04.12.2024

Áreas de Prática: Societário, Comercial e M&A

Overview: Limitações ao Investimento Direto Estrangeiro em Portugal

O regime de análise de investimento de fora da UE e EEE em Portugal – o Decreto-Lei 138/2014, de 15 de setembro

Portugal é um dos 22 de entre 27 Estados-Membros que adotaram legislação que permite a avaliação de investimentos de entidades provenientes de fora da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu em determinadas áreas pré-definidas.

Esta avaliação é regulada pelo Decreto-Lei 138/2014, de 15 de setembro, que estabelece um regime de salvaguarda e proteção de ativos considerados estratégicos visando garantir que investimentos de fora da União Europeia e do Espaço Económico Europeu não comprometam interesses fundamentais à segurança pública.

Em concreto, o Decreto-Lei 138/2014, de 15 de setembro permite que o Conselho de Ministros, sob proposta do membro do Governo responsável pela área em que o ativo estratégico em causa esteja integrado, se oponha à realização de investimentos (i) por entidades de fora da União Europeia e do Espaço Económico Europeu ou pessoas coletivas por si controladas (ii) dos quais resulte, direta ou indiretamente, a aquisição de controlo (iii) de ativos estratégicos que (iv) coloquem em causa, de forma real e suficientemente grave, a defesa e segurança nacional ou a segurança do aprovisionamento do País em serviços fundamentais para o interesse nacional.

O diploma determina que por ativos estratégicos se deve entender “as principais infraestruturas e ativos afetos à defesa e segurança nacional ou à prestação de serviços essenciais nas áreas da energia, transportes e comunicações”.

Neste Decreto-Lei encontramos exemplos de situações em que o legislador entende haver maior probabilidade de estarem em causa ativos estratégicos, como sejam:

  • Situações em que existam indícios sérios, baseados em elementos objetivos, da existência de ligações entre o adquirente e países terceiros que não reconhecem ou respeitam os princípios fundamentais do Estado de direito democrático; ou
  • Cenários em o adquirente tenha, no passado, utilizado a posição de controlo detida sobre outros ativos para criar dificuldades graves à regular prestação dos serviços públicos essenciais no país no qual estes se situavam ou dos países limítrofes.

Qual o procedimento e eventuais consequências?

O membro do Governo responsável pela área em que o ativo estratégico em causa esteja integrado que considere que determinado investimento deve ser analisado à luz dos critérios deste diploma deve, no prazo de 30 dias a contar da celebração da transação ou da data em que a mesma se tornou do conhecimento geral, dar início a um procedimento de avaliação dos riscos dessa operação.

No âmbito do procedimento de avaliação, esse membro do Governo pode solicitar ao adquirente todas as informações e documentos que considere relevantes, dando conhecimento aos Ministros responsáveis pelos negócios estrangeiros, defesa nacional e segurança interna.

Concluída essa análise, o Conselho de Ministros pode decidir, no prazo de 60 dias contados da entrega das informações e documentos solicitados, opor-se à operação. Esta decisão deve ser fundamentada com base nos riscos identificados para os ativos estratégicos nacionais. Se não se opuser à operação nesse prazo, considera-se o investimento tacitamente aprovado.

Em caso de oposição, os atos e negócios jurídicos da transação tornam-se nulos e ineficazes, incluindo os respeitantes à exploração económica ou ao exercício de direitos sobre os ativos ou as entidades que os controlam. Isto significa que os efeitos são retroativos, implicando a restituição de tudo o que foi entregue ou, se isso não for possível, o pagamento ou ressarcimento do valor correspondente.

Este procedimento pode ser mais moroso, se as autoridades portuguesas, ao abrigo do Regulamento (UE) n.º 2019/452, que será tratado adiante, solicitarem a intervenção de outros Estados-Membros ou da Comissão Europeia, nomeadamente solicitando informações relativas ao investidor ou a investimentos feitos pela mesma entidade noutro Estado-Membro.

Como pode se proteger um investidor?

