
27.11.2020
Áreas de Prática: Propriedade Intelectual e Tecnologias de Informação
Nova lei relativa ao regime legal aplicável à oferta de serviços de comunicação social audiovisual
Lei n.º 74/2020, de 19 de Novembro – Transpõe a Diretiva (UE) 2018/1808, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de novembro de 2018, respeitante à oferta de serviços de comunicação social audiovisual
A Lei n.º 74/20220, de 19 de Novembro (doravante “Lei dos serviços de comunicação social audiovisual”), ao transpor para a realidade portuguesa uma diretiva de 2018 (doravante Diretiva), que uniformiza no espaço europeu a oferta de serviços de comunicação social audiovisual, introduz novidades substanciais para os diversos agentes deste setor.
Neste sentido, importa compreender se o legislador soube acompanhar as novidades tecnológicas que os novos agentes trouxeram ao mercado (tais como as plataformas de Streaming e de Pay-Per-View), sem paralelamente esquecer a indústria audiovisual portuguesa, a qual se pretende que seja apoiada através de taxas a suportar pelos novos players deste mercado. Mais, será importante compreender se as normas de proteção dos consumidores previstas na Diretiva serão suficientes para acompanhar os avanços tecnológicos que, nos últimos anos, tiveram lugar no mercado audiovisual.
É neste contexto de harmonização de interesses que a Diretiva 2010/13/EU atualizada pela Diretiva, e a Lei dos serviços de comunicação social audiovisual devem ser analisadas.
A Lei dos serviços de comunicação social audiovisual procede à quarta alteração da Lei n.º 27/2007, de 30 de julho, e à terceira alteração da Lei n.º 55/2012, de 6 de setembro, pelo que passamos a elencar as principais novidades de cada uma.
Lei n.º 27/2007, de 30 julho
A Lei n.º 27/2007, de 30 de julho, aprovou a Lei da Televisão, que regula o acesso à atividade de televisão e o seu exercício, assim como a oferta ao público de serviços audiovisuais a pedido.
Ora, a Lei dos serviços de comunicação social audiovisual veio ampliar o seu âmbito material, passando a regular diversos aspetos quanto à oferta ao público de serviços de plataformas de partilha de vídeo e regras sobre os conteúdos correspondentes.
Em primeiro lugar, importa destacar os novos condicionamentos à liberdade de programação. São, nomeadamente, reforçadas as proibições de conteúdos que afetem a livre formação da personalidade de crianças e jovens ou a sua reserva da intimidade da vida privada e imagem.
Neste sentido refira-se que o artigo 27.º prevê que a emissão televisiva de quaisquer programas suscetíveis de influírem de modo negativo na formação da personalidade de crianças e jovens deve ser acompanhada da difusão permanente de um identificativo visual apropriado e só pode ter lugar entre as 24 horas e 00 minutos e as 6 horas.
Finalmente, se estivermos perante serviços de partilha de vídeos, dispõe a alínea f) do artigo 69.º – C que os mesmos devem disponibilizar sistemas de controlo parental que estejam sob o controlo dos utilizadores finais no que diz respeito aos conteúdos suscetíveis de prejudicar o desenvolvimento físico, mental ou moral das crianças e jovens.
Desta forma, são prosseguidas as mais recentes guidelines europeias contra os conteúdos violentos e de ódio previstas na Comunicação da Comissão n.º 2020/ C 223/02.
Em segundo lugar, importa destacar que a Lei dos serviços de comunicação social audiovisual altera o artigo 41.º – A no sentido de proibir expressamente a colocação de produtos em noticiários e em programas de atualidade informativa, em programas relativos a assuntos dos consumidores, em programas religiosos e infantis.
Neste contexto, a proibição enunciada no parágrafo supra integra a estratégia europeia de promoção da integridade dos programas e serviços de comunicação social audiovisual. Veja-se que o Artigo 10.º – A proíbe a ocultação, por sobreposição com fins comerciais, e a alteração, com cortes, modificações, inserções prévias ou posteriores às emissões ou interrupções, dos serviços de comunicação audiovisual, salvo nos casos em que é permitida com o consentimento explícito do operador de televisão ou do operador de serviços audiovisuais a pedido titular do serviço em causa.
Em último lugar, cumpre dar nota do reforço significativo da proteção do consumidor de serviços audiovisuais, tanto pela via do reforço dos poderes do regulador como pelo incremento dos seus direitos perante as operadoras.
Os consumidores passam a beneficiar de um amplo acervo de medidas de proteção, sobretudo no artigo 25.º, n.º 8. Passam a ser de comunicação obrigatória ao consumidor, com 30 dias de antecedência, quaisquer alterações das condições contratadas, com a expressa menção da faculdade de resolução do contrato, sem quaisquer ónus ou encargos, sempre que tais alterações respeitem à composição ou preço da oferta de serviços de programas televisivos e dos serviços audiovisuais a pedido disponibilizados pelos operadores de distribuição.
