-
- Alterações no âmbito do PER
Consagrado nos artigos 17.º-A a 17.º-J do CIRE, o Processo Especial de Revitalização consubstancia uma alternativa ao processo de insolvência à qual as empresas podem recorrer caso se encontrem, comprovadamente, em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação. Através do PER, são implementadas negociações entre a empresa e os seus credores e aprovado um plano de recuperação, promovendo a revitalização da empresa sem sustar o desenvolvimento da sua atividade.
É com vista ao cumprimento da obrigação de transposição da Diretiva (UE) 2019/1023 e ao melhoramento substantivo e processual do PER que surgem as novidades legislativas que aqui nos propomos clarificar.
De entre elas, destacam-se os seguintes aspetos:
Juntamente com o requerimento em que manifesta a vontade de iniciar um PER, é agora exigido que a empresa[1] apresente proposta de classificação dos credores afetados pelo plano de recuperação em categoriais distintas, de acordo com a natureza dos respetivos créditos, em credores garantidos, privilegiados, comuns e subordinados e querendo, de entre estes, refletir o universo de credores da empresa em função da existência de suficientes interesses comuns, designadamente nos seguintes termos:
- Trabalhadores, sem distinção da modalidade do contrato;
- Sócios;
- Entidades bancárias que tenham financiado a empresa;
- Fornecedores de bens e prestadores de serviços;
- Credores públicos.
Quanto à nomeação do administrador judicial provisório (“AJP”), esclarece-se que a mesma é feita, de imediato, por despacho irrecorrível, sendo também nesse momento definida a sua remuneração. Esta constitui, juntamente com as despesas em que este incorra no exercício das suas funções, crédito sobre a insolvência, caso a empresa venha a ser declarada insolvente na sequência da não homologação de um plano de recuperação.
Com as reclamações de créditos remetidas ao AJP, os credores devem agora indicar: i) A proveniência, data de vencimento, montante de capital e de juros dos seus créditos; ii) As condições a que estejam subordinados, tanto suspensivas como resolutivas; iii) A sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida e, neste último caso, os bens ou direitos objeto da garantia e respetivos dados de identificação registral, se aplicável; iv) A existência de eventuais garantias pessoais, com identificação dos garantes; v) A taxa de juros moratórios aplicável.
A decisão que nomeia o AJP obsta à instauração de quaisquer ações executivas contra a empresa para cobrança de crédito (excetuando-se os créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação), e suspende quanto à empresa as ações em curso com a mesma finalidade, fixando-se agora um período máximo de quatro meses, prorrogável por mais um mês (a requerimento fundamentado da empresa, de um credor ou do AJP, deduzido no prazo de negociações, quando se verifique uma das seguintes situações: i) Tenham ocorrido progressos significativos nas negociações do plano de reestruturação; ii) A prorrogação se revele imprescindível para garantir a recuperação da atividade da empresa; ou iii) A continuação da suspensão das medidas de execução não prejudique injustamente os direitos ou interesses das partes afetadas).
No entanto, concede-se ao juiz a faculdade de determinar o levantamento do período suplementar de suspensão quando: i) A suspensão deixe de cumprir o objetivo de apoiar as negociações sobre o plano de recuperação; ou ii) Tal seja solicitado pela empresa ou pelo administrador judicial provisório.
Veda-se aos credores, a partir da decisão de nomeação do AJP e durante o referido período de suspensão das medidas de execução, a possibilidade de recusar cumprir, resolver, antecipar ou alterar unilateralmente contratos executórios essenciais – entendendo-se como tal os contratos de execução continuada necessários à continuação do exercício corrente da atividade da empresa, incluindo quaisquer contratos de fornecimento de bens ou serviços cuja suspensão acarretaria a paralisação da sua atividade – em prejuízo da empresa, relativamente a dívidas constituídas antes da suspensão, quando o único fundamento seja o não pagamento das mesmas.
O preço dos bens ou serviços essenciais à atividade da empresa prestados durante o referido período que não sejam objeto de pagamento é considerado dívida da massa insolvente, em insolvência da mesma empresa, que venha a ser decretada nos dois anos posteriores ao termo do referido período de suspensão, sem prejuízo do disposto no artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de julho, quanto aos serviços públicos essenciais.
Considera-se nula a cláusula contratual que atribua ao pedido de abertura de um PER, à abertura de um PER, ao pedido de prorrogação da suspensão das medidas de execução ou à sua concessão o valor de uma condição resolutiva do negócio ou confira, nesse caso, à parte contrária um direito de indemnização, de resolução ou de denúncia do contrato.
Exige-se agora que até ao último dia do prazo de negociações, a empresa deposite no tribunal a versão final do plano de recuperação contendo uum leque mais alargado de informações sobre a situação económica e financeira da empresa.
Outra novidade é a definição de novas regras de formação de maiorias para aprovação do plano de recuperação, nos casos em que se verifique a classificação dos credores por categorias e é reforçada consagração da regra dos 2/3 dos votos emitidos.
