02.05.2022

Áreas de Prática: Trabalho

Insolvência e Sujeitos Colectivos

Artigo originalmente publicado em Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, 2020, Volume VIII.

 

Sumário:
1º Introdução e Delimitação do Objecto
2º Aplicação do CIRE às Associações Sindicais e de Empregadores
3º Administrador da Insolvência e Direito de Contratação Colectiva
4º Extinção dos Outorgantes da Convenção Colectiva
5º Alteração das Circunstâncias

 

1º Introdução e delimitação do objecto

I. O cruzamento do Direito do Trabalho com o Direito da Insolvência coloca diversos problemas, que decorrem, desde logo, das diferentes finalidades das duas áreas jurídicas. Na verdade, enquanto o Direito do Trabalho surgiu com o intuito de proteger o trabalhador face ao normal desequílibrio das partes no contrato de trabalho, podendo ainda hoje afirmar-se que este desiderato releva em alguns aspectos da sua regulação, embora outras finalidades se possam identificar[1], o Direito da Insolvência visa, através do processo[2], “… a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e na repartição do produto obtido pelos credores” (artigo 1º, nº 1, do CIRE[3])[4]. E, deste modo, para a satisfação dos credores, com base num processo único de insolvência, temos essencialmente duas vias: a) liquidação do património e b) recuperação do devedor[5/6].
A opção por um destes caminhos, que surge depois da declaração de insolvência[7] , compete, em princípio, à assembleia de credores[8] (de apreciação do relatório[9], artigo 156º, nº 2, do CIRE)[10], e constará do plano de insolvência (ou recuperação, em especial, artigos 192º e ss do CIRE[11]), aí se inscrevendo, entre outras hipóteses, a liquidação do património[12] ou a recuperação do devedor (artigo 195º, nº 2, alínea b), do CIRE)[13/14]; é ainda de reter que o plano de insolvência apresenta duas características relevantes: a liberdade de conteúdo (artigo 192º, nº 1, in fine, do CIRE) e a igualdade dos credores (artigo 194º do CIRE)[15].

 

II. Numa opção criticável, o CIRE privilegiou a intervenção das comissões de trabalhadores ao longo do seu articulado[16], na esteira dos regimes constitucional e legal (artigo 54º, nº 5, alínea c), da CRP, e artigos 423º, nº 1, alínea c) e 429º do CT[17]), em detrimento das associações sindicais, notando que estas também têm enquadramento constitucional (artigo 56º, nº 2, alínea e)) e legal para o efeito (artigo 443º, nº 2, do CT); sendo mais específico, o CIRE ignora as associações sindicais, não tendo seguido sequer o caminho da sua intervenção subsidiária ou previsto como acontece, por exemplo, em matéria de lay-off (v.g., artigo 299º, nº 1), e despedimento colectivo (v.g., artigo 360º, nº 1), o envolvimento da comissão intersindical ou comissões sindicais da empresa representativas dos trabalhadores a abranger. E, como já foi sublinhado, não foi a melhor opção, uma vez que a recuperação da empresa – um dos desideratos do CIRE – exige amiúde a alteração das condições de trabalho, muitas vezes consagradas no regime convencional, direito que é, por opção legal, da exclusiva responsabilidade da associação sindical[18]; por outro lado, não se pode ignorar a estrutural diminuta existência de comissões de trabalhadores[19], o que não deixará de redundar numa opção ineficente na defesa dos trabalhadores; e não se pense que a ineficiência abrange apenas os trabalhadores, pois a necessidade de alterar o quadro legal é também relevante para os empregadores e respectivos credores, face à recuperação da empresa insolvente ou à liquidação da mesma[20]. É certo que a intervenção das associações sindicais não deixaria de suscitar problemas específicos, tendo presente, por um lado, a ausência de critérios de representatividade e, por outro, que estas representam os seus filiados, situação que, aliás, está, como princípio geral, expressamente consagrada em matéria de eficácia subjectiva da convenção colectiva (artigo 496º, nºs 1 e 2).
Ignorando as associações sindicais, resulta como decorrência lógica que não tenha dado qualquer atenção à convenção colectiva, instrumento que, reiteramos, dificilmente deixará de ser essencial para a recuperação da empresa ou até mesmo para uma liquidação mais eficiente; a omissão generalizada, relativa à temática da insolvência, no quadro do Direito Colectivo, é também característica do Código do Trabalho[21].

 

III. É tendo presente, desde logo, estas omissões e silêncios, que o presente texto pretende analisar os efeitos do CIRE nas situações colectivas, mais especificamente em que medida é que a insolvência interfere nas situações dos sujeitos colectivos (associações sindicais e associações de empregadores)[22] e nos instrumentos por elas outorgados ou em que sejam destinatários[23].

 

2º Aplicação do CIRE às Associações Sindicais e de Empregadores

I. As associações sindicais e de empregadores são reguladas por uma pluralidade de fontes, quer externas[24], quer internas[25]. Situando-nos no quadro constitucional, a associação sindical tem consagração expressa (artigos 55º e 56º da CRP), o que não acontece com a associação de empregadores (artigo 46º), não obstante a similitude de regimes que é possível densificar.
Em termos infra-constitucionais[26], conforme prescreve o Código do Trabalho, e para além do quadro normativo constante deste, os entes colectivos laborais são regulados pelo “regime geral do direito de associação em tudo o que não contrarie este Código ou a natureza especifica da respectiva autonomia”, acrescentando ainda o diploma, a inaplicabilidade das “normas do regime geral do direito de associação susceptíveis de determinar restrições inadmissíveis à respectiva liberdade de organização” (artigo 441º, nºs 1 e 2, respectivamente)[27].

 

II. Compulsando o quadro geral do direito de associação (Decreto-Lei nº 594/74, de 7 de Novembro, que reconhece e regulamenta o direito de associação, LDA)[28] encontramos as seguintes causas de extinção: a) deliberação do órgão competente (alínea a) do nº 1 do artigo 6º); b) decurso do prazo, no caso de ter sido constituída temporariamente (alínea b) do nº 1 do artigo 6º); c) ocorrência de qualquer outra causa extintiva prevista no acto de constituição ou nos estatutos (alínea c) do nº 1 do
artigo 6º).
Além destas situações, o diploma determina ainda que “devem também ser extintas, por decisão do competente tribunal …” em virtude de: a) caducidade (falecimento ou desaparecimento de todos os associados, alínea a) do nº 2 do artigo 6º, esgotamento ou impossibilidade do fim (alínea c) do nº 2 do artigo 6º)[29]); b) declaração de insolvência (alínea b) do nº 2 do artigo 6º); c) ilicitude do fim real ou contrariedade à moral pública ou divergência com o fim constante no acto de constituição ou nos estatutos (alínea d) do nº 2 do artigo 6º)[30]; d) ou o fim ser sistematicamente prosseguido por meios ilícitos, contrários à moral pública ou que perturbem a disciplina das forças armadas (alínea e) do nº 2 do artigo 6º).

 

III. Consultando agora o Código Civil (artigo 182º)[31], podemos então identificar as seguintes modalidade de extinção: a) extinção voluntária (nº 1, alíneas a) e c)); b) decisão judicial (nº 1, alínea e) e nº 2); c) caducidade (nº 1, alíneas b) e d))[32].
Relativamente à decisão judicial que declare a insolvência (artigo 182º, nº 1, alínea e), do CC), saliente-se ainda que o Código Civil especifica que  “a extinção por virtude da declaração de insolvência dá-se em consequência da própria declaração” (artigo 183º, nº 3, do CC); verificada a extinção, “… os poderes dos seus órgãos ficam limitados à prática dos actos meramente conservatórios e dos necessários, quer à liquidação do património social, quer à últimação dos negócios pendentes …” (artigo 184º, nº 1, 1ª parte, do CC)[33/34].

 

IV. O Código do Trabalho também regula a extinção das associações laborais, bem como seu procedimento (artigo 456º do CT). Deste diploma resulta que a extinção pode ocorrer por uma de duas formas: a) decisão judicial (artigo 456º, nº 1[35]), prevendo expressamente como causa a ausência de pedido de publicitação dos membros da direcção (artigo 456º, nº 1)[36], bem como em caso de violação de norma imperativa (artigo 447º, nº 8); b) voluntariamente (artigo 456º, nº 2), parecendo o legislador incluir aqui a caducidade (mero decurso do tempo, artigo 450º, nº 1, alínea a), in fine[37])[38].

 

V. Identificadas as várias referências à insolvência como causa de extinção das associações, releva agora apurar o que prescreve o CIRE nesta matéria. Para o efeito, considera “… em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas” (artigo 3º, nº 1); acrescentando que as pessoas colectivas são consideradas “… insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis” (artigo 3º, nº 2); por fim, a lei equipara à insolvência actual “… a que seja meramente iminente, no caso de apresentação pelo devedor à insolvência” (artigo 3º, nº 4)[39].
Em termos de sujeitos passivos da declaração de insolvência, o CIRE prevê a possibilidade de serem “quaisquer pessoas singulares ou colectivas” (artigo 2º, nº 1, alínea a))[40], o que parece sustentar a aplicação do diploma aos sujeitos colectivos laborais (associações sindicais e de empregadores), uma vez que estes são associações de direito privado[41]. Poder-se-ia, no entanto, colocar a dúvida sobre a aplicação do CIRE às associações sindicais e de empregadores devido ao facto de o Código do Trabalho determinar a impenhorabilidade dos bens móveis e imóveis destes sujeitos colectivos; mas cabe notar que tal impenhorabilidade não tem carácter absoluto, sendo antes restrita aos bens (móveis e imóveis) “… cuja utilização seja estritamente indispensável ao seu funcionamento (artigo 453º, nº 1); acrescentando ainda o nº 2, a não aplicabilidade da especial protecção a um conjunto de bens imóveis.
E, com efeito, este regime das associações laborais não tem sido considerado impeditivo da aplicação do CIRE[42]. Comecemos por notar que se o património tem várias funções (suporte da pessoa e garantia dos credores), é natural que em algumas situações – por exemplo, estando em causa a subsistência da pessoa – existam excepções que se traduzem na impenhorabilidade[43]; por outro lado, o que a norma acima citada (artigo 453º do CT) faz é apenas e somente uma delimitação do seu âmbito aplicativo, na esteira, aliás, do fixado no quadro geral[44], que além de determinar a existência de bens absolutamente impenhoráveis (artigo 736º do CPC[45]), prescreve bens (relativamente) impenhoráveis, tais como “… os instrumentos de trabalho e os objetos indispensáveis ao exercício da atividade ou formação profissional do executado (artigo 737º, nº 2, do CPC)[46]; note-se, aliás, que o próprio CIRE prevê, a propósito da massa insolvente, a existência de bens impenhoráveis (artigo 46º, nº 2)[47]; acresce que constituiria uma contradição interna do instituto, por manifesta desproporcionalidade da solução, que os trabalhadores e empregadores pudessem ser declarados insolventes, mas as associações em que estão inscritos, ficassem isentas desse regime[48]; trata-se, em suma, de uma especificação do previsto nesta norma processual, relativamente às associações sindicais e de empregadores, não se desresponsabilizando a gestão sindical e de empregadores[49].

 

VI. Do exposto resulta a aplicação do regime geral do direito de associação, consagrado no Decreto-Lei n.° 594/74, de 7 de Novembro[50], e dos artigos 157.° e ss. do Código Civil, nos termos do artigo 16.° daquele diploma, em tudo o que não colida com a Lei de 1974, e desde que não contrarie o Código do Trabalho nem afecte, por um lado, a natureza específica da respectiva autonomia nem, por outro, constitua uma restrição inadmissível da liberdade de organização.
Demonstrada a sujeição das associações sindicais e de empregadores ao CIRE, deve ser sublinhado que a pluralidade de diplomas reguladores das associações laborais, que acima vimos, com expressas referências à insolvência são susceptíveis de gerar um concurso de fontes, que deverá ser dirimido de acordo com o princípio da especialidade, naturalmente sem prejuízo do critério hierárquico relativamente à Constituição. Com efeito, encontramos o quadro geral do direito de associação no diploma de 1974, que, por sua vez, remete para os artigos 157º e ss do CC (artigo 16º do diploma de 1974) e, portanto, é aquele especial face a este; temos ainda o Código do Trabalho, que trata de associações específicas (sindicais e de empregadores), o que significa a especialidade face ao Código Civil; finalmente, temos o CIRE que regula particularmente uma matéria das associações – a insolvência -, assumindo, por isso, uma especialidade face aos demais.
E, deste modo, surge como clara a aplicação do CIRE aos sujeitos colectivos laborais.

