04.05.2022

Áreas de Prática: Trabalho

Sujeitos Colectivos

Artigo originalmente publicado em Separata de Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Raúl Ventura, Edição da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2003

 

 

 

Sumário:
§1.º Introdução
1. Generalidades
2. Delimitação do Objecto
§2.º Da Situação Jurídica dos Sujeitos Colectivos
3. Negociação e Celebração de Convenções Colectivas
4. Direitos de Participação
4.1. No Conselho Económico e Social
4.2. No Procedimento Legislativo
4.3. No Procedimento Administrativo
§3.º Da Situação Jurídica dos Representantes dos Sujeitos Colectivos.
5. Generalidades
6. Créditos de Tempo e Faltas
7. Inamovibilidade
8. Presunção de Sanção Abusiva
9. Despedimento

 

§1.º INTRODUÇÃO [1]

1. Generalidades

I. O ordenamento nacional permite que pessoas individuais se coliguem  para um determinado fim. Noutro prisma, reconhece certas competências e atribuições a determinados entes colectivos que agrupam sujeitos individuais; e fá-lo de forma a permitir e garantir que, efectivamente, pessoas reurúdas em tomo de um objectivo compatível com um Estado de Direito tenham meios para atingir os seus fins [2]. Com efeito, a Constituição Portuguesa (de 1976) consagra o direito geral de associação (art. 46.º) [3], considerando-o mesmo como um direito, liberdade e garantia pessoal (Capítulo I do Título II da Parte I), o que permite que goze do regime previsto no art. 18.º da Lei Fundamental [4].

II. Como referem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, o direito de associação é um direito complexo, sendo de salientar como elementos do seu conteúdo:
a) o direito positivo de associação, segundo o qual “os cidadãos têm o direito de, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituir associações ( … )” (art. 46.º, n.º 1, da CRP), tal como o direito de se filiarem e associarem em associações já existentes;
b) o direito de as próprias associações prosseguirem os seus objectivos sem quaisquer interferências, o que inclui, naturalmente, a auto-organização, auto-determinação e a possibilidade de se filiarem em associações de segundo grau [5], bem como o direito de não serem extintas ou suspensas sem uma prévia decisão judicial (art. 46.º, n.º 2, da CRP);
c) e, ainda, a liberdade negativa de associação, ou seja, a faculdade que cada cidadão tem de não fazer parte de qualquer associação, tal como, no caso de se filiar, dela sair livremente (art. 46.º, n.º 3, da CRP) [6].
Igualmente importante é a dupla perspectiva que o legislador constitucional apresenta do direito de associação, pois não só considera relevante a vertente individual, i.e., os titulares do direito de associação – que são cada um dos cidadãos individualmente considerados-, como leva em linha de conta a vertente colectiva – que se traduz nos direitos concedidos ao próprio ente colectivo [7] – e que com aquela se não confunde [8].

III. No entanto, não podia a Constituição deixar de estabelecer limites ao direito de associação, desde logo aqueles que são necessários para a compatibilização com outros direitos (v. g. direito à vida – art. 24.º da CRP – ou à não discriminação – art. 13.º, n.º 2, da CRP), pelo que expressamente condiciona o exercício do direito de associação à inexistência de fins violentos ou contrários à lei penal (art. 46.º, n.º 1, in fine, da CRP) e, mais especificamente, veda a existência de associações armadas militares ou conexas, racistas ou que preconizem a ideologia fascista (art. 46.º, n.º 4, da CRP) [9].

IV. A par do direito de associação (geral), a Constituição prevê e regula de forma expressa outros tipos de associações: são, desde logo, o caso dos partidos políticos (art. 51.º) e das associações sindicais (arts. 55.º e 56.º) [10]. Nesta última situação, os fins são a defesa dos trabalhadores enquanto tais. Referência expressa às comissões de trabalhadores se encontra na Lei fundamental; outro meio de defesa dos interesses dos trabalhadores (art. 54.º).
Inversamente, o outro sujeito da situação jurídica laboral – a entidade patronal – não tem quaisquer regras específicas, a nível constitucional, quanto à criação ou existência de associações, pelo que se lhes aplicará o direito de associação previsto no art. 46.º da CRP, sem prejuízo de considerarmos, com JORGE MIRANDA, que a liberdade de associação patronal prevista na Lei das Associações Patronais – Decreto-Lei n.º 215 C/75, de 30 de Abril – é um direito fundamental material proveniente da lei [11].

V. Deve, contudo, realçar-se que não é pelo facto de a coligação de entidades associações patronais não ter sido objecto de normas expressas e especiais que os seus direitos, seja ao abrigo do direito de associação (em geral) – art. 46.º CRP, seja ao abrigo do direito de iniciativa económica (art. 61.º da CRP) ou da propriedade privada (art. 62.º da CRP), merecem uma menor atenção ou tutela. Em qualquer dos casos – normas sobre as associações em geral, associações sindicais, comissões de trabalhadores, direito de iniciativa económica ou de direito de propriedade privada [12] -, estamos ante direitos fundamentais, mais exactamente direitos, liberdades e garantias, pelo que a sua compatibilizacão tem de ser feita sempre com o objectivo último de salvaguardar o respectivo conteúdo essencial (art. 18.º, n.º 3, in fine, da CRP).

VI. Temos, assim, constitucionalmente prevista a possibilidade de os trabalhadores se agruparem para defenderem os seus interesses, quer mediante associações sindicais [13], quer através de comissões de trabalhadores, tal como também acontece com as entidades patronais – mediante as associações patronais -, não obstante, como dissemos, não terem sido objecto de expressa previsão por parte da Lei Fundamental.

VII. Os entes representativos dos trabalhadores têm, desde logo, uma particularidade, que resulta do exposto, mas que convém salientar: os fins em causa. De facto, “compete” às associações sindicais [14], conforme prescreve a Constituição, “( … ) defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem” (art. 56.º, n.º 1), sendo “( … ) reconhecida aos trabalhadores a liberdade sindical, condição e garantia da construção da sua unidade para defesa dos seus direitos e interesses” (art. 55.º, n.º 1). Formulação literal diferente consagra a Lei Sindical – Decreto Lei n.º 215-B/75, > o de 30 de Abril -, segundo a qual “compete” às associações sindicais “( … ) defender e promover a defesa dos direitos e interesses socioprofissionais dos  trabalhadores que representam” e, designadamente: (proémio do art. 4.º da LS) [15]:
a) celebrar convenções colectivas de trabalho;
b) prestar serviços de carácter económico e social aos seus associados” (art. 4.º da LS).
É certo que determinados estatutos alargam os objectivos das associações sindicais, por exemplo, às áreas da fiscalização ou da intervenção em procedimentos disciplinares [16], estando, de qualquer modo, assente que as associações sindicais possuem capacidade jurídica para, de acordo com o princípio da especialidade [17], praticarem todos os actos jurídicos necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins (art. 160.º do CC). Por sua vez, as comissões de trabalhadores [18], além da defesa dos trabalhadores, visam – o que também constituí uma forma de defesa, só que mais específica – a intervenção democrática na vida das empresas (art. 54.º, n.º 1, da CRP), ou seja, revelam uma perspectiva mais virada para o interior das empresas [19]. Saliente-se que enquanto as associações sindicais apenas representam os trabalhadores filiados no respectivo ente, as comissões de trabalhadores representam todos os trabalhadores que desenvolvam uma actividade subordinada numa empresa, estejam ou não inscritos em qualquer sindicato, pelo que, de certo modo, se completam na representação. Em relação às associações patronais, o legislador nada disse de modo expresso. Resulta, no entanto, da conjugação do art. l.º, n.º 2, alínea a), da LAP – que define entidade patronal como “a pessoa, individual ou colectiva, e direito privado, titular de uma empresa que tenha, habitualmente, trabalhadores ao seu serviço” – com o art. 17 .º do mesmo diploma – que prescreve que “os empresários que não empreguem trabalhadores, ou as suas associações, podem filiar-se em associações patronais, desde que preencham os requisitos de presente decreto-lei, não podendo, contudo, intervir nas decisões respeitantes às relações de trabalho” – que as associações patronais podem prosseguir além de fins relacionados com as situacões laborais, outros que sejam relevantes para os seus filiados e desconexos com quaisquer matérias laborais [20-21].

VIII. Para assegurar uma efectiva prossecução dos seus fins, tal como existe a liberdade de associação, há, atendendo às especificidades [22], a líberdade sindical, valor essencial dos sindicatos, e que se projecta, desde logo, numa dupla dimensão: a) liberdades individuais e b) colectivas. No primeiro caso, o que está em causa é o exercício de direitos dos sujeitos individualmente considerados, enquanto nas liberdades colectivas, o que está em presença são as actividades da própria associação sindical, como ente distinto daqueles.
Num sentido amplo, a liberdade sindical abarca no seu conteúdo o direito [23-24]:
a) de constituir sindicatos e de aderir a sindicatos já formados (art. 55.º, n.º2, alínea a), da CRP);
b) de inscrição sindical negativa – que abrange a não inscrição e a desfiliação – e positiva – que consiste na possibilidade de se filiar num sindicato à sua escolha, logicamente verificados os pressupostos necessários (art. 55.º, n.º 2, alínea b), da CRP e art. 16.º, n.º 4, da LS);
c) de organização interna das associações (art. 55.º, n.º 2, alínea c), da CRP);
d) de auto-governo dos sindicatos (art. 55.º, n.º 4, da CRP);
e) de contratação colectiva (art. 56.º, n. 05 3 e 4, da CRP);
f) de organização na empresa (art. 55.º, n.º 2, alínea d), da CRP);
g) de participação (por exemplo, art. 56.º, n.º 2, alíneas a) e b), da CRP);
h) de declarar a greve (art. 57.º, n.05 1, 2 e 3, da CRP).

IX. Por sua vez, em relação às comissões de trabalhadores há a realçar, em termos constitucionais, a auto-organização (art. 54.º, n.º 2, da CRP), a participação nos processos de reestruturação das empresas, na elaboração da legislação do trabalho e na gestão das obras sociais (respectivarnente, art. 54.º, n.º 5, alíneas c), d) e e), da CRP), além do controlo de gestão das empresas (alínea a) do n.º 5 do art. 54.º da CRP) [25].
No que respeita às associações patronais, podemos retirar alguns postulados da lei ordinária (LAP), idênticos aos da liberdade sindical, a saber o direito:
a) de constituição e filiação (respectivarnente, arts. 1º, n.º 1, 3.º e 10.º, n.º 2 e 3, da LAP);
b) de auto-organização (art. 2.º da LAP);
c) de auto-regulamentação e de auto-governo (respectivarnente, arts. 10.º,
n.º 1, 13.º e 10.º, n.º 1, alínea a), da LAP) [26].

X. Atendendo às zonas de intervenção conferidas aos sujeitos colectivos referidos – sem ignorar que além destes existem estruturas (v. g., representantes dos trabalhadores em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho ou os conselhos de empresa [27]) -, há a salientar, nomeadamente, competências tão dispares, e que podemos agrupar por facilidade expositiva em [28]:
a) Negociação e celebração de convenções colectivas (art. 56.º, n.º 3, da CRP e art. 4.º da LS; em relação às associações patronais, art. 61.º,  n.º 1, da CRP e art. 5.º da LAP; esta faculdade está (legalmente) vedada às comissões de trabalhadores, art. 3. 0 da LRCT [29])
b) Participação [30]:
1) na Comissão Permanente da Concertação Social do Conselho Económico e Social (art. 92.º da CRP, Lei n.º 108/91, de 17 de Agosto, e o Decreto-Lei n.º 90/92, de 21 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 105/95, de 20 de Maio), a quem compete, nomeadamente, emitir pareceres na área das políticas económica e social, não obstante as situações mais relevantes se referirem à celebracão de Pactos Sociais, uma vez que permitem, em princípio, uma diminuição dos conflitos sociais;
2) na elaboração da legislação do trabalho (Leis n. 05 16/79, de 26 de Maio, e 36/99, de 26 de Maio);
3) no procedimento administrativo (Código do Procedimento Administrativo).

XI. Também é de referir, a tutela legalmente conferida aos representantes dos sujeitos colectivos [31], os das associações sindicais e das comissões de trabalhadores, uma vez que a lei, com o objectivo de assegurar que os representantes tenham as condições necessárias para agirem na prossecução dos fins dos entes que representam, lhes confere um especial estatuto face aos restantes trabalhadores, de que é exemplo:
a) os créditos de tempo (art. 32.º da LS e art. 20.º da LCOMT);
b) as faltas (art. 22.º da LS, art. 20.º, n.º 9, da LCOMT e art. 20.º, n.º 9, da LCOMT);
c) a inamovibilidade (arts. 23.º e 34.º da LS e art. 16.º da LCOMT);
d) a presunção de sanção abusiva (arts. 32.º, n.º 1, alínea e), n.º 2 e 3, e 34.º da LCT);
e) o despedimento (arts. 24.º e 35.º da LS, art. 16.º da LCOMT e art. 23.º, n.º 4 e 5, da NLDESP).

 

2. Delimitação do Objecto

I. Os sujeitos colectivos são, como vimos, susceptíveis de ser analisados segundo uma dupla perspectiva: colectiva e individual. Ou seja, enquanto entes (colectivos) titulares de direitos e adstritos a obrigações, tal como mediante os direitos e as obrigações que os seus membros (individuais), e  por o serem, têm na sua esfera jurídica.

II. Neste estudo, começaremos por analisar a situação jurídica dos sujeitos colectivos (§ 2.º), com especial incidência na faculdade de negociar e celebrar convenções colectivas (3), no conteúdo dos direitos de participação (4), nomeadamente no Conselho Económico e Social (4.1.), no procedimento legislativo (4.2.) e no procedimento administrativo (4.3.).  Posteriormente, estudaremos a situação jurídica dos representantes dos sujeitos colectivos (§ 3.º), em que daremos especial atenção ao regime dos créditos de tempo e das faltas (6), à inamovibilidade (7), à presunção de sanção abusiva (8) e ao despedimento (9).

