24.10.2024
Áreas de Prática: Imobiliário
Alterações ao Regime do Alojamento Local
Com o objetivo de criar condições para que a atividade do alojamento local se consolide de forma equilibrada com o ambiente habitacional, com respeito dos direitos de iniciativa privada, de propriedade privada e de habitação, constitucionalmente consagrados, conciliando os impactos económicos e urbanísticos, o XXIV Governo Constitucional promoveu uma alteração significativa ao regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local, Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto (“RJEEAL”), que implicou a revogação de algumas normas previstas na Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro, publicada na anterior legislatura e que consagrava as medidas do anterior Governo no âmbito do “Programa Mais Habitação”.
Destacamos, de seguida, as principais alterações promovidas pelo Decreto-Lei n.º 76/2024, de 23 de outubro (“Decreto-Lei 76/2024”), que entrará em vigor no próximo dia 01 de novembro de 2024.
- Revogação das seguintes disposições que tinham sido introduzidas pelo “Programa Mais Habitação”
. - Eliminação da renovação do registo de estabelecimento de alojamento local – No âmbito da Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro, foi introduzida previsão no sentido do registo de estabelecimento de alojamento local ter a duração de cinco anos, renovável por iguais períodos, tendo esta disposição sido agora revogada.
. - Eliminação da suspensão de novos registos de alojamento local – No âmbito da Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro, foi suspensa a emissão de novos registos de estabelecimento de alojamento local nas modalidades de apartamentos e estabelecimentos de hospedagem integrados numa fração autónoma de edifício em todo o território nacional, com exceção dos territórios do interior identificados no anexo à Portaria n.º 208/2017, de 13 de julho, tendo esta suspensão sido agora revogada.
. - Reapreciação de registos de alojamento local emitidos – No âmbito da Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro, os registos de alojamento local emitidos à data da entrada em vigor da referida lei seriam reapreciados durante o ano de 2030, tendo esta reapreciação sido também revogada pelo Decreto-Lei 76/2024; e
. - Caducidade dos registos inativos – No âmbito da Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro, previa-se que os titulares de registo de alojamento local tinham que efetuar prova da manutenção da atividade de exploração do respetivo estabelecimento de alojamento local no prazo máximo de 2 meses a contar da entrada em vigor daquela lei, sob pena de caducidade do registo, norma que também foi revogada pelo Decreto-Lei 76/2024.
Alterações ao regime do Alojamento Local
- Dos regulamentos municipais relativos ao alojamento local
Os municípios podem aprovar um regulamento administrativo tendo por objeto a atividade do alojamento local no respetivo território. Nos municípios com mais de 1000 estabelecimentos de alojamento local registados, a assembleia municipal deve deliberar expressamente, no prazo máximo de 12 meses contados da data em que o município atinja os 1000 registos, se exerce o poder regulamentar previsto no número anterior[1].
O regulamento pode prever a designação de um provedor do alojamento local que apoie o município na gestão de diferendos entre os residentes, os titulares de exploração de estabelecimentos de alojamento local e os condóminos ou terceiros contrainteressados. As competências deste provedor do alojamento local serão as de apreciar as queixas que lhe sejam apresentadas, emitir recomendações e aprovar e fazer implementar guias de boas práticas sobre o funcionamento daquela atividade.
- Da instalação de alojamentos locais em frações autónomas e respetiva comunicação prévia
Foi revogada a obrigatoriedade de decisão do condomínio para exercício da atividade de alojamento local sempre que o respetivo estabelecimento seja registado em fração autónoma que se destine, no título constitutivo da propriedade horizontal, a habitação. E, portanto, deixa de ser obrigatória, na comunicação prévia, a entrega da ata da assembleia de condóminos autorizando tal instalação, mantendo-se esta obrigação apenas para os estabelecimentos de alojamento local na modalidade hostels e quando estes se situem numa fração autónoma (prédios submetidos ao regime de propriedade horizontal).