 

VII. Como decorre do acima referido, o plano de insolvência (ou recuperação) assume uma especial centralidade no desfecho do processo de insolvência, uma vez que através deste é permitido o afastamento de diversas matérias do CIRE (artigo 192º, nº 1), tal como será definido o caminho a seguir (liquidação ou recuperação).
Como quadro geral, “… pode dizer-se que lá onde haja um processo de insolvência poderá haver um plano de insolvência”[51]. No entanto, tal não é exacto, porquanto, como tem sido sustentado[52/53], o CIRE, além de excluir o plano de insolvência relativamente aos processos de pessoas singulares que sejam empresários[54], tal como às pessoas singulares titulares de pequenas empresas[55], pressupõe, no recurso à providência plano de recuperação, a presença de uma empresa (artigos 1º, 161º, nº 2, 195º, nº 2, alíneas b), e c), 249º e 250º do CIRE)[56]; significa, isto, portanto, que é relevante apurar se as associações sindicais e de empregadores são susceptíveis de ser qualificadas como empresas, não obstante alguma recusa jurisprudencial[57].
Para o efeito, importa ter presente o conceito instrumental de empresa constante do artigo 5º do CIRE. Comecemos por notar que “… a noção de empresa facultada pela lei reveste uma índole eminentemente pragmática, válida apenas no âmbito do Código, sem que necessariamente lhe deva ser imputada outra pretensão ou alcance jus-cientifico”[58]. E como já foi referido, este artigo do CIRE apoia-se “… na noção estrutural de «organização de capital e de trabalho» e na orientação para o «exercício uma qualquer qualquer actividade económica»”, pelo que “… concorrendo aqueles dois factores, tudo o mais é irrelevante com vista ao afastamento do regime normativo do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[59].
Tenha-se igualmente presente que, como tem sido notado, “a associação deve ter meios económicos para prosseguir os seus objectivos” e, nessa medida, faz sentido que possa realizar actividades lucrativas[60]. Deste modo, “queda uma interpretação estrita do «lucro económico dos associados», referido no artigo 157º [do CC] e aproximando-o do artigo 980º [do CC]: trata-se de repartir, em função das entradas, o produto lucrativo do ente coletivo. A ajuda aos associados, mesmo de tipo económico, não será lucro”[61]. É, por isso, importante não assimilar actividade económica a lucro, porquanto as pessoas colectivas de fim económico podem ou não ter fins lucrativos[62].

 

VIII. O Código do Trabalho consagra diversos direitos a estas pessoas colectivas especiais[63], nomeadamente o de prestar serviços de carácter económico e social aos seus associados (artigo 443º, nº 1, alínea b)[64])[65], proibindo o legislador, quanto aos empregadores, de forma expressa, que possam “… dedicar-se à produção ou comercialização de bens ou serviços ou de qualquer modo intervir no mercado …” (nº 3), limitação que se aplicará também às associações sindicais, sob pena de se transmutarem em sociedades com fins lucrativos. Deste modo, tendo, desde logo, presente os fins das associações sindicais (artigos 56º, nº 1, da CRP, e 440º, nº 1, do CT) e de empregadores (artigo 440º, nº 2, do CT) e, por outro lado, o princípio da especialidade (artigo 160º do CC)[66], as associações de empregadores, relativamente à capacidade, tal como as associações sindicais, encontram-se legalmente limitadas, no que respeita à sua intervenção no mercado, tanto através da comercialização de bens, como da prestação de serviços. Em suma, são associações e não sociedades, pelo que tal intervenção terá
de ficar circunscrita ao mercado dos seus associados[67/68].

 

IX. Como acima vimos, o Código Civil estabelece uma regra específica para a insolvência, no que respeita à declaração de extinção, segundo a qual “a extinção por virtude da declaração de insolvência dá-se em consequência da própria declaração” (artigo 183º, nº 3). Na verdade, a extinção de uma associação não elimina “… instantaneamente todas as situações jurídicas que dela dependam”[69], ou seja, a cessação da personalidade decorre da extinção que é um fenómeno complexo, que se traduz em três fases: dissolução, liquidação e sucessão; enquanto aquela assenta num facto (dissolutivo)[70], que no caso em análise, consiste na decisão judicial declarativa da insolvência, a liquidação, entre outras finalidades, visa apurar o activo e passivo da associação, o destino dos bens remanescentes (artigo 166º do CC), ficando os poderes dos órgãos da associação extinta limitados, desde logo, aos actos conservatórios, à liquidação do património social e à ultimação dos negócios pendentes (artigo 184º, nº 1, 1ª parte, do CC), operações que podem prolongar-se no tempo (meses ou anos)[71].
Poder-se-ia considerar que, tendo presente as regras do Código Civil acima referidas (artigos 182º, nº 1, alínea e), 183º, nº 3, e 184º, nº 1), a declaração de insolvência acarretaria inexoravelmente que a associação em causa fosse extinta (dissolvida e liquidada)[72]. Esta posição teria como efeito automático a amputação aplicativa do CIRE, porquanto significaria que uma das finalidades deste diploma estaria inviabilizada: a recuperação.
Não cremos que esta posição possa ser sustentada. Com efeito, temos de ter presente que o Código Civil data de 1966, momento em que nos encontrávamos no regime corporativo, salientando-se que os grémios (associações de empregadores) e as associações sindicais integravam o Estado[73]; por outro lado, a falência/insolvência era regulada pelo Código de Processo Civil de 1961 (aprovado pelo Decreto-Lei nº 44 129, de 28 de Dezembro), no qual, não obstante iniciar o sistema de falência-saneamento, os processos destinavam-se “… a liquidar o património do devedor em benefício comum dos credores …”[74].
E, deste modo, o Código Civil foi ao encontro dos valores constantes do regime então existente, o que significa que as normas deste diploma devem ser objecto de uma interpretação actualista e articulada com o actual quadro normativo disciplinador da insolvência, que assume, aliás, um carácter especial face à lei civil. Note-se, aliás, que a exclusão dos sujeitos laborais configuraria uma discriminação relativa às associações, sem que para tal se encontre um fundamento objectivo e razoável, tanto mais quando o CIRE determina a sua aplicação às pessoas colectivas (em geral), além de que constituiria uma afectação das garantias dos credores, que deixariam de ter uma palavra decisiva no destino da associação.
Daqui decorre, portanto, que apenas se aplicarão as normas do Código Civil na medida em que não exista colisão com as do CIRE e, por outro lado, esteja em causa a liquidação da associação.

 

3º Administrador da Insolvência e Direito de Contratação Colectiva

I. Como acima referimos, o CIRE não regula expressamente os sujeitos colectivos laborais (associação sindical e de empregadores) nem o empregador, enquanto titulares do direito de contratação colectiva, tal como ignora a fonte colectiva, instrumento que não consideramos enquadrável nos artigos 102º e ss[75/76] – capítulo que regula os efeitos sobre os negócio em curso –, pese embora a relevância de o Administrador (ou de o próprio deve dor[77]) poder agir em matéria de contratação colectiva[78]; e consideramos igualmente que a convenção colectiva não é subsumível nos artigos 120º e ss (capítulo v – Resolução em benefício da massa insolvente), tendo presente, desde logo, que o regime assenta na valoração dos actos praticados (artigo120º, nº 1)[79], bem como na retroactividade dos efeitos (artigo 126º, nº 1), o que, naquela caso, constituiria uma afectação do princípio da autonomia colectiva (artigo 56º, nºs 3 e 4, da CRP) e, neste, dificilmente poderia ocorrer (integralmente) na situação de prestações de facto, com as especificidades das laborais, como são as comumente reguladas pela convenção colectiva; por outro lado, se a insolvência do empregador só por si não faz cessar o contrato de trabalho (artigo 347º, nº 1), estando apenas prevista, na legislação laboral, uma resolução específica (artigo 347º, nº 2), não julgamos sustentável, sem norma expressa, a possibilidade de a insolvência constituir base para uma vicissitude (extintiva) da convenção colectiva.
Inversamente, e tendo presente o espaço de liberdade regulatório das partes em matéria de contratação colectiva, consideramos que sendo possível apor na fonte convencional um termo ou condição resolutiva, o artigo 119º, nº 2, do CIRE, ao fixar um regime imperativo apenas restringe tal possibilidade após a insolvência declarada judicialmente[80].

 

II. O administrador é um órgão particularmente relevante da insolvência[81/82]. Nomeado pelo juiz aquando da declaração de insolvência (artigos 36º, nº 1, alínea d), e 52º, nº 1)[83], a sua existência justifica-se “face à desconfiança na capacidade de administração do devedor, que a sua insolvência naturalmente pressupõe”[84].
Com a declaração de insolvência[85], os bens da massa insolvente passam a ser administrados pelo administrador, que assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência (artigo 81º, nºs 1 e 4, do CIRE[86])[87]. O administrador da insolvência tem como função nuclear “… a prossecução dos interesses de terceiros e não do próprio insolvente”[88].

 

III. Ponto central é saber se o administrador tem legitimidade para exercer o direito de contratação colectiva, sendo naturalmente o empregador/insolvente parte na convenção colectiva; e, para o efeito, é relevante apurar se o administrador passa a ser o empregador ou um representante legal deste.
A doutrina tem defendido a segunda hipótese. Na verdade, tem sido sustentado que o administrador é um representante ope legis do empregador[89] o que significa que a “gestão” dos vínculos é assumida por aquele[90]. E, nestes termos, o Administrador teria os mesmos poderes deste para realizar a administração. Esta parece, na realidade, ser a posição que melhor se coaduna com a inibição do insolvente, por si ou pelos seus administradores dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência” (artigo 81º, nº 1; cfr. também o nº 4); e, por outro lado, com os poderes que lhe são expressamente reconhecidos em vários preceitos de natureza laboral nomeadamente o que confere ao administrador o poder de contratar a termo certo ou incerto os trabalhadores necessários à liquidação da massa insolvente ou à continuação da exploração da empresa (artigo 55º, nº 4, do CIRE[91]) ou ainda relativos à cessação dos contratos de trabalho (artigo 347º, nºs 1 e 2, do CT).
A nossa opinião é que estes preceitos, mais do que uma delimitação dos poderes do administrador, visam conferir um regime excepcional face ao previsto no Código do Trabalho, aditando, por um lado, um novo fundamento para os contratos de trabalho a termo face ao regime geral constante do Código do Trabalho e, por outro, uma abertura em termos de cessação, ou seja, um novo fundamento de cessação (artigo 347º, nº 2)[92].
E, por isso, nesta parte, ainda que sem isentar de críticas, poder-se-á eventualmente compreender o silêncio do CIRE, pois terá entendido o legislador que deveria apenas intervir nas matérias em que se justificasse um desvio ao quadro laboral, quadro esse que deve ser aplicado pelo administrador.
Em defesa da nossa posição podemos ainda acrescentar mais dois pontos: a) por um lado, a administração da empresa – seja para recuperar ou liquidar – não pode ser eficientemente realizada, amputando uma matéria tão relevante como é a das condições de trabalho, notando ainda que os poderes do administrador têm a natureza de poderes-deveres[93]; b) por outro, a alternativa seria conferir os poderes laborais ao devedor/empregador, o que colide com a proibição (geral) do insolvente de dispor e administrar os bens integrantes da massa insolvente (artigo 81º, nº 1, do CIRE)[94].
Concluímos, assim que o administrador da insolvência detém os poderes e nos termos em que o Código do Trabalho confere ao empregador, relevando, desde logo, o artigo 491º do CT[95]. Em matéria de fonte colectiva, o administrador tem a possibilidade, entre outras, e face ao silêncio do CIRE, de exercer o direito de contratação colectiva, o que incluirá, desde logo, a proposta de um novo instrumento como a de modificar o existente ou ainda o recurso às formas de cessação de fonte vigente.

 

IV. Há, no entanto, um ponto ainda a salientar: a gestão da empresa terá essencialmente agora um fim específico: a liquidação ou a recuperação; consideramos que tal situação não poderá deixar de relevar para as finalidades das medidas concretas. Na verdade, uma parte da doutrina considera que o administrador da insolvência não poderá agravar a situação económica da empresa, estando impedido de celebrar novas convenções colectivas, aumentar os salários, atribuir gratificações aos trabalhadores ou mesmo suspender convenções colectivas[96]; existiria, portanto, uma restrição dos seus poderes. Como bem nota Júlio Gomes, “é perigoso fixar este tipo de limites de um modo abstracto, devendo atender se sempre à situação real e ao interesse em concreto que para os credores sempre poderão ter as medidas adoptadas pelo administrador da insolvência”[97]. E, nas medidas necessárias, seguramente poderá estar nomeadamente a outorga de uma convenção colectiva[98] ou o recurso ao mecanismo da suspensão da convenção colectiva, cuja previsão assenta, desde logo, em situação de crise empresarial (artigo 502º, nºs 2 a 5, do CT)[99]. Estando em causa o exercício do direito de contratação colectiva, entendemos que o acto a praticar está dependente do consentimento da comissão de credores (ou, na sua falta, da assembleia de credores, artigo 161º, nº 1, do CIRE), porquanto o objectivo da norma de controlo e acompanhamento dos actos (relevantes) do administrador seria afectado, salientando-se que a intervenção do administrador em matéria de contratação colectiva dificilmente deixará de assumir “especial relevo para o processo de insolvência” (artigo 161º, nºs 1 e 2, do CIRE, assumindo o nº 3 carácter exemplificativo).

 

4º Extinção dos Outorgantes da Convenção Colectiva

I. Ocorrida a extinção do sujeito colectivo, mais concretamente a sua liquidação, importa agora analisar quais as consequências relativamente à convenção colectiva outorgada por ele.
Comecemos por notar que a última alteração ao Código do Trabalho introduziu novidades na matéria da cessação da fonte colectiva (artigo 502º)[100].
Com efeito, a alteração de 2019 veio prever expressamente[101], tendo presente, desde logo, a liberdade sindical (e de associação, no caso dos empregadores, negativa) uma outra forma de caducidade, mais precisamente a decorrente da extinção ou perda de qualidade de associação sindical ou de associação de empregadores celebrantes de convenção coletiva (cfr. nº 1, alínea b), subalínea ii)[102] e nº 6[103])[104]; e, note-se ainda, que a extinção do sujeito celebrante tanto pode decorrer de ato voluntário como de decisão judicial (artigo 456º).