 

§ 2.º DA SITUAÇÃO JURÍDICA DOS SUJEITOS COLECTIVOS

3. Negociação e celebração de convenções colectivas

I. Como ponto de partida, deve notar-se que a autonomia colectiva [32], garantida através da liberdade sindical e, mais especificamente, do direito de contratação colectiva, não impossibilita que existam limites; o que impede é que a aniquilem – vd. art. 18.º, n.º 3, in fine, da CRP -, mas não que a conformem [33]. Devemos, por outro lado, reconhecer que a liberdade sindical, como se pode ler em aresto do Tribunal Constitucional, “( … ) não se esgota na faculdade de criar associações sindicais e de a elas aderir ou não aderir. Antes supõe a faculdade de os trabalhadores defenderem, coligados, os respectivos direitos e interesses perante a sua entidade patronal, o que se traduz, nomeadamente, na contratação colectiva e, também, na possibilidade de, também colectivamente – porque só assim podem equilibrar as relações com os dadores de trabalho – assegurarem o cumprimento das normas laborais, designadamente das resultantes da própria negociação colectiva” [34]. De facto, a liberdade sindical é essencial para os trabalhadores para o exercício do direito de contratação colectiva, que é exercido, como se sabe, mediante as suas associações sindicais. Saliente-se ainda que a nossa Lei Fundamental não determina qualquer divisão de matérias entre a competência legal e a competência convencional (convenções colectivas), pelo que inexiste uma reserva de convenção colectiva.
Dito de outra forma, a lei pode ocupar-se de quaisquer matérias, tal como a convenção – competência concorrente -, salvo quando a lei, como fonte superior, o proibir nos termos do princípio da prevalência da lei [35-36]. Se é verdade que podemos falar em competência concorrente, não podemos deixar de ter presente que a prevalência de lei delimita a área de intervencão das convenções, sendo certo que quaisquer restrições estão sujeitas ao art. 18.º, n.º 3, da CRP – o que impossibilita o aniquilamento -, uma vez que o direito de contratação colectiva é um direito, liberdade e garantia. Mesmo no silêncio da lei, pode regular, pois a convenção não carece de expressa autorização legal, i.e., não carece de precedência de lei [37].

II. É preciso também não ignorar que a representação sindical, não obstante ser um relevante meio de tutela de interesses dos agentes laborais, não pode, no entanto, ter o objectivo de ser a guardiã exclusiva dos interesses existentes nas situações jurídico-laborais [38]. Devemos, desde logo, trazer à colação o facto da sua fraca representatividade, uma vez que em Portugal, apenas cerca de 30% de trabalhadores estão sindicalizados [39]. Esta situação faz com que os efeitos reais de alguma contratação colectiva [40] sejam algo diminutos. Por outro lado, a liberdade sindical e o consequente pluralismo sindical gera quer uma multiplicação de associações [41], quer uma pulverização de convenções, convenções essas que, quando aplicadas na mesma empresa, têm vários efeitos nefastos, por exemplo, na sua gestão, sem esquecer os custos da própria negociação para uma eficácia tão restrita. Por isso mesmo, devemos equacionar se não devem ser atribuídas especiais prerrogativas aos sindicatos com maior representatividade, de que é exemplo a exclusivo da capacidade para celebrar convenções [42-43].
É certo que o problema da maior representatividade exige a fixação de critérios objectivos para se poder aferir, com base em elementos não discriminatórios, quais as entidades que detém, de facto, tal estatuto [44]. Como refere a Comissão de Peritos de Aplicação de Convenções e Recomendações da Organização Intemacional do Trabalho, “( … ) a determinação da organização mais representativa deve basear-se em critérios objectivos, pré-estabelecidos e precisos, com o fim de evitar toda a decisão parcial e abusiva” [45]. Ora, não temos, entre nós, quaisquer indicadores, ou sequer informações, que nos permitem de uma forma objectiva utilizar a representatividade como critério de qualquer selecção ou concessão de especiais prerrogativas. Como escreve RIBEIRO LOPES, não obstante o regime de relações colectivas se debater com problemas que justificam que se coloquem questões atinentes aos critérios de representatividade sindical, pelo menos para já, não há qualquer base consensual quer sobre os termos do problema, quer sobre os mecanismos de solução, para que uma tomada de decisão possa produzir efeitos favoráveis [46].

II. Vimos que o direito de contratação colectiva tem arrimo no art. 56.º, n.º3, da Constituição, que prescreve que “compete às associações sindicais exercer o direito de contratação colectiva, o qual é garantido nos termos da lei” [47-48]. Daqui se infere que o poder normativo das associações sindicais e patronais se fundamenta directamente na Constituição, e consequentemente na lei, competindo a esta a sua garantia [49].

III. Cabe, então, questionar: qual é o conteúdo do direito de contratação colectiva? Segundo JOÃO CAUPERS traduz-se em diversas situações [50]:
a) a primeira, consiste na apresentação, negociação e outorga de convenções colectivas;
b) a segunda, no reconhecimento da capacidade negocial das entidades e
associações patronais;
c) a terceira, na faculdade de exigir uma resposta às suas propostas negociais, faculdade que envolve as entidades patronais;
d) a quarta, na existência de matérias para negociar;
e) finalmente, a quinta na faculdade de exigir que o Estado utilize os
meios necessários e eficazes para evitar a malogro do direito de contratação colectiva [51].

III. Resulta que o direito de contratação colectiva abarca a faculdade de celebrar convenções; seguramente inclui também, pelo menos entre nós, a possibilidade de recusar a celebração [52]. Por outro lado, tem de existir um espaço de intervencão da contratação colectiva, ou seja, a lei não pode aniquilar o direito de ;ontratação colectiva [53]. Mais: resulta igualmente claro, que o direito de contratação colectiva, não só inclui o direito de negociar – e consequentemente de alterar as cláusulas negociadas -, como a proibição de quaisquer autoridades modificarem o conteúdo negociado [54].

IV. Referimos que apenas têm capacidade para celebrar convenções colectivas, as associações sindicais e patronais (art. 3.º da LRCT) [55]; além da capacidade é também relevante analisar a legitimidade destes entes, tendo presente que, por determinação constitucional, compete à lei estabelecer as regras sobre a legitimidade para a celebração de convenções colectivas, bem como a eficácia das respectivas normas (art. 56.º, n.º 4) [56].
Com efeito, a LRCT atribui – concretizando o art. 56.º, n.º 3, da CRP – capacidade a quaisquer associações sindicais e patronais para celebrar convenções, mas nada diz quanto à legitimidade.
As associações sindicais adquirem personalidade jurídica no momento em que são registados os seus estatutos no Ministério do Trabalho (art. 10.º, n.º1, da LS), afirmando o art. 3.º, n.º 2, da LRCT que “só as associações sindicais ( … ) registadas nos termos do respectivo regime jurídico podem celebrar convenções colectivas de trabalho” [57]. Nestes termos, é necessário o respectivo registo para que as associações sindicais adquiram capacidade jurídica; mas não basta, pois prescreve o art. 10.º, n.º 6, da LS que apenas podem iniciar a sua actividade após a publicação dos respectivos estatutos no Boletim do Trabalho e Emprego (art. 10.º, n.º 6, da LS) [58]. Ou seja, se é verdade que é necessário o registo dos respectivos estatutos, é igualmente verdade que o seu registo não é suficiente, pois as associações sindicais só podem iniciar o exercício das respectivas actividades após a publicação daqueles. Deste modo, com o registo dos estatutos as associações sindicais adquirem a personalidade jurídica e a inerente capacidade de gozo; com a publicação dos estatutos no Boletim do Trabalho e Emprego, as associações sindicais passam a ter capacidade de exercício [59-60]. Com as associações patronais ocorre idêntica situação. Estas adquirem personalidade jurídica com o registo dos estatutos no Ministério do Trabalho (art. 7.º, n.º 1, da LAP), prescrevendo o art. 3.0, n.º 2, da LRCT, que “só as associações patronais(. .. ) registadas nos termos do respectivo regime jurídico podem celebrar convencões colectivas de trabalho”. Por sua vez, estabelece o art. 7.º, n.º 6, da LAP, que as associações sindicais “(…)só poderão iniciar o exercício das respectivas actividades decorrido o prazo para o pedido da declaração judicial da sua extinção ou após o trânsito da declaração judicial confirmatória da legalidade (…)”. Também aqui se trata de primeiro adquirir a personalidade jurídica e a inerente capacidade de gozo, para posteriormente ser conferida a respectiva capacidade de exercício [61].
A legitimidade é um conceito diferente, pois enquanto a capacidade é uma categoria genérica e abstracta – aqui do que se trata é de saber se determinado ente pode realizar um acto de certo tipo -, a legitimidade é concreta e relacional [62], ou seja, não obstante determinado sujeito colectivo ter capacidade para celebrar uma convenção colectiva, não quer dizer que tenha legitimidade; esta, em virtude de ser uma categoria relacional, só se afere apurando-se a relacão existente entre a entidade que vai outorgar a convenção as situacões juridicas que daí decorrerão. Explicando: o sindicato A do Centro e Sul, tem capacidade para celebrar convenções, mas não tem legitimidade para celebrar uma convenção atinente aos trabalhadores do norte, uma vez que não os representa. Por isso, é que o art. 23.º, n.º 1, alíneas a) e b), da LRCT, impõe que o texto final das convenções colectivas refiram a designacão das entidades celebrantes, a área e o âmbito de aplicação, sendo a ausência destas indicações causa de recusa do depósito (art. 24.º, n.º 3, alínea a), da LRCT).

 

4. Direitos de participação

4.1. No conselho económico e social

I. De acordo com a Lei fundamental, constitui direito das associacões sindicais “(…)fazer-se representar nos organismos de concertação social” (art. 56.º, n.º 2, alínea d)) [63-64]. Por sua vez, prescreve a mesma Lei que o “Conselho Económico e Social é o órgão de consulta e concertação no domínio das políticas económica e social, participa na elaboração das propostas das grandes opções e dos planos de desenvolvimento económico e social e exerce as demais funções que lhe sejam atribuída por lei” (art. 92.º, n.º 1) [65]. Daqui resulta que a natureza deste órgão complexo – que é um órgão independente, com a inerente autonomia administrativa (art. 14.º, n.º 1) – é de planeamento, consulta e concertação, não possuindo, deste modo, qualquer poder verdadeiramente deliberativo, i.e., no sentido de vincular juridicamente terceiros [66].
Por outro lado, as demais funções e matérias atinentes à composição – não obstante a determinação constitucional, segundo a qual farão parte representantes do Governo, organizações representativas dos trabalhadores (que para as associações sindicais já resulta, como vimos, do art. 56.º, n.º 2, alínea d)), das actividades económicas e das famílias, das regiões autónomas e das autarquias (n.º 2) -, organização e funcionamento, bem como os estatutos dos seus membros serão definidas por lei (n.º1, in fine, 2 e 3 do art. 92.º da CRP).

II. O diploma ordinário que veio cumprir a tarefa constitucional foi a Lei n.º108/91, de 17 de Agosto. Estabeleceu este diploma – tendo mantido, como naturalmente se impunha, a natureza fixada na Lei Fundamental (arts. 1º da Lei n.º 108/91, do Decreto-Lei n.º 90/92, de 21 de Maio, e do Regulamento de Funcionamento do Conselho Económico e Social [67]) – como competências do Conselho Económico e Social, que goza do direito de iniciativa (art. 2.º do Decreto-Lei n.º 90/92), entre outras, a de se pronunciar sobre as políticas económica e social, bem como sobre a execução das mesmas (alínea b) do art. 2.º), apreciar regularmente a evolução da situação económica e social do país (alínea e) do art. 2.º), além de promover o diálogo e a concertação entre os parceiros sociais (alínea g) do art. 2.º) [68].
Relativamente aos órgãos do Conselho Económico e Social, cabe referir que Lei determinou a existência [69]:
a) de um Presidente – eleito pela Assembleia da República e a quem compete representar e dirigir o CES (arts. 3º, n.º 1, alínea a), 6.º, alínea a), e 7.º) [70];
b) de um Plenário – composto por todos os membros do Conselho Económico e Social, em cumprimento do art. 92.º, n.º 2, da CRP, nomeadamente, por oito representantes do Governo, indicados pelo Conselho de Ministros, oito representantes das organizações representativas dos trabalhadores, a designar pelas respectivas confederações e também oito representantes das organizações empresariais [71], cabendo a sua designação às associações de âmbito nacional (respectivamente, alíneas c), d) e e) do n.º 1 do art. 3.º e arts. 6.º, alínea b), e 8.º) [72)]; ao plenário compete exprimir as posições do Conselho (art. 8.º, n.º 1) [73];
c) de uma Comissão Permanente de Concertação Social – composta por seis membros do Governo (a designar pelo Primeiro-Ministro), três representantes da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical Nacional, três representantes da União Geral dos Trabalhadores, dois representantes da Confederação dos Agricultores Portugueses, dois representantes da Confederação do Comércio Português, dois representantes da Confederação da Indústria Portuguesa, presidida pelo Primeiro-Ministro (ou por um Ministro, em caso de delegação) (arts. 6º, alínea c), e 9.º, nº 2 e 3); compete a este órgão, em particular, promover o diálogo e a concertação entre os parceiros sociais, além de contribuir para a definição das políticas de rendimentos e preços, de emprego e formação profissional (art. 9.º, n.º 1) [74];
d) de Comissões Especializadas (sejam permanentes ou temporárias) – cujos membros são designados pelo plenário, tendo a competência, nomeadamente, de elaborar estudos, pareceres relatórios quer a pedido de outros órgãos do Conselho quer por sua iniciativa (arts. 6.º, alínea d), e 10.º) [75];
e) de um Conselho Coordenador – formado pelo presidente e pelos quatro vice-presidentes do Conselho Económico e Social (estes eleitos pelo plenário do Conselho, art. 3º, n.º 1, alínea b)), pelos presidentes das comissões especializadas permanentes, competindo, designadamente, a este órgão a coadjuvação do presidente e a aprovação do orçamento (arts. 6.º, alínea e), e 11.º) [76];
f) de um Conselho Administrativo – integrado pelo presidente e pelos quatro vice-presidentes do Conselho Económico e Social, pelo secretário geral [77] e por um chefe de repartição [78], tendo poderes, a título exemplificativo, para controlar a legalidade dos actos do Conselho, no que respeita a matérias administrativas e financeiras, bem como para preparar as propostas orçamentais (arts. 6.º, alínea f), e 12.º) [79].