- Fundamentos para oposição à comunicação para registo do alojamento local e prazo para oposição
Aos fundamentos anteriormente previstos para a oposição pelo presidente de câmara à comunicação para registo do alojamento local foram aditados pelo Decreto-Lei 76/2024 mais dois fundamentos, designadamente:
a) violação das restrições à instalação decididas pelo município, relativas às áreas de contenção e às áreas de crescimento sustentável ou falta de autorização de utilização adequada do edifício; e
b) desconformidade com a legislação aplicável.
Foram igualmente alterados os prazos para a oposição à comunicação prévia para registo do alojamento local, passando o presidente de câmara a poder opor-se ao registo num prazo máximo de 60 dias contados a partir da sua apresentação, ou num prazo máximo de 90 dias no caso de pedidos para exploração de alojamento local localizados em áreas de contenção.
Foi igualmente acrescentada a possibilidade de o interessado no registo solicitar, por uma única vez, a realização de uma vistoria pelos serviços municipais competentes com vista à revisão da decisão de oposição emitida pelo presidente da câmara, suportando o interessado os custos da sua realização.
- Transmissibilidade do registo de alojamento local
Desde 2018 que o RJEEAL vinha a prever limitações à transmissibilidade dos registos de alojamento local, tendo o Decreto-Lei n.º 76/2024 revogado de um modo geral todas estas limitações.
Não obstante, os municípios podem estabelecer, nos respetivos regulamentos municipais para as zonas de contenção, limitações proporcionais à transmissibilidade dos novos números de registo do estabelecimento de alojamento local, nas modalidades de ‘moradia’ e ‘apartamento’ (vide ponto 8 para mais detalhes sobre esta possibilidade).
- Fundamentos para cancelamento do registo de alojamento local
Aos fundamentos anteriormente previstos para o cancelamento dos registos de estabelecimentos de alojamento local pelo presidente de câmara municipal competente foram acrescentados os seguintes:
a) Verificando-se a inexistência do seguro obrigatório válido ou a falta de envio da informação e comprovativo de seguro (vide. no n.º 7 do artigo 13.º-A);
b) Quando se verifique a prática reiterada e comprovada de atos que perturbem a normal utilização do prédio urbano, nos casos em que não se efetive o arquivamento do procedimento mediante a aceitação de compromissos e condições (vide ponto 6 infra); e
c) Em áreas de contenção, quando se verifique que no local onde foi instalado o estabelecimento de Alojamento Local foram celebrados contratos de arrendamento urbano para habitação permanente nos dois anos anteriores à entrega do pedido de comunicação prévia com prazo, em violação do regulamento municipal aplicável.
- Alteração dos poderes do condomínio
Na sequência da publicação da Lei n.º 56/2023, no caso de a atividade de alojamento local ser exercida numa fração autónoma de edifício ou parte de prédio urbano suscetível de utilização independente, a assembleia de condóminos, por deliberação de pelo menos dois terços da permilagem do edifício, podia opor-se ao exercício da atividade de alojamento local na referida fração, salvo quando o título constitutivo expressamente previsse a utilização da fração para fins de alojamento local ou tivesse havido deliberação expressa da assembleia de condóminos a autorizar a utilização da fração para aquele fim. A referida deliberação de oposição tinha depois de ser remetida ao presidente da câmara produzindo o cancelamento efeitos no prazo de 60 dias a contar do envio da deliberação.
Ora, com as alterações promovidas pelo Decreto-Lei 76/2024, a assembleia de condóminos pode continuar a opor-se o exercício da atividade de alojamento local na fração, através de deliberação fundamentada aprovada por mais de metade da permilagem do edifício, desde que com fundamento na prática reiterada e comprovada de atos que perturbem a normal utilização do prédio, bem como de atos que causem incómodo e afetem o descanso dos condóminos, devendo a assembleia de condóminos após a deliberação solicitar uma decisão ao presidente da câmara municipal territorialmente competente.
Uma vez recebida a deliberação da assembleia de condóminos, o presidente da câmara pode promover o cancelamento do registo de alojamento local ou convidar os intervenientes à obtenção de um acordo, acompanhado, quando exista, por um provedor do alojamento local, com vista ao arquivamento do procedimento mediante a aceitação de compromissos e condições.