 

II. Este quadro geral plasmado no Código do Trabalho exige uma análise mais próxima das situações reguladas. Na verdade, nesta matéria é, desde logo, relevante atender ao número de partes e consequentemente à espécie de instrumento em causa.
Estando apenas perante um instrumento outorgado por duas partes – e sem que, durante a sua vigência, outras tenham, por exemplo, aderido – a utilização dos mecanismos de cessação determina a extinção da convenção colectiva, aplicando-se os respectivos regimes[105]; o mesmo se dirá naturalmente se houver extinção de um outorgante, sem que subsistam duas partes contrapostas, em que a extinção do empregador[106] ou da associação sindical[107] tem como efeito a caducidade da  convenção[108].
Sendo certo que a insolvência do empregador não faz cessar (pelo menos, imediatamente) os contratos de trabalho, continuando estes sujeitos, em regra, às normas laborais aplicáveis antes da declaração de insolvência[109].

 

III. Iniciando a análise pela extinção do empregador, devemos ter presente que o Código do Trabalho determina a caducidade do contrato de trabalho em caso de impossibilidade daquele receber o trabalho, mais especificamente:

1) Morte de empregador em nome individual, salvo se os sucessores continuarem a actividade ou se se verificar transmissão de empresa ou estabelecimento, ocorrendo a cessação do contrato com o encerramento da empresa (artigo 346º, nº 1)[110], mais precisamente na data comunicada pelo empregador[111];
2) Extinção da pessoa colectiva empregadora sem transmissão de empresa ou estabelecimento, terminando a relação laboral na data comunicada pelo empregador (artigo 346º, nº 2)[112];
3) Encerramento total e definitivo de empresa (artigo 346º, nº 3), extinguindo-se o contrato também na data comunicada pelo empregador[113].

 

Em qualquer destas situações temos a extinção da figura do empregador, que quer dizer que o outorgante da convenção deixou de ser parte nesta. Prevendo a lei a caducidade do contrato de trabalho e, por outro lado, sabendo-se que a convenção regulava os contratos extintos, a conclusão surge como natural: opera-se a caducidade da fonte colectiva. Na verdade, e para além dos argumentos de unidade e equilíbrio do instrumento
associados à extinção de uma parte, o desaparecimento dos contratos de trabalho objecto da convenção, reforça a caducidade da fonte convencional como consequência lógica.

 

IV.Relativamente à extinção de associações outorgantes que constituem as únicas partes, também neste caso consideramos que a melhor solução é a da caducidade[114]. De facto, sendo extinta (sem sucessão) uma das partes[115] deve considerar-se – e sem prejuízo da intervenção da autonomia colectiva – que o instrumento acordado cessa por caducidade[116], assim o impondo a unidade e o equilíbrio do regime acordado. Na verdade, admitir a sua manutenção corresponderia a ignorar a relevância da existência das partes, nomeadamente dos seus deveres, elemento essencial na fixação do quadro regulatório, permitindo que “fracções” da convenção mantivessem os efeitos e com isso se afectasse indelevelmente a harmonia do instrumento convencional.

 

V. Estando, no entanto, em causa uma pluralidade de partes, a resposta poderá ser diferente, sem prejuízo do fixado pelos outorgantes[117]. Como atrás referimos, havendo uma pluralidade de partes, cada outorgante mantém a sua autonomia negocial, pelo que pode agir consoante os seus interesses, havendo, portanto, uma multiplicidade de vínculos separados. É verdade que a convenção tem um valor intrínseco que resulta das circunstâncias concretas da negociação das entidades envolvidas, da amplitude dos seus destinatários (ter uma convenção para todo um sector ou ter concorrência de instrumentos); tem igualmente uma individualidade específica que decorre de quem a ela está adstrita e, por isso, pode não ser irrelevante que alguns dos seus outorgantes se tenham desvinculado do instrumento; mas isso pode ser resolvido pelas partes acordando, por exemplo, uma cláusula de unidade, impedindo cessações apenas relativamente a alguns outorgantes e respectivos filiados[118].
Perante o silêncio dos outorgantes, o legislador, em nome da autonomia colectiva, deu preferência ao factor da estabilidade, delimitando a possibilidade de as entidades se libertarem dos seus efeitos, mas mantendo a fonte quanto às demais. Note-se, aliás, que também em fase posterior à celebração podem acontecer modificações internas nas entidades destinatárias da convenção, desta vez, não no sentido de diminuir a amplitude dos efeitos, mas de os aumentar substancialmente[119].

 

VI. Defendemos, por isso, que a extinção de um dos outorgantes não afecta a vigência do instrumento[120], uma vez que a cessação de efeitos apenas se repercute na esfera da associação extinta – e naturalmente dos seus associados; ou seja, os outorgantes não serão afectados por situações individuais dos respectivos subscritores, pois, em termos substanciais, tudo se passa como se existissem convenções autónomas, podendo o âmbito ser diminuído (por exemplo, denúncia) ou ampliado (por exemplo, acordo de adesão) conforme os actos praticados pelos sujeitos presentes ou futuros do instrumento[121]. Nestes termos, a extinção de um outorgante, mas existindo uma pluralidade de partes, mantendo-se representantes dos trabalhadores e dos empregadores, não faz cessar a convenção. Estando em causa, por exemplo, um acordo colectivo, a extinção de um empregador não tem como consequência a caducidade da fonte convencional[122], o que significa que a eliminação de uma das partes não afecta a vigência do instrumento, operando-se antes uma redução do seu âmbito subjectivo.

 

E neste ponto – redução do âmbito subjectivo – importa deixar claro que, apesar de a fonte convencional não caducar, os filiados na entidade outorgante agora extinta deixam naturalmente de ser destinatários do instrumento em causa. Na verdade, seria uma entorse aos valores de unidade e equilbrio da fonte convencional, se parte da convenção continuasse a regular as situações dos membros daquela entidade. Por outro lado, consideramos que também não se aplicarão os efeitos de pós eficácia da convenção (artigo 501º, nºs 5 e 6), uma vez que o preceito, pressupõe, por um lado, a existência de partes, o que não acontece; por outro, trata-se de uma regra que tem um âmbito de aplicação bem delimitado, do qual resulta que estamos perante efeitos decorrentes da denúncia (artigo 501º, nºs 3 e ss), o que também não se verificou.

 

5º Alteração das Circunstâncias

I. É importante apurar se a declaração de insolvência – liquidação ou recuperação das associações laborais – assume relevância face ao instituto da alteração das circunstâncias. Importa, por isso, analisar se a resolução em benefício da massa insolvente prevista no CIRE (artigos 120º e ss)[123] esgota os mecanismos jurídicos; não esgotando, saber se a alteração das circunstâncias é aplicável à fonte colectiva; e, finalmente, apurar se a insolvência é fundamento para a aplicação do instituto da alteração das circunstâncias.

 

II. Relativamente à primeira questão – saber se a resolução em benefício da massa insolvente prevista no CIRE (artigos 120º e ss) esgota os mecanismos jurídicos aplicáveis –, a jurisprudência já respondeu, e bem, afirmando que:

“3. A resolução em benefício da massa insolvente é um instituto especial do processo de insolvência que se destina à tutela da generalidade dos credores do insolvente, na medida em que permite ao Administrador da Insolvência que a eficácia de toda uma panóplia de actos seja destruída, verificados que sejam certos requisitos de ordem temporal, subjectiva e objectiva.
4. No entanto este instituto da resolução em benefício da massa insolvente não afasta a aplicabilidade dos normativos constantes dos artºs 432º sgs. do Código Civil, antes representando um meio de protecção acrescida dos credores”[124].

 

III. Apreciemos agora a segunda questão, i.e., saber se o mecanismo da alteração das circunstâncias é aplicável à fonte colectiva.
Comecemos por notar que com o Código de Trabalho 2003, a legislação laboral passou a fazer alusão expressa ao instituto da alteração das circunstâncias, tendo sido mantido, ainda que com modificações, nas revisões posteriores[125]. Com efeito, o actual diploma determina, depois de prescrever a obrigação dos destinatários dos instrumentos de regulamentação colectiva procederem de boa fé (artigo 520º, nº 1):

“Na aplicação de convenção colectiva ou acordo de adesão, atende-se às circunstâncias em que as partes fundamentaram a decisão de contratar” (artigo 520º, nº 2)[126].

A doutrina tem interpretado o preceito com o sentido de uma remissão para o regime da alteração das circunstâncias previsto no Código Civil (artigos 437º e ss)[127], da qual resulta, portanto, a aplicação da resolução por esse motivo[128]. E consideramos que esta posição é a mais correcta, uma vez que o legislador ao determinar a aplicação do instituto sem qualquer restrição, fê-lo na sua plenitude, admitindo, portanto, “um confronto entre a estabilidade e a segurança jurídica, por um lado, e a justiça comutativa, por outro; noutro plano, dir-se-á que existe uma contraposição entre a autonomia das partes e a boa fé”[129]. Pode, por isso, dizer-se que a consagração expressa da sua aplicação à convenção colectiva constitui o reconhecimento de que o instrumento convencional carece de meios jurídicos que lhe confiram alguma flexibilidade, não devendo o equilíbrio alcançado ficar imune às vicissitudes das circunstâncias em que as partes decidiram outorgar; constitui, deste modo, um importante mecanismo para manter o equilíbrio convencionado[130].
Note-se ainda que também o mecanismo da resolução por alteração das circunstâncias apenas aproveita à parte que exerceu o direito potestativo.
De facto, estando em causa uma pluralidade de partes não poderão estas ser afectadas pelo mecanismo da alteração das circunstâncias a que uma delas recorre[131] – e que pode, aliás, apenas dizer-lhe somente respeito -, não operando, deste modo, qualquer alteração na vigência da convenção.

 

IV. Assim, ao consagrar a aplicação do instituto da alteração das circunstâncias à convenção colectiva, o legislador juntou às duas situações previstas para a cessação de vigência de convenção colectiva (revogação e caducidade, artigo 502º, nº 1), a resolução com este fundamento; e, por outro lado, ao não estabelecer um regime específico, o legislador determinou ainda a aplicação do quadro geral constante do Código Civil (artigos 437º e ss). Esta remissão abrange também a modificação, o que constitui mais um importante “caminho” de adaptação da fonte convencional em momentos, como os actuais, de abruptas e imprevisíveis alterações económicas. Em suma, “na falta de leis adequadas, [o instituto da alteração das circunstâncias] será mesmo a única fórmula capaz de conciliar a palavra dada com as novas condições económico-sociais”[132].

 

V. Há que ter presente que a remissão para o regime geral da alteração das circunstâncias é susceptível de se deparar com diversos problemas, uma vez que o quadro consagrado no Código Civil (artigos 437º e ss) não foi pensado para atender às particularidades da situação laboral, para mais quando está em causa uma fonte específica do Direito do Trabalho.
Os efeitos da resolução são equiparados aos da nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (artigos 433º e 289º do CC); por outro lado, o legislador sublinha ainda a retroactividade dos efeitos, salvo se contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução (artigo 434º, nº 1, CC); por sua vez, nos contratos de execução continuada, a resolução não abrange, em regra, as prestações já efectuadas (artigo 434º, nº 2, do Código Civil), devendo subsumir-se a fonte convencional na previsão da norma.
Tendo presente que o regime legal pode ser objecto de intervenção da autonomia colectiva, as partes poderão regular os efeitos, prevenindo eventuais dificuldades aplicativas. De facto, não se identificam motivos impeditivos de regulação convencional no sentido de afastar ou modelar o regime de alteração das circunstâncias, como tem sido admitido no âmbito do Código Civil[133], posição que, atendendo à igualdade das partes e ao princípio da autonomia colectiva, deve ser mantida face ao preceito laboral (artigo 520º, nº 2).
Não podemos, no entanto, ignorar que, e não obstante a sua particular importância, como escreve Menezes Cordeiro, que “a alteração das circunstâncias … é um remédio de equidade, de concretização difícil e de saída imprevisível”[134].

 

VI. Quanto ao outro ponto ainda em aberto – saber se a insolvência pode ser fundamento para a aplicação do instituto da alteração das circunstâncias – importa ter presente que a resposta dependerá da causa de insolvência[135/136]. Na verdade, e concentrando-nos no requisito da alteração anormal das circunstâncias, sustentamos que sendo a insolvência, por exemplo, consequência de uma crise com dimensão internacional,

“… um colapso à escala mundial, não pode ser considerada como risco normal, bem como as oscilações da taxa de juro (que se verificou com a falência do Lehman Brothers, por exemplo) como riscos próprios do contrato sob pena de se violarem gravemente os princípios da boa fé contratual”[137].

Seguindo esta linha jurisprudencial, que acompanhamos, consideramos que a insolvência de um outorgante de uma convenção colectiva é susceptível de fundamentar a aplicação do instituto da alteração das circunstâncias, podendo relevar a causa da insolvência, mas devemos reter que não é suficiente a verificação desta; só a análise da situação concreta permitirá dar por preenchidos os diversos conceitos indeterminados constantes do quadro legal.

