16.05.2022

Áreas de Prática: Financeiro

Setores: Banca e Serviços Financeiros

Novo Regime Jurídico das Obrigações Cobertas

No passado dia 6 de maio de 2022, foi publicado o Decreto-Lei n.º 31/2022, de 6 de maio, que (i) aprova o Regime Jurídico das Obrigações Cobertas, transpondo a Diretiva (UE) 2019/2162, de 27 de novembro, relativa à emissão de obrigações cobertas e à supervisão pública dessas obrigações, com vista à harmonização dos requisitos da emissão e supervisão de obrigações cobertas no âmbito da União Europeia, e (ii) transpõe ainda, a Diretiva (UE) 2021/2261, de 15 de dezembro, que garante a equivalência da utilização do documento de informação fundamental elaborado nos termos da legislação da União Europeia relativa a pacotes de produtos de investimento de retalho e de produtos de investimento com base em seguros.

O Decreto-Lei n.º 31/2022 entra em vigor no dia 1 de julho de 2022, com exceção do disposto no artigo 156.º-A do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, na redação introduzida pelo presente Decreto-Lei, que apenas entra em vigor no dia 1 de janeiro de 2023, bem como do disposto no artigo 44.º do Regime Jurídico das Obrigações Cobertas (“RJOC”), aprovado em anexo ao presente decreto-lei, que entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.

Por conseguinte, o regime anterior de 2006 continua a aplicar-se às obrigações hipotecárias e sobre o setor público até ao seu reembolso ou pagamento integral, cabendo à CMVM a supervisão das emissões e programas efetuados ao abrigo desse regime.

 

1. Objeto e âmbito de aplicação

O presente Decreto-Lei vem aprovar o novo Regime Jurídico das Obrigações Cobertas, aplicável a todas as obrigações cobertas emitidas por instituições de crédito estabelecidas em Portugal, substituindo a legislação que regulava as obrigações hipotecárias e do setor público, simplificando o enquadramento e optando por uma tipologia única de obrigação, independentemente do ativo de cobertura.

 

Altera, para o efeito, o Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e o Código dos Valores Mobiliários.

Procede também à revogação do anterior regime constante do Decreto-Lei n.º 59/2006, de 20 de março.

 

2. Novo Regime Jurídico das Obrigações Cobertas

2.1. Disposições Gerais

Nos termos do RJOC, as obrigações cobertas representam títulos de dívida emitidos por instituições de crédito e garantidos por um conjunto circunscrito de ativos aos quais os detentores das obrigações têm direito de recurso direto na qualidade de credores privilegiados.

Desta forma, os detentores de obrigações continuam a ter simultaneamente um crédito sobre a entidade emitente, na qualidade de credores ordinários.Este duplo crédito sobre a carteira de cobertura e sobre o emitente é designado de mecanismo de “duplo recurso”.

 

O programa de obrigações cobertas é sujeito a autorização prévia da CMVM.

 

2.2. Proteção em caso de Liquidação ou Resolução e Ativos Elegíveis

Em caso de resolução ou liquidação da instituição de crédito emitente, os titulares das obrigações cobertas são igualmente protegidos, garantindo-se que as obrigações de pagamento a elas associadas não são automaticamente antecipadas.

Para o efeito, foi efetuado um ajuste ao catálogo de ativos elegíveis das obrigações cobertas:

  1. Ativos que observem os requisitos previstos na legislação da União Europeia relativa aos requisitos prudenciais das instituições de crédito em matéria de posições em risco sob a forma de obrigações cobertas;
  2. Ativos de cobertura de elevada qualidade que estejam garantidos por uma garantia de primeiro grau sobre bens situados ou registados no espaço económico europeu não abrangidos pela alínea anterior; ou
  3. Créditos concedidos a empresas públicas ou por estas garantidos não abrangidos pela alínea a).

 

2.3. Estruturas de Obrigações Cobertas garantidas Intragrupo

Prevê-se a hipótese de utilização de obrigações cobertas emitidas por uma instituição de crédito pertencente a um grupo, como ativo subjacente, em emissão de obrigações cobertas por uma outra instituição de crédito, desde que esta seja pertencente ao mesmo grupo.

É alternativamente atribuída a hipótese de se optar por estruturas de financiamento conjunto, em que uma instituição de crédito adquire e utiliza créditos originados por outra instituição de crédito como garantia de emissão de obrigações cobertas.

 

2.4. Cobertura e Liquidez

De acordo com o novo RJOC, encontram-se integralmente garantidas pelos ativos de cobertura as responsabilidades emergentes das obrigações cobertas.

Para o efeito, e de modo a mitigar os riscos de liquidez, as garantias globais dispõem permanentemente de uma reserva de liquidez constituída por ativos líquidos disponíveis para cobrir as saídas líquidas de liquidez do programa de obrigações cobertas.

Ressalva-se, no entanto, que os créditos não garantidos resultantes de posições em risco consideradas em situação de incumprimento nos termos da legislação da União Europeia relativa aos requisitos prudenciais das instituições de crédito em matéria de risco de crédito não contribuem para a reserva de liquidez da garantia global.

 

2.5. Competência da CMVM

O programa de obrigações cobertas é sujeito a autorização prévia da CMVM.

Para além do mais, a CMVM pode solicitar às instituições de crédito emitentes informação sobre os programas e emissões de obrigações cobertas, incluindo, nomeadamente, os seguintes elementos:

  1. A elegibilidade dos ativos e requisitos aplicáveis à garantia global;
  2. A segregação dos ativos de cobertura;
  3. O cumprimento dos deveres pela entidade que acompanha a garantia global;
  4. Os requisitos de cobertura;
  5. A reserva de liquidez da garantia global;
  6. As condições aplicáveis às obrigações cobertas com extensão automática do vencimento.

