trabalho; 7.º) convenções colectivas de trabalho, acordos de adesão e decisões arbitrais”. Para BARROS MOURA, Direito do Trabalho (Notas de Estudo), policopiado, Lisboa, 1979/1980, p. 347, “só um sistema fortemente restritivo do direito de contratação colectiva – como era o vigente ao tempo da elaboração da LCT (cfr. arts. 1.º, n.º 2, 24.º, n.º 5 e 26.º, n.º 2 do DL 49212 de 28. 8. 69., ele próprio já inserido numa política de «liberalização») – se poderia, com a consagração da superioridade hierárquica dos instrumentos de regulamentação por via administrativa, transportar a tal extremo o princípio da substituição da vontade das condições de trabalho”, sublinhado no original.
[143] Também neste sentido, JORGE LEITE, Direito do Trabalho, volume I, cit., 1998, pp. 106-107.
[144] Neste sentido, MÁRIO PINTO, Introdução e Relações Colectivas de Trabalho, cit., p. 151, que utiliza a expressão “… marcadamente subsidiário …”.
[145] MÁRIO PINTO, FURTADO MARTINS e NUNES CARVALHO Comentário às Leis do Trabalho, cit., p. 62 (5).
[146] Como bem já notava MÁRIO PINTO, “Sobre o Conflito Colectivo do Trabalho”, Revista do Gabinete de Estudos Corporativos, ano IX, 1958, n.ºs 35-36, p. 252, “evidentemente que a preferência por que sejam os próprios interessados a criar a disciplina que lhes será aplicável há-de ter as suas justificações”, desde logo, o facto de “nascendo essencialmente da autoridade dos interessados, correspondem ao exercício da faculdade de elaboração da disciplina própria, que se atribui aos grupos sociais integradores da nação para o prosseguimento dos seus interesses” (p. 253).
[147] MÁRIO PINTO, Introdução e Relações Colectivas de Trabalho, cit., p. 353.
[148] Cfr. GONÇALVES DA SILVA, em ROMANO MARTINEZ, LUÍS MIGUEL MONTEIRO, JOANA VASCONCELOS, MADEIRA DE BRITO, GUILHERME DRAY e GONÇALVES DA SILVA, Código do Trabalho Anotado, Almedina, Coimbra, 6.ª edição, 2008, anotação ao artigo, bem como, do mesmo Autor, em ROMANO MARTINEZ, LUÍS MIGUEL MONTEIRO, JOANA VASCONCELOS, MADEIRA DE BRITO, GUILHERME DRAY e GONÇALVES DA SILVA, Código do Trabalho Anotado, Almedina, Coimbra, 13.ª edição, 2020, anotação ao artigo.
[149] MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, cit., 2005, por PINTO MONTEIRO e PAULO MOTA PINTO, p. 64.
[150] OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral, 13.ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, reimpressão da edição de 2005, pp. 288-289.
[151] BIGOTTE CHORÃO, “As Fontes do Direito no Código Civil Português e no Código Civil Espanhol”, cit., p. 208, afirma que “abolido o regime corporativo, não é, em todo o caso, de excluir que as técnicas normativas de índole sindical ou profissional continuem a fazer parte do sistema de fontes do direito no ordenamento jurídico-português; SANTOS JUSTO, Introdução ao Estudo do Direito, 11.ª edição, Petrony, Lisboa, 2020, p. 187, que descreve sumariamente o regime das normas corporativas; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1982, 7.ª reimpressão, 1994, p. 168, fala em normas das autarquias corporativas, exemplificando com as associações sindicais e patronais; já TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao Direito, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 150-151, dá como exemplo das organizações corporativas, a Ordem dos Advogados e as federações desportivas, identificando, nomeadamente, como fonte os regulamentos elaborados por aquela Ordem.
[152] FREITAS DO AMARAL, com a colaboração de AFONSO PEREIRA, Manual de Introdução ao Direito, volume I, 2004, cit., p. 527, itálico no original. FREITAS DO AMARAL, em escrito anterior, “Da Necessidade de Revisão dos Artigos 1.º a 13.º do Código Civil”, cit., 2000, p. 13, depois de lamentar que, aquando da alteração do Código Civil após a Revolução de 1974 (Decreto-Lei n.º 496/77. De 25 de Novembro), não se tenham revogado as normas corporativas, sustenta que, relativamente às referências constantes dos artigos 1.º e 3.º “… devem considerar-se revogadas – ou, se se preferir, inconstitucionais por contrariarem diversos princípios da Constituição de 1976, todos contrários à logica do regime corporativo estabelecido pelo Estado Novo”.
[153] MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, volume I, cit., p. 546, bem como, do mesmo Autor, Código Civil Comentado, I – Parte Geral, cit., pp. 77-78.