 

 

 

[1]Como escreve Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, volume I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 462, “deve ficar claro que o moderno Direito do trabalho não é um Direito dos pobres ou dos desprotegidos: é um Direito dos trabalhadores subordinados”, notando ainda que “o Direito do trabalho apresenta … uma diversidade regulativa interna que dificulta uma definição unitária. Trata-se de uma implicação direta do multicentrismo” (p. 48). Veja-se também Romano Martinez, Direito do Trabalho, 9ª edição, Almedina, Coimbra, 2019, por exemplo, p. 228, para quem, “o direito do trabalho não foi estabelecido para defender os trabalhadores contra os empregadores, ele existe em defesa de um interesse geral, onde se inclui toda a comunidade”; os diversos princípios identificados por Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte I – Dogmática Geral, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, pp. 529 e ss, em especial, pp. 533 e ss. Numa perspectiva diferente, Leal Amado, Contrato de Trabalho – Noções Básicas, 3ª edição, Coimbra Editora, 2019, pp. 9 e ss, identificando a tentativa de harmonizar os interesses conflituantes dos trabalhadores e empregadores como principal objectivo do Direito do Trabalho (p. 19).
[2] Vejam-se as observações de Menezes Cordeiro, “Introdução ao Direito da Insolvência”, O Direito, 2005, III, pp. 479-480, bem como, do mesmo Autor, Direito Comercial, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 492 e ss; Júlio Gomes, “Nótula sobre os Efeitos da Insolvência do Empregador nas Relações de Trabalho”, AAVV, I Congresso de Direito da Insolvência, coordenação de Catarina Serra, Almedina Coimbra, 2013, p. 285.
[3] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março, cuja última alteração foi realizada pelo Decreto-Lei nº 84/2019, de 28 de Junho.
[4] Para um breve enquadramento histórico do artigo, por exemplo, Sousa Lameira, “A Evolução Histórica Recente do Regime do Instituto da Falência/Insolvência”, AAVV, Falência, Insolvência e Recuperação de Empresas, Iº Congresso de Direito Comercial das Faculdades de Direito da Universidade do Porto, de S. Paulo e de Macau, coordenação de Miguel Pestana de Vasconcelos, E-books FDUP, 2017, pp. 120 e ss, em especial, pp. 122 e ss. E sobre a evolução da insolvência em geral, Menezes Cordeiro, “Introdução ao Direito da Insolvência”, cit., pp. 473 e ss, bem como, do mesmo Autor, Direito Comercial, cit., pp. 470 e ss; Carvalho Fernandes, “O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas na Evolução do Regime da Falência no Direito Português”, em Carvalho Fernandes e João Labareda, Colectânea de Estudos sobre a Insolvência, Quid Juris, Lisboa, 2009, pp. 41 e ss; Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 9ª edição, Almedina, Coimbra, 2019, pp 21 e ss, em especial, pp. 47 e ss.
[5] Sem prejuízo das alterações realizadas ao CIRE, retenhamos as diversas posições, tendo presente as datas das publicações, de Carvalho Fernandes, “O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas na Evolução do Regime da Falência no Direito Português”, cit., 2009, p. 66: “Embora o Relatório do decreto preambular atribua grande significado ao papel que,  no CIRE, aos credores é reservado (54), quanto ao destino da empresa, à sua manutenção e ao modo como o seu interesse vai ser satisfeito, e acentue algumas medidas que, mesmo no regime supletivo de liquidação, são dirigidas à recuperação, o certo é que, globalmente considerado, o regime do Código é dominado pela finalidade de liquidação da massa insolvente”, itálicos no original; Júlio Gomes, “Nótula sobre os Efeitos da Insolvência do Empregador nas Relações de Trabalho”, cit., 2013, p. 286, sustenta ser secundária a recuperação de empresa. Para uma análise do tema, Menezes Cordeiro, “Introdução ao Direito da Insolvência”, cit., 2005, p. 505: “a empresa recuperável não chega às portas de um processo judicial de recuperação. Ela obtém, seja dos bancos, seja dos accionistas, seja de terceiros interessados, seja, finalmente, dos próprios operadores económicos, os apoios para relançar o seu funcionamento produtivo. A recuperação será, assim, prévia a qualquer processo”; Tarso Domingues, “Limites da Autonomia Privada nos Planos de Reorganização das Empresas”, AAVV, Falência, Insolvência e Recuperação de Empresas, Iº Congresso de Direito Comercial das Faculdades de Direito da Universidade do Porto, de S. Paulo e de Macau, coordenação de Miguel Pestana de Vasconcelos, E books FDUP, 2017, p. 144, para quem, e depois de referir a modificação do artigo 1º, nº 1, do CIRE, “… o regime manteve-se basicamente inalterado, pelo que não se poderá afirmar que o CIRE tenha, com a Lei 16/2012, passado a consagrar para o devedor insolvente, um regime geral de primazia da recuperação sobre a liquidação do seu património”; Cláudia Madaleno, “Notas sobre as Alterações do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Em Especial, a Opção pela Recuperação do Devedor”, AAVV, Estudos do Instituto de Direito do Consumo, volume IV, coordenação de Adelaide Menezes Leitão, Almedina, Coimbra, 2014, pp. 221 e ss, notando que a recuperação não constitui a prioridade (p. 221), e salientando (pp. 239 e ss) a alteração realizada pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, na sequência do Memorando de Políticas Económicas e Financeiras (17 de Maio de 2011); já Catarina Serra, “Os Efeitos Patrimoniais da Declaração de Insolvência após a Alteração da Lei nº 16/2012 ao Código da Insolvência”, Julgar, nº 18, 2012, p. 199, escreve que “da alteração à primeira norma [artigo 1º, nº 1, do CIRE] resulta que a recuperação da empresa será prioritária. Mas isso de nada adianta se, como parece ser o caso, não houver medidas novas nem apuramentos aportados ao regime de recuperação de empresas insolventes”.
[6] Para um enquadramento da matéria no quadro da União Europeia, por exemplo, Claúdia Madaleno, “Insolvência, Processo Especial de Revitalização e Reclamação de Créditos Laborais”, AAVV, Estudos Comemorativos dos 20 Anos da Abreu Advogados, «Colecção Estudos Instituto do Conhecimento AB – nº 4», coordenação de Ricardo Costa e Gonçalves da Silva, Almedina, Coimbra, 2015, pp. 200 e ss.
[7] Como nota Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, p. 2019, reimpressão, p. 319, “a apresentação do plano de insolvência pressupõe sempre a declaração de insolvência do devedor …”. Sobre a declaração de insolvência, para além da Autora citada, pp. 128 e ss, Pedro Albuquerque, “Declaração da Situação de Insolvência”, O Direito, 2005, III, em especial, pp. 521 e ss; Menezes Leitão, Direito da Insolvência, cit., pp. 163 e ss.
[8] Afirma Santos Júnior, “O Plano de Insolvência. Algumas Notas”, O Direito, 2006, III, p. 575, que o CIRE “… elege como finalidade decisiva do processo de insolvência a satisfação  dos interesses dos credores do insolvente E deixa nas mãos deles, confiando resultar disso uma expressão da lei do mercado, o destino dos bens da massa insolvente: aos credores cabe decidir da liquidação desses bens, segundo o modelo legal supletivo, se não optarem por um plano de insolvência, ou da sua liquidação ou, enfim, da recuperação da empresa, segundo um plano de insolvência”.
[9] O conteúdo do relatório está fixado no artigo 155º do CIRE.
[10] O juiz tem o poder de dispensar a realização da assembleia, nos termos do artigo 36º, nº 1, alínea n), do CIRE; por outro lado, o administrador de insolvência pode decidir encerrar o estabelecimento, antes da assembleia de análise do relatório, de acordo com o artigo 157º do CIRE; e pode ainda o administrador judicial provisório, que deve manter a exploração da empresa (artigo 31º, nº 2, do CIRE), suspender a actividade desta, caso entenda que é mais benéfico para o interesse dos credores, devendo, neste caso, ser autorizada pelo juiz (artigo 33º, nº 1, do CIRE).
[11] De acordo com o artigo 192º, nº 3, do CIRE, designa-se plano de recuperação, o plano que se destine a prover à recuperação do devedor. Defende Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, volume I, 12ª edição, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 333-334, que “o «plano de insolvência», mesmo quando aplicado (como é normal) a empresários, não tem de visar a recuperação de empresa. Embora o desígnio recuperativo do plano deva ser considerado primordial (cfr. o art. 1º), é certo que aquele instrumento pode ser utilizado com objetivos que não passam pela recuperação empresarial (v.g., pode o plano regular uma liquidação mais ou menos atomística da empresa) – v. os arts. 1º e 192º, 1»; veja-se ainda, obra e Autor citado, pp. 338 e ss.
[12] Sobre a fase da liquidação, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 314 e ss; Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 279 e ss.
[13] Podendo ler-se no ponto 6 do Relatório do Decreto Lei: “Fugindo da errónea ideia afirmada na actual lei, quanto à suposta prevalência da via da recuperação da empresa, o modelo adoptado pelo novo Código explicita, assim, desde o seu início, que é sempre a vontade dos credores a que comanda todo o processo”; acrescentando-se: “Aos credores compete decidir se o pagamento se obterá por meio de liquidação integral do património do devedor, nos termos do regime disposto no Código ou nos de que constem de um plano de insolvência que venham a aprovar, ou através da manutenção em actividade e reestruturação da empresa, na titularidade do devedor ou de terceiros, nos moldes também constantes de um plano”.
[14] Catarina Serra, O Regime Português da Insolvência, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2012, p. 146, identifica quatro modalidades de plano, com base no artigo 195º, nº 2, alínea b), do CIRE: a) plano de liquidação da massa insolvente; b) plano de recuperação; c) plano de saneamento por transmissão da empresa (artigo 199º do CIRE); d) plano misto, que decorre da liberdade de cruzar os diferentes planos. Para mais desenvolvimentos sobre o plano de insolvência, além da Autora citada, Menezes Cordeiro, “Introdução ao Direito da Insolvência”, cit., pp. 502-503; Tarso Domingues, “Limites da Autonomia Privada nos Planos de Reorganização das Empresas”, cit., pp. 143 e ss (plano de recuperação); Maria Do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, cit., pp. 337 e ss; Santos Júnior, “O Plano de Insolvência. Algumas Notas”, cit., pp. 571 e ss; Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 9ª edição, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 297 e ss; Cláudia Madaleno, “Notas sobre as Alterações do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Em Especial, a Opção pela Recuperação do Devedor”, cit., pp. 226 e ss.
[15] Santos Júnior, “O Plano de Insolvência. Algumas Notas”, cit., pp. 586 e ss.
[16] Veja-se, por exemplo, 26º, nº 1, 37º, nº 2, 66º, nº 3, 72º, nº 6, 75º, nº 3, 156º, nº 1, e 193º, nº 3.
[17] Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, cuja última modificação foi realizada pela Lei nº 93/2019, de 4 de Setembro.
[18] Na verdade, as convenções colectivas são celebradas por associações sindicais e de empregadores – associações de direito privado – sem prejuízo da outorga directa pelo empregador (artigo 443º, nº 1, alínea a) e 2º, nº 3). Dito de outro modo: do artigo 443º, nº 1, alínea a), em
articulação com o artigo 2º, nº 3, resulta que foi consagrado no Código do Trabalho um exclusivo sindical em matéria de outorga de convenções colectivas, o que é, aliás, confirmado pelo artigo 491º, nº 3, onde a intervenção das comissões de trabalhadores está dependente de “delegação” das associações sindicais.
[19] Como se pode ler no Livro Verde sobre as Relações Laborais, Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Lisboa, 2016, p. 302: “Na atualidade, com referência a 31 de dezembro de 2015, estavam constituídas e com mandatos em curso 191 comissões de trabalhadores e 4 comissões coordenadoras”.
[20] Cfr., no quadro legal anterior, Nunes de Carvalho, “Reflexos Laborais do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, 1995, nºs 1-2-3, pp. 62 e ss; e, no actual, Palma R amalho, “Aspectos Laborais da Insolvência. Notas Breves sobre as Implicações Laborais do Regime do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, Questões Laborais, ano XII, nº 26, 2005, p. 150; bem como, da mesma Autora, “Os Trabalhadores no Processo de Insolvência”, AAVV, III Congresso de Direito da Insolvência, coordenação de Catarina Serra, Almedina, Coimbra, 2015, p. 397. Veja-se também, Júlio Gomes, “Nótula sobre os Efeitos da Insolvência do Empregador nas Relações de Trabalho”, cit., pp. 286-287, de forma menos crítica e chamando a atenção para o facto de inexistirem critérios de representatividade.
[21] Sem prejuízo de algumas excepções, ainda que nem sempre seja expressa a referência à insolvência, como são o caso, por exemplo, dos artigos 425º, alínea d), e 466º, nº 1, alíneas a) a c).
[22] Estes são os dois sujeitos laborais sobre o qual incidirá a nossa análise. Para mais desenvolvimentos sobre outros sujeitos, cfr. Gonçalves da Silva, em Romano Martinez – Luís Miguel Monteiro – Joana Vasconcelos – Madeir a de Brito – Guilherme Dray – Gonçalves da Silva, Código do Trabalho Anotado, 12ª edição, Almedina, Coimbra, 2019, anotação ao artigo 404º.
[23] Excluímos, portanto, da nossa análise o processo especial de revitalização, o processo especial para acordo de pagamento, o regime extrajudicial de recuperação de empresas e o de conversão de créditos de capital, que alguma doutrina inclui no Direito da Insolvência (em sentido amplo), por exemplo, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, cit., p. 21.
