28.04.2022

Áreas de Prática: Trabalho

Nótula sobre o contrato de trabalho e a codificação civil

Artigo originalmente publicado nos Cadernos Sociedade e Trabalho: Da Escravidão ao Trabalho Digno: nos 150 anos da abolição da escravidão em Portugal e nos 100 anos da criação da oiT, numa edição do Direção de Serviços de Apoio Técnico e Documentação (DSATD), Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP).

 

Resumo
O texto analisa o modo como as codificações civis, em especial as portuguesas, regularam o contrato de trabalho, concluindo-se, por razões várias e diferentes, que este acabou por não merecer grande atenção do legislador civil.

 

1.º Breve enquadramento

O movimento de extinção das corporações foi-se propagando pela Europa, tendo atingindo o seu apogeu com a Revolução Francesa [2], que, naturalmente, “contagiou” outros países [3]. A mutação das condições de trabalho seria inevitável num caminho doutrinariamente aberto pelo iluminismo [4] e perante um povo numa aguda situação de desemprego e com acentuada carência de bens essenciais [5]; chegou-se, aliás, a considerar a própria intervenção estadual como responsável pela miséria e caos social existente, posição que foi criando cada vez mais espaço para o desenvolvimento do liberalismo político e económico [6]. Ao acreditar na omnipotência da liberdade individual e ao preconizar os princípios da liberdade e da igualdade, a Assembleia Nacional Francesa não se limitou a afirmar na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (de 26 de agosto de 1789) [7], que “os homens nascem e são livres e iguais em direitos” (artigo 1.º, 1.ª parte) e que “a liberdade consiste em fazer tudo aquilo que não prejudique outrem …” (artigo 4.º) [8], tendo também aplicado estes princípios ao trabalho, removendo, assim, do seu exercício qualquer obstáculo [9]. Estava construída a cartilha do liberalismo moderno.
Em síntese, o liberalismo, principalmente na versão influenciada por Rousseau, opunha-se aos entes intermédios: “entre o indivíduo e o Estado não havia lugar para outros centros de poder” [10].

II. O termo das corporações consagrou, nas certeiras palavras de Kahn-Freund, o “princípio de inexistência de qualquer mediação entre os indivíduos e a volonté generale manifestada pelo Estado. A fixação de salários e jornadas de trabalho era remetida para a negociação individual (aux conventions libres d´individu à individu) …” [11]. A nova organização do trabalho, assente na liberdade do trabalho e da grande indústria, era incompatível com quaisquer entes intermédios. O Estado concedia assim especial atenção à temática – ainda que, em alguns casos, indirectamente – das relações de trabalho, mais exactamente aos conflitos colectivos.
Por outro lado, a liberdade assente no individualismo e a proibição do associativismo profissional então instalada foi um factor importante para o progresso da economia da Europa Ocidental, notando-se que os resultados verificados em Inglaterra e em França relevaram para a propagação dos ideais liberais [12].
As relações laborais passaram a ser essencialmente regidas pela autonomia da vontade (individual), criando-se um novo modelo jurídico assente no capitalismo, traduzido pelos princípios da liberdade de iniciativa económica (liberdade de comércio) e da contratação, assente da autonomia da vontade, que “se converteram em dogma de fé” [13]. O individualismo eleito como vector central da sociedade não poderia naturalmente deixar de nortear as intervenções legislativas.

 

2.º Código Civil (1867)

I. Os códigos oitocentistas alicerçados essencialmente na liberdade de trabalho, na autonomia da vontade, na igualdade e no individualismo [14], “abandonaram o trabalho inteiramente à violência da concorrência e às alternativas da lei da oferta e da procura. O contracto de trabalho ocupa nesses Códigos um lugar obscuro e secundário, quando todos os contractos que se referem à propriedade mereceram a maior atenção e cuidado do legislador” [15]. E, deste modo, “os Códigos oitecentistas, repassados, por um individualismo absorvente, desviaram os olhos das questões sociais” [16/17], em que o trabalho subordinado era perspectivado como um fenómeno (económico) de troca da prestação pela retribuição. De facto, o Código Civil francês (1804), “impregnado de individualismo dogmático dos jurisconsultos do fim do século XVIII” [18] – com relevante influência na codificação europeia [19] – regulou a prestação subordinada como uma modalidade do contrat de louage (artigos 1710.º, 1779.º a 1781.º) [20], tal como Código Civil español (1889), arrendamiento de obras y servicios (artigos 1583.º a 1587.º) [21] e o Codice Civile del Regno italiano (1865), locazione delle opere (artigos 1568.º, 1570.º, 1627.º a 1646.º) [22].

II. Já o Código de Seabra (1867) tratou, no âmbito dos contratos em particular (título II), o serviço doméstico e o salariado como modalidade do contrato de prestação de serviços (artigos 1370.º a 1390.º e 1391.º a 1395.º, respectivamente), acolhendo também os valores liberais reinantes [23/24]. Na verdade, o Código [25] – elaborado na linha do Código de Napoleão (1804) – apresentava uma feição acentuadamente liberal e individualista [26], não contendo respostas aos anseios do operariado [27].
Na esteira da feição individualista acima referida, o Código Civil continha uma manifesta e insuficiente regulação do contrato de trabalho [28/29]. Deve, no entanto, sublinhar-se que, “no plano dogmático, desvenda-se, em golpe antecipador, a ideia de subordinação jurídica que se viria a tornaruma marca decisiva da relação de trabalho” [30]. Na realidade, como nota Lobo Xavier, «os códigos civis do século XIX ocultam pudicamente a ideia de que um homem livre estava subordinado a outro homem livre e não deixam quase lugar a uma noção capaz do contrato de trabalho. No final desse século, apesar do seu desenvolvimento industrial e da perfeição da sua ciência jurídica, a Alemanha não consagra no BGB o contrato de trabalho, mantendo a fórmula do contrato de serviço (Diensvertrag).
A excepção nas codificações liberais é a do Código Civil português de 1867, em que o Visconde de Seabra consigna ao trabalhador assalariado, com desarmante naturalidade, “o ser obrigado a prestar o trabalho a que se propôs conforme as ordens e direcção da pessoa servida”. Surge assim no Direito português, antecipando as legislações do século XX, a ideia de “direcção” patronal, que é outra face do conceito de “subordinação jurídica”» [31/32].

 

3.º Código Civil (1966)

I. A elaboração do Código Civil do século XX ocorreria num ambiente social, económico e jurídico substancialmente diferente do diploma de Seabra. Na verdade, depois de o liberalismo político e económico, acompanhado da proibição do associativismo, terem originado consequências económico-sociais nefastas [33] – tendo mesmo sido sustentado que “a história do liberalismo, de facto, pertence às páginas mais obscuras da História da humanidade” [34] – era imperiosa a regulação do Estado, face a um Direito Civil, assente nos dogmas da igualdade e da liberdade, incapaz de as impedir ou atenuar [35/36].

II. Esta situação social e económica – historicamente conhecida como Questão Social [37] – obrigaria a uma intervenção dos poderes públicos e levaria a acções colectivas dos trabalhadores; esta necessidade foi denunciada, desde logo, tanto pelas doutrinas socialistas [38], como pela doutrina social da Igreja [39], abandonando o Estado à abstenção normativa, característica (ainda) dos primeiros quartéis do século XIX, e tendo passado a intervir – ainda que inicialmente de forma avulsa, cirúrgica e pontual -, dando assim os primeiros passos embrionários do moderno Direito do Trabalho [40]. Surge então a altura do “intervencionismo humanitário” [41] que sucede ao “período tirânico” [42]. A interferência legislativa ocorreu em diversos países europeus, naturalmente com especial incidência na área do direito individual e das condições de trabalho, embora contendo limitações aplicativas (por exemplo, menores, mulheres), pois ainda houve muito caminho a trilhar até à generalização protectora dos trabalhadores e à previsão – não pontual – de sistemas assistenciais [43].
Os Estados ganhavam consciência da necessidade de interferir [44], o que aconteceria um pouco por toda a Europa, passando a imporem regras de protecção dos trabalhadores (v.g., trabalho infantil, feminino, tempo de trabalho e acidentes) [45], «convertendo o laissez faire da história moderna numa “aberração breve”» [46], assente na máxima de Henri-Dominique Lacordaire “entre o rico e o pobre, o amo e o serviçal, o senhor e o escravo, é a liberdade que oprime e a lei que liberta. O direito é a espada dos grandes, o dever é o escudo dos pequenos” [47].
Estava aberto o caminho para a tutela específica do trabalhador [48] que se traduziria em longas décadas de intervenções particulares, desde logo, na temática do contrato de trabalho.