Note-se que, a decisão de cancelamento do registo na sequência da deliberação do condomínio implica a impossibilidade de o imóvel em questão ser explorado como alojamento local, independentemente da respetiva entidade, por um período fixado na respetiva decisão, o qual que não pode exceder cinco anos (na legislação em vigor até à entrada em vigor Decreto-Lei 76/2024, a impossibilidade de o imóvel ser explorado em alojamento local existia até deliberação em contrário da assembleia de condóminos).
- Capacidade máxima
Ainda que com impacto menor, o Decreto-Lei 76/2024, veio determinar que a capacidade máxima dos estabelecimento de alojamento local, com exceção da modalidade de ‘quartos’ e ‘hostel’, é de nove quartos e de 27 utentes (anteriormente 30 utentes) e que se os estabelecimentos tiverem condições adequadas, podem ser instaladas, nas unidades de alojamento local, camas convertíveis e/ou suplementares, desde que, no seu conjunto, não ultrapassem 50% do número de camas fixas (anteriormente limitadas a um máximo de duas camas para crianças até aos 12 anos).
- Seguro
Foi aditado um novo número ao artigo 13.º-A, que prevê que é da responsabilidade do titular da exploração a cobertura, através de contratos de seguro, dos riscos previstos no REEAL e na Portaria n.º 248/2021, de 29 de junho, inerentes à exploração de estabelecimento de alojamento local objeto do registo, podendo o município exigir, sempre que o entender conveniente, prova documental da celebração do contrato de seguro, devendo o segurado fornecê-la no prazo máximo de três dias, sob pena de cancelamento do registo e demais consequências previstas na lei.
- Alteração das normas referentes às áreas de contenção e criação de áreas de crescimento sustentável
O município competente pode aprovar, no regulamento referido no ponto 1, a existência de áreas de contenção e áreas de crescimento sustentável, por freguesia ou união de freguesias, no todo ou em parte, para instalação de novo estabelecimento de alojamento local, podendo impor limites relativos ao número de novos registos de alojamento local permitido para cada uma dessas áreas, em função de fatores como a pressão habitacional e ambiental.
Para este efeito consideram-se “áreas de contenção”, as áreas em que se verifique uma sobrecarga de estabelecimentos de alojamento, que possa justificar restrições à instalação de novos estabelecimentos e “áreas de crescimento sustentável”, as áreas em que se justifiquem especiais medidas de monitorização e acompanhamento, no sentido de prevenir uma situação de sobrecarga com efeitos indesejáveis para os bairros e lugares.
A criação e avaliação periódica de áreas de contenção e de crescimento sustentável, avaliação essa que será feita de três em três anos, devem ser fundamentadas com base em estudo que avalie, designadamente, a concentração e o impacto do alojamento local nas diferentes zonas e territórios do concelho, de modo a assegurar a proporcionalidade dos indicadores e regras aplicáveis.
(A) Áreas de contenção
Nas áreas de contenção podem os municípios deliberar (que):
i. não podem ser autorizados novos registos de estabelecimentos de alojamento local em prédios urbanos, frações autónomas ou partes de prédio urbano suscetíveis de utilização independente, e que tenham sido objeto de contrato de arrendamento urbano para habitação nos dois anos anteriores ao registo;
ii. limites relativos ao número de estabelecimentos de alojamento local no território, designadamente na respetiva proporção face ao número de fogos disponíveis para habitação;
iii. situações excecionais em que seja admitida a instalação de novos estabelecimentos de alojamento local;
iv. condições e limites aplicáveis aos novos registos de alojamento local, nomeadamente quanto à sua duração e regras de atribuição, respeitando a tutela da confiança dos titulares e a concorrência entre operadores;
v. limitações proporcionais à transmissibilidade dos novos números de registo de estabelecimento de alojamento local, nas modalidades de “moradia” e “apartamento”, sem que possam afetar os casos de sucessão, transmissão gratuita da unidade de alojamento local para cônjuge ou unido de facto, descendentes ou ascendentes ou divórcio, separação judicial de pessoas e bens ou dissolução da união de facto.
