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Reforma da legislação aduaneira da UE

O quarto trimestre de 2022 deverá trazer novidades quanto a propostas de reforma da legislação aduaneira da União Europeia.

Recorda-se que o Plano de Ação Aduaneira apresentado pela Comissão Europeia a 28 de setembro de 2020 sublinhou o facto de as autoridades aduaneiras dos Estados-Membros lutarem com desafios crescentes próprios da complexificação e da digitalização dos mercados mundiais, lembrando que a Presidente von der Leyen, se comprometera, nas suas orientações políticas para o novo mandato da Comissão, publicadas em 16 de julho de 2019, em propor «uma abordagem europeia integrada que reforce a gestão dos riscos aduaneiros e apoie a realização de controlos eficazes pelos Estados-Membros».

Atualmente a UE enfrenta uma forte tensão entre as necessidades dos seus cidadãos, que esperam uma maior proteção contra as produções que violam as normas da UE e prejudicam o ambiente, o emprego e a inovação, e os abusos sistemáticos oriundos do comércio eletrónico mundial que procuram evitar os controlos do mercado da UE e chegar diretamente aos consumidores da UE.

O Brexit, a pandemia de COVID-19 e a invasão russa da Ucrânia, mostraram a importância crucial de garantir a resiliência e a segurança das cadeias de abastecimento internacionais e, paralelamente a estes desafios, a última década assistiu a importantes mudanças no comércio e nas tecnologias (os volumes do comércio aumentaram significativamente e a sua natureza mudou com a forte expansão do comércio eletrónico), e a uma procura crescente das alfândegas para garantir a segurança na União.

Apesar do seu êxito global e das reformas relevantes que conheceu visando uma maior simplificação e digitalização de processos, nomeadamente a do Código Aduaneiro da União, a União Aduaneira enfrenta problemas de dificuldade crescente como a aplicação da legislação europeia pelas autoridades aduaneiras nacionais de modo nem sempre uniforme, que se verifica em especial no domínio da gestão dos riscos aduaneiros, em que as diferentes capacidades, práticas e prioridades, conjugadas com a inexistência de uma análise à escala da UE dos riscos financeiros e não financeiros, geram divergências em termos de proteção dos consumidores e de perda de receitas.

Segundo a Comissão Europeia, o Código Aduaneiro não proporcionou ainda as simplificações prometidas aos operadores, embora a mais promissora deva ser implementada em 2023 (o desalfandegamento centralizado a nível da UE). Outras simplificações, como a autoavaliação, não são utilizadas por razões de incerteza jurídica quanto à sua aplicação prática.

Atendendo a que o trabalho das alfândegas evoluiu da tradicional cobrança de receitas para a realização de novas tarefas, como o controlo das proibições e restrições impostas por legislações setoriais complexas, que respondem às crescentes exigências de proteção por parte dos cidadãos, esta nova realidade coloca sob tensão as capacidades disponíveis dos Estados-Membros, que têm de aplicar mais de 350 atos legislativos da UE, abrangendo uma grande diversidade de domínios.

A cooperação entre autoridades aduaneiras e outras autoridades setoriais, e entre políticas conexas, é desigual e, muitas vezes, dificultada por obstáculos estruturais que afetam a disponibilidade ou o intercâmbio de dados. Na ausência de uma definição adequada das prioridades e de recursos suficientes, as operações aduaneiras enfrentam pressões difíceis de conciliar, em especial entre as suas tarefas fiscais tradicionais e o número crescente de proibições e restrições aplicáveis às mercadorias importadas nas fronteiras.

Os serviços especializados (agricultura, fiscalização do mercado, etc.) dependem dos mecanismos aduaneiros para intervir nas fronteiras, mas a colaboração na recolha de informações, identificação e análise dos riscos relevantes e partilha de dados não é sistemática; do mesmo modo, o planeamento estratégico e a gestão da execução não estão coordenados.

Para a Comissão, os atuais mecanismos de coordenação entre os Estados-Membros não garantem uma governação adequada da União Aduaneira, uma vez que apenas funcionam a nível político (Grupo de Política Aduaneira) ou através de iniciativas voluntárias. A falta de uma governação estruturada a nível operacional não permite planear ou organizar eficazmente as intervenções relativas a prioridades de risco ou à «apetência pelo risco» (a definir a nível político ou estratégico), quando necessário, para assegurar resultados uniformes.

No domínio da gestão da informação, a digitalização dos processos aduaneiros é considerada no bom caminho, devendo os investimentos em curso nos sistemas trans-UE (nomeadamente o novo Sistema de Controlo das Importações e o Ambiente de Janela Única Aduaneira da UE) trazer valor acrescentado num futuro próximo.

No entanto, o contexto geral da informação aduaneira tornou-se complexo e difícil de mudar: os dados estão fragmentados entre os vários sistemas, proprietários e disposições jurídicas processuais, o que impede a sua utilização eficaz. As lacunas existentes nos Estados-Membros em matéria de visibilidade e capacidade analítica acentuam os elos mais fracos, sendo a eficácia da fiscalização dificultada por deficiências relacionadas com o âmbito, as fontes e a qualidade dos dados declarados, uma vez que os dados aduaneiros são normalmente fornecidos por intermediários que tratam as mercadorias, mas sabem pouco acerca das mesmas.

O aumento do comércio eletrónico gera desafios específicos importantes, nomeadamente o tratamento de milhares de milhões de pequenas remessas a retalho que exponenciam os diversos riscos de incumprimento.

A ausência de novas medidas a nível da EU poderá aumentar o fosso entre a capacidade de fiscalização e as expectativas dos cidadãos, podendo pôr em risco a credibilidade das políticas e normas da UE em matéria de mercadorias e cadeias de abastecimento, e o próprio mercado interno.

É expectável que a reforma legislativa prometida procure fazer face a estes desafios e se proponha dotar a União de legislação e de meios que lhe permitam enfrentá-los de modo mais adequado e consequente, visando, nomeadamente,

  • Reforçar a gestão comum dos riscos;
  • Simplificar as formalidades aduaneiras para os operadores fiáveis e de confiança estabelecidos na União;
  • Reforçar a cooperação entre as autoridades aduaneiras e não aduaneiras (nomeadamente, autoridades de  fiscalização do mercado, autoridades responsáveis pela controlo da aplicação da lei e organismos ou agências fiscais);
  • Reformar a governação aduaneira da UE, prevendo uma intervenção a nível europeu, por exemplo, para:

– Melhorar a aplicação das prioridades de risco ou «apetência pelo risco» identificadas a nível político;

– Melhorar a execução de atividades em que uma ação conjunta possa gerar valor acrescentado (por exemplo, gestão de riscos à escala da UE, gestão das tecnologias da informação, formação de funcionários aduaneiros, financiamento de equipamentos aduaneiros, apoio a simplificações e serviços em benefício do comércio, gestão da resposta da UE a situações de crise, bem como uma «proteção única» impulsionando a cooperação entre autoridades aduaneiras e outras autoridades);

  • Garantir um verdadeiro ambiente de informação aduaneira a nível da UE, em especial, em termos de capacidades de gestão de dados, para melhorar a gestão dos riscos;
  • Adaptar a legislação aduaneira às transações de comércio eletrónico, por exemplo, reforçando o controlo dos fluxos entre empresas e consumidores e a responsabilidade dos intervenientes envolvidos pelo cumprimento de todas as regras fiscais e não fiscais;
  • Integrar a agenda ecológica na agenda aduaneira e no comportamento dos operadores.

A nossa equipa está à sua disposição para mais informações.

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