[24] Entre os diversos textos internacionais, saliente se, desde logo, da Organização Internacional do Trabalho, em especial: a) Convenção nº 87, datada de 1948, aprovada pelo Decreto-Lei nº 45/77, de 19 de Abril; b) Convenção nº 98, de 1949, aprovada pelo Decreto-Lei nº 45 758, de 12 de Junho de 1964; c) Recomendação nº 91, de 1951. Importa salientar que existe uma diferente abordagem dos instrumentos internacionais ratificados por Portugal e aquela que é apresentada pela nossa Lei Fundamental. Com efeito, enquanto as convenções nºs 87 – versa a liberdade sindical e a protecção do direito sindical – e 98 – incide sobre o direito de organização e de negociação colectiva – revelam igualdade, no que respeita à sua matéria, de tratamento entre trabalhadores e empregadores, a nossa Lei Fundamental não consagrou expressamente o direito de os empregadores se coligarem através de associações para defesa dos seus direitos e, consequentemente, o direito de contratação colectiva, bem como qualquer referência à participação na elaboração da legislação do trabalho. Dizemos que a Constituição não consagrou expressamente, pois, pelo menos no que respeita ao direito de contratação colectiva, entendemos que tal faz parte do conteúdo da liberdade de iniciativa económica – na sua vertente de direito de contratação -, que é considerado pela doutrina como um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias; neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, volume I, 4ª edição, 2007, p. 789 (II); Ferreira Mendes, em Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 1184. E isto, sem prejuízo de considerarmos que a liberdade de associação de empregadores, prevista no CT2009 – e tratada a par da dos trabalhadores – é um direito fundamental material proveniente da lei; neste sentido, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional – Direitos Fundamentais, tomo IV, 2ª edição, Coimbra Editora, 1993, p. 158, referindo-se à Lei das Associações Patronais (Decreto-Lei nº 215-C/75, de 30 de Abril). Para Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada (artigos 1º a 107º), volume I, cit., 2007, p. 731 (I), “a protecção exclusiva das associações sindicais, inserida, aliás, no âmbito da garantia especial dos direitos dos trabalhadores, é expressão do favor laboratoris perfilhado pela Constituição; o qual obviamente não se compaginaria com um estatuto de igualdade dos chamados «parceiros sociais»”, itálico no original. Para mais desenvolvimentos, Gonçalves da Silva, Da Eficácia da Convenção Colectiva, Dissertação de Doutoramento, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2012, em especial, pp. 634 e ss.
[25] Entre as fontes não legais, relevam especialmente os estatutos.
[26] As associações adquirem personalidade jurídica e a consequente capacidade (de gozo) com o registo dos estatutos no ministério responsável pela área laboral (artigo 447.°, n.° 1), passando a ter capacidade (de exercício) após a publicação dos respectivos textos no Boletim do Trabalho e Emprego ou trinta dias após o registo (cfr. artigo 447.°, n.° 7). Ou seja, se é verdade que é necessário o registo dos respectivos estatutos, é igualmente verdade que o seu registo não é suficiente, pois as associações só podem iniciar o exercício das respectivas actividades após a publicação daqueles. Deste modo, com o registo dos estatutos, as associações adquirem a personalidade jurídica e a inerente capacidade (de gozo); com a publicação dos estatutos no Boletim do Trabalho e Emprego, as associações passam a ter capacidade (de exercício). Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, volume IV, cit., p. 739, defende que a “… categoria «capacidade de exercício» só é aplicável às pessoas singulares, concluindo que “no direito das pessoas coletivas não cabe contrapor a capacidade de gozo à capacidade de exercício”. Diferentemente, por exemplo, Marcelo Caetano, “As Pessoas Colectivas no novo Código Civil Português”, Estudos de Direito Administrativo, Edições Ática, Lisboa, 1974, pp. 383-384; Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, volume I, 6ª edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2012, pp. 600 e ss, distinguindo expressamente entre capacidade de gozo e de exercício das pessoas colectivas. Segundo o artigo 7º da Convenção nº 87 da OIT, “a aquisição de personalidade jurídica pelas organizações de trabalhadores e de entidades patronais, suas federações e confederações não pode estar subordinada a condições susceptíveis de pôr em causa a aplicação das disposições dos artigos 2º, 3º e 4º da presente Convenção”. Note-se que esta Convenção considera o termo organização, segundo o artigo 10º, como “… toda e qualquer organização de trabalhadores ou de entidades patronais que tenha por fim promover e defender os interesses dos trabalhadores ou do patronato”. Os preceitos referidos no artigo 7º consagram: a) o direito de “o trabalhadores e entidades patronais, sem distinção de qualquer espécie, … sem autorização prévia, de constituírem organizações da sua escolha, assim como o de se filiarem nessas organizações, com a única condição de se conformarem com os estatutos destas últimas” (artigo 2º); b) o direito de “as organizações de trabalhadores e de entidades patronais … de elaborar os seus estatutos e regulamentos administrativos, de eleger livremente os seus representantes, organizar a sua gestão e a sua actividade e formular o seu programa de acção” (artigo 3º, nº 1); c) por fim, “as  organizações de trabalhadores e de entidades patronais não estão sujeitas à dissolução ou à suspensão por via administrativa” (artigo 4º).
[27] Note-se que a remissão para o Código Civil, já foi considerada, pelo Tribunal Constitucional (www.dgsi.pt), incompatível com a Lei Fundamental, por exemplo, nos seguintes arestos: 1) nºs 46/85, de 13 de Março, 314/86, de 12 de Novembro (por violação do artigo 56º,  nº 2, alínea c), e nº 3, da CRP, as normas dos artigos 16º do Decreto-Lei nº 549/74, de 7 de Novembro, e 46º do Decreto-Lei nº 215-B/75, de 30 de Abril, por via da aplicação do artigo 175º, nº 4, do Código Civil, que determinaram a anulação de regras estatutárias; 2) 342/86, de 10 de Dezembro (por violação do artigo 56º, nºs 2, alínea c) e 3, da Constituição, a norma
do artigo 46º do Decreto-Lei nº 215-B/75, de 30 de Abril, enquanto remete para o artigo 16º do Decreto-Lei nº 594/74, de 7 de Novembro, e, desse modo, torna aplicáveis às associações sindicais os artigos 162º e 175º, nº 4, do Código Civil; 3) com força obrigatória geral, nº 64/88, de 22 de Maio de 1988, Diário da República, de 18 de Abril de 1988, I série, nº 90, pp. 1471 1474, o artigo 46º da Lei Sindical, enquanto remete para o artigo 16º do Decreto-Lei 594/74, de 7 de Novembro, e, desse modo, torna aplicáveis às associações sindicais o artigo 175º, nº 4, do Código Civil; 4) 159/88, de 12 de Julho de 1988, Diário da República, de 1 de Agosto de 1988, I série, nº 176, pp. 3176-3178 – o artigo 46º da Lei Sindical, enquanto remete para o artigo 16º do Decreto-Lei 594/74, de 7 de Novembro, e, desse modo, torna aplicáveis às associações sindicais o artigo 175º, nºs 2 e 3, do Código Civil; 5) 449/91, de 28 de Novembro, com força obrigatória geral, da norma constante do nº 3 do artigo 17º do Decreto-Lei nº 215-B/75, de 30 de Abril, na parte em que impõe o voto directo, e da norma constante do artigo 46º do Decreto-Lei nº 215-B/75, de 30 de Abril, no segmento em que determina, nos termos do artigo 16º do Decreto-Lei nº 594/74, de 7 de Novembro, a aplicação da segunda parte do artigo 162º do Código Civil às associações sindicais, impondo que o órgão de administração e o conselho fiscal destas sejam constituídos por um número ímpar de titulares e incluam um presidente, em ambos os casos, por violação da alínea a) do nº 2 do artigo 55º e do nº 2 do artigo 18º, tendo em vista o disposto no nº 3 do artigo 55º, todos da Constituição. Para mais desenvolvimentos sobre o assunto, vd., entre outros, Guilherme da Fonseca, “Associações Sindicais – Liberdade de Organização e Regulamentação Interna – Aplicação dos artigos 162º e 175º, nº 4, do Código Civil aos Estatutos”, Revista do Ministério Público, ano 6º, volume 24, 1985, pp. 173 e ss; Romano Martinez, Direito do Trabalho, 9ª edição, Almedina, Coimbra, 2019, p. 1098, com indicações jurisprudenciais e doutrinárias; Bernardo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, Volume I, 3ª edição, Verbo, Lisboa, 2004, pp. 162 e ss; com anotação de Vasco Lobo Xavier e Bernardo Lobo Xavier, “Inaplicabilidade do Código Civil às Associações Sindicais”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXX (III da 2ª série), 1988, nº 3, pp. 305 ss, analisando também os arestos nºs 64/88, de 22 de Maio de 1988, e 159/88, de 12 de Julho de 1988, e convergindo com o sentido das decisões.
[28] Sobre a matéria, por exemplo, Morais Antunes, “O Governo das Associações Civis”, AAVV, Direito de Associação – O Controlo da Legalidade, «Formação Inicial», E-book, CEJ, 2018, pp. 93 e ss; Fernando Bento, “Direito de Associação”, AAVV, Direito de Associação – O Controlo da Legalidade, «Formação Inicial», E-book, CEJ, 2018, pp. 65 e ss; Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, volume IV, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 695 e ss, em especial, pp. 704 e ss e 791 e ss; Videira Henriques, “O Regime Geral das Associações”, AAVV, Direito de Associação – O Controlo da Legalidade, «Formação Inicial», E-book, CEJ, 2018, pp. 143 e ss; Teixeira de Sousa e Leonor Beleza, “Direito de Associação e Associações”, AAVV, Estudos sobre a Constituição, volume III, coordenação de Jorge Miranda, Petrony, Lisboa, 1979, pp. 121 e ss.8
[29] Relativamente às alíneas b) e c), veja-se o artigo 7º.
[30] Veja-se também o artigo 9º.
[31] Como nota Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, volume I, cit., p. 885, “… não oferecerá dúvidas a aplicação, aos sindicatos, do disposto no artigo 182º/2, do Código Civil …”, reiterando a mesma posição no que respeita às associações de empregadores (p. 901); também assim, afirma, Romano Martinez, Direito do Trabalho, cit., p. 1130: “Não é opinião unânime, mas parece que nada obsta à aplicação do art. 182º do CC com respeito à extinção das associações sindicais”.
[32] Sobre as causas de extinção previstas no Código Civil, vd. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, volume IV, cit., pp. 835 e ss, concluindo: “As causas de extinção do artigo 182º podem ser interpretadas de modo extensivo. Mas elas são taxativas: não é possível descobrir novas causas de extinção, sob pena de, à margem da lei, se extinguirem os direitos associativos dos particulares e se colocar em crise a liberdade de associação. Também não podem terceiros, mesmo interessados no património das associações, requerer a sua extinção, à margem do legislado” (p. 837).
[33] O preceito acrescenta ainda: “pelos actos restantes e pelos danos que deles advenham à associação respondem solidariamente os administradores que os praticarem”.
[34] Em matéria de insolvência, importa ainda ter presente que, por um lado, a declaração pode ser requerida nos termos gerais da lei processual (artigo 8º, 1ª parte, da LDA) e, por outro, que a associação se considera extinta “… a partir do trânsito em julgado da decisão que decrete a insolvência ou a extinção, a qual será comunicada pelo tribunal …” (artigo 8º, nº 2, da LDA). No quadro actual do CIRE, o legislador consagrou o dever geral de apresentação à insolvência das pessoas colectivas (artigo 18º).
[35] Cfr. também os artigos 8º e 9º da LACT2009. A título de exemplo, veja se o Ac. da Rel. do Porto, de 20 de Maio de 1993, Colectânea de Jurisprudência, ano XVIII, 1993, tomo III, pp. 209 e ss, relativamente à extinção de uma casa do povo; bem como, Ac. da Rel. de Évora, de 4 de Maio de 2000, Colectânea de Jurisprudência, ano XXV, 2000, tomo III, pp. 255 e ss, na qual relevou saber se o centro regional de segurança social tinha legitimidade para requerer a extinção de uma casa do povo.
[36] É certo que o procedimento previsto para a voluntária (artigo 456º, nº 2, alínea b)) suscita problemas quando estiver em causa a extinção por falecimento ou desaparecimento de todos  os seus associados (artigo 182º, nº 1, alínea d), do CC), pelo que neste caso deve ser a Administração laboral a iniciar o procedimento, nos termos do artigo 456º, nº 1.
[37] Esta situação deve entender-se como excepcional de modo a tornar esta faculdade compatível com a noção de sindicato (artigo 442º, nº 1, alínea a)) e de associação de empregadores (artigo 442º, nº 2, alínea a)), na qual consta o carácter de associação permanente.
[38] Sobre as causas de extinção das associações sindicais, por exemplo, Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, volume I, cit., pp. 885 e ss; Menezes Leitão, Direito do Trabalho, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2019, p. 589; Romano Martinez, Direito do Trabalho, cit., pp. 1129 e ss; Lobo Xavier, com a colaboração de Furtado Martins, A. Nunes de Carvalho, Joana Vasconcelos, Guerra de Almeida, Manual de Direito do Trabalho, 3ª edição, Rei dos Livros, Lisboa, 2018, .pp. 214-215; de empregadores, Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, volume I, op. cit., p. 901; Menezes Leitão, op. cit., pp. 602-603; Romano Martinez, Direito do Trabalho, op. cit., pp. 1145 1146.
[39] Para mais desenvolvimentos sobre o pressuposto objectivo, Pedro Albuquerque, “Declaração da Situação de Insolvência”, cit., pp. 511 e ss; Maria do Rosário Epifânio, cit., pp. 26 e ss; Menezes Leitão, Direito da Insolvência, cit., pp. 81 e ss. Veja-se também o artigo 20º do CIRE; Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, cit., pp. 23 e ss.