III. Vejamos mais de perto, face à especial relevância que assume para a área laboral, a Comissão Permanente de Concertação Social, sendo de salientar de imediato, a sua autonomia, uma vez que as suas deliberações não carecem de aprovação por parte do plenário (art. 9.º, n.º 5, da Lei n.º108/91, bem como art. 2.º, n.º 2, do Regulamento Interno da Comissão  Permanente de Concertação Social).
JORGE MlRANDA chamou a atenção para alguns vícios graves na articulação estabelecida pelo legislador entre o Conselho Económico e Social e a Comissão Permanente de Concertação Social. Segundo o Professor, é incompreensível que um órgão interno (Comissão Permanente de Concertação Social) de um órgão complexo (Conselho Económico e Social) possa ter como membros pessoas que não sejam titulares deste, uma vez que enquanto os oito representantes do Governo no plenário são designados por Resolução de Conselho de Ministros (art. 3.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 108/91), os seis membros do Governo na Comissão Permanente são designados por despacho do Primeiro-Ministro (art. 9.º, n.º 2, alínea i), da Lei n.º 108/91), o que permite – pois representantes do Governo e Ministros não são necessariamente o mesmo – que não sejam as mesmas pessoas; por outro lado, se é certo que o Conselho Económico e Social é um órgão independente, já a Comissão de Concertação Social ao ser presidida pelo Primeiro-Ministro (ou por um Ministro, no caso de delegação, art. 9.º, n.º 3, da Lei n.º 108/91) e ter como membros diversos Ministros, não pode ser qualificado como um órgão independente [80]. Na verdade, não se vê como contra-argumentar, de forma procedente, perante as situações realçadas por JORGE MlRANDA e que poderemos apelidar de erros grosseiros.
No entanto, as críticas não se ficam por aqui, pois poderemos falar mesmo de violação de normas constitucionais. É o caso do conteúdo da prescrição do legislador, segundo a qual a Comissão Permanente de Concertação Social, entre outros, deve incluir três representantes, a nível de direcção, da Confederação Geral dos Trabalhadores – Intersindicial Nacional (um dos quais o seu coordenador), da União Geral dos Trabalhadores (um dos quais o seu secretário-geral) e dois representantes, também a nível de direcção, das Confederações dos Agricultores Portugueses, do Comércio Português e da Indústria Portuguesa, incluindo sempre o respectivo presidente (art. 9.º, n.º 2, alíneas ii) a iv), da Lei n.º 108/91).
Face a esta determinação legal, o legislador desrespeitou a liberdade sindical e a liberdade de associação e organização [81]. Com efeito, ao atribuir especiais poderes de representatividade, sem fundamento em qualquer elemento objectivo e identificável – o que impede que seja controlável por quaisquer outros entes interessados – , o legislador descrimina todas as outras organizações representativas das associações de trabalhadores e das associações empresariais, valores que têm assento, desde logo, no art. 13.º, n.º 2; por outro lado, ao estipular quem das respectivas organizações fará parte da Comissão, o legislador desrespeita a liberdade de organização interna das associações em causa, pois estas vêem a sua liberdade de escolha dos membros representativos coarctada, valor que também tem acolhimento na Lei Fundamental (arts. 55.º, n.º 2, alínea c), e 46.º) [82].

IV. Em relação a natureza dos acordos ou pactos celebrados no quadro da Conselho Económico e Social [83], a doutrina tem dada respostas diversas [84].
GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA defendem que as suas decisões terão mera natureza contratual (inter-partes), não possuindo qualquer eficácia jurídica face a terceiros, nomeadamente aos restantes órgãos de soberania [85]. Já JORGE LEITE, preconiza que tais acordos “(…) têm a natureza de compromissos sócio-políticos de que resultam pretensões, expectativas, direitos, obrigações de natureza não jurídica para os diferentes actores que, consequentemente, nenhum deles pode invocar judicialmente para fundamentar o reconhecimento de qualquer pretensão ou direito ou para obter a condenação de algum dos outros” [86]. MONTEIRO FERNANDES, referindo-se especificamente ao Acordo Económico e Social (1990) – subscrito pelo Governo, pela UGT, pela CCP e pela CIP – defende que o mesmo não é susceptível de ser objecto de uma qualificação única, face ao conteúdo diversificado que possui, sendo certo que preconiza que os Acordos de Concertação Social como o referido constituem manifestações de autonomia colectiva das organizações de trabalhadores e empregadores, em que os contraentes possuem poderes para intervir na regulação das matérias; por isso é porque o Governo é titular de iniciativa legislativa e do poder de decisão administrativa, a concertação é, segundo o Autor, mais do que um mero meio de pacificação social, assumindo mesmo “(…) foros de um processo de regulação dotado de certa idoneidade operatória” [87]. Depois de se referir aos diversos grupos do conteúdo do Acordo, conclui que o mesmo – variando conforme a parte em análise – tanto possui natureza política, como jurídica -, não obstante reconhecer que o nosso ordenamento não tem quaisquer mecanismos para executar tais vinculações, vinculações essas que são, segundo o Autor, restritas às matérias que cabem no seu poder de escolha; mais concretamente, referindo-se à parte jurídica, afirma que estamos perante estipulações com carácter obrigacional [88].

V. Sem ignorarmos que a questão merece um aprofundamento que não se coaduna com um texto deste género, sempre diremos, e sem termos em atenção nenhum acordo em particiular, que a natureza dos “acordos tripartidos” [89] – Governo, representantes dos trabalhadores e dos empresários – tem de ser una, devendo ser recusada a ideia que estamos perante uma figura de natureza múltipla e variada [90]. E isto porque entendemos – salvo quando elementos objectivos o infirmarem – que a natureza deve ser geral, uma vez que, em regra, não estamos perante vários documentos, mas perante um só, pelo que a sua natureza tem de ser unitária. O “acordo” é um só e resulta de cedências de um lado e ganhos do outro; sem estes não haveria aquelas e sem aquelas não existiriam estes.
Para nós existe, desde logo, uma impossibilidade técnica na qualificação da figura como um contrato. Tendo presente que a natureza é consequência – e não causa -, não poderemos perder de vista o próprio regime positivo. Ora, este diz-nos que o Conselho Económico e Social é um órgão consultivo – art. 92.º da CRP, art. 1.º da Lei n.º 108/91, do Decreto-Lei n.º 90/92, de 21 de Maio, e art. 1.º do Regulamento de Funcionamento do Conselho Económico e Social -, pelo que sendo a Comissão Permanente de Concertação Social um órgão interno daquele, a sua _natureza não poderá subverter aquela. Aliás, atente-se na própria redacção do art. 9.º, n.º 1, da Lei n.º 108/91 que, não obstante ser exemplificativo, estabelece que “compete à Comissão Pennanente de Concertação Social, em especial, promover o diálogo entre os parceiros sociais, contribuir para a definição das políticas de rendimentos e preços, de emprego e formação profissional”.
Mais: independentemente da questão de saber se seria um contrato público ou privado ou se o conceito de contrato deve ser unitário tornando irrelevante – em termos conceptuais – a sua natureza [91], na figura do contrato terá de existir, pelo menos, duas ou mais declarações de vontade contrapostas, uma vez que existem, no mínimo, duas partes [92]. Ora, nos “acordos” celebrados no quadro do Conselho Económico e Social, mais exactamente na Comissão Permanente de Concertação Social, isso não acontece. Vejamos porquê:
a) primeiro, o Governo é um órgão (complexo) da pessoa colectiva Estado;
b) segundo, o Conselho Económico e Social também é um órgão (complexo) – que faz parte da administração central directa [93] – da pessoa colectiva Estado, que tem como órgão interno, entre outros, a Comissão Permanente de Concertação Social;
c) terceiro, as diversas entidades representativas dos trabalhadores e das entidades patronais, surgem como membros da Comissão de Concertação Social que é um órgão, repita-se, do Conselho Económico e Social;
d) ora, os órgãos manifestam a vontade imputável às pessoas colectivas [94], que neste caso é, em qualquer dos casos, o Estado, pelo que não vemos como é que pode existir juridicamente um verdadeiro contrato entre o Governo – repita-se, órgão da pessoa colectiva Estado – e Conselho Económico e Social (ou a comissão Permanente de Concertação Social) que é também órgão da pessoa colectiva Estado, salvo se fosse celebrado fora dos quadros do Conselho Económico e Social, o que não é o que está em apreciação;
e) falta, pois, a outra parte para que se possa falar de contrato. Por outro lado, e ainda que este argumento fosse contornável, outros elementos existem que impossibilitam que a figura tenha natureza vinculativa.
Deve salientar-se que alguns “acordos” ultrapassam em muito a própria legitimidade representativa [95], o que impede a existência de quaisquer vinculações, pelo menos nessa parte. Também não vemos como é que poderá haver alguma vinculação jurídica, desde logo, de uma das partes – o Governo – quando em muitas situações há a necessidade de tomar medidas legislativas [96], sendo certo que em alguns casos essa competência é da Assembleia da República.
O Governo não pode delegar, renunciar ou dispor de poderes que lhe são constitucionalmente atribuídos [97] – e muito menos, logicamente, dispor de poderes de outros órgãos, sob pena de violação do princípio da separação de poderes [98] -, pois tal comportamento colide com o princípio da indisponibilidade de competências.

VI. É certo que, como realça BAPTISTA MACHADO, o Estado que surge em diálogo igualitário com as entidades representativas, a resolver problemas de diferente natureza “(…) não é já, no exercício destas outras atribuições, o Estado-Soberano, mas o Estado-Interlocutor ou o Estado-Parceiro. Eis, pois, que o Estado regressa à comunicação e à negociação com a Sociedade, para, nesta área, exercer um govemo por discussão, negociação e compromisso. Isto não significa, porém, que se possa estabelecer qualquer confusão entre o Estado-Soberano e o Estado-Parceiro: o Estado democraticamente legitimado não pode abdicar da sua soberania interna nem deixar de estar obrigado a garantir com a sua autoridade o desempenho de certas tarefas que só a ele competem, a exercer atribuições que não são negociáveis” [99]. Por isso, razão tem o Professor de Coimbra quando escreve que”(…) mesmo em regime de concertação, está sempre de reserva o poder e a autoridade de «governar», o poder de decidir” [100].
Logo, não pode ter natureza vinculativa, pois isso traduzir-se-ia na alienação de uma parte do seu poder. Este mantém o seu exercício unilateral, servindo as “negociações” existentes apenas para preparar o conteúdo dos actos a realizar [101], não afectando a tipologia do acto praticado, o que aconteceria se se tratasse de uma mera execução contratual. A fonte de validade e de eficácia não é qualquer acordo, mas sim a vontade (unilateral) do Governo [102].
Acresce que a própria democracia participativa (art. 2º da CRP), da qual o Conselho Económico e Social é concretização [103], não pode aniquilar a democracia representativa, o que se verificaria se fosse, desde logo, atribuída força vinculativa a “acordos” celebrados com entidades com representação sectorial com vista a uma eficácia nacional [104].
Para nós, os “acordos” celebrados no âmbito do Conselho Económico e Social são meras deliberações com carácter político [105], visando-se com o mesmo, por um lado, uma pacificação de algumas forças sociais de modo a facilitar a tomada de medidas e a assegurar uma maior eficácia das mesmas [106], bem como a carrear para a governação informações de quem melhor conhece a realidade, de modo que inequivocamente influencia as acções governativas [107].
Em suma, e parafraseando, LAUBADÉRE, a concertação é muito mais um estilo novo do que um novo regime jurídico [108].

 

4.2. No procedimento legislativo

I. A Constituição portuguesa, com base no princípio da democracia participativa (art. 2.º) [109], estatui a participação de grupos e organizações aquando da elaboração da legislação de certas matérias, de que é exemplo a intervenção na legislação laboral das comissões de trabalhadores e das associações sindicais (arts. 54.º, n.º 5, alínea d), e 56.º, n.º 2, alínea a), da CRP, Lei n.º 16/79, de 26 de Maio) [110].
Este direito de participação conferido às organizações de trabalhadores e patronais não significa, como é lógico, a atribuição de competência legislativa [111], pois o que está apenas em causa na democracia participativa é a participação dos interessados antes da tomada de decisão, uma vez que cabe aos órgãos representativos eleitos em sufrágio universal exprimir o interesse geral da sociedade [112]. Deste modo, resulta claro “(…) que a participação dessas organizações situa-se numa zona prévia e diversa da decisão legislativa formal, que cabe aos órgãos constitucionalmente competentes” [113], não tendo as opiniões emitidas qualquer carácter vinculativo [114], mas “(…) antes, de uma «influência» ou «pressão» sobre o desenvolvimento do processo de produção legislativa (…) [que] tanto pode traduzir-se num diálogo como na obtenção de pareceres, de críticas, de contribuições, etc., dos parceiros sociais” [115]. Como escreve MENEZES CORDEIRO, esta participação, não obstante não conferir, nos termos constitucionais eficácia vinculativa às opiniões emitidas, revela, no entanto, “(…) um esquema de concertação laboral que se oferece, na actualidade, como uma promissora via de progresso futuro” [116].