III. Entre nós, e depois de alguns diplomas avulsos relativos às condições de trabalho [49], surge, em 1937, o primeiro regime específico do contrato de trabalho – Lei n.º 1:952, de 10 de março [50] – no qual, nas palavras de um deputado, “a liberdade de contratar cede perante as exigências sociais” [51], concedendo maior protecção aos trabalhadores. Na doutrina do regime político, na nova lei inscreveram-se: “… os grandes princípios que traduzem o espírito eminentemente social da economia corporativa e criam uma nova ordem jurídica destinada a substituir as fórmulas individualistas do passado. A preocupação principal dessa lei é a defesa dos interêsses do trabalhador, dentro dos limites em que essa defesa é legítima e compatível com as exigências vitais dos outros factores de produção” [52].

IV. Em 1966, quase três décadas depois, o regime do contrato de trabalho constante da Lei n.º 1:952 seria revogado. Há muito que o diploma de 1937 era visto como necessitando de modificações [53], tendo o novo quadro (Decreto-Lei n.º 47 032, de 27 de maio de 1966 ,[54]) introduzido novidades, nomeadamente, no direito individual [55/56].
O diploma de 1966 teve a preocupação, desde logo, de reconhecer, de forma expressa, diversas matérias que poderiam ser reguladas pela fonte convencional, clarificando a natureza das normas legais [57]. Por outro lado, identificou as fontes especiais aplicáveis ao contrato, fixou a hierarquia entre elas e delimitou os espaços de aplicação entre as fontes superiores e inferiores. Tratou-se de temas que tinham merecido a atenção da doutrina, obtendo agora resolução expressa sob a forma de lei [58].

V. Também em 1966, foi publicado o Código Civil [59/60]. Apesar de propostas de regulação do contrato de trabalho, o diploma conferiu uma atenção residual a esta figura, limitando-se a fixar a sua noção (artigo 1152.º) [61] e optando por uma norma remissiva para regulação especial (artigo 1153.º) [62].
A matéria dos contratos em especial foi da responsabilidade de Galvão Telles [63] que apresentou uma proposta de um capítulo sobre o contrato de trabalho, que continha duas secções (I- disposições preliminares e II – trabalho em empresas).
Na secção I, era definido o contrato de trabalho (artigo 1.º) [64], identificadas as suas espécies (artigo 2.º), regulada a celebração de actos jurídicos (artigo 3.º) e realizada uma referência a princípios, nestes termos: “Nos artigos seguintes contêm-se princípios orientadores da regulamentação do contrato de trabalho, a desenvolver por outras fontes de direito, em ordem a assegurar o máximo de justiça e de produtividade” (artigo 4.º).

Quanto a fontes de direito, o projecto de Galvão Telles, na secção II – trabalho em empresas, reconhecia a convenção como fonte, determinando que “os contratos individuais de trabalho em empresas são regidos pela lei, pelos regulamentos e pelas convenções colectivas de trabalho, segundo a indicada ordem de precedências” [65]; e acrescentava de seguida: “as cláusulas destas convenções prevalecem no entanto sobre as normas dispositivas das fontes superiores” (artigo 5.º, § 1.º).
A relação entre as cláusulas individuais e as normas imperativas tiveram também atenção especial, prevendo-se que estando o preceituado individualmente em divergência com as normas imperativas seriam aquelas substituídas, de iure, por estas, ainda que fossem anteriores (artigo 5.º, § 2.º).
No que respeita ao princípio do tratamento mais favorável – denominado do melhor tratamento do prestador de trabalho -, o mesmo era considerado critério de interpretação e qualificação da natureza das normas, determinando: “Em caso de dúvida, a interpretação e aplicação das normas e usos sobre contratos de trabalho, e das respectivas cláusulas, bem como a qualificação das mesmas normas imperativas ou dispositivas, deve fazer-se à luz do princípio do melhor tratamento do prestador de trabalho, sem prejuízo da produção” (artigo 7.º, § 1.º) [66].
A opção por uma regulação diminuta da temática laboral, mais precisamente, do contrato de trabalho foi sustentada por Vaz Serra, e depois acompanhada por Galvão Telles, citando-o, afirmando que “… entre nós o direito relativo às relações entre o trabalhador e a empresa (prescindindo já de outros aspectos) não pode dizer-se que tenha alcançado uma fase definitiva ou suficientemente estável para consentir a sua codificação, não parecendo, por isso, aconselhável, nas matérias abrangidas pela legislação social, ir além da enunciação de alguns princípios mais gerais (nos contratos em especial e na responsabilidade civil). Deixar-se-á às leis especiais o cuidado de desenvolver a regulamentação” [67].
Estava assim explicada a opção do regime do contrato de trabalho no Código Civil.

 

 