Todavia, não haverá lugar à rescisão dos contratos sempre que: a) Sejam aditados novos canais mantendo-se inalterados os que são oferecidos com o serviço contratado; b) ocorra uma redução dos preços dos serviços contratados; c) a alteração apenas incida sobre prestações que do serviço sejam autonomizáveis, designadamente a alteração do preço do aluguer de filmes.
Por fim, também o Regulador competente, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), vê as suas competências reforçadas. Poderá atuar na regulação dos conteúdos dos serviços de televisão pagos e plataformas de partilha de vídeos na Internet.
Terá, nos termos do disposto nos artigos 86.º – A e 86.º – B, competência para adotar medidas proporcionais que cessem infrações cometidas por operadores que forneçam conteúdos e estejam submetidos tanto à jurisdição portuguesa como estrangeira. No segundo caso, será ainda necessário verificar se os respetivos operadores se estabeleceram noutro Estado membro para contornar as regras mais rigorosas a que ficariam sujeitos sob jurisdição do Estado português.
Lei n.º 55/2012, de 06 de setembro
A Lei n.º 55/2012, de 06 de setembro, veio estabelecer os princípios do Estado no quadro do fomento, desenvolvimento e proteção da arte do cinema e das atividades cinematográficas e audiovisuais.
Neste sentido, a Lei dos serviços de comunicação social audiovisual pretende incrementar a atividade do setor mediante a criação de receitas para os agentes do setor. É neste contexto que o artigo 10.º prevê a denominada “taxa de exibição”.
De acordo com a referida taxa, “a publicidade comercial exibida nas salas de cinema, a comunicação comercial audiovisual difundida ou transmitida pelos operadores de televisão ou, por qualquer meio, transmitida pelos operadores de distribuição, a comunicação comercial audiovisual incluída nos serviços audiovisuais a pedido ou nos serviços de plataforma de partilha de vídeos, bem como a publicidade incluída nos guias eletrónicos de programação, qualquer que seja a plataforma de exibição, difusão ou transmissão, está sujeita a uma taxa, denominada taxa de exibição, que constitui encargo do anunciante, de 4% sobre o preço pago.”
Trata-se de uma taxa que, por força de uma alteração de última hora efetuada à proposta de lei que agora assume a posição de Lei dos serviços de comunicação social audiovisual, passa a ser aplicada também à publicidade transmitida nos serviços de plataformas de partilha de vídeos. Este é um encargo que onera o anunciante.
Finalmente, o n.º 5 do artigo 10.º em apreço prevê ainda que os operadores de serviços audiovisuais a pedido por subscrição sujeitar-se-ão ao pagamento de uma taxa anual correspondente a 1% do montante dos proveitos relevantes.
As receitas decorrentes destas taxas são transferidas para o Instituto do Cinema e do Audiovisual, pelo que integrarão o seu orçamento de apoio à arte cinematográfica e ao apoio da produção audiovisual.
Conclusão
Importa afirmar que a regulação prevista na Lei dos serviços de comunicação social audiovisual não se limita a impor obrigações imperativas sobre os diversos agentes, assumindo também uma posição de consciencialização. Com efeito, de acordo com a Diretiva, os fornecedores de serviços de comunicação social deverão assumir uma posição transparente e, nesse sentido, promover a literacia mediática. Ou seja, as referidas entidades deverão promover a educação dos consumidores por forma a que estes sejam dotados dos conhecimentos necessários para fazer uma utilização eficaz e segura dos meios de comunicação social.
Atualmente o conceito de literacia mediática assume cada vez mais relevância na medida em que os novos agentes do mercado são cada vez mais multilaterais. Com efeito, a partilha unilateral de conteúdos está a perder relevância perante plataformas em que o consumidor e o produtor confundem-se na mesma pessoa.
Considerando as novidades introduzidas pela Lei dos serviços de comunicação social audiovisual e os desafios que estas pretendem atacar espera-se que a adaptação a esta nova realidade não esteja livre de dificuldades e debate quanto à eficácia das mesmas, tendo já sido várias as entidades que vieram pronunciar-se contra algumas das disposições da Lei dos serviços de comunicação social audiovisual.
Finalmente, note-se que a Lei dos serviços de comunicação social audiovisual foi publicada no dia 19 de Novembro de 2020 entrando em vigor 90 dias após esta data.
Contudo, o artigo 10.º, n.º 3, que se reporta ao método de cálculo da taxa que já se encontrava prevista no n.º 2 do referido artigo (Os operadores de serviços de televisão por subscrição encontram-se sujeitos ao pagamento de uma taxa anual de (euro) 2 por cada subscrição de acesso a serviços de televisão, a qual constitui um encargo dos operadores) reportará os seus efeitos a 1 de janeiro de 2020.
O Governo dispõe de 60 dias para regulamentar os aspetos técnicos da sua execução a contar da data da entrada em vigor.