[40] O nº 2 do artigo prevê algumas excepções, que não relevam no presente caso. Para uma análise do pressuposto subjectivo, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, cit., pp. 23 e ss; Menezes Leitão, Direito da Insolvência, cit., pp. 85 e ss; Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, cit., pp. 35 e ss. E, na jurisprudência, Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22 de Janeiro de 2013, processo nº 781/12.9TBPTL. G1, www.dgsi.pt, que preconizou que “… o modo como foi elaborado o texto do nº 1 daquele artº 2º permite chegar à conclusão segura do carácter taxativo do leque de entidades e figuras que a lei sujeita à insolvência. Esta ideia é confirmada pelo nº 2, ao excecionar do âmbito do número anterior realidades que, não fora a ressalva, em princípio lá caberiam” (ponto III). Acrescentando ainda, estando em causa uma associação com personalidade jurídica: “E é de tal ordem a intenção legislativa de dar um caráter tendencialmente universal ao instituto da insolvência, que a enumeração taxativa prevista no nº 1 deve ser tida como aberta, no sentido de que ali se abrangem todos os patrimónios autónomos, por referência à mera categoria jurídica, sejam quais forem as características específicas de cada tipo. De tal modo que, não sendo possível reconduzir uma hipótese concreta à previsão das als. b) a g), sempre haverá que avaliar se ocorre a existência de um património autónomo, determinado nos termos gerais (cf. al. h)), caso em que há ainda lugar à insolvência do próprio acervo patrimonial qua tale, sem prejuízo das consequências pessoais projetáveis sobre o respetivo titular e administradores”. Para concluir, “as associações são, sem dúvida alguma, pessoas coletivas de direito privado, tal como as sociedades comerciais o são na aceção mais ampla do conceito, aliás, consagrada na referida al. a)”, invocando ainda o artigo 182º, nº 1, alínea e), do CC.
[41] Para uma classificação das pessoas colectivas, Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, volume IV, cit., pp. 676 e ss. No sentido de as associações sindicais e de empregadores serem associações de direito privado, por exemplo, Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, volume I, cit., entre outras, pp. 878 e ss (associações sindicais) e 900 (associações de empregadores); Romano Martinez, Direito do Trabalho, cit., nomeadamente, p. 54; Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho – Parte III – Situações Laborais Colectivas, Almedina, Coimbra, 2ª edição, 2015, pp. 52 (associações sindicais) e 162 (associações de empregadores); Gonçalves da Silva, “Sujeitos Colectivos”, AAVV, Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, volume III, coordenação de Romano Martinez, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 311, nota 60. Note-se, aliás, que o artigo 442º, nº 2, alínea a), assim qualifica expressamente as associações de empregadores. Nos termos do Decreto-Lei nº 213/2008, de 10 de Novembro, são equiparadas a pessoas colectivas de utilidade pública para efeitos de acesso a financiamentos públicos, as confederações sindicais e de empregadores com assento na Comissão Permanente de Concertação Social do Conselho Económico e Social (artigo 2º, nº 1). Trata-se de uma equiparação para efeitos de financiamento público, mas mesmo a pessoa colectiva de utilidade pública tem natureza privada. Na verdade, como escreve Freitas do Amaral, com a colaboração de Luís Fábrica, J. Pereira da Silva e Tiago Macieirinha, Curso de Direito Administrativo, volume I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, p. 610: “… podemos concluir, com bastante segurança, que as pessoas colectivas de utilidade pública são entidades privadas”, itálico no original; no mesmo sentido, Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, volume IV, cit., p. 683.
[42] Neste sentido, por exemplo, Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, volume I, cit., p. 886; Romano Martinez, Direito do Trabalho, cit., pp. 1130-1131.
[43] Oliveira Ascensão, Direito Civil. Teoria Geral – Relações e Situações Jurídicas, volume III, Coimbra Editora, 2002, p. 125.
[44] Como nota Romano Martinez, Direito do Trabalho, cit., p. 1131: “Há outras situações em que a lei limita a penhorabilidade de bens (arts. 736º e ss. do CPC), o que não obsta à declaração de insolvência dos respetivos titulares. Assim sendo, parece ser admissível a declaração de insolvência de uma associação sindical”.
[45] Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que teve a última alteração através do Decreto-Lei nº 97/2019, de 26 de Julho.
[46] O CPC prevê depois algumas excepções nas alíneas a) a c) deste nº 2; veja-se também o artigo 738º.
[47] Com desenvolvimentos, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, cit., pp. 302.
[48] Quanto à insolvência do trabalhador (artigo 113º do CIRE) e empregador (artigo 347º do CT), cfr., respectivamente, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, cit., pp. 231-232 e 232 e ss; Menezes Leitão, Direito da Insolvência, cit. pp. 218 e ss e 208 e ss; Romano Martinez, Direito do Trabalho, cit., pp. 447-448 e 961 e ss.
[49] Como escreve Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, volume I, cit., p. 886: “acresce ainda que deve haver uma válvula de segurança que garanta um mínimo de seriedade na gestão sindical e no exercício dos direitos dos trabalhadores”.
[50] Alterado pelo Decreto-Lei n.° 71/77, de 25 de Fevereiro (modificou o artigo 4º), e pela Lei nº 29/2009, de 29 de Junho (revogou o artigo 15º, tendo a Lei nº 1/2010, de 15 de Janeiro, adiado a data da sua entrada em vigor). O artigo 13º, nº 2, foi declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Ac. do Tc. nº 589/04, de 6 de Outubro, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
[51] Santos Júnior, “O Plano de Insolvência. Algumas Notas”, cit., p. 576.
[52] Neste sentido, por exemplo, Tarso Domingues, “Limites da Autonomia Privada nos Planos de Reorganização das Empresas”, cit., p. 144, nota 8, escrevendo que “para o devedor singular, não titular de empresa, poderá recorrer-se a um instrumento alternativo, o plano de pagamentos, nos termos previstos nos artigos 251º, ss. (este regime é também aplicável ao pequeno empresário singular – cfr. artigo 249º, 1, al. a)). Vide. artigos 1º, 161º, nº 2, e 195º, nº 2, als. b) e c) e o artigo 250º, que expressamente exclui a aplicação do regime previsto no Título IX (correspondente ao plano de insolvência) aos devedores não empresários”; Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, cit., pp. 395-396, afirmando: “os devedores não empresários ou titulares de pequenas empresas estão sujeitos a um regime particular. Em primeiro lugar, não lhes são aplicáveis as disposições dos títulos IX e X (art. 250º), ou seja, respetivamente, o plano de insolvência e a administração pelo devedor. Em segundo lugar, é-lhes exclusivamente aplicável o disposto no capítulo II do Título XII: o plano de pagamentos aos credores (arts. 251º a 263º) …”; Santos Júnior, “O Plano de Insolvência. Algumas Notas”, cit., p. 576, para quem, “… em face do disposto no artigo 250.° do CIRE (e tendo presente o artigo 249.°), a figura do plano de insolvência não é admissível em relação a pessoas singulares que não se configurem como empresários bem como em relação às pessoas singulares titulares de pequenas empresas”; Menezes Leitão, Direito da Insolvência, cit., p. 298, notando: “estando em causa pessoas singulares … os arts. 249º e 250º inviabilizam a aplicação do plano de insolvência em relação aos não empresários ou titulares de pequenas empresas, existindo para eles um processo sucedâneo, que é o plano de pagamentos, previsto nos arts. 251 e ss”. Contra, sustentando a aplicação do plano de insolvência ao devedor não titular de empresa, Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, p. 879 (2).
[53] Por exemplo, Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28 de abril de 2010, processo nº 523/09.6TBAGD-C.C1, www.dgsi.pt, ponto IV; e Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 21 de março de 2011, processo nº 306./09.3TBMBR.P1, www.dgsi.pt, ponto II.
[54] Cfr. artigo 249º, nº 1, alínea a), do CIRE.
[55] Cfr. artigo 249º, nº 1, alínea b), do CIRE.
[56] Catarina Serra, O Regime Português da Insolvência, cit., pp. 146-147, afirmando mesmo que “da interpretação da norma decorre que ele [plano de insolvência] é aplicável às pessoas colectivas e às pessoas singulares que sejam titulares de empresa (não pequena)”, acrescentando: “no que toca ao plano de recuperação, contudo, o âmbito é mais restrito. Sempre que a lei se refere à recuperação associa-lhe a empresa …”, concluindo que fica “… razoavelmente claro que ele [plano de recuperação] só é configurável nos casos em que exista empresa”; veja-se também Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, cit., p. 318. Com alguns exemplos da relevância da empresa no processo de insolvência, Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, cit., p. 98 (6).
[57] A jurisprudência já teve ocasião de se pronunciar sobre o assunto, sustentando posição negativa. Com efeito, no Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 3 de Fevereiro de 2014, processo nº 365/13.4TBMTS.P1, www.dgsi.pt, onde se pode ler, relativamente ao artigo 89º, alínea a), do Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, conjugado ainda com o artigo 5º do CIRE: “… o acento tónico na interpretação do artigo 5º deste diploma, terá sempre de se centrar naquilo que se entende o que seja «exercício de qualquer actividade económica», expressão aí utilizada”, concluindo: “Parece-nos, pois, que em qualquer das disposições legais atinentes a esta questão, se pressupõe a existência de uma pessoa colectiva cujo fim único ou principal é a obtenção de lucro. Essa é a noção de empresa e da actividade económica que lhe está subjacente, e o seu fim lucrativo é a matriz pela qual se rege toda a sua actividade, ou pelo menos a sua actividade preponderante ou principal”, salientando que “… seguindo o entendimento vertido na decisão recorrida seriam empresas para efeitos do CIRE os partidos políticos, as fundações, as associações profissionais e os próprios sindicatos, o que representaria uma visão muito alargada do mundo empresarial” (destacados no original, ponto III). Na mesma linha, Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15 de Outubro de 2009, processo nº 351/09.9TYLSB.L1-8, www.dgsi.pt, que sustentou, apesar do entendimento contrário do Ministério Público, estando em causa a interpretação dos normativos acima referidos relativamente a uma associação (cujos estatutos a definiam como uma pessoa jurídica sem fins lucrativos): “É que todas as organizações têm actividades que envolvem lucro e todas as pessoas colectivas podem apresentar uma combinação de capital e trabalho com vista ao exercício de uma ou mais actividades económicas. Em tal entendimento seriam empresas para efeitos do CIRE os partidos políticos, as fundações, as associações profissionais e os próprios sindicatos – é, quanto a nós, uma visão demasiado alargada do mundo empresarial. Cremos que em qualquer das disposições legais atinentes a esta questão, se pressupõe a existência de uma pessoa colectiva cujo fim único ou principal é a obtenção de lucro – essa é a noção de empresa, e o seu fim lucrativo é a matriz pela qual se rege toda a sua actividade, ou pelo menos a sua actividade preponderante ou principal” (ponto II).
[58] Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, cit., p. 97 (2). Catarina Serra, O Regime Português da Insolvência, cit., p. 35, defende, no que respeita à empresa: “… a lei define-a, simplesmente, como uma organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer actividade económica (cfr. art. 5º). É uma noção minimalista, ainda mais vaga do que no regime anterior, o que lhe garante um grande alcance: não se exige qualidade comercial e por isso admitem-se as empresas agrícolas e de artesanato; não se exige profissionalidade ou sistematicidade no exercício da  actividade e por isso admitem-se as «empresas ocasionais»; não se exige fim lucrativo e por isso admitem-se as unidades de auto-consumo e as organizações com fim altruístico. Quando a empresa assume uma qualquer forma jurídica (pessoa jurídica ou património autónomo), é ela que está sujeita à declaração de insolvência; no caso contrário, o sujeito da declaração de insolvência é o seu titular”; veja-se também, sustentando que a noção de empresa tem diminuta relevância no CIRE, Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, volume I, cit., p. 336.
[59] Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22 de Janeiro de 2015, processo nº 853/14.5TJLSB. L1-8, www.dgsi.pt, ponto II, itálico no original; tratava-se de uma associação sem fins lucrativos e estava novamente em causa, a competência do tribunal, tendo sido analisados os artigos 89º, alínea a), do Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, conjugado ainda com o artigo 5º do CIRE. E acrescenta ainda o citado acórdão: “São-no, designadamente, os ritmos e tempos de exercício da actividade, a permanência ou a ocasionalidade, as finalidades, particularmente a motivação do lucro ou o alijamento deste objectivo, as formas jurídicas e os estatutos, as áreas de actividade e intervenção. Se a disponibilização dos clássicos factores de produção, capital e trabalho – ou seja, de meios financeiros e humanos – concede à entidade existência económica e a faculdade de intervenção em determinado domínio da economia, então estamos na área de estatuição do apontado Código”.
[60] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, volume IV, cit., p. 793. Escreve Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, volume I, cit., pp. 285-286, depois de referir aos artigos 157º e 160º do CC, “por norma, a atividade empresarial desenvolvida por associações visará a obtenção de meios patrimoniais necessários à prossecução da atividade diretamente dirigida à realização dos fins próprios delas (pense-se numa associação sindical explorando uma escola de formação profissional …)”.