[2] Paul Pic, Traité Élémentaire de Législation Industrielle. Les Lois Ouvrières, sixième édition, Arthur Rousseau, Paris, 1930, pp. 69-70. Para uma apreciação geral tendo presente diversos países da Europa, Georges Renard, Syndicats, Trade-Unions et Corporations, O. Doin et Fils, Paris, 1909, pp. 133 e ss.
[3] Os valores presentes na Revolução Francesa influenciaram naturalmente vários países, apesar de alguns deles já terem iniciado o movimento de extinção das corporações. Foi o caso da Grã-Bretanha, em julho de 1799, através da Combinations of Workmen Act – alterada em 1800; sobre os diplomas, cfr., por exemplo, A. L. Morton e George Tate, The British Labour Movement, Lawrence & Wishart, London, 1979, p. 34.
[4] Soares Martinez, “Ensaio de um Curso Básico de História do Direito – Peninsular, Romano e Português – 2012-2013”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, volume LV, 2014, n.os 1 e 2, p. 77.
[5] Com informação pormenorizada, por exemplo, Pierre Jaccard, História Social do Trabalho, Círculo de Leitores, s.l., s.d., pp. 199 e ss.
[6] Sobre o individualismo político, jurídico e o liberalismo económico, entre muitos outros, Alonso Olea, “La Abstencion Normativa en los Origines del Derecho del Trabajo Moderno”, AAVV, Estudios de Derecho del Trabajo em Memoria del Professor Gaspar Bayon Chacon, Editorial Tecnos, Madrid, 1980, pp. 15 e, ss e 18 e ss, respectivamente. Para uma análise mais profunda do liberalismo, a título de exemplo, Paulo Otero, Instituições Políticas e Constitucionais, volume I, Almedina, Coimbra, 2007, pp. 179 e ss; Guido De Ruggiero, Storia del Liberalismo Europeo, terza edicione, Feltrinelli Editore, Milano, 1966, com uma análise do liberalismo inglês (pp. 91 e ss), francês (pp. 154 e ss), alemão (pp. 205 e ss) e italiano (pp. 266 e ss).
[7] Esta Declaração precedeu a primeira Constituição Francesa (de 3 de setembro de 1791) e foi influenciada pelo Bill of Rigts americano (1776), cfr. Guido Ruggiero, Storia del Liberalismo Europeo, cit., p. 67.
[8] Veja-se sobre o tema, e com amplo desenvolvimento, Paul-Boncour, Fédéralisme Économique, deuxième édition, Félix Alcan, Paris, 1901, pp. 21 e ss.
[9] Pode ver-se uma apreciação dos direitos individuais na sequência da Declaração de 1789 em A. Esmein, Éléments de Droit Constitucionnel Français et Comparé, Tome second, huitième édition, Recueil Sirey, Paris, 1928, em especial, pp. 568 e ss.
[10] Freitas Do Amaral, História das Ideias Políticas – Apontamentos, volume II, Pedro Ferreira Editor, Lisboa, 1998, p. 247. Veja-se também Alonso Olea, De la Servidumbre al Contrato de Trabajo, 2.ª edición, Tecnos, Madrid, 1987, passim, com uma análise do pensamento entre os séculos XVI (Vitoria) e XIX (Hegel) sobre a relação de trabalho; e, Gaston Morin, La Révolution des Faits Contre le Code, Bernard Grasset, Paris, 1920, por exemplo, pp. 3 e ss. [11] Kahn-Freund, Labour and the Law, third edition, Stevens & Sons, London, 1983, p. 202.
[12] Como relata Práxedes Zancada, Derecho Corporativo Español – Organización del Trabajo, Juan Ortiz Editor, Madrid, s.d., p. 10, na sessão das Cortes de Cádiz, de 3 de junho de 1813, o conde de Toreno argumentava com o exemplo de Inglaterra, afirmando que onde a indústria se desenvolvia sem obstáculos nem dificuldades, como por exemplo, Birmingham e Westminster, surgiam cidades ricas e prósperas.
[13] Bruno Veneziani, “The Evolution of the Contract of Employment”, AAVV, The Making of Labour Law in Europe – A Comparative Study of Nine Countries up to 1945, edited by Bob Hepple, Mansell Publishing, London, 1986, p. 55. Para uma análise evolutiva, Thilo Ramm, “Laissez-faire and State Protection of Workers”, AAVV, The Making of Labour Law in Europe – A Comparative Study of Nine Countries up to 1945, edited by Bob Hepple, Mansell Publishing, London, 1986, pp. 73 e ss.
[14] Por exemplo, Jorge Leite, Direito do Trabalho, volume I, Serviços de Acção Social da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2004, pp. 17-18.
[15] Marnoco e Souza, “Caracteres da Legislação Operária”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, ano I, 1914, n.º 3, p. 96.
[16] Almeida Costa e Figueiredo Marcos, A Primeira República no Direito Português, Almedina, Coimbra, 2010, p. 57.
[17] Para uma análise da codificação europeia, vd., em especial, Menezes Cordeiro, Teoria Geral do Direito Civil – Relatório, policopiado, Lisboa, 1987, em particular, pp. 98 e ss; veja-se também Ojeda Avilés, “Los Código Civiles y la Exclusión del Contrato de Trabajo”, Revista Internacional y Comparada de Relaciones Laborales y Derecho del Empleo, volume 2, 2014, n.º 1, pp. 1 e ss, www.adapt.it.
[18] Paul Pic, “La Réforme du Code Civil et le Nouveau Code du Travail”, Revue Trimestrielle de Droit Civil, 1911, tome dixième, p. 720.
[19] Vd., por exemplo, G.-P. Chironi, “Le Code Civil et son Influence en Italie”, AAVV, Le Code Civil (1804-1904) – Livre du Centenaire, tome 2, Arthur Rousseau, Paris, 1904, pp. 763 e ss; Carl Crome, “Les Similitudes du Code Civil Allemand et du Code Civil Français”, AAVV, Le Code Civil (1804-1904) – Livre du Centenaire, tome 2, Arthur Rousseau, Paris, 1904, pp. pp. 587 e ss; E. Müller, “Le Code Civil en Allemagne – Son Influence Générale sur le Droit du Pays, son Adaptation das les Pays Rhénans”, AAVV, Le CodeCivil (1804-1904) – Livre du Centenaire, tome 2, Arthur Rousseau, Paris, 1904, pp. 627 e ss.
[20] O Código de Napoleão (1804) previa o contrat du louage d´ouvrage et industrie (capítulo III), que fazia parte do Título VIII (Du Contrat de Louage) e do Livro III (Des Différents Manières dont on Accuieret la Propriété). Este capítulo III era formado por um único artigo (1779), que previa as três espécies principais de louage et d´industrie. As três espécies deram origem a igual número de secções, denominando-se a secção I Du louage des domestiques et Ouvrieres. Para uma análise do regime francês vd., por exemplo, Claude Didry, “Du Louage d’Ouvrage au Contrat de Travail, une Autre Histoire du Droit du Travail”, Droit Ouvrier, n.º 854, 2019, pp. 1 e ss; Paul Pic, “La Réforme du Code Civil et le Nouveau Code du Travail”, cit., pp. 719 e ss.
[21] A matéria laboral encontra-se no título VI do Código espanhol de 1889 e denomina-se del contrato de arrendamiento e, além dos arrendamentos rústicos e urbanos (capítulo II, artigos 1542.º a 1582.º), o legislador trata do arrendamiento de obras y servicios (capítulo III, artigos 1583.º a 1603.º) que está dividido em três secções: del servicio de criados y trabajadores asalariados, las obras por ajuste o precio alzado e de los transportes por agua y tierra, tanto de personas como de cosas. Para uma análise da matéria, Manresa y Navarro, Comentarios al Código Civil Español, Tomo I, tercera edición, Imprenta de la Revista de Legislación, Madrid, 1907, pp. V e ss (introdução), bem como Comentarios al Código Civil Español, Comentarios al Código Civil Español, Tomo X, segunda edición, Imprenta de la Revista de Legislación, Madrid, 1908, pp. 704 e ss; Gil De La Villa, La Formación Histórica del Derecho Español del Trabajo, “Crítica del Derecho”, Comares, Granada, 2003, pp. 66 e ss, e 78. Igualmente relevante é a já citada obra de Alonso Olea, De la Servidumbre al Contrato de Trabajo, cit., em especial, pp. 11 e ss.
[22] Sobre a regulação italiana, vd., a obra de referência, Lodovico Barassi, Il Contratto di Lavoro nel Diritto Positivo Italiano, vol. I, seconda edizione, Società editrice libraria, Roma, 1915, passim.