II. A matéria em referência foi, com o vimos, objecto de regulamentação legal através das Leis n.º 16/79 [117], no que respeita aos representantes dos trabalhadores, e 36/99, de 25 de Maio, que em relação às associações patronais consagrou este direito [118-119]. A participação na elaboração das leis do trabalho está, deste modo, atribuída às organizações de trabalhadores e às associações patronais, que ao abrigo da Lei n.º 36/99, de 26 de Maio – uma vez que não existem normas constitucionais idênticas às das associações dos trabalhadores -, têm as mesmas faculdades conferidas às associações de trabalhadores, remetendo, aliás, este diploma para a Lei de 1979 (art. único) [120].
O art. 1.º da Lei acima citada prescreve que “as comissões de trabalhadores e respectivas comissões coordenadoras, bem como as associações sindicais, têm o direito de participar na elaboração da legislação”.
Face a esta redacção, podemos colocar, desde logo, cinco questões:
1. este direito de participação na elaboração da legislação do trabalho atribuído às comissões de trabalhadores e às associações sindicais é cumulativo ou alternativo? [121]
2. em caso afirmativo, podem as comissões coordenadoras participar concomitantemente com as comissões de trabalhadores?
3. há limitações à legitimidade das entidades titulares do direito?
4. o que devemos entender em termos materiais por «legislação do trabalho», ou seja, qual conteúdo dos actos para que seja o direito de participação?
5. qual a noção formal de «legislação de trabalho», i.e., que tipo de fontes é que aqui estão em causa?
No que diz respeito à primeira questão – cumulação do direito de participação das comissões de trabalhadores e das associações sindicais [122] -, parece-nos que, na esteira de GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, é cumulativo, pois as normas constitucionais citadas visam permitir a participação de todas as organizações de trabalhadores, e se é verdade que em certas situações os trabalhadores podem ter a sua participação duplicada – quando existir participação das comissões de trabalhadores e das associações sindicais -, também haverá casos em que só têm possibilidade de participar através de uma dessas entidades (v. g., trabalhadores não sindicalizados, trabalhadores sindicalizados em empresas sem comissão de trabalhadores formada) ou, caso não existam, nem sequer têm tal possibilidade [123]. Por outro lado, defender que a participação é alternativa seria ignorar as diferenças existentes entre as associações sindicais e as comissões de trabalhadores (v. g., a sua representatividade e atribuições).
Temos, então, de acordo com as regras legais e os preceitos constitucionais uma dupla participação dos representantes dos trabalhadores na elaboração da legislação do trabalho: comissões de trabalhadores e associações sindicais.

IV. Relativamente à segunda interrogação – podem as comissões coordenadoras participar concomitantemente com as comissões de trabalhadores -, convém trazer à discussão outros elementos. As comissões coordenadoras são – como o próprio nome indica – entes constituídos por comissões de trabalhadores de diferentes empresas com o intuito de melhorar a intervenção nas áreas que lhes são destinadas (cfr. art. 54.º, n.º3, da CRP e art. 1º, n.º 2, da LCOMT). Temos, então, em matéria de participação na legislação laboral a hipótese de haver uma sobreposição absoluta do exercício de um direito – e não apenas uma zona coincidente -, ou seja, caso participem em simultâneo as comissões de trabalhadores e as comissões coordenadoras existirá uma repetição do exercício de um direito, pois, repetimos, as comissões coordenadoras são formadas por representantes das comissões de trabalhadores. Teríamos uma duplicação de intervenções com a mesma finalidade, o que claramente torna irrelevante uma delas, sob pena de dar guarida a posições contraditórias tomadas pelos mesmos entes, só que sob “capas” diferentes; aliás, a própria Lei das Comissões de Trabalhadores afirma que “as comissões de trabalhadores, directamente ou por intermédio das respectivas comissões coordenadoras, têm o direito de participar (…)” (art. 34.º), o que é bem demonstrativo da alternatividade existente.
E isto é particularmente relevante, pois caso participem, por exemplo, as comissões coordenadoras a impossibilidade de participação das comissões de trabalhadores imputável ao órgão emissor do futuro diploma não gerará qualquer desvalor.
Assim sendo, pensamos que, caso participem as comissões coordenadoras, as comissões de trabalhadores não têm o direito de participar; o mesmo acontecendo na situação inversa, i.e., a participação das comissões de trabalhadores inviabiliza a participação das comissões coordenadoras, cabendo a escolha da participação às entidades titulares do direito [124].

V. No que concerne à legitimidade participativa – terceira questão – concordamos com MONTEIRO FERNANDES quando afirma que a Lei n.º 16/79 permite uma apreciação pública generalizada [125]. De facto, existe, devido aos meios utilizados para difundir os projectos e propostas legislativas, a possibilidade de surgir um debate alargado, mas convém ter presente que quer os preceitos constitucionais (arts. 54.º, n.º 5, alínea d), e 56.º, n.º 2), quer os legais (v. g., arts. 1.º, 6.º e 7.º, n.º 1, bem como o impresso aprovado – nos termos do art. 8.º) têm subjacente que o direito é conferido às organizações representativas de trabalhadores e das associações patronais (por remissão da Lei n.º 36/99).
O que interessa aqui apurar não é se o órgão emissor permite a participação de quaisquer entidades, mas sim quais as entidades que têm um efectivo direito de participação atendendo ao conteúdo em discussão. Concretizando: terá o sindicato dos bancários o direito de participar na elaboração da legislação dos docentes universitários? No preceito constitucional (art. 56.º, n.º 2, alínea a)) ou na Lei ordinária que refere a participação dos sindicatos na elaboração da legislação do trabalho, não existe qualquer indicação que limite a participação dessas entidades ou das entidades patronais (uma vez que o diploma – Lei n.º 36/99) é remissivo); já em relação às comissões de trabalhadores, o art. 54.º, n.º 5, alínea d), utiliza na parte final a expressão “(…) que contemplem o respectivo sector”.
Se é certo que pode ser discutível que tal frase se refira também à participação e não somente aos planos económico-sociais [126], parece nos que devemos harmonizar o exercício do direito de participação com o âmbito de representação de cada um dos entes em causa, sob pena de estarmos a conceder um direito a uma entidade que não representa qualquer interesse no caso concreto [127].
No entanto, se é verdade que um diploma apenas pode afectar uma área especifica, circunscrita e delimitada como, por exemplo, o sector universitário, devemos também ter presente que a emissão de um diploma geral sobre a situação laboral não deixará de afectar todo o universo dos sujeitos laborais. Por outro lado, não podemos ignorar que a actividade económica e, consequentemente, a área laboral são um todo, que não se reconduz a compartimentos estanques.
Por isso, um diploma pode ter, e em regra terá, efeitos, ainda que mediatos, em áreas conexas com aquela que foi directamente visada.
Face a isto advogamos que são titulares dos direitos de participação no procedimento para elaboração da legislação do trabalho [128-129]:
a) no caso de estarmos perante um texto normativo capaz de afectar o estatuto geral dos sujeitos laborais, poderão participar quaisquer comissões de trabalhadores, associações sindicais ou patronais;
b) no caso de estarmos perante uma área afectada que esteja circunscrita e delimitada – como por exemplo, o horário dos trabalhadores da restauração -, poderão participar não só as entidades que representam sujeitos que actuam directamente nessa área, como entidades que representam sujeitos que laboram em áreas conexas, i.e., áreas em que as medidas em causa se projectarão, ainda que indirectamente – completando o exemplo, sindicatos da distribuição alimentar; ou seja, não só as entidades que possuem representatividade no sector em causa, como em sectores conexos.

VI. No que respeita à quarta pergunta – o que se deve entender em termos materiais por «legislação do trabalho» [130] -, cabe salientar o art. 2.º do diploma em análise, segundo o qual se entende por legislação de trabalho “(…) a que vise regular as relações individuais e colectivas de trabalho, bem como os direitos dos trabalhadores, enquanto tais, e suas organizações, designadamente: a) Contrato individual de trabalho; b) Relações colectivas de trabalho”.
A doutrina tem avançado algumas definições que devemos ter presente. GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA defendem que a noção material de «legislação do trabalho» se reconduz a qualquer matéria que verse “(…) o estatuto jurídico dos trabalhadores e das relações de trabalho em geral” [131]. Por sua vez, MONTEIRO FERNANDES diz que “há razões para se duvidar de que os contornos da «legislação do trabalho», para o efeito da aplicação das regras concretizadoras do direito de participação, coincidam com as fronteiras geralmente reconhecidas ao Direito do Trabalho” [132]. Segundo o mesmo Autor, “não se pode (…) excluir a priori que o conceito normativo de legislação do trabalho abranja domínios e matérias que, não pertencendo ao território coberto pelo ordenamento juslaboral na sua  estrita demarcação técnica, manifestam suficiente identidade de razão funcional para que quanto a eles actue o peculiar modo de produção normativa que se tem em vista” [133]; assim sendo, e em conclusão, é “(…) uma compreensão ampla do conceito de legislação do trabalho que parece ajustar-se ao seu alcance operatório – o qual consiste em proporcionar a expressão de certos interesses colectivos (identificados aos “trabalhadores enquanto tais”) no âmbito dos processos legislativos em que a consistência e a viabilidade desses interesses sejam especificamente afectados” [134].
BARROS MOURA em relação à questão escreve que é legislação do trabalho “(…) toda aquela que contenha normas de direito individual ou colectivo de trabalho, bem como de direito penal, administrativo, processual ou de organização judiciária do trabalho” [135].
Recentemente BACELAR GOUVEIA teve ocasião de se pronunciar sobre a questão, tendo preconizado que o conceito constitucional de legislação de trabalho, deve ser encontrado “(…) num ponto médio de equilíbrio: toda a normação que se destine a regular a disciplina do trabalho subordinado – sob as três referidas ópticas (…)”, i.e., relações colectivas, individuais e a intervenção do Estado [136]. No entanto, adverte o Autor, isto não pode ter o significado de incluir “(…) normas que são constitucionalmente pertinentes como outros ramos do Direito, e não como Direito do Trabalho, mesmo havendo áreas de sobreposicão” como é o caso dos direitos fundamentais em geral [137].
Para nós, o conceito de «legislação do trabalho» deve ser entendido de forma ampla e abrangente, de modo a incluir toda a legislação que afecte ou possa afectar qualquer sujeito laboral – aqui se subsumindo, trabalhadores, sindicatos, comissões de trabalhadores, entidades patronais, associações patronais ou outro ente representativo – enquanto  tal, o que faz com que excluamos a legislação que incida sobre uma pessoa, ainda que trabalhadora, se a esfera da previsão da norma apenas considerar como relevante a qualidade, por exemplo, de cidadão.
Noutros termos, o que importa apurar é se a legislação em causa se aplica a um determinado sujeito em virtude de ele pertencer a um certo tipo com relevância laboral; e isto porque a finalidade do diploma é, desde logo, permitir a participação de uma determinada tipologia de sujeitos que se encontram na área laboral [138].
Assim sendo, e sem restringir de forma desnecessária um direito fundamental, devemos ter sempre presente no apuramento do conteúdo da noção de «legislação do trabalho» que estamos ante um conceito que deve ser interpretado de modo expansivo.

VII. Relativamente a última questão – noção formal da «legislação do trabalho», i.e., tipo de actos incluídos no conceito – a doutrina tem defendido uma posição bastante abrangente do conteúdo material da “legislação laboral”, ainda que com algumas variações [139].
Com efeito, entende JORGE MIRANDA, em resposta a algumas posições do Tribunal Constitucional, que “os regulamentos, sendo normação derivada, não constituem material adequado à concretização do direito de participação dos trabalhadores; este direito tem urna dimensão organizatória-representativa que só faz sentido nós marcos da função legislativa corno função de definição primária de situações” [140] Ou seja, para o Autor o que está em causa é a função legislativa. Mais abrangente é a posição de GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, para quem o vocábulo “legislação” deve ser interpretado de modo amplo, de forma a incluir não só as várias modalidades de leis – de bases, de autorização legislativa, demais leis da Assembleia da República, decretos-leis e decretos legislativos regionais – como as convenções internacionais sujeitas a aprovação e ainda os regulamentos que não sejam puramente executivos, ou seja, e em suma, como significando direito ou regulamentação do trabalho [141].
Por sua vez, JORGE LEITE/ COUTINHO DE ALMEIDA defendem que o conceito de “legislação do trabalho” inclui “(…) todo o acervo normativo (constitucional, internacional, legislativo e regulamentar) que diga respeito aos trabalhadores nessa qualidade, nomeadamente quanto à concretização dos direitos constitucionalmente garantidos (especialmente, mas não só, os dos arts. 53.º a 60.º da CRP)” [142]. Também BARROS MOURA se pronunciou sobre o problema. Este Autor faz corresponder a noção em análise com o art. 1.º, n.º 2, do CC, i.e., “disposição genérica provinda do órgão estadual competente”, pelo que inclui tantos as leis, os decretos leis, decretos legislativos regionais, como os regulamentos genéticos [143]. Recentemente, BACELAR GOUVEIA analisou a questão, tendo concluído que o entendimento correcto é do “tipo expansivo”, devendo incluir-se além dos actos legislativos da Assembleia da República, do Governo, das Assembleias Legislativas Regionais, dos actos regulamentares, mesmo os executivos, e ainda as normas de Direito Internacional e de Direito Comunitátio [144].
Pensamos que a posição da doutrina que revela um entendimento amplo e elástico é a que deve merecer a nossa concordância. Com efeito, a inclusão na noção de “legislação” dos diplomas que provêem da Assembleia da República deve merecer resposta positiva, incluindo as leis de autorização legislativa. Em relação a estas, como certeiramente se pode ler num aresto do Tribunal Constitucional, é preciso salientar que “(…) transportam, todavia, parâmetros normativos fundamentais (princípios e directivas) decisivamente condicionadores da legitimidade do decreto-lei autorizado, em termos de se poder afirmar que o essencial do diploma está predeterminado na lei delegante (…)” [145]. Aliás, acrescenta o acórdão citado, “o decreto-lei autorizado representará obrigatoriamente uma mera tradução material daquelas directivas, em termos de se poder afirmar que os seus enunciados essenciais (os que respeitam à competência reservada do Parlamento) se acham predefinidos no texto autorizador” [146].
Adite-se os diplomas provenientes do Governo e das Assembleias Regionais, bem como os gerados por órgãos administrativos, i.e., os actos regulamentares, quer se trate de regulamentos independentes, quer se trate de regulamentos meramente executivos, devem também ser objecto de resposta positiva [147]. Note-se que estes diplomas, incluindo os meramente executivos, geram Direito, além de que é muitas vezes no pormenor (dos regulamentos) que esta o cerne da legislação[148].
Igual inclusão deve ocorrer com as normas de Direito Internacional e de o – Direito Comunitário, pois estas têm implicações, em termos de regulamentação, tão profundas como as leis em geral, uma vez que não só afectam as situações jurídicas laborais existentes, como se sobrepõem às fontes interas [149].
Assim, e em conclusão, a noção de legislação do trabalho inclui, na linha da doutrina exposta, todo o conjunto normativo – constitucional, internacional, legislativo e regulamentar – que se refira aos trabalhadores enquanto tais, ou seja:
a) produção legislativa da Assembleia da República;
b) produção legislativa do Governo;
c) produção legislativa das Assembleias Legislativas Regionais;
d) produção regulamentar;
e) normas de Direito Internacional;
f) e, finalmente, normas de Direito Comunitário;
g) naturalmente, que tanto inclui os diplomas originários como as respectivas alterações.

