Análise ao impacto do COVID-19 pela equipa de Direito Financeiro
A equipa de Direito Financeiro da Abreu Advogados partilha a sua análise às recomendações e medidas aplicadas com vista à mitigação do impacto do surto nos mercados financeiros.
O impacto do surto COVID-19 nos mercados financeiros foi objeto de regulamentação pelas entidades competentes?
O surto do COVID-19 tem sido objeto de atenção das entidades reguladoras europeias e nacionais, que têm emitido recomendações e determinado a aplicação de medidas às entidades supervisionadas com vista à mitigação do impacto do surto nos mercados financeiros.
Instituições financeiras significativas
Relativamente às instituições significativas, sujeitas à supervisão conjunta do Banco Central Europeu (BCE) e Banco de Portugal, o BCE emitiu, a 12 de Março, a implementação das seguintes medidas:
- Determina que os Bancos podem fazer uso das suas reservas de liquidez e capital (Pilar 2 Guidance);
- Determina que os Bancos poderão exercer a sua atividade, temporariamente, abaixo dos requisitos de capital para o Pillar 2 e beneficiar de uma flexibilização relativa aos bens que o compõem (medida que é antecipada, quando a sua entrada em vigor estava prevista para Janeiro de 2021, com a revisão da CRD V (Capital Requirements Directive);
- Determina que o BCE irá considerar uma flexibilização operacional na implementação de medidas de supervisão específicas para cada banco, incluindo o ajustamento de prazos e processos aplicáveis, em particular inspeções no local e implementação de testes de esforço.
O BCE denota que as medidas acima definidas se destinam ao fortalecimento da economia e não ao aumento da distribuição de dividendos ou de remuneração variável.
As medidas anunciadas poderão ser encontradas, com maior detalhe, em inglês em https://www.bankingsupervision.europa.eu/press/pr/date/2020/html/ssm.pr200312~43351ac3ac.en.html.
As presentes medidas sucedem às recomendações emitidas pelo BCE a 3 de Março de 2020, numa altura em que ainda se considerava a qualificação do surto de Covid-19 como uma pandemia, no âmbito das quais o BCE recomendou às entidades supervisionadas que tivessem em conta o risco da pandemia no âmbito das suas estratégias de contingência, devendo rever o seu plano de continuidade de negócio considerando as medidas que poderão ser adotadas por forma a mitigar os riscos da pandemia. Foi dado enfoque às possíveis contingências relacionadas com a impossibilidade de empregados dos Bancos, ou terceiros prestadores de serviços, se verem impossibilitados de executar as suas funções. Em face dos riscos identificados, o BCE recomendou às instituições que estabelecessem medidas de controlo de propagação do vírus no local de trabalho, determinassem o impacto de uma pandemia nos planos de contingência, analisassem a rapidez com que os mesmos poderão ser implementados num cenário de pandemia e confirmassem a existência de alternativas de trabalho remoto para funções essenciais que garantam a continuidade do negócio, testando a infraestrutura de IT, entre outras, incitando as instituições a contactar a autoridade competente dos desenvolvimentos relevantes. As presentes recomendações podem ser consultadas através do mesmo sítio de Internet acima indicado.
Instituições financeiras menos significativas
Na senda das medidas adotadas pelo BCE relativamente às instituições significativas, o Banco de Portugal publicou em 16 de Março de 2020 uma Carta Circular CC/2020/00000017 divulgando medidas de flexibilização de requisitos regulatórios e de supervisão para alívio da situação de contingência decorrente do surto COVID-19.
