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A simplicidade é o máximo da inovação

By Helder Galvão on

Tornou-se lugar-comum associar a inovação à tecnologia, como se o pré-requisito para inovar dependesse necessariamente de um aparato tecnológico. Tal equívoco conceptual carece de fundamento teórico, o que leva a concluir tratar-se de uma construção social. À luz da sociologia é um facto socialmente criado, mantido e legitimado. No jargão popular, poderia ser qualificado como uma “lenda urbana”.

Um ponto, todavia, é unânime: inovar admite um número praticamente ilimitado de definições. Uma das mais difundidas sustenta que a inovação corresponde à implementação de um produto, bem ou serviço novo ou significativamente melhorado. Em termos práticos, inovar consiste em agarrar uma oportunidade, suscetível de ser concretizada com ou sem capital, com ou sem know-how e com ou sem regulação setorial ou regras pré-estabelecidas. Quando, porém, estes três requisitos convergem, o resultado é particularmente robusto.

De acordo com a Teoria Neoschumpeteriana, a inovação constitui o motor do capitalismo. O fenómeno emerge a partir de novas combinações de fatores produtivos, tais como a introdução de um novo bem, a adoção de um método de produção inovador, a abertura de um novo mercado ou a criação de uma nova forma de organização, seja no setor industrial, seja no setor dos serviços.

No contexto do boom das legaltechs, resultante do advento de diversas ferramentas tecnológicas colocadas ao serviço dos operadores jurídicos, consolidou-se a (falsa) premissa de que inovar corresponde a incorporar, investir, contratar ou desenvolver exclusivamente plataformas de base tecnológica. Este discurso cristalizou-se como uma espécie de mantra, prontamente reproduzido e perigosamente amplificado. Não obstante, a inovação não se restringe a este paradigma. É possível obter grandes resultados com soluções simples. E há muitos exemplos que o demonstram.

O primeiro é o programa gratuito Cooley Go, concebido pelo escritório Cooley LLP e direcionado a empreendedores, startups e empresas em fase de expansão. Lançado em 2014, trata-se de uma plataforma que disponibiliza recursos práticos e acessíveis para apoiar negócios em diferentes fases de desenvolvimento, desde a fundação até à venda ou à abertura de capital (IPO). A plataforma disponibiliza documentos, contratos e modelos de planos de negócios concebidos para simplificar a prática dos utilizadores.

Os números são brutais: mais de quatro milhões de acessos provenientes de múltiplos países e a geração de mais de duzentos mil documentos, incluindo o famoso SAFE, contrato de mútuo referência para startups, bem como de notas convertíveis, acordos de acionistas e planos de stock options.

Com custos reduzidos e baixa complexidade tecnológica, o programa consolidou-se como referência (top of mind) no ecossistema das startups, enquanto produziu um grande impacto em termos de captação de leads e, sobretudo, na partilha de conhecimento jurídico. Retoma-se, assim, a velha máxima do Silicon Valley, onde o escritório mantém uma das suas principais bases: gerar valor para gerar riqueza.

O segundo exemplo é o do escritório Wilson, Sonsini, Goodrich & Rosati, que se destacou pela implementação de um dos primeiros programas freemium de assessoria jurídica dirigido a empreendedores emergentes. É amplamente reconhecido que, no domínio da inovação, a capacidade de desbravar território (frequentemente designada first mover advantage) constitui um fator determinante para a liderança num certo setor. A propensão para assumir riscos com coragem é, aliás, objeto de grande valorização. Não surpreende, portanto, que esta iniciativa tenha possibilitado ao escritório atrair, ainda em fase embrionária, dois dos mais relevantes fundadores mundiais: Larry Page e Sergey Brin.

A simbiose estabelecida com o ecossistema de startups foi de tal ordem que o escritório lançou o programa SixFifty, um spin-off cujo nome homenageia a autoestrada que atravessa o Silicon Valley, região onde a Wilson Sonsini nasceu e consolidou a sua reputação como escritório de referência para empresas de tecnologia e venture capital. O número corresponde igualmente ao indicativo telefónico da região. Trata-se de uma ideia simples, mas conceptualmente poderosa, que projetou o escritório como referência incontornável no setor.

É ainda de destacar a Fuse, iniciativa do escritório A&O Shearman, estruturada como uma incubadora interna de legaltechs e fintechs. O seu propósito corporiza, com rigor, a essência do modelo de open innovation aplicado ao setor jurídico, constituindo um exemplo a ser replicado por outras firmas de dimensão global.

Por fim, merece menção o LawWithoutWalls, cujo objetivo é fomentar a inovação no direito através de uma abordagem prática, orientada pelo design e pela colaboração efetiva. O programa, fundado por Michele DeStefano, foi apresentado no Lisbon, Law & Tech 2024, sendo recomendável a visualização da respetiva conferência disponível no YouTube.

Em síntese, observa-se que a inovação no setor jurídico transcende largamente a mera adoção de plataformas de base tecnológica. Boas doses de criatividade, aliadas à originalidade e a um ambiente propício ao intraempreendedorismo, potenciadas por mentes disruptivas, configuram um cenário de rara intensidade: a chamada “tempestade perfeita”.

Não é suficiente, todavia, dispor de recursos financeiros avultados ou de orçamentos robustos para justificar uma inovação, seja ela radical ou incremental. Conforme ilustrado, iniciativas aparentemente simples podem gerar elevado impacto e retorno reputacional, desde que associadas a uma clara perceção das oportunidades do mercado e, sobretudo, ao aval inequívoco da liderança. É imprescindível que os órgãos de direção estimulem tais práticas, assegurando que a cultura de inovação esteja efetivamente enraizada no ADN organizacional.

É famosa a frase de Leonardo Da Vinci, posteriormente apropriada por Steve Jobs e aqui adaptada: a simplicidade é o máximo da inovação.

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