[61] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, volume IV, cit., pp. 793-794. [62] Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, p. 139, que a propósito da classificação das pessoas colectivas, distingue as de fins não económicos (ou ideais, i.e. “… as que prosseguem interesses desportivos, culturais, científicos ou artísticos…” ) das de fins económicos (“… quando a realização dos seus fins se traduz na obtenção de vantagens patrimoniais para os seus membros”); por sua vez, dentro destas, podem classificar-se de fim económico não lucrativo (“… realiza-se pela obtenção de vantagens patrimoniais diretamente no património dos membros da pessoa coletiva, não havendo, por isso lugar a distribuição de lucros …”) ou lucrativo (“… realiza-se pela obtenção de um enriquecimento diretamente no património da própria pessoa coletiva, o qual deduzido dos respetivos custos, forma o lucro, que depois de apurado é distribuído pelos associados, como sucede nas sociedades”) (p. 140). Veja se também Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, volume IV, cit., p. 687.
[63] Sobre esta classificação, Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, volume IV, cit., pp. 687-688.
[64] Corresponde, com alterações, aos artigos 477º e 510º do CT2003, tendo resultado da junção dos preceitos que a expressão “caráter económico e social” relativamente aos serviços a prestar (alínea b)) também se passa a aplicar às associações de empregadores. O artigo 477º do CT2003 correspondia, com alterações, aos artigos 4º da LS, 1º da Lei nº 16/79, de 26 de Maio, ao artigo 53º do Código Procedimento Administrativo (de 1991), e 55º, nº 5, e 56º, nº 2, alíneas a) e e), da CRP. Por sua vez, o artigo 510º do CT2003 corresponde, com algumas alteraç es, ao artigo 5º da LAP: 1) O proémio (nº 1) passou a referir o seu caráter exemplificativo; 2) Deixou de se aludir à “competência” das associações, pois estão em causa os direitos e obrigações necessários e convenientes para a prossecução do fim, nos termos prescritos no artigo 160º do CC; 3) Na alínea b) foi eliminada a referência “… ou criar instituições para esse efeito”; 4) A matéria da alínea c) nº 1 já constava da Lei nº 36/99, de 26 de maio; 5) As alíneas d) e ) do nº 1 continham novas soluções, embora se tratasse de concretizações do quadro normativo existente; 6) Foi eliminada a alínea c) do nº 1 do artigo 5º da LAP (“defender e promover a defesa dos direitos e interesses das entidades patronais representadas”). Note-se também que o artigo 510º do CT2003, determinador dos fins a prosseguir pela associação de empregadores, diferencia-se do preceito fonte (artigo 5º da LAP), uma vez que a actual norma consumiu o artigo 477º do CT2003, onde se indicavam os “direitos” das associações sindicais.
[65] Romano Martinez, Direito do Trabalho, cit., pp. 1123 e ss, divide as actividades sindicais em reivindicativa e extralaborais, subsumindo a prestação de serviços aos associados nestas.
[66] Sobre o princípio da especialidade, sustentando uma visão ampla da área de intervenção da pessoa colectiva, Oliveira Ascensão, Direito Civil e Teoria Geral, volume I, 2ª edição, Coimbra Editora, 2000, p. 263, escreve que o Código Civil “… admite todas as situações jurídicas que sejam convenientes à prossecução dos seus fins”. No entanto, segundo este Autor, para impedir que “… praticamente tudo passa[sse] a ser possível…”, o princípio da especialidade “… só ganha verdadeira relevância se se sustentar que são estranhos à pessoa coletiva os atos dos seus representantes que se afastarem dos seus fins, ou do objeto social”; Marcelo Caetano, “As Pessoas Colectivas no Novo Código Civil Português”, cit., p. 384, escrevendo: “O Código ao permitir o uso não só dos poderes e deveres necessários mas até dos convenientes, dá grande latitude à administração delas [pessoas colectivas] e permite aos tribunais uma apreciação generosa da sua capacidade”, itálicos no original; Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, volume IV, cit., pp. 729 e ss, para quem “o denominado princípio da especialidade não constringe, hoje, a capacidade das pessoas coletivas: tal como emerge do artigo 160º/1, ele diz-nos, no fundo, que todos os direitos e obrigações são, salvo excepções …, acessíveis às pessoas coletivas” (p. 735), desagregando as diferentes limitações (natureza das coisas, legais, estatutárias e deliberativas, pp. 736 e ss); Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, volume I, cit., pp. 600 e ss, preconizando que o princípio em causa deve ser “… entendido … com um alcance amplo” (p. 606); Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 4ª edição, 2005, por Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, pp. 318 e ss; Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, cit., p. 145: “a referência aos fins da pessoa colectiva feita neste artigo [160º do CC] deve ser entendida em sentido amplo englobando o objeto social [i.e., o âmbito da atividade que a pessoa coletiva se propõe exercer para a prossecução do seu fim social]”, concluindo, com base no quadro do artigo 160º, nº 1, do CC: “só os atos ou atividades completamente estranhos ao objeto social se devem considerar fora da atividade própria da pessoa coletiva” (p. 146). E, na temática laboral, por exemplo, Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte III – Situações Laborais Colectivas, cit., pp. 68 e 169, defendendo “… uma interpretação elástica do princípio geral da especialidade das pessoas colectivas (art. 160º do CC” (p. 55), ao que acrescenta: “… embora as associações sindicais não possam ter como finalidade o desenvolvimento de actividades lucrativas, podem prestar tais actividades quando tal se mostre necessário ou conveniente ao seu escopo de defesa e promoção dos intereses sócio-profissionais dos trabalhadores que representam” (pp.  55-56).
[67] Gonçalves da Silva, em Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Madeira de Brito, Guilherme Dray e Gonçalves da Silva, Código do Trabalho Anotado, cit., pp. 976 e ss. Também neste sentido, escreve Romano Martinez, Direito do Trabalho, cit., p. 1128, que “… a prestação de serviços de carácter económico e social tem de se circunscrever aos associados, como se depreende do art. 443º, nº 1, alínea b), do CT, pois, de outro modo, os sindicatos, de associações, poder-se-iam transformar em sociedades com fins lucrativos, em clara violação dos respetivos estatutos. Esta solução foi, de início, especificamente assumida em relação às associações de empregadores, no art. 510º, nº 2, do CT2003 (correspondente ao art. 443º, nº 3, do CT2009), mas, apesar da omissão de uma proibição específica de os sindicatos se dedicarem à produção ou comercialização de bens ou serviços ou de qualquer modo intervirem no mercado, essa limitação resultaria sempre do seu estatuto associativo”. Sobre esta limitação, relativo às associações sindicais, veja-se a análise realizada pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, Parecer nº 391/95, de 20 de Dezembro de 1995, www.dgsi.pt, relativamente à constituição de uma empresa de trabalho portuário, tendo por fim o exercício de actividade de cedência temporária de trabalhadores portuários, concluindo, e bem, pela ilegalidade da constituição da empresa, uma vez que os sindicatos estão sujeitos ao princípio da especialidade, estando a sua capacidade jurídica condicionada pelos fins gerais e estatutários, não podendo o escopo de uma associação sindical consistir no exercício de uma actividade comercial. Quanto às associações de empregadores, cfr. Ac. da Relação do Porto, de 28 de Fevereiro de 2005, processo nº 0550484, www.dgsi.pt, onde se sustenta: “… permitir às associações de empregadores o exercício, irrestrito, de actividade económica violaria o princípio da especialidade que é nuclear para balizar o âmbito de actividade de entes sem finalidade lucrativa que visam um escopo totalmente diferente do lucro, que é inerente às sociedades comerciais; daí que a lei lhes reconheça direitos que têm a ver com o núcleo mais fechado das suas funções de associação, diríamos de classe, se não fosse o pesado anátema que hoje recai sobre interesses corporativos”. No mesmo aresto, pode ainda ler-se: “Como interpretar a expressão – “ou de qualquer modo intervierem no mercado”? Será que com tal proibição se pretende suprimir o direito, ou a possibilidade das associações patronais, para prestarem serviços aos seus associados, poderem constituir e, ou participar, no capital de outras empresas? Entendemos que, em primeira linha, tal participação está, desde logo, limitada pela circunstância de qualquer actividade de cariz económico se ter que ligar ao escopo associativo e visar a prestação de serviços aos seus associados”. O citado aresto, colocou ainda a seguinte questão: “Mas como compatibilizar o direito de prestar serviços aos seus associados, reconhecido às associações de empregadores, sem que elas «intervenham de qualquer modo no mercado»?”, esclarecendo que, “… para evitar essa proibição de “intervenção no mercado”, e reconhecendo que às associações, como a Ré, é legítimo obterem, além das receitas dos seus associados, outras que advenham da sua actuação no mercado, a participação das associações de empregadores ou patronais, se possa fazer intervindo no capital de outras empresas, desde que tenham elas objecto social afim, ou muito próximo, do escopo associativo e desde que essa intervenção não conduza à obtenção de posições maioritárias, ou de controle no capital social das empresas onde a intervenção se fizer, ou nas que forem constituídas, pois, se assim não, for haverá “intervenção no mercado”. Igualmente relevante é o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, de 4 de Dezembro de 2014, nº 3176, www.dgsi.pt, onde se concluiu: “5ª – Assim, decorre da interpretação conjugada do nº 3 e da alínea b) do nº 1 do artigo 443º do Código do Trabalho que: i) A prestação de serviços só se pode dirigir aos próprios associados, estando vedada a prestação de serviços a terceiros; ii) Os serviços têm de ter, simultaneamente, caráter económico e social; iii) A atividade da associação de empregadores não pode traduzir-se nunca numa atividade empresarial, designadamente, produzindo o  comercializando bens ou serviços no domínio da própria atividade económica dos seus associados, ou a montante ou a jusante dessa atividade; 6ª – Não é, pois, admissível, ao invés do que acontece, em princípio, com as associações em geral, às associações de empregadores prosseguirem atividades económicas com vista à obtenção de fundos para a prossecução dos seus fins; 7ª – Os serviços a prestar pelas associações de empregadores, direta ou indiretamente, aos seus associados têm, portanto, de ter interesse económico e repercussão social, estando, ainda, em causa, o apoio que aquelas associações profissionais, podem/devem fornecer aos seus associados; 8ª – Mas os serviços referidos na conclusão anterior podem traduzir-se em serviços vários, como sejam, serviços jurídicos ou serviços de formação e informação.
[68] Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22 de Janeiro de 2015, cit., ponto II: “No caso em apreço, é inegável a utilização do meio «trabalho» com vista à concretização de determinadas finalidades. Tal resultou, particularmente, do objectivo definido nos estatutos de criação de uma orquestra e de uma estrutura musical, que apontam para a necessidade de recrutamento de meios humanos profissionais e do facto de se ter apurado que o Requerente foi um dos elementos recrutados pela Requerida, o que confirma a concretização das apontadas finalidades estatutárias. Por outro lado, emerge, com a necessária segurança, do nº 4 dos estatutos, supra fixado, que foi estruturado um sistema de obtenção de recursos patrimoniais destinados a garantir a consecução dos objectivos pré definidos. Estes elementos, conjugados, impõem a conclusão de que se preenche a primeira linha de requisitos. A um segundo nível, há que questionar se esta organização surgiu visando o exercício de uma actividade económica. O percurso de obtenção de resposta passa pela ponderação de que, entre as finalidades estatutariamente definidas se encontram as de criação de uma orquestra profissional, a «Orquestra Metropolitana de Lisboa», e as de promoção do ensino musical de alto nível. Mas não só. A Requerida assumiu também os fins de promoção da criação de uma academia de formação de instrumentistas de orquestra e de maestros, de âmbito nacional e de nível superior, a “Academia Nacional Superior de Orquestra”, de promoção, realização e divulgação de «actividades culturais afins, tais como conferências, colóquios, seminários, congressos, debates, festivais, concursos», de promoção «do alargamento da cultura musical e da investigação cultural, através da elaboração de estudos, projectos, publicações, registos fonográficos ou videográficos, programas radiofónicos, televisivos ou cinematográficos» e de cooperação em «iniciativas culturais de pessoas públicas ou privadas e com associações congéneres e outras instituições públicas ou privadas». É manifestamente afirmativa a solução a dar ao problema. Se dúvidas houvesse, bastaria, para as dissipar, consultar a «Classificação Portuguesa de Actividades Económicas, Revisão 3» estabelecida pelo Decreto-Lei nº 381/2007, de 14 de Novembro, designadamente o grupo 900 da divisão 90. Estamos, insofismavelmente, perante o exercício de actividade económica. É adequada a norma de subsunção indicada na decisão impugnada com vista ao apuramento da competência em razão da matéria – a al. a) do nº 1 do art. 89º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais aprovada pela Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro (LOFTJ) – segundo a qual «Compete aos tribunais de comércio preparar e julgar: a) O processo de insolvência se o devedor for uma sociedade comercial ou a massa insolvente integrar uma empresa». Ora, sendo esta a norma de subsunção e estando já demonstrado, pelo percurso analítico anterior, que estamos perante uma empresa cuja insolvência se pede, nestes autos, que seja decretada, é apodítico que teve razão o Tribunal «a quo» ao decidir nos termos que pelo recurso se quis colocar em crise”.
