#LegalTechPills
  • Instituto de Conhecimento
  • Propriedade Intelectual e Tecnologias da Informação

Prémio Nobel, Destruição Criativa e o Direito

By Helder Galvão on

O Prémio Nobel de Economia de 2025 foi atribuído a Joel Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt pelas suas investigações sobre a forma como a inovação tecnológica impulsiona o crescimento económico e sobre a teoria da “destruição criativa”, popularizada pelo economista austríaco Joseph Schumpeter, segundo a qual inovações substituem empresas ou produtos antigos.

A distinção coloca a inovação no merecido centro do debate económico global, na medida em que o progresso depende de condições estruturais e institucionais específicas. Para o setor jurídico – em particular escritórios de advocacia tradicionais e legaltechs – as investigações dos laureados merecem toda a atenção: afinal, a inovação deixou há muito de ser um tema exclusivo dos economistas, tornando-se um fator essencial para a sobrevivência dos operadores jurídicos e para a evolução do próprio mercado.

Segundo Mokyr, a inovação sustentável nasce de um tipo de conhecimento profundo, não apenas prático (como “saber fazer”), mas científico ou proposicional (“saber porque é que algo funciona”). Para o economista, as sociedades que prosperam a longo prazo são aquelas que permitem a livre circulação de ideias, aceitam a incerteza e garantem um ambiente institucional favorável à experimentação. E qual a relação com o mercado jurídico? Para os escritórios de advocacia, isto implica cultivar uma cultura interna aberta à mudança, onde novas abordagens – como a adoção de metodologias ágeis, automação e espaços de inovação aberta – sejam bem-vindas e continuamente testadas. Ignorar este diálogo pode gerar estagnação, sobretudo num setor em rápida transformação.

Aghion e Howitt defendem que a “destruição criativa” favorece as empresas na medida em que as inovações geradas criam novos mercados, enquanto as antigas são substituídas ou desaparecem, gerando conflito competitivo, mas também progresso. Este ciclo contínuo, que pode parecer óbvio, é a força motriz de um crescimento económico duradouro: o incentivo à inovação, aliado à competição, força a renovação e aumenta a produtividade das economias. No mercado jurídico, a aplicação prática da destruição criativa traduz-se, por exemplo, na substituição de práticas tradicionais por modelos mais eficientes (automação documental, plataformas de resolução de litígios, análise preditiva e maior assertividade nos provisionamentos de auditorias através de ferramentas personalizadas, entre outros). Escritórios que persistem num modelo clássico sem evolução arriscam-se a tornar-se obsoletos no médio prazo – ou até no curto.

Uma grande lição trazida pelos laureados é que a inovação quase sempre encontra resistência: empresas estabelecidas e grupos de interesse podem bloquear mudanças para proteger o seu modelo vigente. Nada de muito diferente do universo jurídico, onde advogados seniores ou sócios com práticas consolidadas frequentemente resistem à adoção de novas ferramentas ou modelos de negócio. Para evitar este bloqueio, os escritórios devem gerir potenciais conflitos, investir em formação – inclusive para profissionais mais experientes –, negociar a integração tecnológica de forma gradual e promover pilotos que demonstrem valor antes de escalar. A tão falada evangelização, ou, como se diz em Portugal, a literacia digital.

As legaltechs incarnam precisamente o espírito inovador celebrado por Mokyr, Aghion e Howitt: são startups que introduzem novidades para modernizar serviços jurídicos, tornar processos mais rápidos, menos dispendiosos e mais acessíveis. É inegável que desempenham o papel de “novo ator” no ciclo de destruição criativa: oferecem soluções que desafiam o status quo dos escritórios tradicionais e dos departamentos jurídicos, criando competição saudável e impulsionando o setor. Contudo, para prosperarem e escalarem, precisam de capital, dados abertos – como modelos de open justice – e regulação inteligente: exatamente os pressupostos apontados pelos laureados como essenciais para uma inovação sustentável e um ciclo virtuoso contínuo.

Uma das mensagens centrais da investigação premiada é que a inovação não floresce apenas por mérito técnico: depende de instituições que a fomentem — mercados competitivos (isentos de monopólios), políticas de apoio à investigação (subvenções, concursos e benefícios fiscais), tolerância ao erro e regulação eficaz. No contexto dos escritórios de advocacia, isto significa que as lideranças devem criar estruturas de governação que estimulem a inovação: comités internos, incentivos a iniciativas tecnológicas e ao intra-empreendedorismo, bem como parcerias com legaltechs. É também necessário envolver entidades reguladoras e ordens profissionais, para que reconheçam e apoiem modelos tecnológicos emergentes, garantindo um ambiente propício à “destruição criativa” positiva.

Por outro lado, alertam os laureados, não se pode ignorar os riscos: sem concorrência ou políticas adequadas, a inovação pode ser capturada por poucos atores dominantes, rompendo o ciclo virtuoso que impulsiona o crescimento — inclusive o exponencial. No setor jurídico, isto traduz-se na eventual consolidação de grandes plataformas de legaltechs em monopólios ou oligopólios, criando barreiras à entrada de novos players. Uma espécie de encastelamento, nocivo ao próprio ambiente de inovação. Exemplos atuais incluem o domínio crescente de plataformas como Harvey, Legora e, mais recentemente, Enter.

O Prémio Nobel de Economia de 2025 para Mokyr, Aghion e Howitt é, por fim, um lembrete poderoso de que a inovação não é apenas um conceito teórico, mas um motor real de transformação económica e social. As lições extraídas – entre elas a dinâmica da competição e da “destruição criativa”, bem como a importância de instituições abertas – são diretamente aplicáveis ao mercado jurídico. Para os advogados, isto significa abraçar a mudança, investir em cultura tecnológica e reforçar a governação. Para as legaltechs, representa um apelo à responsabilidade na escala. E para reguladores e líderes do setor, um estímulo para criar ambientes que promovam a inovação sem sufocar a competição, como se vê nas recentes discussões sobre a “suavização” do AI Act.

“The times they are a-changin’”, diz Bob Dylan, também ele laureado. A mensagem, escrita há mais de setenta anos, tornou-se um hino geracional: capta a ideia de mudança inevitável e da necessidade de adaptação. E a resposta continua a ser soprada pelo vento — e agora também por Mokyr, Aghion e Howitt.

Related Content