VIII. De acordo com o art. 3.º da Lei n.º 16/79, “nenhum projecto ou proposta de lei, projecto de decreto-lei ou projecto ou proposta de decreto regional, relativo à legislação de trabalho, pode ser discutido e votado pela Assembleia da República, pelo Governo da República, pelas assembleias regionais ou pelos governos regionais sem que as organizações de trabalhadores referidas no art. 1. º, se tenham podido pronunciar sobre ele”. Duas questões sobressaem de imediato:
a) estamos perante um direito ou um direito-dever de participação por parte das associações laborais?
b) qual a consequência se não for observada esta prescrição, cabendo distinguir entre as associações que representam trabalhadores e as que representam entidades patronais? [150]
No que diz respeito à primeira situação, parece-nos que apenas existe um direito de participação, pois para haver um direito-dever tem de existir além de uma posição activa (direito) uma situação passiva (dever) [151]. Neste caso, inexiste, como aliás perpassa da própria letra do art. 6.º quando diz “(…) as organizações de trabalhadores poderão pronunciar-se (…)”. Dito de outro modo, a não participação por parte das associações não configura qualquer infracção ou desrespeito de qualquer regra jurídica.

IX. Relativamente à segunda questão – consequências da não permissão de participação dos entes que representam trabalhadores -, a doutrina tem preconizado três grandes posições [152-153].
De um lado, aqueles que entendem que a violação da prescrição de permitir a participação das entidades representativas dos trabalhadores não gera qualquer vício. É o caso de LUCAS PIRES, para quem este direito não tem “(…) qualquer tradução ou afloramento no conjunto de normas sobre o processo legislativo ou a organização e o funcionamento do poder político em geral” [154]; do que se trata é que “(…) a Constituição pôs (…) a crédito dos trabalhadores um direito de pressão legítima – que os órgãos legislativos não poderão deixar de reconhecer – sobre a conformação legislativa dos respectivos direitos e interesses”, mas a omissão de participação não gera a inconstitucionalidade do diploma ou irregularidade [155].
Posição intermédia é a de MÁRIO PINTO que defende estarmos perante “(…) um; simples «condição objectiva que explicita princípios de conformação (…) política da comunidade estadual»”, pelo que “nessa medida, poderá dizer-se «mais uma garantia política do que jurídica»”[156].
Assim sendo, estamos “(…) perante uma situação de ilegalidade, ou, se se preferir, de inconstitucionalidade em sentido impróprio, mas não uma verdadeira inconstitucionalidade, susceptível de inutilizar o diploma promulgado” [157].
Uma terceira linha doutrinária – que tem sido acompanhada pelo Tribunal Constitucional [158] – defende que o desrespeito do direito de participação dos entes que representam trabalhadores dá origem a uma inconstitucionalidade, posição que merece o nosso acolhimento. É o caso, por exemplo, de GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA [159], MONTEIRO FERNANDES [160], BACELAR GOUVEIA [161], JORGE LEITE, COUTINHO DE ALMEIDA [162], PEDRO MACHETE [163], ROMANO MARTINEZ [164] JORGE MIRANDA [165], BARROS MOURA [166] e LOBO XAVIER [167]. Com efeito, pensamos que não só se trata de um desrespeito directo e imediato de uma norma constitucionalmente consagrada – uma vez que esta prescreve uma determinada conduta aos órgãos emissores de legislação laboral – que confere um direito fundamental (arts. 54.º, n.º 5, alínea d), e 56.º, n.º 2, alínea a)), como que está em causa um procedimento basilar da tramitação da legislação do trabalho, pelo que essa inconstitucionalidade só pode ser qualificada como formal [168]. Logicamente que, como escreve JORGE MIRANDA “(…) a inconstitucionalidade com este desvalor apenas se verificará quando, pura e simplesmente, inexista participação de organizações de trabalhadores. Não quando, apesar de se dar participação, ela se fizer com desrespeito do preceituado na Lei n.º 16/79; neste caso, não haverá senão ilegalidade e irregularidade” [169].

X. No que respeita ao não acatamento do direito de participação na elaboração da legislação laboral por parte das associações patronais, pensamos que a sua consequência não pode ser a inconstitucionalidade do diploma. Temos de ter presente que o direito conferido às associações patronais tem como fonte uma lei e não a Constituição [170], pelo que se deve ser qualificada como ilegalidade.

XI. A participação prevista na Lei n.º 16/79 inclui diversos momentos procedimentais [171], a saber:
a) publicação dos projectos ou propostas;
b) anúncio da referida publicação;
c) apreciação pública;
d) referência dos resultados da apreciação pública.
Vejamos cada uma destas situações.

XII. No que respeita à publicação dos projectos ou propostas prescreve o art 4 ° n º1 da Lei nº16/79, que para permitir a apreciação pública,
“(…) e para a mais ampla divulgação, os projectos e propostas são publicados previamente em separata (…)” das respectivas publicações oficiais.
O que aqui  está em causa é o dever de informar – e não uma mera faculdade – as associações para que essas possam exercer efectivamente o seu direito de participação. O dever de informação assume-se indiscutivelmente neste caso como uma situação passiva que condiciona o direito de participação, ou seja o dever de informar é instrumental para a existência de um material e real direito de participação [172]. E isto porque a participação pressupõe o conhecimento ou, mais exactamente, a possibilidade de conhecer, razão pela qual o preceito citado impõe aos órgãos emissores a obrigação de informar as associações, independentemente de estas o solicitarem [173].
Qual é então o grau de pormenor dessa informação? Bastarão as grandes linhas do diploma ou deve o articulado ser publicado?
O Tribunal Constitucional no aresto n º 31/84 de 27 de Março defendeu que a intervenção das organizações na elaboração da legislação laboral pressupõe “(…) pelo menos, o conhecimento prévio dos projectos de diplomas a publicar [174]. Por sua vez, no acórdão n.º 430/93, o Tribunal Constitucional defende não ser necessária a apresentação de um texto articulado completo Com efeito, afirmou naquele aresto que “desta legislação [Lei n.º 16/79] é de extrair, também, que o procedimento legislativo deve, ele mesmo, integrar a intervenção formal das organizações dos trabalhadores, além de ter de haver a publicitação adequdada do processo participativo (note-se, todavia, que estes pontos não estão inseridos no ditame constitucional que acima se fez referência [arts. 54.º, n.º 5, alínea d), e 56.º , n. 2, alínea a), da Constituicão]” [175]. Por conseguinte o Tribunal questionando-se “(…) se seria bastante a apresentação e a discussão efectuada com base em documentos que incorporavam as linhas de acção que enformariam o projecto de diploma (…)” [176], decidiu afirmativamente. Segundo aquele órgão, “desde que, como na presente situação ocorreu, se patenteiem às organizações representativas dos trabalhadores documentos que, cabal e completamente, incorporem as linhas do regime intentado adaptar pelo legislador, e desde que, no projecto formal de diploma, atendendo à intenção legislativa, se não desvirtuem aquelas linhas e os seus aspectos relevantes, então dever-se-á considerar que foi legitimamente cumprido o dever de consulta dos  trabalhadores” [177]. E isto, segundo o Tribunal, porque “(…) é até pensável que a apresentação de um projecto formal de diploma, totalmente articulado e com uma forma acabada de redacção, poderá eventualmente, cercear a liberdade negocial inerente à discussão com as organizações laborais, já que é possível a cristalização das posições do órgão legislativo”, sublinhado no original (idem).
Na sequência deste aresto JORGE MIRANDA defende “(…) que, se à face dos arts. 54.º, n.º 5, alínea d), e 56.º, n.º 2, alínea a), da Constituição, nada obsta a este entendimento, ele contraria o citado art. 4. 0 da Lei n.º 16/79, de 26 de Maio” [178].
Discordamos, salvo o devido respeito, da doutrina expendida. Para nós, a interpretação do Tribunal Constitucional no acórdão acima citado (n.º430/93) não só colide com a Constituição, como com a própria Lei n.º16/79.
A informação é instrumental face ao exercício do direito de participação. De facto, como afirma RIBEIRO MENDES, em declaração de voto de um aresto do Tribunal Constitucional, “«a participação das associações sindicais na elaboração de legislação de trabalho há-de traduzir-se no conhecimento, por parte delas, do texto dos respectivos projectos de diploma legal antes, naturalmente, de eles serem definitivamente aprovados, desse modo se lhes dando a possibilidade de se pronunciarem sobre os mesmos, seja formulando criticas, dando sugestões, emitindo pareceres ou até fazendo propostas alternativas, o que tudo deve ser tido em conta na elaboração definitiva da normação que se pretende produzir” [179].
Donde, dever dizer-se que a informação tem de ser de modo a possibilitar “(…) uma intervenção directa e efectiva no próprio processo legislativo, pressupondo o conhecimento dos projectos de diploma a publicar pois só por essa via se garante, na prática, a actuação relevante das associações sindicais” [180]. Opinião diversa permitiria transformar o direito em causa numa fórmula aparente e simbólica de participação.
Deste modo, consideramos só há efectivamente respeito pelo direito de participação se for dado a conhecer um projecto ou uma proposta concreta, uma vez que só assim as associações poderão exercer efectivamente o seu direito de participação, pelo que a violação atinge tantos os valores constitucionais como os inseridos na Lei n.º 16/79. Ou seja: o texto a publicar deve fornecer todos os elementos disponíveis com o intuito de permitir que as associações emitam a sua opinião sobre a situação, tanto quanto possível, real e efectiva, pois caso contrário a participação está inviabilizada, uma vez que não é possível um exercício esclarecido e eficaz do direito de participação sem uma informação completa [181].

XIII. Relativamente ao segundo momento aludido – anúncio da referida publicação -, determina a Lei que “a Assembleia da República, o Governo da República, as assembleias regionais e os governos regionais farão anuncia,; através dos órgãos de comunicação social, a publicação da separata e designação das matérias que se encontram enfase de apreciação pública” (art. 4.º, n.º 3).
A finalidade da norma é clara: permitir que os interessados tenham conhecimento que existe uma apreciação pública sobre certa matéria e que possam encontrar os projectos ou propostas de diplomas numa determinada publicação.
Esta norma resulta, então, instrumental face à participação, pois permite conhecer a possibilidade de exercer o direito (de participação). O que equivale a dizer que ela tem o efeito de melhorar o mecanismo da participação ao avisar que existe um projecto ou proposta que carece de apreciação.
Será que a violação desta regra – i.e., o não anúncio – poderá gerar uma inconstitucionalidade? A resposta só pode ser negativa, pois não existe qualquer violação de valores constitucionais, pois se é verdade que estamos perante uma regra instrumental a um melhor exercício da participação, é igualmente verdade que não é essencial, pois não coloca em causa a efectividade do direito de participação. A não publicação não impossibilita a participação, pois os projectos e as propostas são na mesma publicadas nos jornais dos respectivos órgãos emissores, estando, assim, assegurada a sua publicidade. Deste modo, o que está em causa é apenas a violação de uma regra legal, pelo que tal desrespeito deve ser qualificada como ilegal. Nada mais.

XIV. A apreciação pública – terceiro momento – é elemento central da Lei n.º 16/79, determinando o art. 5.º, n.º 1, que o prazo não deve ser inferior a trinta dias, salvo por motivos de urgência, situação em que pode ser de vinte (n.º 2 do art. 5.0). Com efeito, todas as situações anteriores – publicação dos projectos ou propostas e anúncio da publicação – são instrumentais para uma eficaz e real apreciação pública. Com esta apreciação garante-se que o direito de participação seja efectivamente cumprido, respeitando-se, deste modo, as prescrições constitucionais e legais.
Face aos meios utilizados, podemos falar numa verdadeira apreciação pública generalizada [182], uma vez que não só possibilita a participação dos entes a quem a Constituição e a lei prescreve, como permite que toda a sociedade possa, se o desejar, debater as soluções apresentadas.

XV. A referência dos resultados da apreciação pública – quarto momento – no preâmbulo do respectivo diploma – quando se tratar de decreto-lei ou decreto regional – ou no relatório – que será anexado ao parecer da comissão especializada da Assembleia da República ou das comissões das assembleias regionais – (art. 7.0, n.º 2, da Lei n.º 16/79), tem, em nossa opinião, desde logo, uma tripla utilidade: a) permitir o controlo, pelo menos, do conhecimento das sugestões apresentadas; b) por outro lado, permitir que a opinião pública conheça, se o pretender, as diferentes sensibilidades envolvidas [183]; c) auxiliar a interpretação dos diplomas. Tendo presente que a omissão dos resultados não coloca em causa o exercício do direito de participação, tal como é imposto pela Lei fundamental, parece-nos que o desrespeito da divulgação dos resultados apenas gerará uma ilegalidade.

 

4.3. No procedimento administrativo

I. Parafraseando ROGÉRIO SOARES, diríamos que “todos nós sabemos o que é isto de procedimento, todos temos essa ideia, ou seja, trata-se de uma sucessão de actos que estão coordenados para a obtenção de um certo resultado, isto é, trata-se fundamentalmente daquilo que nós conhecemos da nossa experiência de todos os dias: a fixação de uma determinada maneira de proceder” [184]. Noutros termos: “conceber a actividade da Administracão Pública como um procedimento significa, em termos metafóricos, concebê-la domo uma cadeia de montagem, de produção industrial, ou seja, como o movimento sucessivo e conjugado de diferentes máquinas e peças com vista à obtenção de um produto final, uno, para a qual a participação de todas elas contribui” [185]. Pode, então, afirmar-se que o procedimento, como escreve SÉRVULO CORREIA, é um meio de conversão de competências abstractas em factos concretos [186].