De forma a assegurar a eficácia de um futuro regulamento municipal, podem os municípios, por deliberação fundamentada da assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal, suspender, por um período máximo de um ano, a autorização de novos registos em áreas especificamente delimitadas, até à entrada em vigor do referido regulamento.
Ao abrigo da legislação em vigor até à entrada em vigor Decreto-Lei 76/2024, nas áreas de contenção definidas, o mesmo proprietário apenas poderia explorar um máximo de sete estabelecimentos de alojamento local, tendo esta disposição, e consequente limitação, desaparecido na redação dada pelo Decreto-Lei 76/2024.
(B) Áreas de crescimento sustentável
Nas áreas de crescimento sustentável, os municípios podem estabelecer requisitos adicionais para a instalação de novos estabelecimentos de alojamento local, nomeadamente:
i. que nessas áreas não podem ser autorizados novos registos de estabelecimentos de alojamento local em prédios urbanos, frações autónomas ou partes de prédio urbano suscetíveis de utilização independente, e que tenham sido objeto de contrato de arrendamento urbano para habitação nos dois anos anteriores ao registo;
ii. estado de conservação médio ou superior, a atestar por termo de responsabilidade emitido por técnico habilitado para o efeito, suscetível de ser confirmado em vistoria a realizar pelos serviços da câmara municipal;
iii. nível de eficiência energética igual ou superior a D, atestado por certificado emitido para esse fim por entidade competente para o efeito;
iv. manutenção de determinada proporção ou número mínimo de frações ou partes de prédio suscetíveis de utilização independente destinadas a habitação em que não funcionem estabelecimentos de alojamento local.
- Clarificação das utilizações válidas e compatíveis com o alojamento local
De acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º, da comunicação prévia com prazo dirigida ao Presidente da Câmara Municipal deve constar, entre outras, a autorização de utilização ou título de utilização válido do imóvel. Na sequência da querela constitucional existente quanto a este tema, foi aditado o artigo 6.º – B pelo Decreto-Lei 76/2024 de forma a esclarecer este tema.
A solução encontrada para este problema foi delegar a designação das utilizações válidas em cada um dos municípios, que as deverão definir nos respetivos regulamentos municipais referidos no ponto 1. Na ausência da previsão em regulamento municipal, são admissíveis as utilizações estabelecidas pela câmara municipal territorialmente competente como sendo compatíveis com o exercício da atividade de alojamento local, nomeadamente os usos autorizados pelo Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, ou outros usos que o município venha a considerar como conciliáveis com o exercício dessa atividade.
As disposições regulamentares e autorizações referidas no parágrafo anterior devem considerar que:
a. Na modalidade “quartos”, apenas se admite o uso habitacional;
b. Nas modalidades de “moradia” e “apartamento”, a admissibilidade de uso não habitacional depende do cumprimento dos requisitos estabelecidos no regime jurídico do alojamento local;
c. Na modalidade “estabelecimentos de hospedagem”, incluindo aqueles que utilizarem a denominação hostels, a câmara municipal pode prever usos diferentes do habitacional em função da modalidade de alojamento e da capacidade do estabelecimento.
Foi igualmente introduzido um número que esclarece que, sem prejuízo da eventual proibição do exercício da atividade de alojamento local no título constitutivo da propriedade horizontal ou em regulamento de condomínio que dele faça parte integrante, ou ainda através de deliberação posterior da assembleia de condóminos (a aprovar por maioria representativa de dois terços da permilagem do prédio, que só poderá produzir efeitos para futuro, o que significa que apenas se aplica aos pedidos de registo de alojamento local submetidos em data posterior à deliberação), a instalação e exploração de estabelecimentos de alojamento local em fração autónoma não constitui uso diverso do fim a que é destinada, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 1422.º do Código Civil, devendo coexistir no quadro dos usos urbanísticos dominantes admissíveis para a respetiva zona territorial, salvaguardando a harmonia e a coexistência das atividades que decorrem nas outras frações.
[1] As assembleias municipais dos municípios que, à data da entrada em vigor Decreto-Lei 76/2024, tenham mais de 1000 estabelecimentos de alojamento local registados, devem deliberar expressamente no prazo máximo de 12 meses se exercem o poder regulamentar.