13.03.2025
Setores: Espaço e Satélites
Da Dependência à Autonomia: O Caminho da Europa para a Soberania Espacial
Este artigo é o primeiro de uma série de dois, a ser lançada no decorrer dos próximos dias, dedicada ao setor do Espaço e Satélites, em antecipação do Sharing Ideas, que se realizará no dia 20 de março, na Abreu Advogados.
A Ilusão do Controlo: O Desafio da Soberania Espacial e Os Riscos da Dependência Tecnológica
Em fevereiro de 2025, vários utilizadores do Google Maps notaram uma alteração subtil, mas com grande significado geopolítico: o Golfo do México, o maior golfo do mundo, com um subsolo rico em petróleo, passou a ser apresentado como o Golfo da América. Esta mudança de denominação foi impulsionada pela Ordem Executiva 14172 (“Restoring Names That Honor American Greatness”), assinada em janeiro pelo Presidente norte-americano Donald Trump, o qual proclamou 9 de fevereiro como o “Dia do Golfo da América”. A alteração gerou controvérsia internacional, mas evidenciou algo especialmente preocupante – o controlo da informação digital e a capacidade de influenciar a perceção pública continuam a ser determinados por aqueles que detêm as respetivas infraestruturas de suporte.
Posteriormente ao tenso encontro protagonizado por Donald Trump e Volodymyr Zelenskyy, no dia 28 de fevereiro, na Sala Oval da Casa Branca, no qual os EUA fizeram questão de sublinhar a dependência da Ucrânia (e do resto do mundo) dos sistemas americanos, Elon Musk veio afirmar, numa publicação de 9 de março na rede social X (anterior Twitter), que “O meu sistema Starlink é a espinha dorsal do exército ucraniano. Toda a linha de frente deles entraria em colapso se eu o desligasse. O que me deixa enojado são anos de matança num impasse que a Ucrânia inevitavelmente perderá”, vindo, de seguida, esclarecer que nunca desligaria o sistema. Em resposta a esta publicação, Radoslaw Sikorski, ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia, que financia o Starlink para a Ucrânia, avisou que “se a SpaceX revelar ser um fornecedor pouco fiável, seremos obrigados a procurar outros fornecedores”, ao que Musk respondeu “Cala-te, pequenote. Pagas uma pequena fração do custo. E não há substituto para o Starlink”.
Efetivamente, as órbitas baixas estão atualmente ocupadas por megaconstelações de países terceiros – a Starlink, constelação operada pela SpaceX, conta com mais de 7.000 satélites, estando autorizada pela Federal Communications Comission norte-americana a operação de 19.427 e tendo a SpaceX solicitado licenças para mais 22.488 (perfazendo um total potencial de cerca de 42.000 satélites).
Estes episódios são alguns dos vários alertas que revelam a importância de a Europa desenvolver a sua própria independência digital e autonomia espacial face a potências externas. Andrius Kubilius, Comissário Europeu para a Defesa e o Espaço, comenta que “Em tempos de crise, não nos podemos dar ao luxo de estar demasiado dependentes de países ou empresas de fora da UE”.
“Guerra das Estrelas”: O Lado Político da Exploração Espacial, Exemplos de Tensões e Conflitos
Os acontecimentos recentes demonstram que o espaço não é apenas um domínio de exploração científica e inovação tecnológica, mas também um palco de disputas geopolíticas. Com efeito, no período da Guerra Fria, o espaço tornou-se num “campo de guerra” entre os EUA e a União Soviética, representando uma afirmação de poder e supremacia global. São vários os exemplos de tensões políticas conhecidas a nível espacial.
Quando, em 1980, a Arianespace veio desafiar o domínio dos EUA – essencialmente potenciado pela NASA – no setor de lançamentos espaciais, o governo norte-americano impôs restrições às empresas americanas quanto à venda de componentes para satélites que usassem sistemas de lançamento Ariane.
Algo semelhante ocorreu quando a ESA (European Space Agency) tinha, inicialmente, planos de cooperar com a China na exploração da Lua, sendo que, após forte pressão dos EUA contra esta colaboração (incluindo a ameaça de sanções à Europa), a China acabou por formar uma aliança com a Rússia e a Europa foi excluída de vários projetos.
No que toca à Rússia, esta também protagonizou vários episódios de conflitos espaciais. Durante a crise na Ucrânia de 2014 e, mais recentemente, com a invasão da Ucrânia em 2022, a Rússia restringiu o acesso da UE a estações terrestres localizadas em território russo, e impôs restrições ao uso de foguetes Soyuz para missões europeias, o que obrigou a ESA a passar a contratar lançamentos da SpaceX. Em resposta, a UE impediu a instalação de estações GLONASS na Europa.
São também conhecidas várias situações de falsificação de sinais (“spoofing”) e interferência (“jamming”) russa nos sistemas de navegação, especialmente nas áreas do Mar Báltico e do Mar Negro (duas zonas altamente estratégicas).
Mesmo a nível europeu, não estamos isentos de tensões espaciais. Após o Brexit, a UE retirou ao Reino Unido o acesso ao Galileo PRS (sistema encriptado do Galileo), o que fez com que este passasse a recorrer mais ao sistema americano (GPS), perdendo influência no setor espacial europeu.
Referências:
- Kieran Guilbert, Euronews, Google Maps vai mudar nome do Golfo do México para “Golfo da América” nos EUA após ordem de Trump (28/01/2025)
- Carolina Sobral e Tiago Caeiro, Observador, Musk ameaça desligar Starlink e fazer “colapsar” tropas ucranianas. Mas depois volta atrás (10/03/2025)
- Paula Soler, Euronews, Kubilius: espaço é prioridade máxima da UE, mas orçamento continua limitado (28/01/2025)