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Legaltechs e M&A´s: deu match

By Helder Galvão on

Logo no início do ano, a Harvey anunciou uma captação de recursos, no total de  oitenta milhões de dólares. A rodada, série B, foi liderada pelo tradicional fundo de venture capital Sequoia, e contou ainda com a participação da OpenAI, em uma clara sinalização de que a inteligência artificial generativa está plugada com o mercado jurídico.

Pouco tempo antes, a Ironclad também havia anunciado uma rodada de investimento, a sua quinta, no total de nada mais, nada menos, que 150 milhões de dólares e entrando no ranking como uma das principais do ano do mercado de M&A´s.

Já no mercado brasileiro, a Softplan, quase um unicórnio, atingiu mais de 25 milhões de dólares em sua última rodada. A Lexter.Ai, uma plataforma de análise de documentos jurídicos que adota modelos de inteligência artificial, anunciou o seu primeiro levantamento de capital, de aproximadamente quatro milhões de dólares, tendo a Canary como uma das participantes no pool de investidores. O que chamou a atenção foi que se trata de uma plataforma em early stage, ao contrário da Softplan, que atende o Tribunal de São Paulo, um dos maiores do mundo.

Mas qual será o sexy appeal das legaltechs para atrair esses investimentos, afinal o que se está em jogo é o retorno do capital.

Em primeiro lugar, estamos diante de um backlog gigante de oportunidades. Somente no Brasil, temos quase noventa milhões de processos judiciais ativos, prontos para serem julgados, analisados e, claro, objeto da prestação de serviços pelo operador do direito. Não se pode perder de vista, ainda, as dezenas de milhares disputas extrajudiciais que, naturalmente, não são objeto da prestação jurisdicional do Estado. São os exemplos de demandas de falhas na prestação de serviços de companhias aéreas, de e-commerce e serviços de consumidores em geral, onde a solução do conflito se dá mediante plataformas alternativas, as chamadas ODRs (on line dispute resolution), e cujo segmento movimenta significativas cifras. Cita-se o exemplo bem sucedido do marketplace Ebay.

Ademais, o terreno fértil entre legaltechs e investidores, está para o movimento cada vez mais crescente do open justice. Com os dados abertos, ou seja, com o Poder Judiciário adotando, cada vez mais, mecanismos de accountability, é consequencia nacional a proliferação de ferramentas que tratam esses dados, estruturando-os e, assim, oferecendo ao mercado soluções efetivas, como um database robusto de precedentes judiciais, as melhores teses e estratégias para negociações e arbitragens. Um exemplo de plataforma bem sucedida nesse sentido é a plataforma JusBrasil, com mais de quinhentos mil assinantes e vinte milhões de acessos mensais.

Além dos exemplos citados, as legaltechs podem oferecer as mais variadas soluções, entre elas a gestão e automação de contratos, “leitura” de documentos, educação jurídica, e-biling (gestão de honorários) e o e-discovery, sendo esta uma das mais difundidas no mercado britânico e norte-americano em razão da sua efetividade em processos de due diligence, governança e compliance em geral. Ou seja, não se limitam a um único segmento, inclusive muitas legaltechs adotam o modelo one-stop-shop, àquelas que oferecem múltiplas dessas soluções apresentadas em um único dashboard. Quem ganha, evidentemente, são os usuários, fidelizados pela eficência que as legaltechs oferecem.

Não se pode perder de vista, ainda, que as legaltechs, via de regra, são plataformas SaaS, logo, exponenciais por essência, e baseadas em um modelo de negócio de recorrência. Grande parte do seu público-alvo são os departamentos jurídicos, órgãos públicos, como o Poder Judiciário (notabilizados por grandes desembolsos e investimentos) e os escritórios de advocacia, desde os tidos como pequenos, médios, boutiques ao full service. Ou seja, no formato b2b, um dos preferidos dos fundos de investimentos em geral.

A tempestade, como se vê, é perfeita, inclusive em razão do oceano azul a ser explorado pelas soluções embarcadas por inteligência artificial e que não faltarão adeptos, principalmente do volumoso número de advogados profissionais liberais, autônomos, que poderão automatizar grande parte dos seus serviços.

Mas, evidentemente, nem tudo é perfeito. Ainda existem barreiras do mercado. Cita-se, em primeiro lugar, a dificuldade da precificação. O modelo de assinatura/usuário ainda poderá ser custoso para grandes bancas, que não estão dispostas a alocar parte dos respectivos orçamentos nessas ferramentas. Como cita Isabel Parker, a britânica que implementou processos de inovação em um dos maiores escritórios de advocacia do planeta, se aplicaria a velha máxima de que time que está ganhando não se mexe, logo, porque investir tanto nessas ferramentas se os escritórios, no seu modelo clássico-tradicional, estão faturando regularmente?

Outro desafio é que se trata de um segmento profissional altamente regulado. É comum encontrar uma forte resistência nas associações de advogados locais, temerosos em ter a prestação dos serviços jurídicos concorrendo com plataformas virtuais de soluções de conflitos. No Brasil, por exemplo, com mais de um milhão e duzentos mil advogados, é terminantemente proibida a existência de aplicativos que indenizem passageiros em razão de falha na prestação de serviços de companhias aéreas. Para essas associações, exercício de litigar é monopólio do advogado.

Por fim, cita-se como desafio a barreira da internacionalização. Como se sabe, expandir fronteiras é uma das estratégias preferidas dos fundos de investimento em geral, e que adoram ouvir em qualquer pitch de vendas, afinal são ávidos pela escala e pelo faturamento exponencial. Contudo, plataformas treinadas no vernáculo inglês poderão encontrar dificuldades de adeptos em outra lingua. Sem contar nas legislações distintas e peculiaridades locais de cada mercado jurídico. É o exemplo de um mecanismo de busca de precedentes judiciais, como a jurimetria, que se desenvolve bem na Espanha, mas que é proibida na França.

Se a Têmis, a deusa grega da justiça, famosa por seus olhos vendados, pudesse observar o movimento entre as legaltechs e os fundos de venture capital, certamente ela diria, na expressão modernista, deu match!

 

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