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IA Generativa: muito além do hype

É inegável que existe uma espécie de euforia geral no que toca à IA generativa. Justifica-se, afinal revolucionará o modo com que trabalhamos, consumimos, interagimos e nos divertimos. A simples leitura de notícias ou fóruns de conversações, independentemente de pessoas especializadas, dão a entender que sistemas, tipo ChatGPT e Bard, estão a ser utilizados em larga escala, como se todos nós estivéssemos dependentes diretamente ou em vias de estarmos. O hype é propagado de forma espontânea, num temerário medo de ficar de fora, inclusive com o surgimento de novos (ao menos supostos) experts em IA.

Mas para Ryan Browne, num recente artigo, o frenesi vai sofrer um choque de realidade já no próximo ano, com o desvanecimento do entusiasmo em torno da tecnologia, o que ele chamou de “duche de água fria”. Browne alerta para uma onda de promessas e armadilhas da IA, pois segundo ele, os custos crescentes e necessários para operá-la, aliado ao fato de sucessivos apelos para a sua regulamentação, bem como a aderência aos procedimentos de auditoria, questão de privacidade, ética e de direitos autorais, vão mudar o cenário da IA no mundo.

No embalo desses comentários está Cezar Taurion, ex-diretor da IBM no Brasil. Taurion ratifica a ideia de que as empresas estão a começar a perceber que a euforia de fazer tudo com ChatGPT é legal no mundo das pessoas físicas ou nas experiências limitadas com versões LLM públicas, ou seja, os tão falados e badalados modelos de linguagem grande, um tipo de modelo de linguagem notável pela sua capacidade de alcançar compreensão e geração de linguagem de uso geral. Mas, quando se arremessa uma luz, por exemplo, nos custos de assinatura de uma suíte de escritório mais robusta por inteligência artificial, a trinta dólares por mês, por usuário, fica difícil explicar o ROI e conseguir budget do CEO e do Board.

Ainda Taurion, a euforia do hype da IA generativa foi pura e exclusivamente baseada na emoção, sem racionalidade, onde se criou expectativas irrealistas e excessivamente ambiciosas para problemas de negócios mal definidos. Superestimou-se a tecnologia. “Fazer algo com ChatGPT” passou a ser um mantra. A maioria das experiências ficaram no patamar mais básico, de “take it”, ou seja, usar prompts para fazer alguma coisa. No máximo, uma conexão simples, via API com um LLM. Simples, singelo, mas sem diferenciação competitiva. Todo mundo pode fazer isso.

E vai além: quando se debruça sobre a procura específico do negócio, nota-se por algo com maior grau de complexidade, um modelo “shape”, de ajustar às necessidades da empresa, como o uso de técnicas como RAG (Retrieval Augmented Generation). O RAG é a arquitetura utilizada para melhorar a qualidade das respostas geradas pelo LLM, fundamentando o modelo em fontes externas de conhecimento para complementar a representação interna de informações dos sistemas. Daí, explica Taurion, entram em cena dois componentes básicos, que não se prestava atenção na fase eufórica: dados e governança. Os dados são fundamentais para qualquer projeto de IA. “No data, no ML (Machine Learning)”. Já a governança lida justamente com às questões legais e, hoje, o verdadeiro Calcanhar de Aquiles de tudo que envolve IA: questões ética, de transparência, copyright, discursos de ódios e por aí vai. Afinal, “AI for Business” é diferente de “AI for Fun”.

Voltando ao artigo de Browne, os modelos generativos de IA, como ChatGPT da OpenAI, Google Bard, Claude da Anthropic e Synthesia, entre outros, como se sabe, dependem de enormes quantidades de poder de computação para executar modelos matemáticos complexos que lhes permitem descobrir quais respostas apresentar para atender às solicitações do usuário. As empresas precisam adquirir chips de alta potência para executar aplicações de IA. No caso da IA generativa, geralmente são unidades avançadas de processamento gráfico, ou GPUs, projetadas pela gigante norte-americana de semicondutores Nvidia. Agora, mais e mais empresas, incluindo Amazon, Google, Alibaba, Meta e, supostamente, OpenAI, estão a projetar os seus próprios chips de IA específicos para executar esses programas de IA. Evidentemente que esse movimento também gera um ciclo de inovação, mesmo a médio prazo, para o seu desenvolvimento. Também por este aspecto, é que se espera uma espécie de inverno para os temas de IA generativa para o próximo ano, afinal entrará em uma fase, digamos, de mais back-end do que do front-end.

E qual o impacto no mercado jurídico? Ainda é prematuro afirmar que existirá um certo esfriamento do tema no setor. Neste momento, estamos na clássica curva da euforia, a fase do hype, principalmente com o advento de plataformas como o Harvey e o CoCounsel, da norte-americana Casetext. A expectativa é alta para os benefícios gerados pela IA generativa, ainda mais em um segmento cuja produção de conteúdos intelectuais, entre elas as teses jurídicas, a redação de cláusulas contratos e pesquisas de temas diversos, é o core da profissão. Se as ferramentas atuais ainda não são tão assertivas ou carecem de mais confiabilidade em suas fontes, já ajudam muito os profissionais legais, de modo a permitir, ao menos, noções introdutórias a respeito de determinado assunto ou o benchmarking de cláusulas contratuais. Seus benefícios, portanto, independentemente do frenesi atual e do discurso pessimista para o próximo ano, já são notáveis e, principalmente, inexoráveis. Trocando em miúdos: seja qual for o feedback atual da ferramenta em IA generativa, mesmo sendo uma conexão simples, via API com um LLM, já houve um progressivo avanço no mercado jurídico. E a tendência é só evoluir, onde o céu, em se tratando do tema, não será o limite.

Como disse Taurion, a IA generativa é uma ferramenta poderosa, se bem utilizada e com alta probabilidade de impactar a produtividade e criar novos modelos operacionais. Mas, devemos ser capazes de avaliar com precisão os riscos, benefícios e capacidades das tecnologias emergentes. E não aceitar o hype como um facto.

 

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