Num evento promovido recentemente pelo Instituto de Conhecimento da Abreu Advogados, em parceria com a Associação Brasileira das Lawtechs e Legaltechs, foi traçado um breve panorama do mercado das legaltechs em Portugal.
Com a presença de duas promissoras startups locais, a Neural Shift e a LegaU, frente a frente com outras duas legaltechs brasileiras, a JusBrasil e a Inspira, foi possível ter uma ideia significativa dos principais desafios do ecossistema de inovação jurídica local e também uma projeção do seu futuro.
A começar pelos mitos. Não é verdade que o pequeno mercado jurídico português seja um fator diretamente proporcional ao pouco número de legaltechs portuguesas. Atualmente, e tendo em consideração um grow stage, o número de empresas do setor estaria, em tom otimista, na ordem de, no máximo, dez startups. É sabido que o facto de ser um mercado de nicho e pequeno não é sinónimo de insucesso. Quantidade não se traduz em qualidade. O exemplo mais concreto é em Israel, a Startup Nation, com mais de sessenta startups no Nasdaq. Para Dan Senor e Saul Singer, precursores locais, um dos motivos de um ecossistema pujante, mesmo num espaço restrito, é o clássico imperativo categórico: pensar local e agir global.
Não se tem notícias, justamente, de legaltechs escaláveis portuguesas. Os cases de maior sucesso ainda estão restritos aos escritórios e departamentos jurídicos nacionais. É altura, portanto, de expandir fronteiras e, assim, atingir um grau de maturidade, que hoje ainda é incipiente.
Outro mito está relacionado com a ineficiência gerada por um mercado altamente regulado. O forte regramento do exercício profissional, mantido pela Ordem dos Advogados, num primeiro momento, de facto impede o surgimento de iniciativas inovadoras e radicais. É o exemplo das plataformas que se propõem a dirimir conflitos, dispensando a atuação de um operador do direito, as On-Line Dispute Resolution (ODRs), praticamente inexistentes em Portugal e que hoje exercem um importante mecanismo de solução de disputas entre empresas de grande consumo e consumidores. Porém, nada impede iniciativas baseadas em inovações de compliance, ou seja, legaltechs que possam explorar as atuais falhas de mercado vis-à-vis com a legislação local. Cita-se a legaltech Move, ainda em early stage, e que está a explorar o deficitário mercado de recursos humanos e os seus aspetos legais de contratação de mão de obra de imigrantes e emigrantes.
De outro lado, chama a atenção a falta de iniciativas para resolver a atual e gritante falha de mercado, consistente no gap de pedidos de vistos de trabalho e cidadania para estrangeiros. A agência governamental, AIMA, não consegue dar resposta à forte demanda, provocando uma externalidade negativa e um alto contingente de ações judiciais sobre a matéria. É de se lembrar o mantra: inovação é captura de oportunidades e, atualmente, nenhuma legaltech se tem aventurado a navegar nesse oceano azul.
E, aqui, as verdades. Num ambiente de inovação, como no exemplo de Israel, a premissa clássica é a rebeldia. Ou seja, a predisposição dos sujeitos locais em querer inovar, questionar o status quo, o que o beatnik Jack Kerouac, imitado por Steve Jobs, designava como pessoas que fazem a raça humana andar para a frente. Logo, faltam rebeldes em Portugal. Podemos citar bons nomes, como Pedro Santa Clara, fundador da 42 Lisboa, mas que estarão restritos a um pequeno e heróico número.
Outra verdade é que a signitiva ausência de políticas públicas no Poder Judiciário, nomeadamente a adoção de dados abertos, tem como consequência a inexistência de legaltechs portuguesas que exercem a jurimetria e data analytics do setor. Seguindo a tendência mundial da open justice, e de uma sociedade cada vez mais data driven, chama a atenção para a pouca prática do pilar de governança de dados, a transparência e o accountability do setor. É o clássico efeito cascata: sem dados, sem “matéria-prima” para alimentar as plataformas de jurimetria, mata-se um setor altamente promissor e benéfico para a sociedade.
Não se pode perder de vista, ainda, mais uma verdade: pouco se vê o capital de risco local. E é praticamente inexistente, quiçá pontual, o aposta de fundos de investimentos portugueses em legaltechs. É indispensável para o seu êxito o aporte de recursos para se buscar um crescimento exponencial. Noutras palavras: no ambiente das startups, sem dinheiro não se vai muito longe.
Para um país pioneiro no venture capital, é realmente preocupante o desinteresse dos investidores de risco no setor. É preciso, urgentemente, disseminar a cultura das legaltechs entre os stakeholders e de todos os seus benefícios e potenciais.
Não se pode subestimar o inexorável caminho da inovação e poder das legaltechs, mas o mercado português hoje, de facto, ainda se encontra em fase embrionária.