12.09.2025
Áreas de Prática: Financeiro
O Novo Regime Jurídico da Gestão e Cessão de Crédito Malparado (NPLs)
No dia 11 de setembro de 2025 foi publicado no Diário da República o Decreto-Lei n.º 103/2025, de 11 de setembro (o “Diploma”) que transpõe para o ordenamento jurídico português a Diretiva (UE) 2021/2167 (a “Diretiva”). Esta Diretiva veio harmonizar, a nível europeu, as regras de acesso e exercício da atividade de gestão de créditos bancários não produtivos (“non-performing loans”, “NPLs”), bem como estabelecer requisitos aplicáveis aos adquirentes destes créditos.
Com esta reforma, são criados dois regimes fundamentais:
- Regime da Cessão e Gestão de Créditos Bancários (RCGCB) – que define as regras aplicáveis à transmissão e subsequente gestão de créditos bancários, sobretudo NPLs.
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- Regime da Central de Responsabilidade de Crédito (CRC) – que reforça a centralização da informação sobre responsabilidades de crédito dos clientes bancários.
No essencial, o novo enquadramento jurídico articula-se em três eixos:
- Cessão de créditos;
- Gestão de créditos cedidos, disciplinando a atividade dos “gestores de créditos” e impondo requisitos de acesso e supervisão;
- Centralização da informação, através do reforço da Central de Responsabilidades de Crédito.
- Cessão de Créditos
O novo Diploma vai além do que está previsto na Diretiva europeia. Em vez de se limitar à cessão de créditos feita por instituições de crédito (bancos), abrange também a transmissão de créditos ou de posições contratuais resultantes de contratos de crédito concedidos por outras entidades.
Isto acontece porque, em Portugal, não são apenas os bancos que concedem crédito: sociedades financeiras, instituições de pagamento e instituições de moeda eletrónica também o podem fazer. Assim, o regime aplica-se às seguintes instituições (as “Instituições”):
- Instituições com sede em Portugal;
- Instituições estrangeiras com sucursal em Portugal; ou
- Instituições habilitadas a conceder crédito em Portugal através da livre prestação de serviços.
Sempre que estas entidades cedam os seus créditos ou posições contratuais, ou exerçam atividade de gestão de créditos, ficam abrangidas pelo Diploma.
Além disso, o regime aplica-se igualmente:
- Aos Organismos de Investimento Alternativo de Créditos (OIA de créditos) e
- À cessão de créditos para efeitos de titularização, em que vigoram regimes específicos.
Quando é que os créditos podem ser cedidos?
- Créditos com prestações vencidas há mais de 90 dias; ou
- Créditos de empresas (PME ou grandes empresas)[1] classificados como “improváveis de cumprimento” há pelo menos 12 meses (por exemplo, no caso de cartões de crédito, o prazo conta-se desde a data-limite para o pagamento mínimo)[2].
Importa sublinhar que a cessão não dispensa a aplicação prévia dos regimes PARI e PERSI, sempre que aplicáveis (artigo 5.º, n.º 2 do Diploma).
O princípio da neutralidade
Tal como a Diretiva, o Diploma reforça o princípio da neutralidade da cessão (artigo 6.º). Isto significa que o adquirente do crédito (“cessionário”) assume integralmente todos os direitos e obrigações associados ao contrato de crédito, mesmo não sendo o credor originário.
1.1. Obrigações dos Cedentes
O Diploma estabelece um conjunto de deveres para as entidades que cedem créditos (os “cedentes”), assegurando transparência e acompanhamento regulatório. Entre as principais obrigações contam-se:
- Comunicação ao Banco de Portugal (artigo 9.º do Diploma).: Semestralmente, os cedentes devem enviar informação sobre, por exemplo:
- identificação do adquirente do crédito (cessionário);
- saldo total em dívida;
- número de operações de cessão realizadas nesse período.
 
