06.02.2020

Áreas de Prática: Societário, Comercial e M&A

Fonte: Funds People

Novas regras prudenciais aplicáveis às empresas de investimento

Warren Buffett disse um dia que levamos 20 anos a construir uma reputação, mas que bastam cinco minutos para arruiná-la. Esta afirmação tem especial acutilância no sector financeiro, dado que a queda de um agente económico pode trazer riscos sistémicos com impacto na vida de todos nós. Sendo assim, a ruína de um pode ser a ruína de todos.

Consciente desta realidade, a União Europeia aprovou recentemente dois diplomas que introduzem mudanças substantivas à pirâmide normativa das regras prudenciais em vigor. Foram publicados no pretérito dia 5 de dezembro de 2019 dois diplomas relativos à supervisão prudencial de empresas de investimento: o (i) Regulamento (UE) 2019/2033 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de novembro (doravante Regulamento) e a (ii) Diretiva (UE) 2019/2034 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de novembro (doravante Diretiva).

À data da aprovação dos diplomas supracitados, os requisitos prudenciais aplicáveis às empresas de investimento decorriam do Regulamento (UE) n.º 575/2013 e da Diretiva 2013/36/EU. Estes instrumentos foram desenhados, de um ponto de vista teleológico, para premunir os riscos internalizados pelas instituições de crédito. Neste sentido, pretendiam garantir a capacidade de estas manterem a sua atividade de concessão de crédito no decorrer dos ciclos económicos, acautelando em concomitância os interesses dos depositantes e dos contribuintes face a um cenário de insolvência. Ora, é sabido que as empresas de investimento não se dedicam à acumulação de carteiras de crédito, bem como não estão vocacionadas para a recolha de depósitos junto dos seus clientes. Sendo assim, realidades diferentes mereceram em 2019, pelo crivo do legislador europeu, tutelas também elas diferentes.

Neste contexto, podemos dividir as novidades legislativas em 5 requisitos prudenciais que as empresas de investimento terão que respeitar: (i) fundos próprios; (ii) concentrações; (iii) liquidez; (iv) reporte; (v) Informação.

Quanto ao primeiro, estas empresas terão que calcular o requisito de fundos próprios mediante uma série de “fatores K” que agregam e refletem o risco para o cliente (“RtC”), o risco para o mercado (“RtM”) e o risco para a empresa (“RtF”). No que concerne ao segundo requisito, terão que monitorizar o risco de concentração interna (da empresa) e externa (do cliente). As empresas de investimento com fundos próprios calculados nos termos dos “Fatores K” estão obrigadas a reportar aos reguladores competentes os seus riscos de concentração. Em terceiro lugar, são exigidos procedimentos internos que assegurem ativos líquidos idóneos para fazer frente a uma situação de crise. Para tal, o Regulamento recorre à técnica da tipicidade ao estabelecer um elenco taxativo de ativos líquidos admissíveis. De acordo com o quarto requisito, as empresas de investimento terão que apresentar um relatório trimestral às autoridades competentes com informação sobre as matérias previstas nos três primeiros (fundos próprios, concentrações e liquidez).

Quanto ao último requisito, a União Europeia continua a demonstrar uma grande preocupação com a circulação de informação. Tanto o Regulamento como a Diretiva preveem diversos mecanismos de troca privilegiada de informações, bem como uma prerrogativa de controlo local da atividade das sucursais.

Finalmente, mas não menos importante, existem diversas normas que refletem preocupações com os stakeholders, bem como com bens jurídicos e metajurídicos. A título de exemplo, estabelece-se uma política de neutralidade salarial, obrigando o artigo 51.º do Regulamento à divulgação às autoridades competentes das práticas salarias. Já o artigo 35.º da Diretiva, por sua vez, obriga o regulador bancário europeu (EBA) a elaborar um relatório sobre a adequação das normas prudenciais aos valores ambientais, sociais e de governo (ESG).

O Regulamento entra em vigor no dia 26 de março de 2021. A diretiva será transposta até 26 de junho de 2021, ressalvando-se a aplicação de algumas normas antes daquela data enquanto decorrer a atual fase transitória.

Artigo da autoria do sócio da Abreu Advogados, José Maria Côrrea de Sampaio, e do advogado estagiário, João Carlos de Gusmãooriginalmente publicado na revista Funds People.

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