[23] O diploma previa, como referimos, no âmbito do livro II (Dos direitos que se adqruirem por facto e vontade propria e de outrem conjuntamente), Dos contratos em particular (titulo II) e entre as modalidades do contrato de prestação de serviços (capítulo IV – Do contrato de prestação de serviços), o serviço doméstico (artigos 1370.º a 1390.º, cujo regime seria apenas revogado, mais de um século depois, pelo Decreto-Lei n.º 508/80, de 21 de outubro), o serviço salariado (artigos 1391.º a 1395.º, correspondia efectivamente ao do contrato de trabalho, apesar de não existir qualquer referência expressa enquanto tal, decorrendo do artigo 1392.º a obrigação do serviçal de prestar trabalho “… conforme as ordens e direcção da pessoa servida”) e a aprendizagem (artigos 1424.º a 1430.º), consagrando, assim, o contrato de prestação de serviços fora do quadro da locação, cfr. sobre estes contratos, Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, volume II, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 57 e ss, bem como Manual de Direito do Trabalho, cit., pp. 51 e ss; Menezes Leitão, Direito do Trabalho, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 32 e ss; Romano Martinez, Direito do Trabalho, 9.ª edição, Instituto de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito de Lisboa, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 84-85. Para uma análise pormenorizada, Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil em Comentário ao Código Civil Português, volume VII, Coimbra Editora, 1933, pp. 539 e ss, e 752 e ss; Margarida Seixas, Pessoa e Trabalho no Direito Português (1750 1878): Escravo, Liberto e Serviçal, “Tese”, AAFDL, 2016, em especial, pp. 692 e ss; M. da C. Tavares da Silva, Direito do Trabalho (Apontamentos das Lições de Direito do Trabalho da Dra. Maria da Conceição Tavares da Silva, ao curso do 2.º ano), policopiado Instituto de Estudos Sociais, Lisboa, 1964/1965, pp. 89-90 e 328 e ss; Ruy Ulrich, Legislação Operaria Portugueza (Exposição e Critica), “Estudos de Economia Nacional”, volume II, França Amado – Editor, Coimbra, 1906, pp. 109 e ss, em especial 119 e ss.
[24] Não se deve ignorar que o Código Civil (de 1867) continha, em matéria de contrato de aprendizagem, uma limitação quanto ao tempo de trabalho, segundo a qual “nenhum aprendiz, antes dos quatorze annos, póde ser obrigado a trabalhar mais de nove horas em cada vinte e quatro; nem, antes de dezoito, mais de doze” (artigo 1427.º); apesar de se tratar de uma norma bastante avançada para a época, o seu cumprimento não foi exemplar.
[25] Para um enquadramento da codificação de 1867, vd., por todos, Menezes Cordeiro, Teoria Geral do Direito Civil – Relatório, cit., pp. 211 e ss, bem como, do mesmo Professor, Da Modernização do Direito Civil, Aspectos Gerais, volume I, Almedina, Coimbra, 2004, pp. 31 e ss, com análise da pré-codificação portuguesa (pp. 21 e ss). E ainda Almeida Costa, “Enquadramento Histórico do Código Civil Português”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, volume XXXVII, 1961, pp. 138 e ss; Reis Marques, “O Liberalismo e a Codificação do Direito Civil em Portugal”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, suplemento ao volume XXIX, Coimbra, 1986, em particular, pp. 182 e ss; Margarida Seixas, “Regular o Trabalho, Evitar a Opressão: O Direito Português entre a Metrópole e as Províncias Ultramarinas na Segunda Metade do Século XIX”, Revista Jurídica Universidad Autónoma de Madrid, n.º 33, 2016, pp. 251 e ss.
[26] Almeida Costa, “Enquadramento Histórico do Código Civil Português”, cit., p. 154, refere-se à “…poderosa feição individualista do nosso Código Civil. Nele, toda a vida jurídica aparece tìpicamente construída apenas do ângulo do indivíduo, do sujeito de direito, desaparecendo o que há de institucional e de objectivo nas relações sociais e jurídicas. Trata-se, na verdade, da mais completa hipertrofia do aspecto subjectivo do direito, aliás bem característica do clima do Liberalismo”.
[27] Salientava Antunes Varela, “Do Projecto ao Código Civil”, Boletim do Ministério da Justiça, n.° 161, 1966, p. 80, “… a codificação levada a bom termo pelos homens de 1867 representa, no plano jurídico, a definitiva transição de uma sociedade feudal, de feição acentuadamente monástica e senhorial, para uma economia burguesa de vincada expressão liberal”.
[28] Ruy Ulrich, Legislação Operaria Portugueza (Exposição e Critica), cit., p. 119, salienta ainda que não é de estranhar tal defeito que também se nota nos códigos dos outros países, atribuindo as razões das lacunas às duas influências predominantes da sua redacção: a) direito romano e b) Código de Napoleão. Face à diminuta regulação, escreveu Marnoco E Souza, “Caracteres da Legislação Operária”, cit., p. 96, que o Código “ignora inteiramente o operário”. Idêntica crítica seria realizada por Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil em Comentário ao Código Civil Português, volume VII, cit., p. 572, estranhando que o serviço doméstico tivesse sido objecto de vinte artigos, enquanto o serviço salariado se ficasse por meros cinco. A doutrina tem justificado a omissão de referências expressas ao contrato de trabalho e de maior desenvolvimento da área laboral. M. da C. Tavares da Silva, Direito do Trabalho, cit., p. 327, defende que “seria grave pecado de anacronismo censurar o Código por não regular o contrato de trabalho nem com o desenvolvimento nem nos moldes que, volvido o século, se tornariam feição. O próprio nome de contrato de trabalho, que parece ter-se generalizado sobretudo a partir da Lei belga de 10 de março de 1900, era ainda insólito nesta época. Nada surpreende, pois, que no Código haja sido antes utilizada uma outra nomenclatura”. Também Menezes Cordeiro explica que, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1989, reimpressão, 1994, p. 52, e Direito do Trabalho, volume I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 122 “o Código de Seabra veio traduzir a elaboração doutrinária anterior à sua aprovação; ora tal elaboração desconhecia o fenómeno juslaboral”. Para uma análise desenvolvida, vd. Cunha Gonçalves, op. cit., pp. 572 e ss; também com interesse, Adolpho Lima, O Contracto do Trabalho, Esboço Historico – Critica do Actual Contrato do Trabalho – Contrato Colectivo do Trabalho, Antiga Casa Bertrand, Lisboa, 1909, pp. 139 e ss.
[29] A designação legal de contrato de trabalho teve origem na Lei belga de 10 de março de 1900, tendo encontrado depois acolhimento no Código das Obrigações suiço (artigo 319.º, de 30 de março de 1911) e posteriores codificações (por exemplo, França). Sobre a evolução do contrato de trabalho em diversos países, incluindo da common law, vd., por exemplo, Riva Sanseverino, “Il Rapporto Individuale di Lavoro nella Legislazione Comparata”, AAVV, Atti della Comissione per lo Studio dei Problemi del Lavoro, II, L´Ordinamento del Lavoro nella Legislazione Comparata, Ministerio per la Constituente, Stabilimento Tipografico U.E.S.I.S.A., Roma, 1946, pp. 153 e ss, em especial, pp. 156 e ss; Bruno Veneziani, “The Evolution of the Contract of Employment”, cit., pp. 31 e ss, com referências ao papel do Direito Romano (pp. 32 e ss), em especial, pp. 56 e ss; analisando o século XX, particularmente em Itália, Luigi Mengoni, “Il Contratto di Lavoro nel Secolo XX”, AAVV, XIII Congressi Nazionali di Diritto del Lavoro – Diritto del Lavoro alla svolta del Secolo, 2000, Associaione Italiana del Diritto del Lavoro e della Sicurezza Sociale, www.aidlass.it, Ferrara, 2000, pp. 1 e ss. Para uma apreciação geral e comparada do contrato de trabalho, G. H. Camerlynck, “Le Contrat de Travail dans le Droit des Pays Membres de la C.E.C.A. (Rapport Synthèse)”, AAVV, Le Contrat de Travail dans le Droit des Pays Membres de la C.E.C.A., Dalloz et Sirey, Paris, s.d., pp. 13 e ss, em especial, 22 e ss.
[30] Almeida Costa e Figueiredo Marcos, A Primeira República no Direito Português, cit., p. 58.
[31] Lobo Xavier, “A Constituição Portuguesa como Fonte do Direito do Trabalho e os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores”, AAVV, El Trabajo y la Constitución, Estudios en Homenage al Professor Alonso Olea, coordinador Montoya Melgar, Academia Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales, Madrid, 2003, pp. 422-423.