Em relação a esta matéria, cabe igualmente à CMVM a supervisão e fiscalização das instituições de crédito, independentemente de as obrigações cobertas serem objeto de uma oferta ao público de valores mobiliários, nos termos das regras da UE relativas ao prospeto.

 

2.6. Marca “Obrigação Coberta Europeia”

As obrigações cobertas que cumpram os requisitos do RJOC poderão utilizar a marca “Obrigação Coberta Europeia”. Paralelamente, as que cumpram ainda as regras anteriores poderão utilizar a marca “Obrigação Coberta Europeia (Premium)”.

 

3. Alterações à legislação nacional em vigor

 

3.1. Aditamento e Alterações ao Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo

O presente diploma procede ao aditamento do artigo 156.º-A e à revisão dos artigos 110.º -D, 114.º -C, 176.º, 201.º -A, 233.º, 233.º -A e 240.º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (“RGOIC”), aprovado em anexo à Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, na sua redação atual.

Neste sentido, procedeu-se ao aditamento do artigo 156.º-A ao RGOIC, integrado na subsecção de “Informações fundamentais destinadas aos investidores”.

Nos termos deste artigo “a entidade responsável pela gestão que elabore, preste, atualize e traduza um documento de informação fundamental em conformidade com o disposto na legislação da União Europeia relativa a pacotes de produtos de investimento de retalho e de produtos de investimento com base em seguros, para os organismos de investimento coletivo por si geridos, pode utilizar esse documento para efeitos do cumprimento do disposto no Regime Geral e da respetiva regulamentação nacional e europeia relativamente ao documento com informações fundamentais destinadas aos investidores.”

Na situação acima, encontra-se vedada à CMVM a possibilidade de exigir a elaboração adicional do referido documento com informações fundamentais destinadas aos investidores em conformidade com os requisitos previstos no RGOIC e demais regulamentação nacional e europeia.

Para além do referido aditamento, foi alterado o número 6 do artigo 176.º do RGOIC, no sentido de limitar em 25% e 80% os investimentos por parte de OICVM em valores mobiliários e instrumentos do mercado monetário emitidos por uma mesma entidade, caso estes consistam em obrigações cobertas emitidas por instituições de crédito com sede num Estado-Membro nos termos da legislação aplicável, incluindo obrigações hipotecárias emitidas até 8 de julho de 2022 nos termos da legislação aplicável a estas obrigações.

No que diz respeito à revisão dos restantes artigos supramencionados, esta prende-se, essencialmente, na determinação da competência da CMVM ou das autoridades de outros Estados-Membros em matéria de alteração de elementos ou cessação de comercialização em diversos casos:

  1. Estabelecimento de sucursal e liberdade de prestação de serviços noutro Estado-Membro relativos a Organismos de Investimento Alternativo;
  2. Estabelecimento de sucursal e liberdade de prestação de serviços em Portugal relativos à gestão de Organismos de Investimento Alternativo;
  3. Comercialização em Portugal de Organismos de Investimento Coletivo de Valores Mobiliários da União Europeia;
  4. Comercialização por Entidades Gestoras da União Europeia ou de países terceiros autorizadas noutro Estado-Membro;
  5. Comercialização noutro Estado-Membro de OIA da União Europeia.

 

3.2. Alteração ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras

Por sua vez, foi alterado o artigo 2.º A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, na sua redação atual, no sentido de incluir a definição de “obrigação coberta”.

 

3.3. Alteração ao Código dos Valores Mobiliários

O Código dos Valores Mobiliários (“CVM”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro, na sua redação atual, é alterado essencialmente em duas vertentes:

 

i) Alteração do número 7 do artigo 257.º-G, em matéria de reporte: o reporte diário das posições detidas por intermediários financeiros que executem operações no mercado de balcão em instrumentos financeiros derivados de mercadorias ou licenças de emissão e respetivos derivados, ou por clientes e respetivos beneficiários efetivos naqueles instrumentos, deverá ser efetuado nos termos definidos na legislação e regulamentação da União Europeia;

ii) Alteração do número 2 do artigo 375.º, em matéria de cooperação: esclarece que os acordos de cooperação com outras instituições nacionais deverão ser publicados no sítio da internet da CMVM, ao invés do boletim desta entidade, conforme anteriormente previsto.

 

3.4. Revogação do Decreto-Lei n.º 59/2006, de 20 de março

Uma vez que as obrigações hipotecárias passam a estar abrangidas pela definição de obrigações cobertas, passa-lhes a ser aplicável o novo RJOC.

Consequentemente, o presente diploma procede à revogação do Decreto-Lei n.º 59/2006, posteriormente alterado pelo Decreto-Lei n.º 17/95, de 27 de Janeiro e pelo Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15 de Março, que regulava as obrigações hipotecárias, sem prejuízo do disposto no presente diploma e a alínea c) do n.º 3 do artigo 240.º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado em anexo à Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, na sua redação atual.

 

CONCLUSÕES

O RJOC vem estabelecer novas regras para o tratamento prudencial das posições em risco sob a forma de obrigações cobertas, simplificando o regime, através de uma tipologia única de obrigação independentemente do ativo de cobertura, e harmonizando os requisitos da emissão e supervisão de obrigações cobertas.

A presente harmonização dos elementos estruturais que as obrigações cobertas emitidas na União Europeia devem apresentar contribuirá certamente para a dinamização deste instrumento que é uma importante fonte de financiamento para as instituições de crédito.

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