II. A participação assume relevantes consequências. Deve notar-se que a participação por entidades que representam sujeitos que irão ser atingidos na sua esfera jurídica pelos actos da Administração tem o efeito de atribuir às suas opções uma eficácia própria, um fundamento específico de validade, a que na esteira de NIKLAS LUHMAN, poderíamos chamar de «legitimação pelo procedimento» [187]. Com efeito, escreve MENEZES CORDEIRO – referindo-se aos estudos sobre a legitimidade sociológica das decisões – designadamente os de NlKLAS LUHMAN – que uma mesma decisão tem consequências diversas, consoante seja, ou não, considerada, legítima pelos seus destinatários, sendo certo que esta legitimidade assenta, desde logo, no procedimento [188]. Como reconhece o Autor da Escola de Lisboa, quer numa vertente sociológica, quer pela via hermenêutica, qualquer decisão vale não só pelo seu conteúdo, mas também pelo facto de ser tomada pela entidade competente através de um procedimento adequado [189].
Por outro lado, a participação permite aos sujeitos colectivos trazerem à colação os interesses dos representados – bem como dos próprios sujeitos colectivos -, pois sem esta os órgãos emissores não os poderia conhecer. Dito de outro modo: esta participação dialógica [190] assume, desde logo, uma perspectiva funcional, que, como escreve SÉRVULO CORREIA, se traduz no contributo do particular para a melhor realização do interesse público mediante uma posição de pura colaboração, que vai enriquecer “(…) a perspectiva da Administração sobre a identidade, natureza e peso relativo dos interesses que povoam a situação real da vida que lhe cabe conformar”, uma vez que o particular poderá conhecer melhor a situação do que a Administração [191]. Note-se que as entidades patronais, bem como as organizações profissionais dos trabalhadores têm uma informação privilegiada que pode ser, e em regra é, de grande utilidade para a Administração.
Acrescente-se ainda, a esta visão de legitimação e funcional da participação, uma perspectiva garantística. De facto, a participação dos sujeitos colectivos jamais poderá ser visto sob uma vertente absolutamente funcionalizante, sob pena, como diz SÉRVULO CORREIA “(…) de se poder assistir a uma organização do procedimento pelo legislador que não defenda suficientemente o indivíduo do arbítrio do poder. A dignidade da pessoa humana, que o artigo 1.º da Constituição arvora em valor basilar da República, não consente que a participação dos cidadãos na formação das decisões e deliberações que lhes disserem respeito seja totalmente ou maioritariamente funcionalizada ao servico do interesse público” [192]. Temos, então, a função garantística que se traduz, desde logo, na faculdade de o particular – neste caso mediante um ente representativo – informar a Administração dos elementos e dos argumentos que, na sua perspectiva, devem levar a que a decisão final se adeque aos seus interesses [193-194].
Por isso, bem se pode afirmar que as entidades patronais e as organizações profissionais representativas dos trabalhadores têm de ter a possibilidade de defender os seus direitos no momento do procedimento. Esta visão garantística do procedimento é a sua essência, onde assume, como resulta do exposto, singular relevância a participação. Ou seja: é a participação que permite que os interessados informem a Administração de que a emissão dos diplomas, naqueles termos, viola, por exemplo, os seus direitos subjectivos, possibilitando que aquela modifique o seu conteúdo, caso considere procedentes as objecções. E, assim, não só se previnem graves problemas sociais (v. g. greves), bem como se aumenta a eficácia dos actos realizados.
Assim sendo, e em suma, face ao exposto pode dizer-se que a participação dos particulares no procedimento, não só possibilita o conhecimento pela Administração dos seus interesses, o que assegura um aumento da qualidade das decisões, como permite, por outro lado, que ela tenha, como escreve VASCO PEREIRA DA SILVA, “(…) uma mais correcta configuração dos problemas e das diferentes perspectivas possíveis da sua resolução, como também toma as decisões (…) mais facilmente aceites pelos seus destinatários. Pelo que a participação no procedimento constitui um importante factor de [garantia,] legitimação e de democraticidade (…)” [195].

IV. A intervenção efectiva dos particulares em qualquer procedimento administrativo depende da capacidade e da legitimidade (procedimental) [196].
Relativamente à capacidade, prescreve o art. 52.º, n.º 1, do CPA que “todos os particulares têm o direito de intervir pessoalmente no procedimento administrativo ou de nele se fazer representar ou assistir, designadamente através de advogado ou solicitador”; no entanto, o n.º 2 do mesmo preceito, delimita a capacidade, ao determinar que “a capacidade de intervenção no procedimento, salvo disposição especial, tem por base e por medida a capacidade de exercício de direitos segundo a lei civil, a qual é também aplicável ao suprimento da incapacidade”. Como escrevem ESTEVES DE OLIVEIRA / COSTA GONÇALVES / PACHECO DE AMORIM, em anotação ao art. 52.º do CPA, “o direito de intervir num procedimento administrativo afere-se, em geral, em função da capacidade jurídica: todas as pessoas, singulares ou colectivas, públicas ou particulares, têm capacidade procedimental e podem, portanto (desde que nisso tenham interesse ou legitimidade), intervir em procedimentos administrativos” [197].
Em relação aos sindicatos, já referimos que”(…) adquirem personalidade jurídica pelo registo dos seus estatutos no Ministério do Trabalho” (art. 10.º, n.º 1, da LAS); vimos também que têm capacidade de exercício após a publicação dos estatutos no Boletim do Trabalho e Emprego (art. 10.º, n.º 5, da LS e artigo único do Decreto-Lei n.º 224/77, de 30 de Abril). Tendo presente que “a capacidade de intervenção no procedimento, salvo disposição especial, tem por base e por medida a capacidade de exercício de direitos segundo a lei civil (…)” (art. 52.º, n.º 2, do CPA) [198], parece-nos inequívoco que as associações sindicais detêm capacidade para iniciar ou intervir no procedimento administrativo.

V. No que concerne às comissões de trabalhadores [199], a questão é mais complexa, pois é preciso apurar, face à ausência de norma expressa na LCOMT, se são pessoas jurídicas. Comecemos por recordar que a personalidade jurídica consiste na susceptibilidade de ser titular de situações jurídicas [200]. Como ensina OLIVEIRA ASCENSÃO, em casos duvidosos, é necessário utilizar a noção geral de susceptibilidade de direitos e obrigações e apurar se a lei atribui, ou não, a essas entidades a titularidade de situações jurídicas; caso a resposta seja positiva, então, estamos perante pessoas colectivas, sendo suficiente a titularidade de um único direito [201].
Compulsando a Constituição (art. 54.º, n.º 5), bem como a Lei das Comissões de Trabalhadores (arts. 18.º e 23.º a 35.º) constata-se que as comissões de trabalhadores detêm diversos direitos [202] . Estes, como realça MENEZES CORDEIRO, apenas podem ter como titulares as comissões enquanto tais [203]. Tendo presente que o legislador confere às comissões de trabalhadores determinadas atribuições e que, consequentemente, é necessário para a sua realização a existência de personalidade jurídica, então, parece correcto afirmar que as comissões de trabalhadores a possuem [204].
Mais: essas atribuições e exercício de direitos só são compatíveis com o entendimento de que as comissões de trabalhadores detêm, além da personalidade e capacidade de gozo, capacidade de exercício [205]. Parece, pois, resultar que detêm, naturalmente, capacidade de exercício específica. Ou seja, a Lei não só lhes concede alguns direitos (art. 54.º, n.º 5, da CRP) como garante que as comissões os exerçam directamente.
Por estes motivos, e tendo uma vez mais presente o preceituado no art. 52.º, n.º 2, do CPA, deve entender-se que as comissões de trabalhadores possuem capacidade para iniciar ou intervir no procedimento administrativo.

VI. Relativamente às associações patronais, a argumentação acima exposta para as associações sindicais é igualmente procedente, uma vez que não só têm, como vimos, personalidade jurídica e capacidade de gozo (art. 7.º , n.º1, da LAP), como capacidade de exercício (art. 7.º, n.º 6, da LAP), pelo que face ao art. 52.º, n.º 2, do CPA a mesma conclusão se impõe.

VII. No que se refere à legitimidade, preceitua o art. 53.º do CPA que a possuem “(…)para iniciar o procedimento administrativo e para intervir nele os titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos, no âmbito das decisões que nele forem ou possam ser tomadas, bem como as associações sem carácter político ou sindical que tenham por fim a defesa desses interesses”.
Assim, por um lado, têm legitimidade os particulares para agir na defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, quer sejam pessoas singulares ou colectivas e, por outro, “(…) quando as situações jurídicas conformadas no procedimento sejam qualificáveis corno direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos, terão também legitimidade as associações sem carácter político ou sindical que tenham por escopo a respectiva defesa [206].
Daqui resultaria que as associações sindicais não detêm legitimidade, devendo, no entanto, salientar-se que a questão se refere à legitimidade dos sindicatos enquanto representantes dos trabalhadores. Dito de outra forma: “a legitimidade conferida pela 2.ª parte do preceito não respeita aos casos em que estão em causa interesses próprios das associações – porque nesse caso não há restrições, aplicando-se a regra da 1 ª parte do preceito – mas sim aos casos em que elas aparecem a intervir na qualidade de representantes colectivos de interesses individuais” [207]. No entanto, o Tribunal Constitucional através do acórdão n.º 118/97, entendeu que o art. 56.º, n.º 1, da Constituição “(…) ao afirmar que «compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem», não só assegura aos trabalhadores a defesa colectiva dos respectivos interesses colectivos, através das suas associações sindicais, como lhes garante – ao não excluí-la – a possibilidade de intervenção das mesmas associações sindicais na defesa colectiva dos seus interesses individuais” [208]. Deste modo, decidiu o Tribunal “(…) declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade – por violação do art. 56.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa – da norma constante do n.º 1 do artigo 53.º do Código de Procedimento Administrativo (…) na parte em que nega às associações sindicais legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para nele intervir, seja em defesa de interesses colectivos, seja em defesa colectiva de interesses individuais dos trabalhadores que representam” [209]. Em suma, as associações sindicais podem possuir legitimidade, quer para iniciar quer para intervir no procedimento.

VIII. E, no que respeita às comissões de trabalhadores, terão estas, também nos termos do mesmo art. 53.º legitimidade [210]?
Segundo ESTEVES DE OLIVEIRA / COSTA GONÇALVES / PACHECO DE AMORIM, têm legitimidade para iniciar o procedimento aqueles que são (eventualmente) titulares da pretensão ou posição jurídica, ou em representação destes, cuja decisão procedimental pode afectar; por outro lado, têm legitimidade para intervir, aqueles que são titulares, ou representantes, de (certas) posições jurídico-substantivas directarnente afectáveis pela decisão (ou execução) de um procedimento já em curso [211].
Tendo presente as diferenças existentes entre as associações sindicais e as comissões de trabalhadores [212], pode dizer-se que estas representam todos os trabalhadores que desenvolvem uma actividade subordinada numa empresa, estejam ou não inscritos em qualquer sindicato. Numa primeira aproximação, tendo as comissões de trabalhadores capacidade, e face, mutatis mutandis, à argumentação do Tribunal Constitucional a propósito das associações sindicais, parece-nos que possuem legitimidade quer para iniciar, quer para intervir no procedimento. Atente-se, contudo, noutras situações que nos permitirão uma melhor abordagem do assunto.
De entre os direitos das comissões de trabalhadores, realce-se, com arrimo constitucional, o de “participar na elaboração da legislação do trabalho (…)” (art. 54.º, n.º 5, alínea d), l.ª parte, da CRP e arts. 18.º, n.º 1, alínea d), i.a parte, e 34.º da LCOMT [213]). Ora, não nos parece defensável que as comissões de trabalhadores tenham legitimidade para participar na elaboração da legislação do trabalho, mas já não tenham para iniciar ou para intervir no procedimento.
Por outro lado, podemos utilizar, com total propriedade, o argumento expendido pelo Tribunal Constitucional no aresto n.º 118/97, a propósito das associações sindicais. De acordo com o art. 3.º do Decreto-Lei n.º 102/2000, de 2 de · Fevereiro, compete à Inspecção Geral do Trabalho:
a) “promover e controlar o cumprimento das disposições legais, regulamentares e convencionais respeitantes às condições de trabalho, designadamente as relativas a segurança, higiene e saúde no trabalho” (alínea a) do n.º l);
b) “promover e controlar o cumprimento das normas relativas ao apoio ao emprego e à protecção no desemprego, bem como ao pagamento das contribuições para a segurança social, na medida em que não prejudique a sua acção relativamente às condições de trabalho” (alínea a) do n.º 2);
c) “aprovar e controlar o cumprimento de regulamentos internos” (alínea b) do n.º 2) [214].
Tendo presente o direito “(…) de exercer o controlo de gestão nas empresas” (art. 54.º, n.º 5, alínea b), da CRP), concretizado, entre outros, no art. 29.º, alíneas d) e f), da LCOMT [215-216], devemos concluir que as comissões de trabalhadores podem desencadear (e intervir) o procedimento administrativo, como aliás refere a alínea f) citada, pois, caso contrário, parte desta função fiscalizadora ficaria irremediavelmente mutilada. Como diz o Tribunal Constitucional, apesar de se referir às associações sindicais, “em todos estes casos [do art. 3.º] se prevê uma actividade administrativa – embora de tipo fiscalizador ou inspectivo – que supõe a existência de um procedimento administrativo. Ora, excluir a possibilidade de [tais associações] ( … ) promoverem o início desse procedimento administrativo, ou .de nele intervirem, em matérias como as referidas, significaria uma amputação inaceitável dos poderes que, necessariamente, decorrem das finalidades que a Constituição lhes reconhece, e, portanto, lhes são garantidos ( … )” [217]. Aliás, posição diferente levaria, repita-se, à incongruência de a Lei fundamental admitir a intervenção no procedimento legislativo (art. 54.º, n.º 5, alínea d)) e a lei ordinária negar no administrativo. Deste modo, pensamos que também as comissões de trabalhadores possuem legitimidade procedimental quer para iniciar quer para intervir. Sabendo que as comissões de trabalhadores são formadas por trabalhadores de uma empresa, cujo número é bastante variável, parece-nos que nenhum problema se levanta na subsunção no segmento da norma que se refere às “( … ) associações ( … ) que tenham por fim a defesa desses interesses ( … )” (art. 53.º, n.º 1, in fine, do CPA).