[154] CAPELO DE SOUSA, Teoria Geral do Direito Civil, volume I, cit., pp. 39-40.
[155] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de Abril de 2003, processo n.º 03B3434, www.dgsi.pt, nota 1, invocando a posição de OLIVEIRA ASCENSÃO.
[156] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Fevereiro de 2010, processo n.º 6824/03.0TBB.G1.S1, www.dgsi.pt, nota 9.
[157] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14 de Outubro de 2008, processo n.º 7929/2008-7, www.dgsi.pt, ponto 2.1.10, baseando-se na tese de OLIVEIRA ASCENSÃO e FREITAS DO AMARAL.
[158] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Julho de 2007, processo n.º 06S2576, www.dgsi.pt, ponto 5 do aresto, referindo-se à lei e às normas corporativas com fontes imediatas, sem questionar a sua vigência.
[159] MANUEL DE ANDRADE, “Fontes de Direito – Vigência, Interpretação e Aplicação da Lei”, cit., p. 147. 160 Como sublinha SÉRVULO CORREIA, “O Prazo de Alegações em Recurso Fundado em Oposição de Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: Um Caso Paradigmático do Problema da Aplicação da Lei de Processo Civil no Contencioso Administrativo”, Revista da Ordem dos Advogados, ano 50, 1990, II, pp. 392-393, “… a teoria da interpretação conforme à Constituição (verfassungskonform Auslegung) não deverá significar apenas que, em face de uma pluralidade de sentidos consentidos pela letra de uma norma de lei ordinária, se haja de preferir aquele que se conforme com um imperativo constitucional a um outro que o viole. Para chegar a esta conclusão, não é preciso apelar para a superioridade material dos valores constitucionais e para a sua função orientadora da actividade legislativa, bastando recorrer aos parâmetros da interpretação sistemática, que assenta na rejeição das situações de contraditoriedade no sistema normativo. Para além desse limiar, a precedência da interpretação conforme com a Constituição pode e deve ser desenvolvida como fundamento da opção, entre dois sentidos não violadores de lei fundamental, por aquele de entre eles que possa levar mais longe, isto é, conferir um maior grau de efectividade à realização do programa constitucional”, itálico no original. Como reconhece o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 364/94, Diário da República, II série, número [160], de 13 de Julho de 1994, p. 6992, “a interpretação jurídica, mesmo tratando-se de uma interpretação conforme à Constituição, há-de extrair dos textos legais um sentido que eles comportem, ou seja, um sentido que «tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (cf. artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil) – um sentido, em suma, que não contrarie a letra da lei. E esse sentido há-de captar-se no conjunto do diploma legal, a que pertence a norma interpretanda, e ainda (como se sublinhou naquele Acórdão n.º 266/92, citando Karl Engisch, Introdução ao Pensamento Jurídico, 5.ª ed., Lisboa, 1979, p. 120), com referência ao ordenamento jurídico global, neste se incluindo, naturalmente, a Constituição, a que há que reconhecer uma grande «capacidade irradiante», atento, desde logo, o lugar que ela ocupa na hierarquia das fontes”, itálico no original. Para mais desenvolvimentos, por todos, RUI MEDEIROS, A Decisão de Inconstitucionalidade: Os Autores, o Conteúdo e os Efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade da Lei, Universidade Católica Editora, Lisboa, 1999, pp. 289 e ss.
[161] Como nota, MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito do Trabalho, cit., p. 176, em texto mais antigo (1989).
[162] Em sentido contrário, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 5 de Maio de 1970, Acórdãos Doutrinários do Supremo Tribunal Administrativo, ano IX, n.º 106, 1970, p. 1385, que subsume a convenção colectiva no preceito civil das normas corporativas (artigo 1.º, n.º 3); Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10 de Março de 1972, processo n.º 001956, http://www.dgsi.pt, de cujo sumário consta: “I – As convenções colectivas de trabalho constituem normas corporativas, isto e, direito corporativo interno. II – As deliberações das comissões corporativas, interpretando ou integrando as referidas convenções e passando a obrigar nos mesmos termos destas, tem a mesma natureza normativa, o que igualmente sucede com os respectivos despachos de homologação. III – Por isso, estes, tal como aqueles, não integram um acto administrativo stricto sensu, sendo, pois, insusceptíveis de recurso contencioso”.
[163] JÚLIO GOMES, Direito do Trabalho – Relações Individuais de Trabalho, volume I, Coimbra Editora, 2007, p. 43.
[164] GONÇALVES DA SILVA, Da Eficácia da Convenção Colectiva, volume II, Dissertação de Doutoramento, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2012, pp. 605 e ss.

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