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NFTs: Luxo ou lixo?

By Helder Galvão on

Os Non-fungible tokens (NFTs) se tornaram verdadeiras tendências no mercado de cripto. É verdade que criptomoedas como o bitcoin abriram caminho para o surgimento de novos formatos de ativos digitais que atraíram milhares de investidores e em altas cifras. Os NFTs foi uma deles. Segundo a DappRadar, o volume de vendas desses tokens em 2021 movimentou mais de mil milhões de dólares. Mas, de fato, o que torna os NFTs tão atrativos?

Em um primeiro momento, ser um bem escasso e de propriedade exclusiva. Ou seja, ter um token não fungível, é ser titular de uma representação digital de um ativo – como uma obra de arte, músicas, itens de jogos – registrada em uma blockchain, o tão badalado e grandioso banco de dados público e imutável. Na prática, a titularidade de um NFT significa ter um certificado digital de propriedade que qualquer terceiro poderá confirmar a sua autenticidade, mas que não poderá ser modificada.

Ademais, um NFT, ao contrário de uma criptomoeda, é único e indivisível, criando uma espécie de grupo seleto de titulares que podem negociar entre si o token ou mantê-lo sob especulação, visando uma venda futura. Para melhor visualização, e para compreender o contexto do NFT, é necessário acompanhar a evolução da própria world wide web. Nesse sentido, é comum classificar a sua trajetória nas três principais fases da web, com destaque para a web 3.0, também conhecida como a web semântica.

É, portanto, na web semântica, onde a inteligência artificial, a automação e a interconexão dos dados na internet atingem o seu ápice. A busca para tornar a internet mais intuitiva e personalizada, com a capacidade de entender a intenção do usuário e oferecer uma experiência mais relevante são seus pilares essenciais. Exemplos de tecnologias associadas na web 3.0 incluem blockchain, inteligência artificial e a internet das coisas. Esta fase ainda está em desenvolvimento e é considerada uma visão de longo prazo para a evolução da web. E é aqui que situamos os NFTs.

Basicamente, um token, representação digital de um ativo, é classificado em fungível, ou seja, um bem que se pode gastar, gozar, perecer e ser substituído, em sua quantidade e qualidade, e um outro, o não fungível. Se os tokens fungíveis podem ser divididos em tokens de pagamento, entre elas as moedas criptográficas (ou virtuais), as stablecoins token, as utility tokens e as security tokens, já os tokens não fungíveis representam ativos digitais únicos e indivisíveis, como obras de arte digitais, música, vídeos, jogos, entre outros.

Ao contrário das criptomoedas comuns, como o bitcoin, que são intercambiáveis e possuem o mesmo valor, cada NFT é exclusivo e pode ter um valor único baseado em sua raridade, autenticidade, história ou outras características específicas. Toma-se, como exemplo, os NFTs lançados no mercado que provocaram maiores debates na mídia e no mercado especializado.

A começar pelo caso mundialmente famoso (e que já rendeu dezenas de milhares de artigos, resenhas e debates exaustivos), o Bored Ape Yacht Club. Os famosos macacos lançados em 2021 se tornaram símbolo de status devido a sua popularidade entre celebridades como Neymar, Justin Bieber e Madonna, por exemplo. As vendas dos tokens superam a marca de US$ 1 bilhão. O clube de quem possui um Bored Ape acaba sendo desejado e um círculo muito restrito exclusivo. Além disso, os criadores foram além e criaram a ApeCoin, criptomoeda inspirada no projeto, podendo torná-lo até mais acessível em dado momento, porém sem perder o hype causado pela sensação de exclusividade e escassez gerada pelos macacos. Toda capitalização que gira em torno dos NFTs do BAYC são estratégias de um marketing bem estruturado desde o início da comercialização do produto.

Além dos desafios legais, o projeto, frisa-se novamente, em um bem estruturado projeto de marketing, é composto por uma coleção de 10.000 NFTs, cada um representando um macaco desenhado à mão com uma aparência única e exclusiva. Cada NFT é atribuido um acesso exclusivo à comunidade Bored Ape Yacht Club, que oferece uma variedade de benefícios exclusivos para seus membros, como acesso a eventos exclusivos, descontos em produtos e serviços, e até mesmo a possibilidade de possuir um pedaço virtual de uma ilha privada. O sucesso do projeto se deve em grande parte à sua comunidade engajada e exclusiva, que é alimentada pela tecnologia blockchain e pelas recompensas exclusivas oferecidas aos proprietários dos NFTs.