[32] No âmbito da segunda codificação, o Código Alemão (de 1896, tendo entrado em vigor em 1900, artigos 611 a 630), seguiu posição substancialmente idêntica e – não tendo autonomizado o contrato de trabalho (Arbeitsvertrag) do contrato de serviços (Dienstvertrag) – assentou no pensamento jurídico burguês-liberal e romanista-individualista ainda que tenha sentido tenuemente os ventos da nova concepção jurídico social, cfr. Gustav Radbruch, Introducción a la Ciência del Derecho, tradução, Revista de Derecho Privado, Madrid, 1930, pp. 92-93. Para mais desenvolvimentos, Ludwing Enneccerus, Derecho Civil (Parte General), volumen primero, Bosch, Barcelona, 1934 (tradução de Pérez González e José Aguer), em especial, pp. 33 e ss. Para o desiderato de sensibilização de que o Estado deve intervir e regular o livre jogo do mercado para proteger a parte mais débil, afastando-se do individualismo e do liberalismo, foram especialmente relevantes as posições, expressas aquando do projecto do Código Civil, de Antonio Menger, Il Diritto Civile e Il Proletariato, Studio Critico sul Progetto di un Codice Civile per l´Impero Germanico, Fratelli Bocca, Torino, 1894, tradução, publicado originariamente, de forma faseada, em 1889 e 1890, em especial, pp. 120 e ss (XXXIX). E se as primeiras codificações ainda poderiam ter como explicação – quanto à protecção do trabalhador – o facto de a Revolução Industrial estar em execução, a codificação Alemã (1900), apesar de consagrar, a cargo do empregador, um dever de assistência injuntivo (§§ 617 e ss), o que não deixa de constituir uma surpresa relevante face ao vínculo obrigacional tradicional, já não pode assentar nessa aparente justificação, cfr. Menezes Cordeiro, “Da Situação Jurídica Laboral; Perspectivas Dogmáticas do Direito do Trabalho”, Revista da Ordem dos Advogados, ano 42, 1982, p. 99. A resposta encontra-se na inexistência de uma disciplina juslaboral estável, não estando a Ciência do Direito habilitada a fornecer aos legisladores bases sólidas em matéria laboral, concluindo, assim, pela incapacidade do direito civil em fazer o necessário enquadramento dogmático da matéria laboral, cfr. Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, cit., pp. 48-49, bem como, do mesmo Autor, Direito do Trabalho, volume I, cit., pp. 117-118. Também sobre a questão, Gustav Radbruch, Introducción a la Ciencia del Derecho, cit., p. 92-93.
[33] Sobre o impacto da Revolução Industrial pode sumariamente ver-se, Bob Hepple, “Welfare Legislation and Wage-Labour”, The Making of Labour Law in Europe – A Comparative Study of Nine Countries up to 1945, edited by Bob Hepple, Mansell Publishing, London, 1986, pp. 117 e ss.
[34] Thilo Ramm, “Laissez-faire and State Protection of Workers”, cit., p. 75.
[35] Com mais desenvolvimentos, entre muitos outros, Gaston Morin, La Loi et le Contrat – La Décadence de leur Souveraineté, Felix Alcan, Paris, 1927, por exemplo, pp. 49 e ss e 97 e ss; Marnoco e Souza, Ciência Económica, Prelecções feitas ao Curso do 2.º Ano Jurídico do Ano de 1909-1910, “Colecção de Obras Clássicas do Pensamento Económico Português”, Banco de Portugal, Lisboa, 1997, por exemplo, p. 188, e, do mesmo Professor, “Caracteres da Legislação Operária”, cit., pp. 95 e ss. Veja-se também Cunha Gonçalves, A Evolução do Movimento Operario em Portugal, Adolpho de Mendonça, Lisboa, 1905, pp. 40 e ss; Adolpho Lima, O Contrato de Trabalho, cit., por exemplo, pp. 111 e ss.
[36] Para mais desenvolvimentos, Alonso Olea, Introducción al Derecho del Trabajo, 6.ª edición, Civitas, Madrid, 2002, em especial, pp. 401 e ss; Pierre Jaccard, História Social do Trabalho, cit., pp. 204 e ss e 245 e ss; bem como, Paul Bureau, Le Contrat de Travail, Le Rôle des Syndicats Professionneles, Félix Alcan, Paris, 1902, pp. 77 e ss e 101 e ss; Georges Ripert, Les Forces Creatrices du Droit, deuxième édition, Libraire Générale de Droit et de Jurisprudence, Paris, reprint, 1955, pp. 256 e ss. Há diversos relatos sobre vários países europeus reveladores da situação em que se encontravam os trabalhadores, documentos que foram importantes para denunciar a gravidade dos problemas sociais existentes. A título de exemplo, vd. M. Cambon, Les Conditions du Travail en Espagne – Rapport Adressé au Ministre des Affaires Étrangéres, Berger-Levraúlt et Cie, Paris, 1890, pp. 15 e ss; o relatório, solicitado pelo Instituto de França, de René Villermé, Tableau de l´État Phisique et Moral des Ouvriers Employés dans les Manufactures de Coton, de Laine et de Soie, tome primier, Jules Renourd et Cie., Paris, 1840, levaria a opinião pública a pressionar o Governo a elaborar a lei sobre o trabalho das crianças empregadas nas manufacturas e fábricas de laboração contínua, diploma que seria raramente aplicado; Eugéne Buret, De la Misère des Classes Laborieuses en Angleterre et en France – De la Nature de la Misère, de son Existence, de ses Effets, de ses Causes, et de l´Insuffisance des Remèdes Qu´on lui Opposés Jusqu´ Ici; Avec l´Indicacion des Moyens Propres a en Affranchir les Sociétés, Tome Second, Jules Renouard et Compagnie, Paris et Leipsig, 1841, em especial pp. 19 e ss.
[37] Para um enquadramento abrangente, entre outros, André Liesse, La Question Sociale, Léon Chailley, Paris, 1894, passim; Josef Biederlack, La Cuestión Social, Principios Fundamentales para su Estudio y Solución, Tipografia El Castellano, Burgos, 1908, reedição de Analecta Ediciones, Navarra, 2005 (tradução Die Soziale Frage, séptima edición, de António de Madriaga y Pedro de Obregón), em especial pp. 207 e ss, sublinhando que questão social e questão obreira não são sinónimos, ainda que esta reclame um interesse especial; Ferdinand Tönnies, Desarrollo de la Cuestón Social,  “Colección Labor”, n.º 116, Editorial Labor, Barcelona-Buenos Aires, 2.ª edición, 1933, tradução de Manuel Reventós, passim.
[38] Apesar das várias correntes da doutrina socialista, merece destaque o Manifesto do Partido Comunista (1848), da responsabilidade de Karl Marx e Frederick Engels (socialismo marxista), no qual os Autores assentando numa luta de classes entre o proletariado e burguesia e na exploração dos trabalhadores, defendem a supressão da propriedade privada, a coalização e a revolução dos trabalhadores (Karl Marx e Frederick Engels, Manifesto do Partido Comunista, Biblioteca do Marxismo-Leninismo, Edições Avante, Lisboa, 1999. Para uma análise do socialismo marxista, por exemplo, Freitas do Amaral, Histórias das ideias Políticas (Apontamentos), volume II, cit., pp. 145 e ss.
[39] Merece também especial referência, desde logo por ser fundadora da doutrina social da igreja, a Encíclica Rerum Novarum, datada de 15 de maio de 1891, sob a assinatura do Papa Leão XIII, que versou sobre a situação dos trabalhadores. Assente numa perspectiva personalista, a Encíclica critica o liberalismo económico existente – bem como o socialismo, pois defende a propriedade individual – e invoca a necessidade de legislação social que proteja os trabalhadores e o direito ao associativismo profissional, colocando assim em causa a estrutura social existente. Ponto central desta Encíclica é o direito de associação, podendo ler-se, por exemplo, a propósito deste tema que “… um Estado que proibisse aos cidadãos associarem-se, atacar-se-ia a si mesmo, pois tanto ele como as associações privadas tiram a sua origem de um mesmo princípio, a natural sociabilidade do homem”; acrescentando ainda: “Pois uma lei não merece obediência senão enquanto é conforme com a recta razão e desse modo lei eterna de Deus”, Leão XIII (S.S.), Rerum Novarum, 1891, e Pio XI (S.S.), Quadragesimo Anno, 1931, Rei dos Livros, Lisboa, 1991, p. 55, entendimento reiterado por Pio XI (S.S.), Encíclica Quadragesimo Anno, 1931, cit., pp. 81 e ss; vejam-se também as críticas às teses socialistas (pp. 19 e ss). Vejam-se também as observações do dominicano e académico Henri-Dominique Lacordaire, “Cinquante-Deuxième Conferènce – Du Double Travail de l’Homme”, Conférences de Notre-Dame de Paris, tomo III (anos 1846-1848), Librairie Poussielgue Frères, Paris, 1872, pp. 471 e ss. Para mais desenvolvimentos sobre a doutrina social da igreja, vd., entre outros, Martim de Albuquerque, “A Doutrina Social da Igreja”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, volume XVIII, 1964, pp. 409 e ss; Riva Sanseverino, Il Movimento Sindicale Cristiano dal 1850 al 1939, Cesare Zuffi, Roma, 1950, com uma análise da Encíclica Rerum Novarum e respectivos antecedentes (pp. 121 e ss), incluindo também o período anterior e posterior à Encíclica (pp. 17 e ss e 149 e ss), tendo presente diversos países; AAVV, A Organização Internacional do Trabalho e a Encíclica Social de João Paulo II Centesimus Annus – Comemoração do Centésimo Aniversário da Rerum Novarum (1891-1991), volume I, Conselho Económico e Social, Lisboa, 1994. Por sua vez, pode encontrar-se uma exposição e posterior análise (muito) crítica da Encíclica (de 1891) em Affonso Costa, A Egreja e a Questão Social, Analyse Critica da Encyclica Pontificia De Conditione Opificum, de 15 de maio de 1891, Dissertação Inaugural para o Acto de Conclusões Magnas na Faculdade de Direito, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1895, pp. 131 e ss.