- Comunicação à Central de Responsabilidades de Crédito (“CRC”): Sempre que um crédito seja objeto de cessão, essa informação deve ser reportada à CRC (artigo 10.º do Diploma).
1.2. Obrigações dos Cessionários
No novo regime, destacam-se também as entidades que adquirem créditos ou posições contratuais cedidas pelas instituições. Estas entidades (os “cessionários”) assumem um papel central no enquadramento jurídico agora aprovado.
Em Portugal, os cessionários estão sujeitos a uma regra mais exigente do que a prevista na Diretiva europeia: são obrigados a contratar um gestor de créditos autorizado para a gestão dos créditos adquiridos. (artigo 11.º do Diploma)
Na prática, isto significa que é o gestor de créditos, e não o cessionário, quem assume os deveres associados à gestão.
Existem, contudo, exceções:
- quando o próprio cessionário seja uma entidade autorizada como gestor de créditos;
- quando seja a própria instituição de crédito a gerir diretamente os créditos que detém.
O contrato de gestão de créditos
A relação entre o cessionário e o gestor de créditos deve ser formalizada num contrato escrito, que tem de respeitar requisitos mínimos, incluindo, nomeadamente:
- descrição clara das atividades de gestão;
- regras de remuneração do gestor;
- indicação de que o gestor tem poderes de representação perante o devedor.
É importante notar que, de acordo com o artigo 7.º, n.º 2 do Diploma, a eficácia da cessão de créditos ao abrigo do novo regime, depende ainda de duas condições:
(i) da celebração do contrato de gestão de créditos, quando aplicável:
Se o cessionário não for uma entidade autorizada a gerir créditos e não pretender assumir o exercício dessas atividades, a cessão apenas se torna eficaz a partir do momento em que este celebre um contrato de gestão de créditos com uma entidade devidamente autorizada pelo Banco de Portugal.
Na prática, esta condição significa que a cessão poderá não produzir efeitos automaticamente com a assinatura do contrato de cessão, sendo para tal necessário que esteja previamente formalizado o contrato de gestão. Trata-se de uma diferença relevante face a outros regimes de cessão, pois introduz uma condição suspensiva de eficácia, que tem como objetivo garantir que o crédito passa a ser gerido por uma entidade regulada e sujeita a deveres de conduta específicos.
(ii) do envio de comunicação ao devedor da cessão, no prazo de 10 dias, assegurando a sua proteção.
Deveres gerais dos cessionários
Mesmo não assumindo diretamente a gestão, os cessionários estão sujeitos a deveres gerais, como:
- atuar de forma leal, transparente e profissional;
- respeitar conscienciosamente os interesses do devedor;
- garantir a prestação de informações claras, objetivas e verdadeiras.
- Gestão de Créditos
A gestão de créditos passa a ser considerada uma atividade regulada, sujeita a autorização prévia do Banco de Portugal.
Esta atividade abrange um conjunto de funções essenciais, nomeadamente:
- cobrança de valores em dívida;
- negociação de condições de pagamento com os devedores;
- prestação de informação clara e transparente ao devedor;
- organização e gestão de um sistema de tratamento de reclamações.
2.1. Autorização como Gestor de Créditos
Para atuar como gestor de créditos, é necessário obter autorização do Banco de Portugal. Esta autorização está sujeita ao cumprimento de vários requisitos estruturais e organizativos, entre os quais:
- Forma societária: a entidade deve ser constituída como sociedade por quotas ou sociedade anónima;
- Sede: a sede principal e efetiva deve situar-se em Portugal;
- Governação: os membros do órgão de administração devem possuir conhecimentos e experiência adequados, além de cumprirem requisitos de idoneidade;
- Acionistas: os titulares de participações qualificadas devem igualmente ser idóneos;
- Controlo interno: devem existir mecanismos adequados de controlo, incluindo procedimentos contabilísticos e de gestão de risco;
- Políticas de conformidade: a entidade deve dispor de políticas que assegurem o cumprimento da legislação e regulamentação aplicável, em especial no que respeita à proteção e tratamento leal e diligente dos devedores;
- Gestão de reclamações: devem estar implementados procedimentos eficazes de análise e tratamento das reclamações apresentadas pelos devedores.
Prazos de decisão do Banco de Portugal
O Banco de Portugal dispõe de 45 dias para verificar se o pedido de autorização está completo, podendo solicitar esclarecimentos adicionais.
A decisão final deve ser tomada no prazo de 90 dias a contar da receção do pedido (ou dos esclarecimentos, quando aplicáveis).
2.2. Deveres do Gestor de Créditos
O gestor de créditos está sujeito a um conjunto alargado de deveres, que asseguram transparência, proteção do devedor e boa condução do processo de gestão.
Deveres gerais
O gestor deve atuar sempre com:
- lealdade e respeito pelos interesses dos devedores, instituições, cessionários e outros gestores;
