A Comissão Europeia deverá apresentar na próxima semana um conjunto de iniciativas dedicadas à moeda única: uma proposta de regulamento sobre euro digital e outra dedicada à clarificação sobre o curso legal das notas e moedas de euro.
Inicialmente prevista para o primeiro trimestre, a proposta de regulamento visará estabelecer e regular aspetos essenciais do euro digital enquanto nova forma de moeda do banco central, que poderá ser emitida pelo Banco Central Europeu/Eurosistema juntamente com as notas e moedas. Esta iniciativa contemplará as principais características da conceção e outros aspetos essenciais do euro digital.
Recorda-se que, já em março de 2021, a Cimeira do Euro apelou à criação de um setor financeiro digital mais forte e mais inovador e a sistemas de pagamento mais eficientes e resilientes, manifestando-se em favor da prossecução dos trabalhos exploratórios sobre uma possível moeda digital do banco central, o euro digital.
O euro digital será uma forma eletrónica de moeda do banco central acessível para os cidadãos e as empresas que deverá apoiar os seguintes objetivos:
- assegurar um fornecimento contínuo de moeda do banco central, em formato digital, dado o declínio da utilização de notas e moedas como meio de pagamento;
- preservar a acessibilidade e a usabilidade da moeda do banco central na era digital é fundamental para preservar a soberania monetária (ou seja, a capacidade das autoridades públicas para controlarem a unidade de conta na sua jurisdição, a fim de gerir a macroeconomia) e o sistema monetário a dois níveis, bem testado, baseado na convertibilidade de formas de moeda regulamentadas/supervisionadas em moeda do banco central.
Segundo a Comissão, A introdução do euro digital visará preservar o papel dos fundos públicos numa economia digital, a fim de fazer face aos seguintes desafios e cenários:
- num processo de digitalização da economia da UE, os cidadãos e as empresas poderão reduzir significativamente a sua utilização de notas e moedas para os pagamentos quotidianos, a tal ponto que poderão enfraquecer a confiança no euro como moeda única;
- a digitalização da economia e a evolução das expectativas dos utilizadores exigem meios de pagamento digitais e inovadores que satisfaçam um vasto leque de necessidades dos utilizadores finais;
- os desafios crescentes para a autonomia estratégica aberta da UE e a necessidade de reforçar o papel internacional do euro.
Após a adoção do regulamento, o Banco Central Europeu/Eurosistema poderá emitir o euro digital em conformidade com os seus objetivos e mandato.
A segunda proposta de regulamento destina-se a regulamentar o significado das notas e moedas de euro como moeda com curso legal na legislação da UE. Atualmente, tal só é estabelecido num acórdão do Tribunal de Justiça da UE de 2021 e numa Recomendação da Comissão de 2010 sobre o alcance e consequências do curso legal das notas e moedas de euro.
A iniciativa visa:
- proteger o papel das notas e moedas de euro, clarificando o seu estatuto de notas e moedas com curso legal;
- assegurar a coerência com a iniciativa conexa sobre o euro digital.
É ainda esperado que, na mesma semana, a Comissão Europeia apresente um conjunto de iniciativas respeitantes à finança e pagamentos abertos: uma iniciativa legislativa destinada a estabelecer um quadro para a finança aberta, de modo a possibilitar a partilha de dados e o acesso de terceiros ao setor financeiro, e um relatório sobre a aplicação e o impacto da Segunda Diretiva Serviços de Pagamento (DSP2) e, com elevada probabilidade, uma proposta legislativa de alteração da diretiva.
Na sua Estratégia de Finança Digital, de setembro de 2020, a Comissão considerou a promoção da atividade financeira baseada em dados como uma das suas prioridades e anunciou a sua intenção de apresentar uma proposta legislativa relativa a um quadro de finança aberta. A finança aberta refere-se ao acesso de terceiros prestadores de serviços aos dados de clientes (empresas e consumidores), com o acordo destes últimos, numa vasta gama de serviços financeiros. Como tal, constituirá a próxima etapa política da UE em matéria de acesso aos dados no setor financeiro, na sequência dos direitos de acesso aos dados das contas de pagamento introduzidos pela DSP2 revista, atualmente em revisão.