[40] Explica Mayer-Maly, “Vorindustrilles Arbeitsrecht”, Recht der Arbeit, München, 1975, n.º 1, p. 63, que a ideia de estruturar o direito privado como modelo geral das relações entre sujeitos iguais deixou pouco espaço para uma doutrina jurídica sobre as especialidades das relações laborais. Por esta razão, e não devido às consequências da industrialização, o Direito do Trabalho no século XIX teve que voltar a começar do início.
[41] G. H. Camerlync e G. Lyon-Caen, Précis de Droit du Travail, 7.e édition, Dalloz, Paris, 1975, p. 7.
[42] Salmerón y García, El Contrato Colectivo del Trabajo, Junta para Ampliación de Estudios é Investigaciones Científicas, Anales Tomo XIII, Memoria 1.ª, Establecimiento Tipográfico de Fortanet, Madrid, 1914, p. 29, que se refere, deste modo, às relações entre o capital e o trabalho no que respeita à primeira metade do século XIX.
[43] Para uma análise geral, Alonso Olea, Introducción al Derecho del Trabajo, cit., pp. 461 e ss, em especial, pp. 464 e ss; Bob Hepple, “Welfare Legislation and Wage-Labour”, cit., pp. 114 e ss, em especial, pp. 122 e ss, e 133 e ss; Pierre Jaccard, História Social do Trabalho, cit., pp. 245 e ss, já anteriormente salientado.
[44] Tendo sido, aliás, no final do século XIX, iniciadas tentativas de regulação internacional que concedessem alguma protecção ao operariado. A primeira tentativa data de março de 1890 (Conferência de Berlim), que reuniu diversos países, entre os quais Portugal, com o intuito de fixação de regras que protegessem os trabalhadores. Para mais desenvolvimentos sobre a matéria, Thilo Ramm, Per una Storia della Costituzione del Lavoro Tedesca – La Costituzione del Lavoro dello Stato Imperiale, tradução Antonio Capobianco, Lorenzo Gaeta, Roberto Romei e Gaetano Vardaro, “Per la Storia del Pensiero Giuridico Moderno”, 31, Giuffrè, Milano, 1989, p. 38; Ruy Ulrich, Legislação Operaria Portugueza (Exposição e Critica), cit., pp. 17 e ss, em especial 20 e ss.
[45] Salienta Giovanni Cazzetta, «Legge e Stato Sociale. Dalla Legislazione Operaia ai Dilemmi del Welfare “senza Legge”», AAVV, Quaderni Fiorentini per la Storia del Pensiero Giuridico Moderno, vol. 46, tomo I, Giuffrè, Milão, 2017, p. 133: “A abertura a uma “ingerência governamental” capaz de prevenir e não apenas de reprimir é acompanhada, naturalmente, pelo medo do fim da autonomia dos indivíduos e do advento de um sistema dominado por uma autoridade encarregada pela regulação de tudo, pela convicção (…) de que a presença de um órgão de tutela feito para “prever e prover” anularia o impulso ao racionamento, geraria nas “classes populares falsos conceitos em relação aos deveres do Estado e esperanças e pretensões exageradas”” (itálicos no original).
[46] Alonso Olea, “La Abstencion Normativa en los Origines del Derecho del Trabajo Moderno”, cit., p. 38.
[47] Henri-Dominique Lacordaire, “Cinquante-Deuxième Conferènce – Du Double Travail de l’Homme”, Conférences de NotreDame de Paris, tomo III (anos 1846-1848), Librairie Poussielgue Frères, Paris, 1872, p. 494.
[48] Paul Pic, La Protection Légale des Travailleurs et le Droit International Ouvrier, Félix Alcan, Paris, 1909, p. 7, identifica três tipos de objectos legislativos: a) a segurança e higiene dos estabelecimentos industriais e comerciais; b) a protecção directa do trabalhador (mulheres e crianças e a todos os trabalhadores); c) a protecção do salário. Escreve Claude Fohlen, O Trabalho no Século XIX, “Breviários de Cultura – 4”, Editorial Estúdios Cor, Lisboa, 1974, tradução de Almeida Melo, Le Travail au XIX Siècle, “Que Sais Je?”, Press Universitaires de France, s.d., p. 57, a propósito da intervenção legislativa, que “a lista destas regulamentações pode parecer impressionante, mas é preciso ter presente que nenhuma medida foi tomada para a sua aplicação efectiva, deixada à boa vontade dos próprios industriais e à sua consciência”. Para mais desenvolvimentos, com indicação de diversos diplomas de alguns países da família romano-germânica e da common law, Lucien Clerc, Essai sur le Contrat Collectif de Travail (Art. 322 323 C.O.), Précédé d´un Exposé Historique sur les Législations des Divers États, Dissertation, Imprimerie la Concorde, Lausanne, 1922, pp. 11 e ss; Adolpho Lima, O Contracto do Trabalho …, cit., pp. 215 e ss, com uma extensa lista de diplomas de diferentes países; Paul Pic, op. cit., pp. 37 e ss; do mesmo Autor, Traité Élémentaire de Législation Industrielle. Les Lois Ouvrières, cit., 1930, pp. 72 e ss e 76 e ss.
[49] Em 1855, através do Decreto de 27 de agosto (Collecção Official de Legislação Portugueza, anno de 1855, Imprensa Nacional, Lisboa, 1856, pp. 294-303), e depois de o Código Penal (de 1852) ter criminalizado actos com reflexo na saúde (crimes contra a saúde pública, artigos 248.º e ss), foram regulados os estabelecimentos insalubres, incómodos e perigosos, facto para a qual terá contribuído a luta operária, determinando-se a obrigação de licença prévia para o seu funcionamento (Diario do Governo, de 7 de setembro de 1855, n.º 211, http://legislacaoregia.parlamento.pt) Não se trata ainda de proteger os trabalhadores, mas de tutelar a saúde, segurança e fazenda pública e dos vizinhos.
Já no último quartel do século XIX surgiram diversos diplomas que revelam as primeiras preocupações directas com a situação dos trabalhadores. Com efeito, é possível identificar uma regulação na Lei de 29 de abril de 1875 (Collecção Official de Legislação Portugueza, anno de 1875, Imprensa Nacional, Lisboa, 1876, pp. 125-127), que extinguiu a condição servil nas províncias ultramarinas -, que contém algumas normas de tutela do prestador de actividade, que se encontrava em situação de “tutela publica” (artigo 2.º), embora o trabalho fosse “… declarado livre para o fim de poderem ajustar as suas condições, e receberem o salario ajustado” (artigo 4.º).
O núcleo da intervenção legislativa incidiu, no entanto, particularmente sobre o operário da indústria. Merece relevo a Lei de 23 de março de 1891 (Collecção Official de Legislação Portugueza, anno de 1891, Imprensa Nacional, Lisboa, 1892, pp. 100-105), que regula a concessão do exclusivo do fabrico dos tabacos, encontrando-se nela diversas regras que visam proteger os trabalhadores, tais como a obrigação dos concessionários de na elaboração de regulamentos, a que estavam adstritos a elaborar, atenderem aos “… direitos adquiridos; a que o dia de trabalho para os operarios, continua sendo de oito horas garantidas” (artigo 5.º, n.º 9.º, alínea c)). Especialmente relevante foi, com base no Decreto de 10 de fevereiro de 1890 (Diario do Governo, de 14 de fevereiro, n.º 46, http://legislacaoregia.parlamento.pt), a regulamentação do trabalho das mulheres e dos menores fixada, por iniciativa de Tomás Ribeiro, pelo Decreto de 14 de abril de 1891 (Diario do Governo de 22 de abril de 1891, n.º 88, http://legislacaoregia.parlamento.pt), salientando-se a fixação, como regra, de idade mínima de doze anos para a admissão (artigo 2.º); limitação do período diário normal de seis horas para os menores até doze anos e dez horas para os menores com mais de doze anos (artigo 3.º e § único); proibição de trabalho ao domingo para os menores (artigo 4.º); proibição da prestação do trabalho nocturno dos menores do sexo masculino até doze anos e do sexo feminino de qualquer idade (artigo 7.º) e limitações para os menores com mais de 12 anos (artigo 8.º); determinação de regras sobre higiene e segurança, exigindo, por exemplo, a limpeza e a ventilação dos locais de trabalho (artigo 14.º). No final da monarquia, houve uma intervenção legislativa do Governo de João Franco, através do Decreto de 3 de agosto de 1907 (Diario do Governo, de 8 de agosto de 1907, número 175, Collecção Official da Legislação Portuguesa, Anno de 1907, Imprensa Nacional, Lisboa 1908, http://net.fd.ul.pt/legis/1907.htm#), que, ampliando a protecção dos trabalhadores, determinou a obrigatoriedade de “…quaisquer empresas empresas industriaes ou commerciaes, singulares ou collectivas, serão obrigadas a dar, pelo menos, vinte e quatro horas consecutivas de descanso em cada semana a todos os seus empregados” (artigo 1.º), em regra, o domingo (artigo 4.º). Para mais desenvolvimentos, com diversas indicações doutrinárias, Gonçalves da Silva, Da Eficácia da Convenção Colectiva, volume I, Dissertação de Doutoramento, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2012, pp. 199 e ss.