Consagra-se a faculdade de o juiz determinar a avaliação da empresa por um perito, se for requerida a não homologação do plano de recuperação por um credor discordante, com o fundamento de que a situação dos credores ao abrigo do plano é menos favorável do que seria num cenário de liquidação da empresa ou de que se verificou desrespeito das regras de aprovação.
Também quanto às garantias existem novidades, prevendo-se que os credores que, no decurso do processo ou em execução do plano de recuperação, financiem a atividade da empresa, disponibilizando-lhe capital para a sua revitalização, gozam de um crédito sobre a massa insolvente, até um valor correspondente a 25 % do passivo não subordinado da empresa à data da declaração de insolvência, caso esta venha a ser declarada no prazo de dois anos a contar do trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de recuperação. Os créditos disponibilizados às empresas referidas, acima daquele valor, gozam de um privilégio creditório mobiliário geral – graduado antes do privilégio creditório mobiliário geral concedido aos trabalhadores –, assim como os créditos decorrentes de financiamento disponibilizado à empresa por credores, sócios, acionistas e quaisquer outras pessoas especialmente relacionadas com a empresa em execução do plano de recuperação.
É feita a ressalva de que os atos de financiamento referidos não podem ser objeto de impugnação pauliana nem pode o novo financiamento, assim como o financiamento intercalar, ser declarado nulo, anulável ou insuscetível de execução. Importa também atentar no facto de os concedentes do novo financiamento e do financiamento intercalar não poderem incorrer, em virtude desse financiamento, em responsabilidade civil, administrativa ou penal, com o fundamento de que tais financiamentos são prejudiciais para o conjunto dos credores, salvo nos casos expressamente previstos na lei.
-
- Alterações ao processo de insolvência
Também no processo de insolvência há novidades legislativas dignas de registo, merecendo destaque as seguintes:
Encontra-se agora prevista a exceção ao dever de apresentação à insolvência nos seguintes casos:
-
-
-
- As empresas que se tenham apresentado a processo especial de revitalização durante o período de suspensão das medidas de execução acima referido – ou seja, quatro meses após a decisão de nomeação do AJP no PER, com possibilidade de prorrogação por um mês;
- As pessoas singulares que não sejam titulares de uma empresa na data em que incorram em situação de insolvência.
Com a petição (pedido de insolvência /apresentação), o devedor, quando seja o requerente, passa a ter de juntar documento em que se identificam as sociedades comerciais com as quais o devedor se encontre em relação de domínio ou de grupo nos termos do Código das Sociedades Comerciais ou que sejam consideradas empresas associadas nos termos do disposto no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, e, se for o caso, identificando os processos em que seja requerida ou tenha sido declarada a sua insolvência;
Também quanto à definição de créditos subordinados se regista uma clarificação, considerando-se como tal os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, desde que a relação especial existisse já aquando da respetiva constituição, e por aqueles a quem os créditos tenham sido transmitidos nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
O conceito de pessoa especialmente relacionada com o devedor (pessoa singular ou coletiva) é, agora, taxativamente consagrado no artigo 49.º do CIRE, não se considerando administrador de facto o credor privilegiado ou garantido que indique para a administração do devedor uma pessoa singular, desde que esta não disponha de poderes especiais para dispor, por si só, de elementos do património do devedor.
Estipula-se que constituem créditos sobre a massa insolvente os créditos compensatórios resultantes da cessação de contrato de trabalho pelo administrador da insolvência após a declaração de insolvência do devedor.
Exige-se ao administrador da insolvência que, aquando do começo da venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente, apresente, no prazo de 10 dias a contar da data de realização da assembleia de apreciação do relatório, um plano de liquidação de venda dos bens, contendo metas temporalmente definidas e a enunciação das diligências concretas a encetar.
O valor do cheque à ordem da massa insolvente que acompanha a proposta do credor garantido de aquisição do bem, tornando-a eficaz, é reduzido de 20% para 10% do montante da proposta.
O administrador da insolvência é destituído, com justa causa, caso não apresente o plano de liquidação de venda dos bens (a menos que existam razões justificativas para o atraso) ou o incumpra com culpa grave, mediante requerimento de qualquer interessado.
Torna-se obrigatória a realização de rateios parciais das quantias sempre que, cumulativamente: i) Tenha transitado em julgado a sentença declaratória da insolvência e o processo tenha prosseguido para liquidação do ativo; ii) Se esgote o prazo de impugnação da relação de credores reconhecidos sem que nenhuma impugnação tenha sido deduzida, ou, tendo-o sido, se a impugnação em causa já estiver decidida; iii) As quantias depositadas à ordem da massa insolvente sejam iguais ou superiores a € 10.000,00 e a respetiva titularidade não seja controvertida; iv) O processo não se encontre em condições de elaboração do rateio final.
[1] As micro, pequenas e médias empresas, na aceção do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, estão dispensadas da obrigação de apresentar este documento, podendo, se assim entenderem, fazê-lo.
[Download PDF]