O Bored Ape Yacht Club é um exemplo de como a tecnologia blockchain é explorada para criar novas formas de arte digital e comunidades exclusivas de colecionadores, o que por outro lado poderá ser objeto de crítica tendo em vista um certo super dimensionamento ou hiperinflação de um mercado extremamente novo e em formação. Por este aspecto, e pelo outro lado do tema, é que muitos críticos enxergaram com certa ressalva o projeto e, ainda, uma determinada desproporção do real valor de um NFT. E, sob o prisma legal, de como a volatilidade deste NFT deverá ser objeto de atenta regra das condições de compra do token, afinal se trata de uma modalidade de alto risco e cuja comprador deverá manifestar o seu consentimento inequívoco a respeito dessa questão. Não se pode perder de vista, também, o seu caráter global, em nítido aspecto de direito transnacional e cujo usuário não poderá manifestar o seu desconhecimento.

Já o exemplo da MetaBirkins envolve uma polêmica versando sobre propriedade intelectual, notadamente nos direitos marcários e de direitos autorais. Com efeito, o artista digital Mason Rothschild criou 100 versões de tokens não fungíveis inspirados na famosa bolsa Birkin da marca Hermès. O projeto é inspirado na bolsa Birkin da marca francesa Hermès, que é conhecida por sua distintividade e alto valor. A MetaBirkin utiliza uma abordagem semelhante ao criar NFTs exclusivos e limitados que são vendidos em leilões online. Cada NFT da MetaBirkin é composto por múltiplas camadas de arte digital que se combinam de forma única para criar uma experiência visual única e personalizada para cada proprietário do NFT.

As MetaBirkins geraram milhões de dólares e chamaram atenção da marca, que não foi previamente consultada a respeito do lançamento dos NFTs. O episódio, contudo, resultou no ajuizamento de uma ação judicial, cuja sentença foi favorável a empresa. É de ressaltar que a cunhagem (mint) de um NFT deve ser precedido de autorização dos respectivos titulares, de modo que o precedente do caso MetaBirkins provocou uma série de debates da intrínseca relação dos tokens não fungíveis com os direitos da propriedade intelectual.

Por fim, e ainda sobre os aspectos dos direitos da personalidade, destaca-se o polêmico Never Fear Truth. Os NFTs, criados pelo ator norte-americano Johnny Depp, ganharam popularidade após a vitória do ator no embate judicial com sua ex-mulher . A coleção conta com auto-retratos do ator e imagens de atores icônicos, além de sua filha e outros personagens emblemáticos. O detalhe curioso, acerca da volatibilidade dos NFTs, é que a média de vendas destes era de menos de dez por dia e após a decisão judicial saltou para mais de duzentas vendas diárias. Como se nota, existe uma relação proporcional entre os casos midiáticos e a exploração comercial dos NFTs.

Como demonstrado, existe uma multiplicidade de desafios, sob os mais variados aspectos legais. Por ser uma tecnologia extremamente nova, quiçá incipiente, será cada vez mais comum determinados questionamentos, como no exemplo do episódio MetaBirkin.

Abaixo, destacamos alguns destes principais desafios, notadamente:

 

  • Direito Autoral: os NFTs podem ser usados para representar ativos digitais protegidos por direitos autorais, como obras de arte, músicas e vídeos. Aponta-se os direitos da propriedade intelectual como uma das principais questões sobre os tokens não fungíveis, na medida em que a cunhagem deste deverá ser precedida de autorização do titular dos direitos, salvo pontuais exceções, como as obras que ingressaram em domínio público.
  • Regulação e mercado imobiliário: É importante observar que, embora os NFTs sejam uma tecnologia relativamente nova, eles podem estar sujeitos a regulamentações e leis existentes em determinados territórios. É o exemplo do mercado imobiliário, que dota de solenidades próprias, cuja tradição de um imóvel ainda requer o respectivo registro público.
  • Tributação: a tributação de NFTs ainda é um tópico em discussão que pode variar dependendo do país ou da jurisdição. Os NFTs podem ser tributados como propriedade, ganhos de capital ou de outras formas, dependendo do contexto e da jurisdição.
  • É crescente o debate envolvendo a herança do NFTs, afinal o seu caráter de ativo imaterial não elimina os aspectos de sucessão e os direitos hereditários.
  • Proteção ao consumidor: é importante garantir que os consumidores estejam cientes do que estão comprando ao adquirir um NFT. As informações sobre o ativo digital que o NFT representa devem ser claras e precisas, para que os consumidores possam tomar decisões informadas sobre sua compra, principalmente sobre a sua volatibilidade.
  • Lavagem de dinheiro: os NFTs não escapam da utilização para atividades ilegais, incluindo lavagem de dinheiro, devido à sua natureza pseudo anônima e à facilidade com que podem ser transferidos e vendidos. É importante que as empresas que lidam com NFTs implementem medidas de segurança adequadas para evitar o uso ilegal desses ativos.