[50] O legislador definiu o contrato de trabalho como “… toda a convenção por fôrça da qual uma pessoa se obriga, mediante remuneração, a prestar a outra a sua actividade profissional, ficando, no exercício desta, sob as ordens, direcção ou fiscalização da pessoa servida” (artigo 1.º).
[51] A afirmação é de Querubim Guimarães e foi proferida no debate ocorrido na Assembleia Nacional, no dia 27 de janeiro de 1937, a propósito da discussão da Proposta de Lei sobre o regime jurídico dos contratos de prestação de serviços, Diário das Sessões da Assembleia Nacional, de 27 de janeiro de 1937 (Discussão sobre a Proposta de Lei n.º 128 relativa aos contratos de prestação de serviços), ano de 1937, sessão n.º 109, 28 de janeiro de 1937, n.º 111, p. 340. Sobre o regime do contrato de trabalho à luz do quadro normativo então aplicável, vd., Cunha Gonçalves, Dos Contratos em Especial, Edições Ática, Lisboa, 1953, pp. 121 e ss; Margarida Seixas, “Primeira Lei do Contrato de Trabalho em Portugal: Lei nº 1.952, de 10 de março de 1937”, AAVV, Estudios Luso-Hispanos de Historia del Derecho, coordenação de Beck Varela e Solla Sastre, Dykinson, Madrid, 2018, em particular, pp. 488 e ss; Raúl Ventura, Teoria da Relação Jurídica de Trabalho – Estudo de Direito Privado, volume I, Imprensa Portuguesa, Pôrto, 1944, em especial, pp. 103 e ss e 308 e ss, bem como, aquelas que são as primeiras lições de Direito do Trabalho, Lições de Direito do Trabalho, 1948/1949, publicadas em Estudos Em Homenagem ao Prof. Doutor Raúl Ventura, volume II, coordenação de Oliveira Ascensão, Ruy de Albuquerque, Martim de Albuquerque e Romano Martinez, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, 2003, pp. 551 e ss.
[52] Dez Anos de Política Social (1933-1943), Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, Sub-Secretaiado de Estado das Corporações e Previdência Social, Lisboa, 1943, p. 89.
[53] Por exemplo, já em 1944, Martins de Carvalho “O Que São e o Que Deveriam Ser as Convenções Colectivas de Trabalho para Empregados e Operários”, O Direito, ano 126.º, 1994, I-II, p. 351, considerava “…indispensável e da maior urgência a revisão da Lei n.º 1952”, itálico no original, exemplificando com os regimes de aviso prévio e de férias; chamava também a atenção para a importância de identificar as matérias que eram supletivas e imperativas face à convenção colectiva.
[54] O artigo 1.º fixaria a noção de contrato de trabalho, que seria também consagrada no Código Civil (artigo 1152.º (“Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”).
[55] Podem identificar-se as principais inovações no preâmbulo, Diário do Governo, de 27 de maio de 1966, I série, número 125, pp. 830 e ss, bem como nos trabalhos preparatórios que a seguir citaremos. Igualmente importante é a consulta, no Ministério do Trabalho, da compilação de diversos textos de M. da C. Tavares da Silva, Proposta de Lei sobre o Regime do Contrato de Trabalho, dactilografado, s.d. passim, que tem presente a proposta inicial do Governo e o Parecer da Câmara Corporativa.
[56] Corria o ano de 1960, quando o Governo, no dia 23 de setembro, aprovou e posteriormente remeteu à Assembleia Nacional, Projecto de Proposta de Lei n.º 517 (regime do contrato de trabalho). O texto, publicado nas Actas da Câmara Corporativa, de 6 de outubro de 1960, n.º 109, VII Legislatura, pp. 1163 e ss, surge denominado Projecto de Proposta de Lei n.º 517 – regime do contrato de trabalho, podendo, no entanto, ler se, no final do intróito que se trata de uma “… proposta de lei, que o Governo tem a honra de submeter à apreciação da Assembleia Nacional” (p. 1170). Consultando o Diário das Sessões da Assembleia Nacional, de 20 de dezembro de 1961 (Proposta de Lei n.º 6 – regime do contrato de trabalho), VIII Legislatura, ano de 1961, 5.º suplemento ao n.º 4, pp. (138) 359 e ss, surge, como se verifica, como Proposta de Lei n.º 6, regime do contrato de trabalho, tratando-se de textos iguais.
A Proposta de Lei desenvolvia-se ao longo de 45 bases sem epígrafes nem qualquer divisão sistemática, tendo o Governo na sua introdução justificado a necessidade de novo diploma com a desactualização da Lei n.º 1:952 – não obstante os avanços realizados através da convenção colectiva e dos despachos de regulamentação relativamente a diversas actividades profissionais – impondo-se fixar um mínimo de condições ou de garantias nas relações entre as partes do contrato de trabalho; e para a actualização pretendida, a proposta tomou em consideração a jurisprudência, o aperfeiçoamento das convenções colectivas e dos despachos de regulamentação. O Governo confessa ainda que ponderou, por um lado, realizar uma codificação, mas tal atrasaria o trabalho, além de causar dificuldades à evolução de um ramo de direito tão mutável; por outro, foi objecto de reflexão a inclusão do regime geral da convenção colectiva (e das comissões corporativas, estas alteradas), mas motivos de ordem prática desaconselharam essa opção, apesar de não ficar abandonado o propósito, cfr. Actas da Câmara Corporativa, de 6 de outubro de 1960 (Proposta de Lei n.º 517 – regime do contrato de trabalho), cit., p. 1166.
Mais tarde, a Câmara Corporativa pronunciou-se sobre a matéria, no Parecer n.º 45/VII, datado de 14 de novembro de 1961, tendo sido relator Galvão Telles (Diário das Sessões da Câmara Corporativa, ano 1961, n.º 4, 20 de dezembro, pp. 372 e ss). O Professor da Faculdade de Direito de Lisboa, também a colaborar nos trabalhos do futuro Código Civil, elaborou um novo texto que foi apresentada pela Câmara Corporativa ao Governo em substituição do Projecto de Proposta de Lei n.º 517, constituindo, portanto, em termos práticos, um parecer negativo.
Trata-se de um articulado superior ao inicialmente apresentado pelo Governo que se estende por setenta e sete artigos, contendo diversas normas atinentes aos instrumentos colectivos, sem especiais alterações de fundo face ao que Galvão Telles tinha apresentado aquando do projecto do Código Civil, embora existam diferenças, desde logo, pelo facto de se tratarem de diplomas com natureza diferente (laboral e civil).
Na sequência desta contra-proposta da Câmara Corporativa, o Governo decidiu elaborar um novo texto, tendo incumbido Pessoa Jorge da tarefa, ficando assim o procedimento do articulado sob a sua responsabilidade e controlo.
O Anteprojecto elaborado pelo Professor da Escola de Lisboa (Pessoa Jorge, “Contrato de Trabalho – Anteprojecto do Diploma Legal”, Estudos Sociais e Corporativos, ano IV, 1965, n.º 13, pp. 247 e ss) era composto por 124 artigos.
A 23 de setembro de 1964, o Governo mandou publicar Projecto de Diploma Legal (Revisão Ministerial) (Direito do Trabalho, Contrato de Trabalho, Projecto de Diploma Legal (Revisão Ministerial), Ministério das Corporações e Previdência Social, Lisboa, 1964), permitindo, deste modo, uma participação pública do documento, que, fruto dos diversos contributos entretanto ocorridos, teve novas alterações, face ao diploma aprovado.
