Em Portugal as consultas jurídicas de interessados na mudança de residência aumentaram devido à aprovação do imposto de solidariedade temporária sobre grandes fortunas que afeta as pessoas singulares residentes em Espanha e com ativos superiores a três milhões de euros.
Em Espanha, as políticas fiscais voltam a ser controversas, uma vez que, em 10 de novembro de 2022, os grupos parlamentares do Unidas Podemos e do Partido Socialista apresentaram uma alteração à Proposta de Lei para a criação de impostos temporários sobre a energia e instituições de crédito e estabelecimentos de crédito financeiro, incluindo um novo imposto temporário de solidariedade sobre as grandes fortunas. Além disso, no dia 21 de dezembro de 2022, o Senado aprovou o texto completo e foi publicado no Diário oficial do Estado o 27 de dezembro de 2022, Assim, a primeira aplicação deste imposto ocorrerá no ano de 2022 e a segunda no ano de 2023 com a sua possível extensão para os anos seguintes.
É uma realidade que em Espanha a riqueza é tributada de forma diferente dependendo da comunidade autónoma, um exemplo claro é a Andaluzia que aboliu o imposto sobre a riqueza em 21 de setembro de 2022. Este novo imposto é pessoal, direto e complementar ao imposto sobre os ativos líquidos que sejam superiores a três milhões de euros após descontarem os mínimos isentos que serão progressivamente agravados em todo o território nacional. Sem prejuízo do “Concierto Económico del País Vasco” e do “Convenio Económico de Navarra”, que ainda está por acordar com o Governo Central a sua forma de cobrança.
Nos últimos dois meses, o número de consultas que recebemos na Abreu Advogados sobre a situação fiscal em Portugal e a eventual mudança de residência aumentou significativamente, pelo que esclarecemos algumas questões fundamentais:
Qual é a definição de património líquido para efeitos deste imposto sobre grandes fortunas?
Para efeitos deste imposto, o património líquido de uma pessoa singular é definido como o conjunto de bens e direitos de conteúdo económico de que seja titular, deduzindo-se os encargos e ónus que reduzem o seu valor, bem como as dívidas e obrigações pessoais pelas quais possa responder.
Quais são os aspetos mais relevantes deste novo imposto temporário de solidariedade sobre as grandes fortunas em Espanha?
Em primeiro lugar, salientamos que, apesar da constitucionalidade do imposto ser questionável, o Imposto será devido em 31 de dezembro de cada ano, incidindo sobre o património líquido detido pelo contribuinte.
Em segundo lugar, salientamos que é um imposto que partilha a maioria das características com o imposto sobre o património (IP), tais como isenções, bases tributáveis, limites ao montante total ou à taxa de imposto aplicável.
Em terceiro lugar, a redação deste imposto evita a dupla tributação, pelo que a nova regra permite a dedução do IP que já tenha sido pago anteriormente. Os indivíduos sujeitos a este imposto podem reduzir à sua base tributária o mínimo isento de 700.000 euros e os seguintes critérios de pagamento serão aplicados a posteriori:
Base Tributária Líquida em euros |
Quota em euros |
Resto da base tributária em euros |
Percentagem da taxa aplicável |
0,00 |
0,00 |
3.000.000,00 |
0,00 |
3.000.000,00 |
0,00 |
2.347.998,03 |
1,7 |
5.347.998,03 |
39.915,97 |
5.347.998,03 |
2,1 |
10.695.996,06 |
152.223,93 |
A partir de agora |
3,5 |
Em quarto lugar, salientamos que nas comunidades autónomas de La Rioja, Valência, Aragão, Castilla-La Mancha, Ilhas Canárias, Estremadura e Castela y León, não serão afetadas por este imposto, uma vez que estas comunidades autónomas já impõem taxas mais elevadas de IP, idênticas ou superiores ao novo imposto.
Qual é a situação fiscal em Portugal?
Na República Portuguesa não há imposto sobre a riqueza ou herança ou imposto sobre doações como em Espanha. No entanto, os únicos impostos semelhantes a um hipotético imposto sobre grandes fortunas poderiam ser o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis e o Imposto do Selo que tributa as transferências gratuitas de bens para terceiros (10%). As transmissões a favor do cônjuge ou em união de facto, descendentes ou ascendentes estão isentas. Todos estes fatores fazem de Portugal um destino fiscalmente atrativo para o capital estrangeiro.
Posso mudar a minha residência fiscal para Portugal?
Tendo em conta a liberdade de circulação e de estabelecimento na União Europeia, é possível alterar a residência fiscal para Portugal. No entanto, devem ser cumpridos uma série de parâmetros e previamente avaliar se é conveniente instalar-se aqui.
Em Portugal, o principal critério de residência fiscal é a permanência no país por, pelo menos, 183 dias num período de 12 meses.
Ressaltamos que em Portugal existe o estatuto do Residente No Habitual (RNH) que propõe uma redução do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS). Este benefício fiscal é proposto para estrangeiros e portugueses que tenham residido no estrangeiro nos últimos 5 anos, no entanto, devem satisfazer uma série de requisitos e este estatuto será válido por um período de 10 anos. Do estatuto do RNH podemos destacar três características:
Em primeiro lugar, o contribuinte RNH que obtém rendimentos em Portugal para o exercício de atividades de elevado valor acrescentado, quer dependentes ou independentes, beneficia de uma taxa reduzida de IRS de 20%. Em segundo lugar, o contribuinte RNH que obtenha rendimentos, no estrangeiro, tais como dividendos, juros ou royalties, pode beneficiar da isenção de IRS em Portugal. Em terceiro lugar, o contribuinte RNH que obtenha rendimentos de capitais ou mais-valias que possam ser tributados no seu país de origem pode beneficiar da isenção fiscal em Portugal.
É importante notar, no que diz respeito à determinação da residência em termos gerais, que a Agência Tributária espanhola considera que os residentes em Espanha serão aqueles que ficam pelo menos183 dias em território espanhol e em que também se localiza em Espanha o principal núcleo das suas atividades económicas. Portanto, se a transferência para Portugal for feita para efeitos de evasão fiscal e não houver uma mudança efetiva da habitação, o contribuinte poderá ficar sujeito a dupla tributação em ambos os países e até mesmo a responsabilidade criminal por um delito fiscal perante o ordenamento jurídico espanhol.
Neste sentido, importa ter em conta o programa FISCALIS da União Europeia, que facilita o intercâmbio de informação tributária relevante entre as autoridades tributárias dos estados membros da União Europeia.
Assim, concluímos que se a alteração da residência fiscal for viável e legal, a mudança para Portugal deve ser precedida de um estudo detalhado de cada situação individual, que aconselhamos a tratar com um advogado especialista, para definir, entre outros aspetos, a origem dos rendimentos, a residência familiar, os benefícios fiscais que já foi capaz de usufruir anteriormente e avaliar os benefícios fiscais que podem ser obtidos em Portugal.
Este artigo foi escrito por Pedro Pais de Almeida, sócio da Abreu Advogados, e Antonio Gómez de Olea, advogado.