IX. Relativamente às associações patronais, a questão parece ser mais complexa. Poderíamos dizer que como o CPA se refere a “associações sem
carácter político ou sindical” não se aplica às associações patronais, uma vez que estas não têm carácter sindical, mas sim patronal, Evidentemente que o argumento é meramente literal e sem grande precedência, pois o que o legislador pretendeu foi naturalmente excluir ambas, ainda que no nosso ordenamento a expressão sindical – ao contrário doutros – quer legal quer doutrinariamente seja entendida corno dizendo respeito aos trabalhadores. Por outro lado, a argumentação expendida a propósito das associações sindicais e das comissões de trabalhadores não pode ser utilizada, uma vez que as associações patronais não são objecto de normas constitucionais (expressas). Mesmo as que se lhes aplicam, corno por exemplo a liberdade de associação (art. 46.º) ou o direito de iniciativa económica (art. 61.º), não impõem (explicita ou implicitamente) a participação no procedimento administrativo.
Há, no entanto, em nossa opinião – ainda que não isenta de algumas reservas e sem prejuízo de o assunto carecer de uma análise mais pormenorizada, nomeadamente sobre os diferentes interesses que a norma pode abarcar, o que não impede que tomemos uma posição de princípio – valores constitucionais que são postergados com a restrição da concessão da legitimidade às associações patronais. Com efeito, prescreve a Lei fundamental que “a Administração Pública será estruturada de modo ( … )a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva, designadamente por intermédio de associações públicas; organizações de moradores e outras formas de representação democrática” (art. 267.º, n.º l); por sua vez, o n.º 5 do mesmo preceito, norma que é considerada como consagrando um direito, liberdade e garantia [218], determina que “o processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito”. Tenhamos então presente que, como escreve VASCO PEREIRA DA SILVA, o nosso ordenamento estabelece uma harmonização da participação dos particulares no procedimento com os interesses de uma Administração Pública democrática, “( … ) cujas decisões devem ser legitimadas também pela intervenção dos privados que são por ela afectados ( … )” [219]. Por outro lado, sabemos que “as pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza” (art. 12.º, n.º 2, da CRP).
Assim sendo, podemos dizer que as associações patronais devem usufruir do princípio da participação dos interessados na Administração, que é, como vimos, uma imposição da Lei fundamental. É certo que pode haver restrições aos direitos, liberdades e garantias, mas essas restrições têm de se “(…) limitar ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art. 18.º, n.º 2). E que valores são esses que impõe a restrição à legitimidade das associações patronais? Não poderão ser seguramente os motivos que, segundo ESTEVES DE OLIVEIRA / COSTA GONÇALVES / PACHECO DE AMORIM, levaram à exclusão legal escrevem os Autores que as associações com carácter político ou sindical foram afastadas “(…) em virtude, certamente, de disporem de meios de pressão que fazem recear pela imparcialidade do procedimento” [220] – pois esses não tem guarida constitucional.
Nem se diga que esta restrição é uma concretização da desigualdade com que a Constituição trata as associações patronais e as associações de trabalhadores, pois é necessário que haja motivos relevantes para se manter essa diferenciação, o que no caso concreto, e atendendo aos fins da participação no procedimento [221], não nos parecem existir.
Parece-nos, então, que razão tem o Tribunal Constitucional, quando ao tratar da legitimidade das associações sindicais – no aresto que declarou o preceito inconstitucional – afirma, a propósito do princípio da participação dos interessados que “este é, inequivocamente, um imperativo constitucional que há-de encontrar no Código do Procedimento Administrativo a sua forma de concretização por excelência e impede, portanto, qualquer interpretação restritiva como aquela a que acima se referiu” [222].

 

§ 3.º DA SITUAÇÃO JURÍDICA DOS REPRESENTANTES DOS SUJEITOS COLECTIVOS

5. Generalidades

I. Prescreve o n.º 6 do art. 55,º da CRP que “os representantes eleitos dos trabalhadores gozam do direito (…) à protecção legal adequada contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções” . Por sua vez, “os membros das comissões (de trabalhadores) gozam da protecção legal reconhecida aos delegados sindicais” (art. 54.º, n.º 4, da CRP) [223].
Esta protecção constitucionalmente conferida aos membros das associações sindicais e das comissões de trabalhadores revela-se em dois sentidos: a) por um lado, confere aos seus titulares um direito de defesa no exercício das suas funções e, por outro b) adstringe o legislador no sentido de elaborar formas adequadas de protecção [224]. Este especial estatuto de protecção encontra justificação no facto de para os trabalhadores eleitos poderem exercer capaz e eficazmente as suas competências e atribuições precisam de garantias de que as sua atitudes e reivindicações não serão objecto de quaisquer retaliações, situação que lhes permitirá assegurar as suas actividades com total independência e liberdade [225]. Deste modo, o vínculo laboral fica imune a quaisquer tentativas de alterações que se devam ao legítimo exercício das actividades de que estão incumbidos, mas não poderemos, sob pena de subverter a ratio da protecção, de ir ao ponto de defender a imunidade da relação laboral quanto a factos que não tenham qualquer conexão com a actividade representativa ou que nela não encontrem apoio.

II. O nosso legislador infra-constitucional sufragou no cumprimento da imposição constitucional, segundo a qual os representantes eleitos gozam de protecção legal adequada (art. 55.º, n.º 6, in fine, da CRP), diferentes formas de protecção e de concessão da actividade na empresa. De facto, existem diversos modos de garantir um exercício da actividade sindical, tendo a lei previsto regras quanto aos membros da direcção (v. g. art. 22.º da LS), dos corpos gerentes – onde se incluem a direcção e o conselho fiscal – (art. 23.º da LS), além dos delegados sindicais (art. 32.º da LS) – o que abrange, naturalmente, os membros das comissões sindicais e das comissões intersindicais (vd: art. 2.º, alíneas i) e j), da LS). No entanto, estabeleceu limites, uma vez que tais regimes especiais acarretam acrescidos custos para a entidade patronal, segundo os quais existe um número máximo de delegados sindicais que podem usufruir de certas prerrogativas (art. 33.º da LS) [226-227].
Por outro lado, igual protecção consagrou para os membros das comissões de trabalhadores, aliás, no estrito cumprimento do art. 55.º , n.º 4, da CRP e expressamente referido no art. 16.º da LCOMT, segundo a qual “os membros das comissões de trabalhadores, das comissões coordenadoras e das subcomissões de trabalhadores gozam de protecção legal reconhecida aos delegados sindicais”.
Vejamos, então, algumas [228] das diferentes formas que o legislador ordinário consagrou quanto à regulação da situação jurídica dos sujeitos individuais que têm como actividade a defesa dos trabalhadores, salientando-se, como já havíamos referido [229]:
a) os créditos de tempo (art. 32.º da LS e art. 20.º da LCOMT);
b) as faltas (art. 22.º da LS e art. 20.º, n.º 9, da LCOMT);
c) a inamovibilidade (arts. 23.º e 34.º da LS e art. 16.º da LCOMT);
d) a presunção de sanção abusiva (arts. 32.º, n.º 1, alínea c), n.º 2 e 3, e 34.º da LCT);
e) o despedimento (arts. 24.º e 35.º da LS, art. 16.º da LCOMT e art. 23.º, n.º4 e 5, da NLDESP).

 

6. Créditos de tempo e faltas

I. Os membros das comissões de trabalhadores (art. 20.º da LCOMT), os membros· da direcções dos sindicatos (art. 22.º, n.º 2, da LS) e os delegados sindicais (art. 32.º da LS) [230] dispõem de créditos de tempo para exercerem as suas actividades. No primeiro caso, os membros das cornissões de trabalhadores disporão de 8 horas mensais na situação das subcomissões, 40 horas mensais no caso das comissões de trabalhadores e 50 horas mensais no caso das comissões coordenadores (art. 20.º, n.º 1, da LCOMT); no segundo caso – membros da direcção – têm um crédito de 4 dias por mês (art. 22.º, n.º 2, da LS); enquanto que os delegados sindicais, têm um crédito de horas que não pode ser inferior a cinco por mês ou a oito, caso se trate de delegado que faça parte da comissão intersindical (art. 32.º, n.º 1, da LS) [231].
Quando qualquer destes trabalhadores utiliza o crédito de horas mantém o direito à remuneração e à antiguidade, ou seja, não pode ter qualquer efeito prejudicial na sua esfera jurídica [232]. Diversamente, quando usufruem do regime das faltas justificadas (arts. 23.º, alínea e), e 26.º, n.º 2, alínea a), da LFFF, art. 20.º n.º 9, da LCOMT e art. 22.º, n.º 1, da LS) não mantêm o direito à remuneração [233], mas tal ausência não pode afectar a antiguidade [234] ou outros direitos [235].

II. Temos, então, a par do crédito de horas um direito a faltas justificadas, com as diferentes consequências assinaladas [236].
Para alguma doutrina, os créditos de tempo dispensam ainda a alegação e a prova do motivo da não comparência [237]. Não nos parece a melhor solução, uma vez que:
a) a própria lei sindical exige que os delegados sindicais quando pretenderem exercer o crédito de horas, avisem com a antecedência mínima de um dia (art. 32.º, n.º 3, da LS);
b) ora, não é plausível que o legislador imponha o mais – em termos de actividade do representante – que é o aviso e ignore o menos que é o motivo [238];
c) por outro lado, se o direito de crédito de horas se prende com o exercício de funções sindicais – como diz a lei “cada delegado sindical dispõe, para o exercício das suas funções(…)” [239] (art. 31.º, n.º 1, da LS) -, como é que poderá a entidade patronal aferir da licitude do exercício do direito?;
d) mais: segundo o art. 342.º do CC aquele que invoca um direito cabe a prova dos factos constitutivos do direito alegado [240].
Assim sendo, defendemos que o crédito de horas tem apenas e somente a consequência de não permitir o desconto da retribuição, mas não isente o trabalhador de apresentar, quando solicitado pela entidade patronal, o respectivo comprovativo. Idêntico regime probatório se aplica quando o trabalhador pretenda usufruir do regime das faltas justificadas. Caso não o faça, a sua falta será considerada injustificada (art. 25.º, n.º 3 e 4, da LFFF).

 

7. Inamovibilidade

I. Estabelece a Lei Sindical que “os membros dos corpos gerentes das associações sindicais não podem ser transferidos de local de trabalho sem o seu acordo” (art. 23.º) e que “os delegados sindicais [e os membros das comissões de trabalhadores] não podem ser transferidos de local de trabalho sem o seu acordo e sem prévio conhecimento da direcção do sindicato respectivo” (arts. 34.º e 16.º da LCOMT).
O conteúdo desta norma tem de ser relacionado com a regra da inamovibilidade consagrada no art. 21.º, n.º 1, alínea e), da LCT, segundo a qual o trabalhador não pode ser transferido pela entidade patronal, salvo o regime previsto no art. 24.º do mesmo diploma [241]. Nesta última norma, estabelecem-se os termos em que pode haver transferência de trabalhadores, tendo o legislador consagrado um regime para a transferência individual e outro para a mudança total ou parcial do estabelecimento do local onde o trabalhador presta a sua actividade [242].
O legislador estabeleceu, como referimos, um diferente regime quando estão em causa membros de corpos gerentes (art. 23.º da LS), delegados sindicais ou membros das comissões de trabalhadores (art. 34.º da LS e art. 16.º da LCOMT); neste caso, exige acordo dos membros dos corpos gerentes e ainda, se estivermos perante delegados sindicais ou membros das comissões de trabalhadores, o conhecimento da direcção do respectivo ente colectivo. O que está em causa é impedir o afastamento dos representantes dos trabalhadores dos seus colegas, de modo a que os representados não sejam privados das suas acções e reivindicações.
Face ao propósito do legislador, deve questionar-se: o regime consagrado para os representantes dos trabalhadores consagra uma excepção ao previsto para a generalidade dos trabalhadores (que inclui a transferência individual e a mudança total ou parcial do estabelecimento, art. 24.º da LCT) ou apenas excepciona alguma destas modalidades da transferência? A doutrina tem entendido [243] que O regime legal dos representantes dos trabalhadores apenas afasta a transferência individual, nos termos gerais, mas não impossibilita a mudança total ou parcial do estabelecimento. Na verdade, posição diferente seria dificilmente sustentável, uma vez que o que está em causa é impedir o isolamento dos trabalhadores representantes, mas não a mudança total ou parcial do estabelecimento.
Aliás, se se verificar, por exemplo, uma mudança total do estabelecimento, o trabalhador que representa os seus colegas ficaria numa local onde já não existe nenhuma razão para estar, uma vez que os restantes trabalhadores foram mudados de local; por outro lado, qualquer impedimento, com esta amplitude, colidiria com a liberdade de iniciativa económica (art. 61.º da CRP), pois obstaculizaria o desenvolvimento da empresa [244].

II. No entanto, a inaplicação da primeira parte do n.º 1 do art. 24.º da LCT não pode levar a que se impeça a mudança, por exemplo, dentro do próprio perímetro geográfico da empresa [245], salvo se a indicação (contratual) do local tiver uma cláusula que o impeça [246]. Com efeito, atendendo à própria noção de local de trabalho -, i.e., o espaço geográfico onde o trabalhador está adstrito a realizar a sua prestação laboral -, e tendo presente que o que está em causa são alterações ao local, desde que esse se mantenha não existem quaisquer limitações [247].
Todavia, se o objectivo for isolar o trabalhador – colocando, por exemplo, numa área ligeiramente afastada, temos disponíveis institutos gerais – como por exemplo, o abuso de direito (art. 334.º do CC) -, não ignorando, no entanto, todos os poderes que o trabalhador tem para dialogar com os colegas, nomeadamente os crédito de horas e as faltas justificadas. Só quando estiver em causa uma alteração do local é que se deve trazer à colação os preceitos acima referidos, que protegem o local dos representantes do trabalhadores, pelo que é primeiro analiticamente necessário apurar a própria área do local de trabalho.
Em suma, o regime previsto para os membros da direcção das associações sindicais, delegados sindicais e membros das comissões de trabalhadores apenas se aplica quando estiver em causa transferências individuais, não devendo ser aplicado às situações de mudança total ou parcial do estabelecimento. Naqueles casos, tem de haver – independentemente do prejuízo sério (art. 24.º, n.º 1, 1.ª parte, da LCT) – consentimento do trabalhador e, quando a lei o exige, conhecimento dos respectivos sujeitos colectivos [248].

