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É preciso debater sobre a jurimetria. Urgente.

A jurimetria, como é de conhecimento geral, pode ser definida como aplicação de métodos quantitativos ao Direito e, ainda, a adoção da inteligência artificial e a análise de dados com o objetivo de investigar o funcionamento de uma ordem jurídica. Essa abordagem somente é possível devido à facilitação de acesso a dados tidos como estruturados, ou seja, dependente da inclusão tecnológica dos tribunais, por exemplo.

Trata-se, assim, da utilização do campo de conhecimento da estatística de forma interdisciplinar, de modo a promover a análise e a parametrização de uma grande quantidade de dados (big data) – neste caso, dados jurídicos – com o auxílio de algoritmos que realizarão a “leitura” desses dados por meio da ordenação de filtros semânticos. Com eles é possível predizer, por exemplo, taxas de sucesso em determinadas modalidades de conflitos com base em decisões anteriores sobre o mesmo tema ou estabelecendo debate legislativo que, em última instância, gerará a criação de leis coerentes com o cenário fático.

Uma das mais conhecidas aplicações da jurimetria atualmente é a análise de informações organizadas em bancos de dados de modo a estabelecer compreensão ampla da situação jurídica ou socioeconômica requerida, propiciando a chamada análise preditiva. Para o presidente da Associação Brasileira de Jurimetria, Marcelo Guedes Nunes, a jurimetria poderá ser capaz de explicar o funcionamento da ordem jurídica, fazendo uso de amostragens e, por exemplo, investigar grandes populações e identificar relações de associação e causalidade que elucidem as razões dos sucessos e fracassos de nossas práticas correntes.Um sistema com amplo volume de processos em trâmite, a chamada hiperjudicialização, invariavelmente resulta em morosidade e ausência de resolução efetiva para os conflitos que são colocados sob a jurisdição dos tribunais. A jurimetria, assim, colaboraria como técnica de dimensionamento dessa grande massa de conflitos e viabilizando o enquadramento do cenário jurídico, permitindo, em última instância, a definição dos aperfeiçoamentos cabíveis. Como efeito, têm-se “uma ordem jurídica mais aderente à realidade, mais funcional, mais eficaz, mais rápida, mais econômica e, portanto, mais justa”, segundo Guedes.

Isso sem contar suas aplicações no campo jurisprudencial que possibilita a identificação de tendências e padrões em decisões judiciais por meio da extração de grandes quantidades de textos de sentenças, despachos e acórdãos, classificando-os em categorias analíticas que facilitam a análise preditiva. Desse modo, em posse de um grande acervo, é possível prever decisões e compreender fatores que levam juízes a tomar determinados caminhos.

De outro lado, os métodos jurimétricos poderão ser aplicados na advocacia com ampla eficiência. O uso pelo advogado poderá ser aplicado na avaliação de medidas de evidência em processos, no suporte à argumentação, tal como em uma sessão de julgamento de um recurso, que passará a ser baseada em conceitos e modelos estatísticos, os quais são construídos a partir dos dados disponíveis e da experiência dos envolvidos, leia-se no comportamento e da prática reiterada dos julgadores.

A jurimetria, assim, poderá servir e ser útil não apenas à atividade advocatícia, mas também à própria organização das cortes, a partir do momento em que poderá identificar dados relevantes sobre o funcionamento dos tribunais, rendimento dos juízes, componentes materiais dos processos e promovendo não apenas a transparência aos jurisdicionados, mas propiciando importante melhoria na eficiência do Poder Judiciário. Cabe pontuar que a ferramenta, por si só, ainda pode atuar como um mecanismo de accountability bastante efetivo.
A utilização de abordagens tecnológicas para a solução de conhecidos problemas do meio jurídico é não só uma conhecida bandeira do jurista britânico Richard Susskind, mas também principal foco de diversas discussões acadêmicas dos últimos anos. Ao passo que se entende pela necessidade de promover meios alternativos com de solução de conflitos – abordagem que por sua vez compreende a utilização de tecnologias como a jurimetria – para promover a desjudicialização e efetivar princípios processuais como o da duração razoável do processo, não raro são suscitadas discussões acerca de sua idoneidade e correta aplicação.

Isso porque, com o desenvolvimento nos últimos anos de ciências aplicadas à dados, foi possível observar também o surgimento de serviços de consultoria – e, naturalmente, comerciais – que, por meio do amplo acesso, coleta e tratamento das bases de dados internas de tribunais, permite a captura de informações e realização de predições para seus clientes. Através dessas lawtechs, são realizados cálculos financeiros de provisionamento, recomendações de condução processual, automatizações, delineamento estratégico de teses jurídicas, cálculo de taxas de êxito e diversas outras ferramentas que verdadeiramente subvertem o funcionamento da prática jurídica atual.

Como demonstrado, os benefícios da adoção de métodos quantitativos ao Direito estão diretamente relacionados ao progresso sócio-econômico, bem como e, principalmente, provocando um forte impacto, positivo, à prestação jurisdicional e ao mercado jurídico como um todo. Trata-se, ainda, de um caminho inevitável e inexorável, típico de qualquer inovação, seja ela radical ou incremental.

Contudo, é preciso jogar mais luz ao tema, precisamente em território português. Provocar um movimento de debate público e reflexões com todos os sujeitos envolvidos, sejam eles os operadores de direito, magistrados e advogados. Quais os caminhos poderão ser adotados para se aplicar a jurimetria em benefício da coletividade? Será o exemplo francês, que visa impedir a publicação de padrões de comportamentos de juízes em relação a decisões judiciais, sob o argumento de que a construção de perfis individualizados é contrária ao funcionamento adequado da justiça e de proteção de dados pessoais, uma resistência justa ou injustificada?

A política de dados abertos, ou a chamada open justice, é uma das principais bases, segundo Susskind, da transformação digital e da estruturação de cortes on-line. Para o jurista britânico “o impacto da IA em nossas vidas pessoais e em nossas instituições sociais, políticas e econômicas se tornará generalizado, transformador e irreversível. A lei e os Tribunais não estarão isentos.” Susskind afirma, ainda, que “advogados, juízes e formuladores de políticas devem se humildes e de mente aberta sobre tecnologias ainda não inventadas”, tendo em vista a circunstância praticamente certa e dada que nossas vidas serão radicalmente modificadas em instâncias que sequer compreendemos.

E este escriba está com Susskind. Não ousaremos divergir do que consideramos le maître de nos destinées. Marchons, marchons.

 

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