 

Diga-se, ainda, que o universo de tokens não fungíveis comportam os mais distintos riscos, cuja avaliaçao jurídico deverá ser realizada caso a caso. A tendência é de surgirem mais e mais notícias de ações judiciais envolvendo uma falha no dever de informação, uma má-fé associada a uma oferta inválida ou a comercialização de um NFT contrafeito. Porém, é preciso ser vigilante sobre as seguintes questões, entre riscos e vantagens associadas, segundo o site especializado InfoMoney:

 

  • Liquidez – A liquidez dos NFTs é baixa. Se o titular de um token não fungível, depois de um tempo, resolve vendê-lo, poderá não ser imediata a sua revenda. Nesse ponto, portanto, o segmento de NFTs é mais parecido com o mercado de arte do que com o de criptomoedas. E, assim, sob o prisma legal, o disclaimer será fundamental.
  • Volatilidade – Assim como no caso das criptomoedas, os NFTs também são muito voláteis. Segundo especialistas, o fato ocorre porque o segmento é novo, e os ativos digitais ainda estão passando por um período de formação de preços.
  • Fraudes – Golpistas podem se apropriar de trabalhos feitos por outros indivíduos, transformá-los em NFT e vendê-los como se fossem de sua própria titularidade. Portanto, é importante pesquisar se o token realmente é de determinado autor, ressaltando-se, mais uma vez, os elementos dos direitos da propriedade intelectual.
  • Shitcoins –  Para especialistas, como qualquer um pode criar um NFT, há muitas shitcoins(termo para se referir a ativos digitais sem fundamento), bem como tokens não fungíveis falsos. Assim como no item anterior das fraudes, a realização de uma diligência prévia é elementar.
  • Valorização – Assim como obras de arte se valorizam com o tempo, NFTs também podem seguir o mesmo caminho. O exemplo citado pelo referido site é o NFT denominado CryptoPunk, que viu seu preço subir 50.000% em pouco mais de três anos. Ressalta-se que este episódio foi pontual, distinto e não comparável a quase totalidade dos cases sobre NFTs existentem no mercado.
  • Escassez – Os NFTs, em sua essência, são escassos. Apesar da abundância de cópias existem no mercado, só o proprietário realmente tem a sua titularidade e, naturalmente, a legitimidade para vendê-lo no futuro.
  • FacilidadeUm token não fungível pode ser transferido de um canto do mundo para o outro em minutos, assim como ocorre com as criptomoedas. No caso de uma obra de arte física, o processo seria mais complexo, e envolveria custos elevados de transporte, riscos da logística, despesas alfandegárias e seguros.

 

Para os mais aficcionados pela web3, certamente ter uma wallet se tornou um padrão. Será inexorável, em um curto espaço de tempo, a democratização dos NFTs, independentemente do perfil e faixa etária. As suas vantagens, como disposto acima, são multiplas, tanto para os usuários quanto para as empresas. É preciso, naturalmente, saber explorar o potencial do universo dos tokens não fungíveis.

No tocante aos aspectos legais, e assim como em qualquer inovação, radical ou incremental, os desafios são naturais e não configuram uma barreira de entrada para o advento do NFTs nos seus mais variados segmentos, sejam eles do mercado do entretenimento, da moda, games, imobiliário ou de artigos de luxo, conforme os exemplos ilustrados anteriormente.

Muito ao contrário: quem dominar rapidamente os temas regulatórios, fiscais, de propriedade intelectual, entre outros, certamente estará um passo a frente. Afinal, como diz Bob Iger, CEO da Disney, a coisa mais arriscada que podemos fazer é manter o status quo.

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