 

8. Presunção de sanção abusiva

I. As sanções abusivas são uma das formas que pode assumir a concretização da figura do abuso de direito no âmbito do Direito do Trabalho [249].
Tal figura está consagrada no art. 32.º da LCT e naquilo que agora nos interessa estipula que: “consideram-se abusivas as sanções disciplinares motivadas pelo facto de um trabalhador:
c) exercer ou candidatar-se a funções em organismos corporativos ou de previdência ou em comissões corporativas” [250]. De acordo com a lei, presume-se abusivo qualquer despedimento ou a aplicação de qualquer sanção sob a aparência de punição de qualquer outra falta até um ano após o términos do exercício de funções em organismos representativos ou, caso não as venha a exercer, a data da apresentação da candidatura a essas funções, desde que estivesse ao serviço da mesma entidade (art. 32.º, n.º 2, da LCT).
Nesta norma prevêem-se então duas situações: a) o despedimento e a b) aplicação de outras sanções. Pensamos que relativamente ao despedimento a norma está revogada, uma vez que os arts. 24.º e 35.º da LS consagram esta matéria – mediante norma posterior e até de forma mais garantística -, mas mantêm-se em vigor na parte que respeita à aplicação de sanções em geral [251].

II. O objectivo da norma é comum às regas analisadas: proteger os representantes dos trabalhadores – membros (ou candidatos) dos corpos gerentes dos entes representativos dos trabalhadores e delegados sindicais -, evitando, rectius, tentando evitar qualquer acto persecutório por parte da entidade patronal [252] . Na situação descrita, presume-se que há uma utilização do poder disciplinar para fins diferentes daqueles que a lei visa, ou seja, de que a entidade patronal pretende sancionar não qualquer infracção, mas uma actividade lícita como é a candidatura ou o exercício de funções em organismos representativos dos trabalhadores. Como escreve MENEZES CORDEIRO, o abuso contém um duplo elemento: a) objectivo – após o trabalhador reivindicar direitos existe um procedimento disciplinar; b) subjectivo – a entidade patronal visa responder aos anteriores actos reivindicativos do trabalhador [253].
A presunção legalmente prescrita inverte o ónus da prova (art. 344.º do CC), cabendo, deste modo, ao empregador ilidir a presunção (art. 350.º, n.º 2, do CC), pelo que deverá provar a infracção e, por outro lado, demonstrar que a sanção seria aplicada ainda que o trabalhador fosse qualquer outro [254]. No entanto, há que ter presente que esta presunção tem uma validade limitada, uma vez que o legislador estabeleceu que a mesma apenas perdura durante um ano (art. 32.º, n.º 2, in fine, da LCT).
Todavia, o trabalhador para usufruir da presunção tem de demonstrar a verificação do facto previsto na alínea c), ou seja, que exerceu ou candidatou-se determinadas funções representativas de trabalhadores.

III. Relativamente às consequências de aplicação de uma sanção a um trabalhador, que se encontre numa situação que se subsuma na alínea c), o empregador tem de comunicar à Inspecção Geral do Trabalho tal facto, que deverá ser fundamentado (n.º 3 do art. 32.º da LCT) [255]. O que aqui está em causa é ainda a protecção dos representantes, pois o legislador pretendeu possibilitar o controlo dos motivos da sanção por parte das autoridades públicas [256].
Caso a aplicação da sanção seja abusiva – facto que causará consequentemente a sua nulidade em virtude da ilegalidade praticada -, a entidade patronal tem de indemnizar o trabalhador, nos termos gerais de direito, não podendo ser, no caso de ter sido aplicada a sanção de multa ou de suspensão da actividade laboral, a indemnização inferior a vinte vezes a importância daquela ou da retribuição perdida (arts. 34.º, alínea a), e 33.º, n.º 3, da LCT) [257]. Por outro lado, a conduta do empregador pode ser objecto de uma coima (?)

 

9. Despedimento

I. Também em matéria de cessação da relação laboral o legislador protegeu os trabalhadores que exercem funções sindicais – ou que foram candidatos ou que as exerceram há menos de cinco anos – ou funções nas comissões de trabalhadores. Com efeito, prescreve o art. 24.0 , n.º 1, da LS que “o despedimento dos trabalhadores candidatos aos corpos gerentes das associações sindicais, bem como dos que exerçam ou hajam exercido funções dos mesmos corpos gerentes há menos de cinco anos, com início em data posterior a 25 de Abril de 1974, presume-se feito sem justa causa”; estabelece ainda o legislador que no caso de o despedimento ter sido feito sem prova de justa causa, tal situação confere ao trabalhador despedido o direito de optar entre a reintegração na empresa e uma indemnização correspondente ao dobro que lhe caberia nos termos gerais, mas nunca inferior à retribuição correspondente a 12 meses de serviço (art. 24.º, n.º 2, da LS [258]). Por sua vez, e no que respeita aos delegados sindicais e aos membros das comissões de trabalhadores, a lei confere uma protecção quer aos que exercem funções no momento do despedimento quer aos que despenharam há menos de cinco anos, impondo as mesmas consequências há pouco referidas (art. 35.º, n.05 1 e 2, da LS) [259].
Esta especial tutela dos trabalhadores que exercem funções representativas visa, e na linha do que temos vindo a referir, acautelar a afectação do vínculo laboral por motivos que se prendam com a actividade representativa dos trabalhadores e que nada têm a ver com a prestação laboral [260].

II. Vejamos agora o verdadeiro alcance (prático) dos preceitos que, como referimos, presumem a inexistência de justa causa [261]. Pouco tempo depois da entrada em vigor da Lei Sindical, LOBO XAVIER veio afirmar que estes preceitos não possuem qualquer consequência prática, uma vez que o ónus da prova de Justa causa de despedimento está sempre a cargo da entidade patronal, pois nunca se presume a existência de justa causa; ao empresário cabe provar as circunstâncias que constituem a justa causa [262]. Em escrito posterior – referindo-se à justa causa de despedimento -, o Autor manteve e desenvolveu esta posição, explicando (e demonstrando) que, em síntese, existe uma variedade de situações que são relevantes para efeitos de apreciação do conceito indeterminado que é a justa causa; por outro lado, que a justa causa não tem somente a ver com factos, mas também com valores, e que, nesta medida, não são susceptíveis de ser objecto de alegação e de prova; e, finalmente, a necessidade de um juízo de prognose que não sendo juízo de facto também não podem ser objecto de alegação e prova [263].
Igualmente crítica, ainda que algo diferente, ROMANO MARTINEZ começa por afirmar que, nos termos do art. 342.º do CC, cabe ao empregador a prova dos factos constitutivos da justa causa, pelo que inexiste qualquer presunção de justa causa; assim sendo, as presunções legalmente estabelecidas de ausência de justa causa, apenas terão algum sentido para apurar se o motivo invocado tem subjacente algum acto persecutório [264]. Acrescenta ainda o Professor, que em virtude da justa causa ser um conceito indeterminado, o que o empregador tem de provar é a conduta ilícita do trabalhador, i.e., o dever obrigacional violado, presumindo-se consequentemente que a sua actuação foi culposa com base no art. 799.º do CC; posteriormente a entidade patronal tem de provar a existência de um nexo causal entre a conduta do trabalhador e a impossibilidade de subsistência da relação laboral [265].

III. Não obstante o acerto das críticas referidas, pensamos que a questão carece de uma solução e consequentemente de uma resposta diferente, sob pena de ser desconsiderado o art. 9.º, n.º 3, do CC e de o preceito não ter qualquer conteúdo útil. Por outro lado, não podemos ignorar o estado doutrinário em que se encontrava a questão [266].
Tentemos uma solução, ainda que uma maior definitividade ultrapasse a natureza deste texto.
A Lei Sindical data de 30 de Maio de 1975; na altura estava em vigor, no que respeita a cessação por justa causa, a LCT (de 1969) que admitia, naturalmente, a cessação com justa causa [267] (arts. 98.º, n.º 1, alínea e), e 101.ºda LCT [268]). No entanto, a sua falta não afectava e eficácia da decisão por parte da entidade patronal, ainda que impusesse a esta a obrigação de indemnizar no valor da retribuição correspondente ao período de aviso prévio em falta (arts. 98.º, n.º 2, 109.º e 107.º [269]). Dito de outra forma: a cessação com ausência de justa causa, apesar de irregular, não condicionava a sua eficácia extintiva, tendo apenas consequências indemnizatórias, o que impedia, naturalmente, o trabalhador de ter a possibilidade de ser reintegrado [270].
A Lei Sindical, ao estabelecer que se presume sem justa causa – logicamente que se trata de uma presunção juris tantum (art. 350.º, n.º 2, do CC) [271] – o despedimento dos trabalhadores que se tenham candidatado aos corpos gerentes, os que tenham exercido ou exerçam funções nesses corpos gerentes, bem como os delegados sindicais e os membros das comissões de trabalhadores (arts. 24.º, n.º 1 e 35.º, n.º 1, da LS e art. 16.º da LCOMT), pretendeu, na altura, consagrar um regime especial para a concessão de indemnização; a isto acrescentou o direito de escolha entre a reintegração na empresa e a indemnização – o dobro da que seria devida nos termos gerais, mas nunca inferior a doze meses de serviço – (arts. 24.º, n.º 2, e 35.º, n.º 2, da LS) [272] .
Esta era o alcance da norma na época da sua origem.
Depois deu-se a evolução das modalidades de despedimento (promovido pela entidade empregadora) [273], e actualmente temos, relativamente ao despedimento, quatro modalidades (individual, colectivo, extinção de postos de trabalho e inadaptação) [274].
Por outro lado, como referem os Autores já citados, in casu LOBO XAVIER, só por inadvertência é que se pode escrever que compete à entidade patronal a prova da insubsistência da relação laboral; “esta impossibilidade envolve a noção jurídica da justa causa e, não sendo naturalística, mas jurídica, implica tipicamente matéria de direito. Daí que a entidade patronal tenha apenas de provar os factos e circunstâncias aptas a convencer o Tribunal da verificação da situação de impossibilidade, que, como conclusão jurídica, – repetimo-lo – não é objecto de prova” [275]. Não se faz prova, escreve ROMANO MARTINEZ, da justa causa, pois esta é um conceito indeterminado [276]. Como ensina MENEZES CORDEIRO: “o apelo, feito pelo legislador, ao conceito de «justa causa» coloca-nos perante um instituto que não admite subsunção pura e simples. Antes haverá que preenchê-lo com recurso a coordenadas valorativas, facultadas pela Ciência do Direito” [277].
Tem sido considerado que a justa causa (subjectiva, art. 9.º da NLDESP) assenta em três elementos: a) elemento subjectivo – comportamento culposo do trabalhador; b) elemento objectivo – impossibilidade de subsistência da relação laboral; c) nexo de causalidade – entre o comportamento culposo e a impossibilidade de subsistência [278]. Por outro lado, o ónus da prova cabe, como vimos à entidade patronal (art. 342.º do CC e art. 12.º, n.º 4, da NLDESP). ‘ Relativamente ao elemento subjectivo, sabemos que o trabalhador tem contra si uma presunção de culpa pelo incumprimento, cumprimento defeituoso ou mora da prestação [279] (art. 799.º do CC) [280]. Ou seja, cabe ao trabalhador provar, em face do não cumprimento de um dever contratual, de que o mesmo se não deve a culpa sua. Dito de forma mais correcta, na esteira do já referido: o trabalhador tem de provar os factos que afastam o juízo de censurabilidade.
Assim sendo, podemos então atribuir conteúdo útil à norma em análise: a presunção de culpa que onera o trabalhador (art. 799.º do CC) é afastada pela regra da LS (arts. 24.º, n.º 1, 35.º, n.º … , e 16.º da LCOMT), que presume a inexistência da mesma, pelo que cabe ao empregador a prova dos factos constitutivos da mesma [281].

IV. Chegados a este momento, impõe-se a seguinte questão: qual o âmbito de previsão da norma, i.e., quais os tipos de despedimento que são susceptíveis de serem subsumidos nesta regra [282]. Como parece óbvio – por um lado, sabendo que só pode haver despedimento com justa causa (art. 53.º da CRP) [283] por outro, atendendo à própria letra das normas em análise – só pode respeitar à justa causa. Mas será que se devem incluir os quatro tipos de despedimentos (individual, colectivo, extinção de postos de trabalho e inadaptação)? É certo que aparentemente a posição há pouco tomada, pode condicionar a resposta à presente questão, uma vez que na justa causa objectiva inexiste culpa.
Vejamos o problema mais de perto.
Atendendo à ratio do preceito parece-nos que actualmente a tutela especialmente conferida inclui naturalmente o despedimento individual por justa causa subjectiva. Na verdade, para que a actividade sindical seja exercida com independência e liberdade carece de especial protecção a cessação por justa causa subjectiva, devendo estar protegido o vínculo de quaisquer actos persecutórios; essa foi a intenção do legislador em presumir a inexistência de factos constitutivos da justa causa, in casu, constitutivos da culpa.
No despedimento colectivo [284] o que está em causa são postos de trabalho e não este ou aquele trabalhador; o fundamento existente para a cessação dos vários vínculos tem de ser comum (art. 16.º da NLDESP) [285], caso contrário não teremos um despedimento colectivo. Deste modo, esse fundamento comum não pode existir face a uns trabalhadores e inexistir face a outros, inviabilizando, tal situação, especiais medidas de protecção – para além das já expressamente concedidas [286] – relativamente aos trabalhadores com funções de representação [287]. Por outro lado, o ónus da prova da verificação dos requisitos necessários já cabe entidade patronal [288], além de que, como sabemos, inexiste culpa.
Resulta do exposto que há uma impossibilidade de aplicar, em termos úteis, os preceitos em causa (arts. 24.º e 35.º da LS) a este instituto. MI.Y
No que respeita à extinção de postos de trabalho [289] e ao despedimento por inadaptação [290]), pensamos que idêntica argumentação é procedente.
Por um lado, o ónus da prova está a cargo da entidade patronal (art. 342.º do CC e art. 8.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 400/91, de 16 de Outubro, que trata do despedimento por inadaptação) [291]; por outro, estando perante justa causa objectiva (sem culpa) não poderemos invocar o art. 799.º do CC, e consequentemente a inversão da presunção.
Pelo exposto, também a presunção de inexistência de justa causa resulta inaplicável a estas duas figuras.

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