Os investidores podem recorrer a dois mecanismos de proteção nesta matéria:

i) Podem requerer a confirmação de que determinada transação não suscita problemas ao abrigo do diploma; ou

ii) Podem impugnar a decisão de oposição ao investimento junto dos tribunais administrativos se considerarem que não estão verificados os pressupostos previstos no diploma ou que o mesmo não suscita preocupações quanto a ativos estratégicos.

Qual a ligação entre o Decreto-Lei 138/2014 e o Regulamento (UE) n.º 2019/452?

O Regulamento (UE) 2019/452 do Parlamento Europeu e do Conselho de 19 de março de 2019 estabelece pela primeira vez um quadro comum para o controlo dos investimentos diretos provenientes de países terceiros ou de fora do EEE na União Europeia, com o objetivo de proteger a segurança e a ordem pública. Por uma parte, o Regulamento define um conjunto de critérios comuns que os Estados-Membros podem adotar ao avaliar investimentos provenientes de países terceiros, permitindo-lhes verificar potenciais riscos associados a setores estratégicos, como energia, transportes, tecnologias críticas e infraestruturas. Assim o Regulamento prevê setores que não estão à presente data abrangidos pela legislação portuguesa.

Por outro lado, vem ainda introduzir um mecanismo de cooperação entre os Estados-Membros e a Comissão Europeia, que inclui a partilha de informações e a possibilidade de a Comissão emitir pareceres sobre investimentos que no entendimento da Comissão possam afetar interesses comuns da União. Ainda que a Comissão não tenha poderes para condicionar ou proibir determinado investimento, os Estados Membros deverão ter “na máxima conta o parecer recebido da Comissão”, aquando da adoção de uma decisão final sobre a autorização ou restrição do investimento. Assim, a competência para autorizar ou restringir um investimento reside apenas nos Estados Membros.

Já após a entrada em vigor deste diploma, a Comissão Europeia propôs um novo Regulamento relativo à análise de investimentos estrangeiros na UE. O novo Regulamento revogaria o atual Regulamento (UE) 2019/452 e reforçaria significativamente a harmonização da análise do investimento estrangeiro na EU, sob três vetores fundamentais: (i) exigir, e não apenas sugerir, que todos os Estados-Membros disponham de um mecanismo de controlo (à presente data, apenas 22 dos 27 Estados-Membros o fazem); (ii) identificar as áreas em que todos os Estados-Membros devem analisar investimentos estrangeiros de fora da União Europeia; e (iii) harmonizar outros elementos-chave dos mecanismos de controlo nacionais. Este novo Regulamento ainda não foi aprovado.

Conclusões

Não se conhecem, até ao momento, decisões tomadas no âmbito do Decreto-Lei n.º 138/2014 não obstante ser publico e notório o investimento em setores considerados estratégicos que poderiam ser ponderados ao seu abrigo.

O Decreto-Lei n.º 138/2014 permanece inalterado desde a sua publicação e entrada em vigor. Dada a evolução das dinâmicas globais e as propostas da Comissão Europeia nesta matéria, é previsível que este regime seja revisto no curto/médio prazo. Uma eventual atualização pode implicar a alteração dos setores considerados fundamentais e a uniformização de conceitos-chave, promovendo maior alinhamento com os demais Estados Membros e maior eficácia no controlo de investimentos estratégicos.

Seria também uma boa oportunidade para clarificar certos aspetos relativos à interpretação e aplicação do Decreto-Lei de 2014, designadamente a diferenciação entre a titularidade de ativos e a prestação de serviços nos setores relevantes, a clarificação dos critérios da definição da data limite para intervenção do Governo, incluindo o momento de tomada de conhecimento de operações de investimento nos setores estratégicos, e o processo de articulação entre o Estado e os investidores, bem como as demais partes (entidades vendedoras e alvos da operação). De facto, considerando que a decisão de bloquear investimentos terá um alcance excecional atendendo ao seu efeito retroativo, anulando investimentos feitos, é importante delimitar com maior rigor esta intervenção do Estado na economia.

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