Novo quadro legal sobre as ações coletivas para a proteção dos interesses dos consumidores
No passado dia 6 de dezembro de 2023 foi publicado o Decreto-Lei n.º 114-A/2023, de 5 de dezembro, que transpõe a Diretiva (UE) 2020/1828 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2020, relativa a ações coletivas para proteção dos interesses dos consumidores.
Este diploma veio regular o regime aplicável às ações coletivas nacionais e transnacionais para proteção dos direitos e interesses dos consumidores, reforçando os respetivos meios processuais e assegurando um nível elevado de defesa dos consumidores na UE, bem como um adequado funcionamento do mercado interno. Assim, garante-se a existência, a nível da UE e no âmbito nacional, de um mecanismo processual de ação coletiva eficaz e eficiente para que os consumidores possam obter medidas inibitórias e de reparação em caso de uma prática ilícita de um profissional.
Existe alguma lei de aplicação subsidiária?
Apesar de Portugal já dispor de um mecanismo processual de ação coletiva, consagrado pela Lei n.º 83/95, de 31 de agosto, relativa ao Direito de Participação Procedimental e de Ação Popular (doravante, “Lei de Ação Popular”), que regula o direito de participação popular em procedimentos administrativos e o direito de ação popular para a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações previstas no artigo 52.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, aproveitou-se a oportunidade de transposição da Diretiva supra identificada para estabelecer um regime específico de ação coletiva nacional para proteção dos direitos e interesses dos consumidores.
Ora, podemos dizer que a Lei n.º 83/95 corresponde a um mecanismo processual aplicável em tudo o que não se encontre previsto no presente Decreto-Lei, tendo como objetivo proteger interesses diversos, entre eles o relativo ao consumo de bens e serviços.
Quem são os titulares do direito de ação coletiva?
O diploma pretende proteger os direitos e os interesses dos consumidores, isto é, de qualquer pessoa singular que atue com fins que não se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional.
Neste enquadramento, mantêm-se como titulares do direito de ação coletiva para defesa dos direitos e interesses dos consumidores as associações e as fundações, independentemente de terem ou não interesse direto na demanda, e as autarquias locais. Por seu turno, no que respeita à consagração de um mecanismo processual de ação coletiva ao nível da UE, prevê-se que os titulares do direito de ação coletiva são as entidades qualificadas previamente designadas por outros Estados-Membros, as quais podem requerer medidas inibitórias ou medidas de reparação.
Note-se, todavia, que o Ministério Público e a Direção-Geral do Consumidor são considerados entidades qualificadas para efeitos de propositura de ações coletivas transnacionais.
O que há de novo?
- Encontra-se previsto um procedimento de designação de entidades nacionais como entidades qualificadas para efeitos de propositura de ações coletivas transfronteiriças noutros Estados-Membros, através de critérios harmonizados que aquelas terão de observar e que serão avaliados por autoridade competente.
- Os demandantes devem disponibilizar ao tribunal o acordo de financiamento, incluindo uma síntese financeira com a enumeração das fontes de financiamento utilizadas para apoiar a ação coletiva, garantindo a independência do demandante e a ausência de conflito de interesses.
- Mantém-se o mecanismo de autoexclusão que se encontra estabelecido na Lei de Ação Popular, sendo aplicáveis as regras previstas nos seus artigos 14º e 15º. Todavia, os consumidores que não tenham a sua residência habitual em Portugal, à data da propositura da ação coletiva, terão de manifestar a sua vontade em ser representados na ação, a fim de ficarem vinculados ao seu resultado, aplicando-se, nesse caso, um mecanismo de inclusão.
- Há uma obrigação de divulgação por parte dos demandantes das seguintes informações, que deverão estar disponíveis nas suas páginas da Internet:
- Identificação da ação coletiva em causa, com referência à identificação das partes, pedido em causa, número de processo e tribunal;
- Fase processual em que a ação coletiva se encontra;
- Resultado da ação, incluindo a indemnização global e o método de distribuição da indemnização aos representados, quando aplicável;
- Decisão do tribunal.
- A autoridade competente tem de divulgar ao público, na sua página de Internet, a lista das entidades qualificadas designadas para efeitos de propositura de ações coletivas transnacionais, bem como informações sobre as ações coletivas em curso e concluídas junto dos tribunais nacionais.
- Foi designada como autoridade competente a Direção-Geral do Consumidor, que será, ainda, ponto de contacto nacional para efeitos do cumprimento das obrigações de comunicação à Comissão Europeia.
Quando é que o diploma entrou em vigor?
O presente Decreto-Lei entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação – 7 de dezembro de 2023.