Segundo Cesar Taurion, ex-executivo da IBM e hoje um dos maiores evangelizadores da Inteligência Artificial no Brasil, o caminho para o uso adequado das ferramentas de IA deve seguir determinados pontos chave. Adaptámos alguns desses pontos para escritórios de advocacia, entre os quais:
- Incorpore IA no ADN
Incorpore a IA (IA de forma geral e não apenas IA generativa) na estratégia de negócios. O escritório não deve ter um projeto de IA para ser cool ou demonstrar ao mercado que está por dentro das tendências. O seu principal objetivo deverá ser resolver um problema real de negócios e esse problema poderá ser resolvido com IA, se essa for realmente a melhor solução.
É o exemplo da adoção de uma ferramenta de IA para dar maior efetividade na due diligence de um M&A ou na jurimetria e análise de dados com vista a dar assertividade num relatório de auditoria.
- Objetividade
Tenha objetivos claros para os projetos de IA. Sem ROI, os projetos vão viver apenas de hype e o hype dura pouco e gera frustrações, diz Taurion.
Vejamos o caso de se contratar a ferramenta mais robusta e cara de IA do mercado: se não tiver um plano de ação e um objetivo definido, será um investimento perdido.
- Evangelize os sócios
Sem interação e apoio da liderança, os projetos de IA serão meros projetos operacionais, perdendo muito do seu potencial transformador.
Ou seja, é preciso conquistar o Conselho Administrativo e, principalmente, a barreira inicial de eventual ceticismo. Como bem lembra Isabel Parker, vencedora na categoria de serviços profissionais do European Women of Legal Technology Awards 2020, os escritórios de advocacia em geral estão a ganhar dinheiro, o que sugere que o modelo de negócio funciona. Então, para quê mexer em algo que não está errado? A propósito, o termo “reiventar” foi adotado pelo escritório global Baker & McKenzie para nomear os seus projetos em inovação.
- Busque e retenha talentos
É preciso cuidado no discurso de que com o ChatGPT e similares não será preciso tantos talentos, inclusive os que conheçam a IA a fundo. Pelo contrário: continuam a ser necessários! Daí que os processos seletivos, principalmente das “mentes adubadas e criativas” e dos jovens talentos, tenham sex appeal e conquistem esse público. Sai de cena, portanto, o recrutamento tradicional e prestigia-se os processos que dão ênfase a resolução de problemas e desafios contemporâneos.
- Implemente governança de dados
A velha máxima “entra lixo, sai lixo”, continua em voga, e segundo Taurion, os dados têm de ser estruturados. Daí que é essencial ter uma equipa de gestão de conhecimento em linha com as melhores práticas do mercado. Um banco de dados, principalmente de contratos, ajudará, e muito, na indexação e no tão propagado treino dos modelos de linguagem.
- Invista na infraestrutura tecnológica
Capacidade computacional, seja própria ou externa, em cloud é indispensável e tem de ser ajustada constantemente. É preciso investimento, já que afinal nada é grátis.
- Crie um comitê de governança de IA
Não subestime problemas de privacidade, ética, regulação e violação de direitos autorais, principalmente de utilização de dados sigilosos no treino dos modelos de linguagem.
Uma eventual falha pode custar muito, não só em dinheiro, como também em imagem e reputação, ainda para mais vindo de escritórios de advocacia.
Atenção, também, ao compliance e aos aspetos regulatórios, nomeadamente da Ordem dos Advogados. Em diversos países, as respetivas sessões de classe já editaram normas e regras de conduta no que se refere à adoção da IA de forma geral e não apenas IA generativa.
Além disso, os clientes em geral operam em diversos países, com diferentes leis. Aqui, portanto, a velha máxima de que os advogados devem dar o exemplo dentro de casa.
- Monitorize os resultados e mitigue vieses
Um sistema de machine learning, assim que entra em produção, começa a degradar-se. Mantenha os algoritmos ajustados e valide os seus resultados para mitigar vieses e eventuais “alucinações”, típicas de sistemas como o ChatGPT.
Imagine a mancha na imagem dos advogados que isso pode gerar. Nunca é demais lembrar o episódio norte-americano, onde um advogado citou um precedente judicial inexistente, após extrair a informação do ChatGPT.
- A tecnologia não está no centro
É mandatório rever processos, capacitar as pessoas e expor claramente os objetivos e benefícios da solução para a firma, os seus clientes e funcionários.
Logo, workshops, simulações e debates, como a adoção dos melhores prompts e de como determinadas ferramentas podem automatizar certas tarefas repetitivas, a elaboração de relatórios de auditoria e chatbots para perguntas triviais dos clientes, são alguns desses exemplos.
- Tenha paciência
O valor gerado não aparece de imediato. Trata-se de um projeto a longo prazo, repleto de questões intangíveis e muitas vezes sem métrica visível. De qualquer forma, a seta do tempo é para frente. É inevitável os escritórios de advocacia enveredarem por um caminho que adote a IA.
Afinal, como dizia José Saramago, não tenhamos pressa, mas não percamos tempo.