Foram, em particular, tomadas as seguintes medidas:
- Permitir às instituições de crédito menos significativas sujeitas à sua supervisão que operem de forma temporária, com um nível inferior à da recomendação de fundos próprios (“Pillar 2 Guidance”) e da reserva combinada de fundos próprios, e com níveis de liquidez inferiores ao requisito de cobertura de liquidez (“LCR”);
- Suspender os testes de esforço em curso;
- Adiar ou cancelar todas as ações de inspeção nas vertentes de supervisão comportamental, prudencial e de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, exceto nas situações de maior criticidade ou onde é possível continuar a desenvolver o trabalho à distância;
- Adiar os pedidos de informação necessária para efeitos do Processo de Análise e Avaliação para fins de Supervisão (SREP), cuja remarcação será articulada com o BCE para todas as instituições de crédito, significativas ou não;
- Adiar ou suspender determinados reportes (como do relatório de controlo interno, relatório de prevenção do BC/FT, plano de financiamento e de capital) entre outros mais bem detalhados na Carta Circular;
- Alargar o prazo para tratamento de reclamações apresentadas diretamente no Banco de Portugal, incluindo prazo para resposta a pedidos de informação adicional. O Banco de Portugal denota que não altera o prazo de resposta no âmbito de reclamações apresentadas no Livro de Reclamações por se encontrar fora dos seus poderes, garantindo no entanto que não deixará de ter em conta a situação atual no exercício dos poderes sancionatórios em caso de incumprimento dos mesmos;
- Flexibilizar os requisitos de abertura de conta bancária por videoconferência.
Adicionalmente, o Banco de Portugal emite recomendações às entidades habilitadas a captar depósitos relativamente à necessidade de analisarem os planos de contingência e de continuidade de negócio, em termos semelhantes aos propostos pelo BCE para as instituições de crédito significativas, com vista a mitigar os potenciais efeitos adversos da propagação do COVID-19, incluindo:
- Assegurarem que as medidas de prevenção associadas à segurança dos trabalhadores e à continuidade de negócio têm em consideração os riscos associados a uma potencial pandemia;
- Comunicarem imediatamente ao Banco de Portugal caso identifiquem deficiências relevantes em resultado dos procedimentos de verificação do seu estado de preparação mencionados nos pontos anteriores;
- Comunicarem imediatamente ao Banco de Portugal a ocorrência de eventos relacionados com o COVID-19 com impacto negativo relevante para a instituição;
- Comunicarem ao Banco de Portugal planos de encerramento/condicionamento da abertura normal de agências.
A Carta Circular poderá ser encontrada em https://www.bportugal.pt/cartacircular/cc202000000017.
Intermediários financeiros
A 11 de Março de 2020, a ESMA publicou determinadas recomendações dirigidas aos participantes dos mercados financeiros, tendo em conta a situação atual e medidas de contingência tomadas pelas autoridades nacionais competentes. Assim a ESMA recomenda que os participantes estejam preparados para aplicar os planos de contingência por forma a permitir a continuidade da sua atividade, divulguem informação relevante ao mercado sobre o impacto do surto na sua atividade e situação financeira, incluindo no âmbito dos seus reportes financeiros. Relativamente à gestão de fundos, a ESMA recomenda que as sociedades gestoras continuem a aplicar as medidas de gestão de risco. Mais refere que continua a monitorizar o desenvolvimento dos mercados financeiros em resultado do surto e está preparada para usar os seus poderes para assegurar o funcionamento correto dos mercados, a estabilidade financeira e a proteção dos investidores.
As recomendações estão disponíveis, em inglês, em https://www.esma.europa.eu/press-news/esma-news/esma-recommends-action-financial-market-participants-covid-19-impact).
Adicionalmente, em 16 de Março de 2020, a ESMA determinou a necessidade de qualquer entidade titular de uma posição a descoberto líquida relativamente a ações cotadas em mercado regulamentado de notificar a autoridade competente com os detalhes dessa posição caso a mesma atinja, pelo menos, 0,1% do capital social emitido, dada a situação atual dos mercados financeiros com o surto de Covid-19. A decisão pode ser consultada em https://www.esma.europa.eu/press-news/esma-news/esma-requires-net-short-position-holders-report-positions-01-and-above. Em Portugal, o presente reporte deve ser efetuado à CMVM.