- diligência, cuidado e competência profissional.
Comunicação obrigatória ao devedor
No prazo de 10 dias após a cessão (e sempre antes da primeira cobrança), o gestor deve enviar ao devedor uma comunicação clara e objetiva, contendo, pelo menos:
- a ocorrência e a data da cessão;
- identificação e contactos do gestor e do cessionário;
- dados de contacto, em destaque, do ponto de referência do gestor de créditos;
- elementos que comprovem a autorização do gestor;
- valores em dívida (incluindo juros, comissões e outros encargos);
- identificação da autoridade competente do Estado-Membro onde o devedor pode apresentar reclamação (em Portugal, o Banco de Portugal).
Obrigações em nome e por conta do cessionário
Ao gerir o crédito, o gestor deve observar toda a legislação aplicável, incluindo:
- prestação de informações periódicas durante a vigência do contrato;
- reembolso antecipado dos contratos de crédito;
- emissão e envio gratuito ao devedor de documentos necessários à extinção da garantia real, em caso de incumprimento definitivo ou perda do benefício do prazo;
- acompanhamento e gestão de situações de risco, incumprimento e regularização extrajudicial;
- respeito pelos limites legais a juros de mora e encargos nos termos do regime do PARI;
- comunicação à CRC das cessões subsequentes.
Outros deveres do gestor
Acrescem ainda obrigações como:
- registo e conservação documental (contratos celebrados, correspondência trocada, instruções do cessionário, contratos de subcontratação, se aplicáveis);
- implementação de procedimentos eficazes de tratamento e análise de reclamações;
- disponibilização do acesso a mecanismos de resolução alternativa de litígios (RAL).
- Supervisão
As instituições, tanto na qualidade de cedentes, como de entidade habitada a exercer a atividade de gestão de créditos, os cessionários e gestores de crédito estão sujeitos à supervisão do Banco de Portugal.
Regime sancionatório
O regime contraordenacional prevê três níveis de gravidade: (i) leve, (ii) grave e (iii) muito grave. As coimas aplicáveis variam consoante se trate de pessoa singular ou coletiva, podendo atingir, no caso das contraordenações muito graves, o montante máximo de €1.000.000.
A título exemplificativo, constitui contraordenação muito grave a realização de atos ou o exercício da atividade de gestão de créditos sem a necessária autorização.
Sanções acessórias
Para além das coimas, podem ainda ser aplicadas sanções acessórias, incluindo:
- perda do benefício económico obtido com a infração,
- inibição do exercício de cargos sociais,
- inibição de funções de administração, gerência, direção ou chefia em entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal.
- Criação de um Novo Regime da CRC
A Central de Responsabilidades de Crédito (CRC) assume um papel fundamental na recolha e centralização de informação financeira, contabilística e de risco relativa às responsabilidades de crédito provenientes das operações realizadas pelas entidades participantes.
O novo regime introduz alterações relevantes, designadamente:
- Alargamento do universo de entidades participantes, passando a incluir não apenas instituições de crédito, mas também:
- entidades habilitadas a exercer atividades de gestão de créditos;
- entidades que atuem em Portugal ao abrigo da liberdade de prestação de serviços;
- prestadores de serviços de financiamento colaborativo por empréstimo (crowdfunding).
 
- Alargamento das finalidades da informação da CRC, permitindo a sua utilização também para efeitos de prossecução de atribuições públicas.
- Atualização do regime sancionatório, com revisão da tipificação dos ilícitos e da respetiva graduação.
Aplicação no tempo
O Diploma entra em vigor 90 dias após a sua publicação. Regra geral, aplica-se apenas às cessões de créditos ou posições contratuais realizadas após essa data.
Prevê-se, no entanto, um regime transitório, aplicável:
(i) às cessões subsequentes de créditos inicialmente cedidos por instituições a partir de 30 de dezembro de 2023; e
(ii) às operações de cessão de créditos concedidos desde 1 de julho de 2018 que se tenham tornado não produtivos após 28 de dezembro de 2021, para efeitos do preenchimento do modelo de dados previsto no Diploma.
A equipa APDFin da Abreu Advogados encontra-se disponível para apoiar as entidades abrangidas por este novo regime, incluindo no processo de pedido de autorização, bem como na adaptação às novas exigências legais e regulamentares.
[1] De acordo com os critérios previstos no Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro.
[2] Regulamento (UE) n.º 575/2013, artigo 178.º, n.º 2, alínea c).
 
										 
																																													 
																																											 
																																											 
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
           
          