A iniciativa de finança aberta deve abranger todos os serviços financeiros relevantes, de modo a contribuir para a estratégia intersetorial da Comissão em matéria de dados para a Europa, que prevê espaços comuns europeus de dados em vários setores da economia e o estabelecimento de regras transectoriais sobre a utilização de dados.
O problema visado por esta iniciativa é a dificuldade de acesso e reutilização dos dados dos clientes e a fraca interoperabilidade destes dados no setor financeiro. Estes desafios são, em grande medida, causados pelos seguintes obstáculos jurídicos, contratuais ou técnicos:
- Falta de clareza sobre as obrigações contratuais ou legais no que diz respeito ao acesso a dados, nomeadamente dados não pessoais.
- Falta de disponibilidade de dados com a devida qualidade (por exemplo, no que diz respeito à amplitude dos dados) e frequência (por exemplo, acesso em tempo real versus pedidos ad hoc).
- Falta de interoperabilidade na ausência de normas harmonizadas entre os detentores de dados.
- Falta de confiança e de autonomia dos consumidores, dissuadindo-os de dar o seu acordo para o acesso aos dados, nomeadamente em virtude da pirataria informática, do risco de utilização abusiva de dados e da criminalidade financeira.
- Falta de incentivos e/ou possível ausência de compensação razoável para o desenvolvimento de IPA de elevada qualidade e para fazer face a eventuais custos recorrentes.
- Posição concorrencial assimétrica dos utilizadores de dados em comparação com os detentores de dados e relutância destes últimos em disponibilizar os dados sem conhecer plenamente a tecnologia de tratamento dos utilizadores de dados.
Esta iniciativa visa possibilitar a partilha de dados e o acesso de terceiros a uma vasta gama de produtos e setores financeiros, em conformidade com as regras em matéria de proteção de dados e de defesa do consumidor. Baseia-se no princípio de que os clientes de serviços financeiros são titulares dos dados que fornecem e dos dados criados em seu nome e que os controlam.
A segunda iniciativa relativa ao “pacote” sobre finança e pagamentos abertos destinar-se-á a fornecer um relatório sobre a aplicação e o impacto das normas da UE em matéria de serviços de pagamento, tal como exigido pela cláusula de revisão da DSP 2 e anunciado na estratégia da Comissão para os pagamentos de pequeno montante, de 24 de setembro de 2020.
A revisão prestará especial atenção à questão de saber se a diretiva continua a ser adequada à sua finalidade, dada a emergência de novos serviços de pagamento e novos riscos.
A DSP 2, adotada em 2015, visa desenvolver um mercado único competitivo e inovador dos serviços de pagamento, com um elevado nível de segurança e proteção para os consumidores e as empresas, melhorando as regras anteriormente aplicáveis. Especificamente, visa:
- facilitar e tornar mais segura a utilização dos serviços de pagamento online;
- proteger melhor os utilizadores dos serviços de pagamento contra a fraude, os abusos e os problemas de pagamento;
- promover serviços de pagamento inovadores;• reforçar os direitos dos utilizadores de serviços de pagamento.
A maior parte das regras da DSP 2 já são aplicáveis desde janeiro de 2018, mas algumas regras relativas à autenticação forte dos clientes e ao acesso aos dados das contas de pagamento só entraram em aplicação em setembro de 2019.
A cláusula de revisão da DSP 2 (artigo 108.º) exigia que a Comissão apresentasse um relatório sobre a aplicação e o impacto da diretiva até 13 de janeiro de 2021, contemplando em particular os encargos, o âmbito de aplicação, os limiares e o acesso aos sistemas de pagamento, mas a transposição tardia da diretiva por alguns Estados-Membros atrasou este processo.
Esta avaliará se e em que medida esses desafios foram abordados e de que forma outros desafios que se vierem a colocar no futuro poderão ser resolvidos e poderá ser acompanhado de uma proposta de alteração legislativa. A evolução do mercado e as alterações nos hábitos e expectativas dos utilizadores em matéria de pagamentos também justificam que se avalie se a diretiva continua a ser adequada à sua finalidade e essa evolução poderá exigir alterações à DSP 2, tendo especialmente em conta a necessidade de apoiar a inovação, a concorrência, condições equitativas e um elevado nível de proteção dos consumidores – tendo sempre em conta tanto o contexto nacional como transfronteiriço.
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