19.04.2022

Áreas de Prática: Imobiliário

Nova Jurisprudência no âmbito do alojamento local

ALOJAMENTO LOCAL EM FRAÇÕES AUTÓNOMAS DESTINADAS A HABITAÇÃO

Acórdão Uniformizador de Jurisprudência[1]

Objeto

Uma fração autónoma explorada para alojamento local (“AL”) pode ou não violar o título constitutivo da propriedade horizontal por se destinar a habitação?

Legislação

  • Regime da propriedade horizontal consagrado no Código Civil;
  • Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto (“DL”).

Acórdão Recorrido[2]:

Foi entendido que (i) a atividade de AL não integra o conceito de habitação, sendo o AL uma atividade que reveste natureza comercial, e que (ii) o conceito de habitação mostra-se qualitativamente distinto do conceito de utilização da mesma para AL.

Acórdão Fundamento[3]:

Foi entendido que (i) não só o AL não é um ato de comércio, como (ii) ainda que assim se considerasse, na cedência onerosa da fração autónoma a turistas, esta destina-se a habitação e não à própria atividade comercial.

Acórdão Uniformizador de Jurisprudência

“No regime da propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo, de que certa fração se destina a habitação, deve ser interpretada no sentido de nela não ser permitida a realização de alojamento local.”

  • Tem de haver conjugação das regras civilistas com as regras administrativas, na medida em que o título constitutivo da propriedade horizontal pode restringir o âmbito da finalidade do imóvel face ao que consta do projeto ou autorização de utilização (desde que não seja incompatível ou que desvirtue o conteúdo essencial dos direitos de propriedade);
  • No DL não é contemplada nenhuma norma que proteja os direitos dos condóminos perante a instalação de estabelecimentos de AL em fração autónoma destinada a habitação por parte de outro condómino, ou qualquer outra norma que possa ser derrogatória da tutela desses direitos conferida pelo regime da propriedade horizontal disciplinado no Código Civil;
  • A afetação de uma fração autónoma destinada a habitação a AL pode ou não implicar o exercício de uma atividade comercial, mas isso não afasta a sua natureza de afetação distinta de habitação constante do título constitutivo da propriedade horizontal;
  • Os motivos que levaram o legislador a optar por autonomizar a figura do AL são específicos e não conduzem a que o AL se possa identificar como um arrendamento de curta duração;
  • As utilidades proporcionadas pelo explorador do AL, embora requeiram as necessárias condições de habitabilidade, não se consubstanciam numa prestação de gozo habitacional por natureza com um grau de permanência e estabilidade;
  • O AL não é um simples habitar da fração autónoma equivalente à habitação que dele fazem os usuários não abrangidos pelo AL (ainda que aí possam pernoitar e descansar), sob o ponto de vista de destinação da coisa e respetiva envolvência socioeconómica;
  • Ainda que se considere a posterior alteração ao regime do AL (pela Lei n.º 62/2018, de 22 de agosto) que permite à assembleia de condóminos adotar uma deliberação em que se opõe ao exercício da atividade de AL em frações autónomas, esta é uma medida de reação a posteriori, distinta de uma permissão generalizada para exercício do AL a partir de uma “autorização para habitação”;
  • O AL não é tributado como habitação;
  • Esta solução está em harmonia com o previsto na Constituição da República Portuguesa, na medida em que, reconhece a propriedade privada, mas não a absolutiza, uma vez que podem estes direitos ser limitados no âmbito do regime da propriedade horizontal, justificado pela ordem unitária do conjunto imobiliário em que essa frações se inserem.

Votos Vencidos

  1. Juíza Conselheira Maria Olinda Garcia:

 

  • O AL continua a corresponder a uma finalidade habitacional, mas pode corresponder a um uso funcionalmente diverso porque pode englobar dinâmicas diferentes daquelas que compõem as rotinas próprias da habitação comum ou permanente e são estas funcionalidades que contêm potencialidade de afetar os interesses de sossego e segurança dos demais condóminos;
  • Entender que o AL constitui um uso diverso do habitacional, para que, com base na alínea c) do número 2 do artigo 1422.º do Código Civil se considere tal prática vedada aos condóminos, é um modo de dar prevalência aos interesses (legítimos) de sossego e segurança dos condóminos no que têm no prédio a sua residência habitual, em detrimento de interesses económicos dos condóminos que pretendem a respetiva rentabilização.

 

  1. Juiz Conselheiro Rijo Ferreira:

 

  • O DL excecionou, única e exclusivamente o que pretendia, pelo que todas as demais situações, uma vez cumpridos todos os requisitos, são permitidas, incluindo a exploração de estabelecimentos de AL em frações autónomas de edifícios destinadas a habitação;
  • Não é líquido que o conceito de habitação não comporte o conceito de AL ou que quisesse excluir esta atividade, uma vez que, à luz do artigo 236.º do Código Civil, à data de outorga dos títulos constitutivos da propriedade horizontal (momento em que se deve colocar um declaratário normal) esta problemática não se levantava;
  • O recurso à utilização do meio de tutela previsto no artigo 1346.º do Código Civil ou da tutela geral dos direitos de personalidade prevista no artigo 70.º do Código Civil é sempre permitido;
  • Deverá recorrer-se à aplicação do critério da proporcionalidade, em função da ponderação concreta e individualizada da situação e mediante subsequente invocação de um uso efetivo que ponha em causa a integridade do imóvel ou os direitos de personalidade dos condóminos;
  • Não foram consideradas “as condições específicas do tempo em que é aplicada”, nos termos do artigo 9.º do Código Civil, uma vez que da ilicitude de todas as explorações de AL instaladas em frações autónomas de imóveis constituídos em propriedade horizontal destinadas a habitação (ainda que registadas e com título válido de abertura ao público), pode cada condómino isoladamente exigir a cessação desta atividade, perspetivando-se numa avalanche de processos dessa natureza e disrupção significativa nesse setor de atividade.

 

[1] STJ – Proc. n.º 24471/16.4T8PRT.P1.S2-A-RUJ, de 22 de março de 2022

[2] STJ – Proc. n.º 4910/16.5T8PRT-A.P1, de 23 de janeiro de 2020

[3] STJ – Proc. n.º 12579/16.0T8LSB.L1.S1, de 28 de março de 2017

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