02.10.2017

Tipo: Instituto do Conhecimento

Do equilíbrio contratual na relação de crédito: a posição jurídica do garante no âmbito das PME

Introdução

A realidade económica portuguesa no atual contexto de crise (não só financeira, mas também social), apresenta-se deveras penalizadora para quem
desenvolva ou queira desenvolver uma atividade empresarial.

Constatamos, através da observação daquela mesma realidade, que não são poucas as situações altamente gravosas e dramáticas para pequenas e
médias empresas – doravante PME –, resultantes do endividamento gerado pela necessidade de recorrer ao crédito, como forma de combater a falta de
liquidez e de estruturas financeiras sólidas que possibilitem o desenvolvimento da empresa1. Antes de nós, também o governo o constatou, pois veio
admitir que “a deterioração do contexto económico e financeiro, nacional e internacional, e a consequente desalavancagem generalizada da banca, vieram agravar as fragilidades das empresas em Portugal, em particular das pequenas e médias empresas, o que resultou no aumento da morosidade
no cumprimento das respetivas obrigações contratuais e incumprimentos efetivos2”.

A concessão de crédito pela banca dá lugar, nestes casos, a um elevado endividamento destas empresas que, maioritariamente, não será capitalizado,
mas servirá para saldar outras dívidas, mormente aquelas contraídas que são essenciais para o trabalho desenvolvido naquelas, por exemplo, pagar a fornecedores, trabalhadores ou, ainda, os impostos devidos.

Acresce que, em virtude da crise de confiança instalada (os bancos não emprestam, porque têm receio de que não lhes paguem e as empresas/cidadãos
preferem aforrar, com receio das dificuldades), a concessão de crédito tornou-se mais onerosa, pela exigência de garantias pessoais, dadas por sócios
ou gestores e, inclusivamente, seus familiares, como o aval ou a fiança, e, também, garantias reais.

Assim, surgem devedores sobreendividados por arrastamento, isto é, aqueles sócios ou gerentes, bem como os seus familiares, que, não fossem as suas tentativas de salvar a empresa em graves dificuldades, não teriam qualquer dívida. Sendo que as suas dívidas, pessoais, surgem em virtude das garantias, pessoais ou reais, impostas pelos credores que financiam a empresa.

A presente dissertação indagará, então, sobre – no caso de incumprimento por este devedor (pequeno ou médio empresário) e o eventual terceiro, a
título pessoal em virtude das garantias, prestadas perante o credor (banco) – a justiça e o equilíbrio contratual entre aqueles que respondem pela dívida
contraída, consideradas as circunstâncias, posições, interesses e garantias envolvidas (assim como a forma como estas foram feitas).

No entanto, não é, nem será, nosso objetivo assumir uma tutela paternalista do devedor mal informado, desconhecedor das normas jurídicas específicas
e do risco inerente à obtenção (e concessão) de crédito junto da banca. Outrossim, assegurar, equitativamente, o equilíbrio das posições em interesse,
depois de ponderadas todas as variáveis associadas.

Em suma, a questão que nos propomos abordar é: serão estes sujeitos, nestes casos, merecedores de alguma tutela especial por parte do Direito? E, em caso de resposta afirmativa, quais os mecanismos que a podem conferir? De iure condendo ou de iure condito? E, também, noutras circunstâncias, qualquer outro devedor merecerá tutela, perante qualquer tipo de credor? Mais, será que o Direito pode permitir que o regime da responsabilidade limitada dos sócios seja subvertido em favor de apenas alguns credores?

Todavia, antes de tentar uma resposta às questões susoditas, afigura-se necessário traçar algumas distinções, tais como aquela entre credor forte
e fraco, bem como pequeno e médio empresário, para melhor identificação dos sujeitos visados e alvos do estudo, e, simultaneamente, averiguar se, de
alguma forma, esta eventual tutela poderá estar consagrada no direito positivo, para além da identificação das garantias em causa mais comummente
utilizadas.

Antecipando já algumas das nossas conclusões – cientes da dificuldade de concretização e incerteza (pela quantidade de institutos que podem ser
confundidos e chamados à colação para o problema) do desafio a que nos alvitrámos –, afiguram-se-nos possíveis algumas alternativas de proteção para os sujeitos identificados. São elas, o instituto do abuso do direito, da responsabilidade civil e, em último lugar, um desvio, no limite, à lei, no que diz respeito à limitação da responsabilidade dos sócios nas sociedades de capitais em questão, que passa (a responsabilidade) a ser ilimitada a favor dos credores fortes. Será, igualmente, abordada uma eventual aplicação aos pequenos e médios empresários de tutela análoga à conferida pelo regime do consumidor. Isto é, saber se, a estes sujeitos, se pode aplicar a tutela conferida ao consumidor.

 

1 Para uma noção de empresa, Paulo de Tarso Domingues, “A locação de empresa”, in RDE, Coimbra, vol. 16-19, 1990-1993, pp. 545 e ss.

2 Preâmbulo da Resolução do Conselho de Ministros n.º 11/2012, de 3 de Fevereiro.

 

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