O conteúdo do diploma então aprovado foi também – além da relevância dos diversos textos propositivos acima referidos – influenciado pelos regimes convencionais; o próprio legislador o reconhece ao afirmar “… não obstante a falta de um diploma actualizado, o direito substantivo do trabalho não deixaria, por isso, de ser objecto de constante esforço de renovação através das frequentes revisões operadas nas convenções colectivas, onde, cada vez mais, se tem revelado evidente a influência de tal evolução na doutrina e na jurisprudência do trabalho”, dando, aliás, como exemplo, o regime das férias e feriados consagrado em diversas convenções, Diário do Governo, de 27 de maio de 1966, cit., pp. 830 e 833.
[57] A título de exemplo, artigos 44.º, n.º 3 (sobre o período experimental), 60.º, n.º 3 (fixação do período de férias), 79.º (especiais garantias de emprego ou de retribuição), 88.º, n.º 1 (fixação da retribuição), 89.º, n.º 3 (forma de pagamento da retribuição),
116.º, (acesso das mulheres à profissão), 120.º, n.º 2 (limite de idade mínima).
[58] Pode ver-se observações ao diploma em Simões Correia, Novo Regime Jurídico do Contrato de Trabalho (Decreto-Lei n.º 47 032, de 27 de maio de 1966), Livraria Editora Pax, Braga, 1966, passim. O diploma de 1966 seria posteriormte substituído pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de novembro de 1969, cfr. sobre a versão inicial Almeida Policarpo e Monteiro Fernandes, Lei do Contrato de Trabalho Anotada, Almedina, Coimbra, 1970, passim. O diploma de 1969, objecto de diversas alterações, seria revogado pelo Código do Trabalho de 2003 (aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto (artigo 21.º, n.º 1, alínea a)), cfr., na versão anterior à cessação, Romano Martinez, Direito do Trabalho, Instituto de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito de Lisboa, Almedina, Coimbra, 2002, em particular, pp. 273 e ss.
[59] O Código Civil foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, tendo entrado essencialmente em vigor no dia 1 de junho de 1967 (artigo 2.º). A sua elaboração foi desencadeada por Vaz Serra, na sequência do Decreto 33:908, de 4 de setembro de 1944 (artigo 1.º), Diário do Govêrno, de 4 de setembro de 1944, série I, número 196, pp. 830 e ss, onde se encontra a justificação para um novo Código.
[60] Afirmava Antunes Varela, “Do Projecto ao Código Civil”, cit., pp. 13-14: “Entre as directrizes fundamentais, que parece terem merecido o aplauso geral, convém pôr em relevo as seguintes: I.ª A acentuação social, ainda que moderada, do direito privado moderno, a qual se traduz no criterioso cerceamento dos princípios da liberdade negocial e da autonomia da vontade, no apreciável engrossamento das regras imperativas destinadas a esconjurar os perigos da desigualdade económica ou social entre os sujeitos da relação jurídica, no maior relevo concedido aos ditames da boa fé e aos postulados da justiça comutativa, e ainda no apelo mais frequente que a lei faz aos juízos de equidade do julgador;”. Para uma análise da segunda codificação, vd., por todos, Menezes Cordeiro, Teoria Geral do Direito Civil – Relatório, cit., pp. 331 e ss. Pode ainda ver-se, Correia De Mendonça, “As Origens do Código Civil de 1966: Esboço para uma Contribuição”, Análise Social, vol. XVIII (72-73-74), 1982-3.º-4.º-5.º, pp. 829 e ss, em especial, pp. 845 e ss; Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 4.ª edição, 2005, por Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, pp. 81 e ss, em especial, 85 e ss; José Hermano Saraiva, “Apostilha Crítica ao Projecto do Código Civil”, Revista da Ordem dos Advogados, ano 27, 1967, pp. 5 e ss; Antunes Varela, “Do Projecto ao Código Civil”, cit., pp. 5 e ss, em especial, pp. 12 e ss; do mesmo Autor,“A Elaboração do Código Civil”, AAVV, A Feitura das Leis, I volume, coordenação de Rebelo de Sousa e Jorge Miranda, Instituto Nacional de Administração, Oeiras, 1986, pp. 17 e ss, maxime, pp. 21 e ss.
[61] A noção consagrada é igual à constante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 47 032, de 1966.
[62] Sustentava Antunes Varela, “Do Projecto ao Código Civil”, cit., p. 18: “É útil, porém, lembrar que o Código Civil constitui não só o repositório específico de toda a legislação civil, mas a matriz natural de todo o direito privado disperso por variadíssimos diplomas, desde o Código Comercial, as leis do trabalho e dos direitos de autor até aos Códigos do Registo Civil, Predial e do Notariado; e que, nesses termos, mal se poderia conceber que nele se não fizesse alusão às fontes do direito privado, ou se não definissem as regras que dentro deste amplo e qualificado sector presidem à interpretação e aplicação das leis”.
[63] Galvão Telles, “Aspectos Comuns aos vários Contratos. Exposição de Motivos referente ao Título do Futuro Código Civil Português sobre Contratos em Especial”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, volume VII, 1950, pp. 234 e ss, “Contratos Civis – Exposição de Motivos”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Lisboa, volume IX, 1953, pp. 144 e ss, e “Contratos Civis – Projecto”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Lisboa, volume X, 1954, pp. 161 e ss. O articulado está publicado em Galvão Telles, “Contratos Civis – Projecto”, cit., pp. 219 e ss, encontrando-se uma breve explicação das opções em “Contratos Civis – Exposição de Motivos”, cit., pp. 204 e ss.
[64] De acordo com o artigo: “contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar o seu trabalho intelectual ou manual a outra pessoa, sob a direcção desta”. Galvão Telles, “Contratos Civis – Exposição de Motivos”, cit., p. 202, considerou redundante a parte final contida no artigo 1.º da Lei n.º 1:952, de 10 de março de 1937 (“… sob as ordens, direcção ou fiscalização da pessoa servida”). Como se verifica, a noção legal acrescentou na sua parte final a referência à “autoridade”.
[65] A secção III (Outras formas de trabalho) previa, sob a epígrafe Contrato de trabalho não inerente ao funcionamento de um empresa (artigo 14.º): § 1.º – O contrato de trabalho que tem por objecto serviços não inerentes ao funcionamento de uma empresa, designadamente serviços domésticos, rege-se pelas disposições aplicáveis da Secção anterior, devidamente adaptadas, e pelas mais constantes de legislação complementar. § 2.º – As convenções colectivas não são, porém, extensivas ao contrato de trabalho doméstico”.
[66] Explicava Galvão Telles, “Contratos Civis – Exposição de Motivos”, cit., p. 205: “Esta preferência, este favor iuris concedido ao trabalhador, justifica-se pensando que ele é na maioria dos casos a parte social e econòmicamente mais fraca e que por virtude de tal privilégio jurídico se contraria um pouco este desiquilíbrio de facto”.
[67] Vaz Serra, “A Revisão Geral do Código Civil – Alguns Factos e Comentários”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, volume XXII (1946), 1947, p. 493, sendo também relevante pp. 464-465, 473 e ss; Galvão Telles, “Contratos Civis – Exposição de Motivos”, cit., p. 199. Ao exposto acrescentava Galvão Telles, op. cit., p. 200: “a exposta orientação justifica-se plenamente …. O Direito do Trabalho, de tão larga importância nos tempos que correm e diante de qual se abre um futuro  promissor, encontra-se ainda em franca evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial, embora já estejam lançados os fecundos germes do seu desenvolvimento e crescimento. Uma vez que a sua elaboração ainda não está completa, se bem que se possam dar como mais ou menos definidas as directrizes fundamentais das suas transformações, seria prematuro aprisioná-lo nos quadros estáveis de um Código, e parece prudente apenas fixar neste essas directrizes, deixando o mais para a legislação complementar”, cfr. igualmente o Parecer da Câmara Corporativa n.º 45/VII (regime do contrato de trabalho) Diário das Sessões da Câmara Corporativa, ano 1961, n.º 4, 20 de dezembro, pp. 373 (3), no qual, Galvão Telles na qualidade de relator, invoca também o facto de os trabalhos do Código Civil não estarem ainda para breve.

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