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Propriedade Intelectual em Startups: Mitos e Verdades

By Helder Galvão on

Dois clichés que resumem bem a associação entre as ideias e a concepção de startups: Nada vem do nada e nada é criado, tudo é copiado. Correspondem à definição clássica desta fase da empresa, estabelecida pela reunião de pessoas, que executam um modelo de negócio, repetível e escalável, num ambiente de extrema incerteza.

A criação deste modelo de negócio, ou qualquer outro, disruptivo ou não, emerge necessariamente da reutilização e reelaboração de ideias, ou seja, da contínua realimentação de elementos pré-existentes. É aceite que as grandes inovações criadas pela humanidade, inclusive, não resultaram de mentes superiores isoladas. Pelo contrário: precisavam de ambientes propícios onde pudessem florescer. É aí que veremos que uma simples ideia, ou que uma ideia brilhante, deve passar não só por uma rotina de validações, mas principalmente pela peneira das regras dos direitos intelectuais.

Em primeira análise, a ideia em si não usufrui de qualquer protecção legal específica, afinal não lhe é dado o monopólio de uma ideia pura. O episódio da sétima arte envolvendo o confronto entre Mark Zuckerberg e os irmãos gémeos Winklevoss tornou-se um clássico. Na altura, a ideia inicial era, alegadamente, digitalizar um livro tradicional dos perfis dos estudantes de Harvard, ligando-os através de uma rede virtual. No final, coube a Zuckerberg reclamar a autoria do Facebook e dos gémeos Winklevoss para aceitar um acordo de estabelecimento e confidencialidade.

No livro recentemente lançado “Law For Startups”. Da Ideação ao Exit”, publicado pelo Instituto de Conhecimento e pela Editora Almedina, os autores, Helder Galvão e Armando Martins Ferreira, apresentam algumas medidas a tomar, tanto neste famoso episódio entre Zuckerberg e os gémeos Winklevoss, como para qualquer outro fundador, incluindo você, o leitor.

Em primeiro lugar, e sob o aspecto jurídico, os direitos de autor sobre uma determinada ideia só serão reconhecidos e, consequentemente, dignos de protecção, a partir do momento em que esta criação de espírito, expressa por qualquer meio, seja fixada em qualquer suporte tangível.

Portanto, inicialmente, é fundamental desenvolver o projecto, fixá-lo num esboço ou desenho ou mesmo num relatório descritivo, tudo a fim de materializar a ideia inicial.

Outro recurso comum e popular no segmento de startups é a criação do Produto Mínimo Viável, chamado MVP (Minimum Value Product). O MVP, sendo a própria externalização da ideia, é investido com os requisitos necessários para a obtenção de direitos de autor sobre uma determinada criação intelectual. Diz-se mesmo que o MVP do Twitter é extremamente simples, mas suficientemente simples para se tornar um produto global, como o conhecemos. Também se pode afirmar que algoritmos, desenhos, esboços, notas, entre outras criações intelectuais expressas por qualquer meio, fixadas num suporte tangível, relacionadas com o MVP, podem ser reconhecidas sob direitos de autor. E, vai mais longe: a Tela em si, evidente na análise de cada caso, pode ser reconhecida como uma obra protegida. Isto é o que veremos a seguir.

Certamente, a ideia do Facebook, então The Facebook, não era nova, uma vez que, como já foi mencionado, é uma tradição nas universidades norte-americanas fazer um livro com os perfis dos estudantes. Este é, portanto, o segundo aspecto relevante. A exigência de novidade não é necessária, mas sim de originalidade, embora este conceito seja controverso e subjectivo. Denis Borges Barbosa, um famoso jurista brasileiro, defende a contribuição mínima da originalidade como actividade própria, o que acrescenta algo de novo à realidade existente. O norte-americano Adam Grant diz que uma startup está envolvida, necessariamente, pelo estatuto de originalidade, na medida em que corresponde a um percurso menos percorrido, defendendo novas combinações de ideias que contradizem o pensamento actual e que resultam em algo melhor para a sociedade ou para a resolução de um problema, aquilo a que convencionalmente se chama perturbação. A criação intelectual precisa então de representar uma contribuição objectiva para a sociedade como uma colaboração intelectual.

É também importante quebrar alguns mitos. Tecnicamente, nada que Elon Musk tenha feito é eminentemente inventivo ou original. Os carros eléctricos, por exemplo, já foram desenvolvidos pela GM e explorados comercialmente pela Toyota com o modelo Prius. Steve Jobs e o computador de quarta geração de Steve Wozniak, o Apple Lisa, foi concebido após forte influência da área de investigação do seu concorrente na altura, Xerox. Outro exemplo de que as ideias deveriam circular livremente, foi o caso da empresa brasileira de vestuário Reserva que lançou o lema de doar um prato de comida para cada peça de roupa vendida, mas cuja proposta já tinha sido lançada anteriormente pela marca calçadista californiana Toms, onde o consumidor compra um par de sapatos e a empresa doa outro a uma criança de um país em desenvolvimento. Outros exemplos são o Diners Club, o primeiro emissor de cartões de crédito, que foi seguido pela Visa e Mastercard, bem como o serviço de partilha de carros, Connect, que tem uma forte semelhança com o modelo Zipcar, que em tempos foi um startup.

O próprio mercado start-up, perante a proliferação da apropriação de ideias e, digamos, imitações, cunhou a expressão copycats, que vem a ser start-ups ou mesmo empresas tradicionais que copiam modelos de negócio existentes, mas implementando vantagens competitivas e melhorias, capitalizando sobre as falhas das ofertas iniciais das empresas inovadoras. Não é diferente, portanto, identificar empresas ligadas à tecnologia, programação de dados e tecnologias de informação que exploram o mesmo segmento de mercado, tais como Uber e Cabify, Groupon, a maioria das empresas de lawtechs, que oferecem mediações on-line, gestão de processos, leitura de documentos, entre outras empresas que competem entre si. Sabe-se que a livre concorrência é um preceito constitucional, e não é permitida a concorrência desleal, como é o caso da colisão de marcas ao ponto de causar confusão ao consumidor, ou a utilização de identidade visual semelhante ou de forma parasitária.

Como disse Steve Jobs, parafraseando Picasso, “bons artistas copiam, grandes artistas roubam”. E nós sempre fomos desavergonhados em roubar grandes ideias”.

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