[69] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, volume IV, cit., p. 837.
[70] Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, volume I, cit., pp. 579-580.
[71] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, volume IV, cit., p. 838, sublinhado ainda o Autor, pp. 661 e ss, que “a pessoa coletiva em extinção sofre uma evolução na sua personalidade, equivalendo ao que temos vindo a designar «pessoa rudimentar»” (p. 669), concluindo: a transição da personalidade para a não-personalidade não se faz de modo brusco. Há um processo, no decurso do qual o ente autónomo vai perdendo a sua existência. A personalidade rudimentar é útil para comunicar tal fenómeno” (p. 670); Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, volume I, cit., pp.. 581 e ss.
[72] Sustenta Menezes Leitão, Direito da Insolvência, cit., pp. 86 e 179, que normalmente, no que respeita às pessoas colectivas, a declaração de insolvência gera a sua dissolução, invocando os artigos 182º, nº 1, alínea e), e 192º, nº 1, alínea c), e 1007º, alínea c), do CC, bem como o artigo 141º, nº 1, alínea e), do Código das Sociedades Comerciais e o artigo 77º, alínea g), do Código Cooperativo.
[73] A organização associativa laboral encontrava-se, de acordo com a concepção corporativa do Estado, inserida na Organização Corporativa, integrando a Administração Indirecta ou Autónoma. Como escrevem Mário Pinto e Carlos Moura, “As Estruturas Sindicais Portuguesas”, Análise Social, 2ª série, nº 33, volume IX, 1972, 1º, p. 141, “o que fundamentalmente caracteriza o regime sindical português … é a natureza publicista dos sindicatos, aos quais se atribui, por lei, o monopólio da representação das categorias profissionais e, em suma, um estatuto que corresponde ao de organismos da Administração Indirecta do Estado, sob contrôle intrínseco deste”, itálico no original.
[74] Ponto 28 do Relatório. Veja-se também o ponto 32 do Relatório, onde se pode ler: “A nova regulamentação do processo de falência dá primazia aos meios preventivos. Não se limita a tratá-los em primeiro lugar, como é de boa ordem; dá-lhes prioridade real. É que a concordata ou o acordo de credores é sempre preferível, em regra, à ruinosa liquidação judicial. A falência pròpriamente dita não pode deixar de ser, pelos termos em que se desenvolve, um processo necessàriamente caro, demorado e de rendimento relativamente reduzido. As vendas fazem-se quase sempre ao desbarato. As cobranças prolongam-se e exigem a cada passo complicados litígios. As custas e despesas de administração absorvem grande parte do produto obtido; etc., etc. Por isso se determina agora que a apresentação espontânea do comerciante impedido de solver os seus compromissos dá lugar ao que poderemos chamar uma tentativa de conciliação com os credores. Estes são convocados para, antes de mais, decidirem sobre a concessão de concordata ou, quando o devedor lhes não inspire a necessária confiança, para deliberarem sobre a constituição de uma sociedade que assuma a gerência dos negócios dele e pague as dívidas com a redução exigida pela insuficiência do seu activo. Só depois de gorada esta tentativa se vai, em princípio, para a declaração d  falência”. Daqui resulta, portanto, a introdução de meios preventivos da falência, como mecanismo alternativo à declaração desta. No entanto, como adverte Carvalho Fernandes, “O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas na Evolução do Regime da Falência no Direito Português”, cit., pp. 50-51: “tratava-se … de uma modificação incipiente, o que se revelava até no facto de, no mesmo número do Relatório, o legislador a identificar como «tentativa de conciliação com os credores»”, concluindo: “De qualquer modo, este ensaio de mudança não resultou, na prática; e não pode deixar de reconhecer-se que a tentativa do legislador, além de tímida, sofria de vícios que lhe limitavam a eficácia. Estamos a referir-nos ao facto de a prioridade dada aos meios preventivos da declaração de falência depender, afinal, da iniciativa do comerciante. E, para além disso, eles só eram admitidos se o comerciante se apresentasse antes de cessar pagamentos ou, no máximo, nos dez dias seguintes à cessação. Não se verificando nenhum destes requisitos, só restava a declaração de falência”. Para mais desenvolvimentos, por exemplo, Carvalho Fernandes, “O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas na Evolução do Regime da Falência no Direito Português”, cit., pp. 49 e ss; Menezes Leitão, Direito da Insolvência, cit., pp. 65 e ss; Sousa Macedo, Manual de Direito das Falências, volume I, Almedina, Coimbra, 1964, e volume II, 1968.
[75] Neste sentido, Júlio Gomes, “Nótula sobre os Efeitos da Insolvência do Empregador nas Relações de Trabalho”, cit., p. 289, sustenta ser a convenção colectiva “… dificilmente subsumível aos arts. 102º e segs”.
[76] O artigo 102º do CIRE coarcta a possibilidade de resolução que é normal em caso de incumprimento dos contratos sinalagmáticos (artigo 801º, nº 2, do CC) antes da declaração de insolvência, determinando que após esta, o cumprimento fica suspenso, de modo a que o administrador opte pela melhor solução (execução ou recusa de cumprimento) para os fins a que está vinculado, cfr. Menezes Leitão, “A (In)Admissibilidade da Insolvência como Fundamento de Resolução de Contratos”, AAVV, III Congresso de Direito da Insolvência, coordenação de Catarina Serra, Almedina, Coimbra, 2015, p. 89. Para mais desenvolvimentos, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, cit., pp. 206 e ss, defendendo que “… o  regime legal está pensado para um incumprimento bilateral e consiste numa adaptação do mecanismo da exceção de não cumprimento contratual ao contexto insolvencial” (p. 208).
[77] Caso este mantenha a administração da massa insolvente, nos termos dos artigos 223º e 224º; veja-se também o artigo 36º, nº 2, in fine.
[78] Como bem observa Júlio Gomes, “Nótula sobre os Efeitos da Insolvência do Empregador nas Relações de Trabalho”, cit., p. 289, referindo-se à suspensão da convenção colectiva. Cfr. infra texto.
[79] O que significaria uma apreciação do conteúdo das cláusulas constante da convenção colectiva.
[80] Sobre o âmbito de aplicação do nº 2 do artigo 119º, cfr. Menezes Leitão, “A (In)Admissibilidade da Insolvência como Fundamento de Resolução de Contratos”, cit., p. 99.
[81] O seu estatuto está também previsto na Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro. Para mais desenvolvimentos sobre este órgão, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, cit., pp. 72 e ss; Menezes Leitão, Direito da Insolvência, cit., pp. 119 e ss.
[82] O administrador judicial provisório enquadra-se no âmbito das medidas cautelares (artigos 31º a 33º do CIRE), cfr. Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, cit., pp. 52 e ss.
[83] Sem prejuízo do artigo 53º do CIRE.
[84] Menezes Leitão, Direito da Insolvência, cit., p. 119.
[85] Sobre as diversas incidências dos efeitos da declaração de insolvência, por exemplo, Maria do Rosário Epifânio, cit., pp. 98 e ss.
[86] Cfr. também o artigo 6º do CIRE.
[87] A actuação do administrador é realizada com a cooperação da comissão de credores e a fiscalização desta (artigo 55º, nº 1, proémio) e do juiz (artigo 58º do CIRE). Note-se, por outro lado, que o CIRE admite a hipótese de o devedor administrar a massa insolvente (artigos 223º e ss, aplicáveis apenas aos casos em que a massa insolvente inclua uma empresa), situação em que o administrador da insolvência se limita à fiscalização e aprovação dos actos mais relevantes (artigo 226º). Sobre o assunto, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, cit., pp. 308 e ss; Catarina Serra, “Os Efeitos Patrimoniais da Declaração de Insolvência após a Alteração da Lei nº 16/2012 ao Código da Insolvência”, cit., pp. 175 e ss, em especial, pp. 177 e ss.
[88] Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, cit., p. 81. Veja-se também, por exemplo, o artigo 55º do CIRE.
[89] Neste sentido, Júlio Gomes, “Nótula sobre os Efeitos da Insolvência do Empregador nas Relações de Trabalho”, cit., p. 289, bem como, do mesmo Autor, Direito do Trabalho – Relações Individuais de Trabalho, volume I, Coimbra Editora, 2007, p. 937; Cláudia Madaleno, A Responsabilidade Obrigacional Objetiva por Fato de Outrem, Dissertação de Doutoramento, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2014, pp. 627 e ss, em especial, pp. 632 e ss; Menezes Leitão, Direito da Insolvência, cit., p. 210; Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, cit., p. 833, a propósito do artigo 347º, nº 1, do CT. Por sua vez, Oliveira Ascensão, Direito Civil e Teoria Geral, volume I, cit., p. 212, esclarece que a qualificada representação legal inclui “… todas as hipóteses em que a lei admite que alguém pratique actos que se repercutem na esfera jurídica de outrem. Mas com isto sai-se da noção técnica de representação porque … a representação é instituída no interesse do representado. O que há aqui tecnicamente é uma substituição, caracterizada pela práctica de actos sobre a esfera alheia para prosseguir um interesse que não é o do titular dessa esfera jurídica”, itálico no original.
[90] STJ, de 15 de Abril de 2015, processo nº 197/14.2TTALM.L1.S1, www.dgsi.pt, a propósito do artigo 347º, nº 1.
[91] Estando aqui em causa um fundamento específico do contrato de trabalho a termo, neste sentido, Júlio Gomes, “Nótula sobre os Efeitos da Insolvência do Empregador nas Relações de Trabalho”, cit., pp. 295-296; Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte IV – Contratos e Regimes Especiais, Almedina, Coimbra, 2019, p. 92.
[92] Menezes Leitão, Direito do Trabalho, cit., p. 446, fala em “hipótese particular de resolução do contrato”; entendendo como uma “nova forma e autónoma causa de despedimento no contexto da insolvência”; por sua vez, Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, cit., p. 835, considera que o artigo 347º, nº 2, do CT “… aponta para uma nova e autónoma causa de despedimento no contexto da insolvência – o despedimento com base na dispensabilidade dos trabalhadores para o funcionamento da empresa”.
[93] Assim, por exemplo, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, cit., p. 81; Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, cit., p. 332 (14).
[94] Sobre a natureza jurídica da proibição legal, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, cit., pp. 128 e ss.
[95] Naturalmente sem prejuízo de outras fontes aplicáveis.
[96] Nunes de Carvalho, “Reflexos Laborais do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência (Conclusão)”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXXVII (X da 2ª série), 1995, nº 4, p. 322; Menezes Leitão, Direito da Insolvência, cit., p. 210.
[97] Júlio Gomes, “Nótula sobre os Efeitos da Insolvência do Empregador nas Relações de Trabalho”, cit., p. 290, acrescentando ainda: “além disso, aumentar alguns salários pode ser, se for realista a possibilidade de recuperação da empresa, uma forma de «fixar» certos trabalhadores que podem ser cruciais para essa recuperação”.
[98] Não excluindo expressamente a possibilidade de ser outorgado um acordo de empresa, Júlio Gomes, “Nótula sobre os Efeitos da Insolvência do Empregador nas Relações de Trabalho”, cit., p. 290, nota 17. Admitimos, que, em regra, estando em causa a liquidação, deverá assumir menor relevo o exercício do direito de contratação colectiva, embora, note-se, nada impeça a outorga de uma revogação (simples).
[99] Para uma análise deste mecanismo, Gonçalves da Silva, em Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Madeir a de Brito,  Guilherme Dray e Gonçalves da Silva, Código do Trabalho Anotado, cit., anotação ao artigo.
[100] A Lei nº 93/2019, de 4 de Setembro, introduziu diversas alterações no artigo 502º: a) acrescentou no proémio do nº 1 a expressão “… no todo ou em parte”, que é uma mera consequência do artigo 499º, nº 1 (“… pelo prazo ou prazos …”), não estando em causa, obviamente, a abertura para a admissibilidade (geral) da denúncia parcial (cfr., sobre a denúncia parcial, Gonçalves da Silva, Da Eficácia da Convenção Colectiva, cit., em especial, pp. 1010 e ss); b) introduziu a subalínea ii) da alínea b) do nº 1; c) aditou os nºs 6 e 7, tendo o anterior nº 6 passado a atual nº 8; d) o agora nº 8 passou a remeter para o artigo 501º quando antes essa remissão ocorria para o “… artigo anterior”.
[101] E dizemos “expressamente” pelo facto de considerarmos que esta já era a consequência da extinção ou perda de qualidade sujeito de coletivo laboral outorgante de convenção coletiva, naturalmente, sem prejuízo de subsistirem partes contrapostas – como melhor veremos -, situação em que a fonte convencional se mantém vigente, não se aplicando, no entanto, aos filiados do ente extinto ou alterado (cfr. Gonçalves da Silva, Da Eficácia da Convenção Colectiva, cit., em especial, pp. 984 e ss).
[102] Neste caso, tendo presente que a norma (nº 1, alínea b), subalínea ii)) não contempla de forma explícita, uma vez que omite o segmento normativo “perda de qualidade”, por interpretação extensiva.
[103] Com o novo nº 6, o legislador, depois de ter tornado expresso o que já era o efeito jurídico normal da extinção ou perda de qualidade do sujeito (nº 1, alínea b), ii)), prescreveu ainda a pós-eficácia da convenção coletiva caducada. É bom ter presente que esta pós-eficácia é substancialmente diferente da prevista no nº 8 do artigo 501º e para a qual a norma remete (artigo 502º, nº 6), desde logo, pelo simples facto de que os efeitos previstos naquele artigo se mantêm “… até à entrada em vigor de outra convenção ou decisão arbitral …”; ora a situação do presente artigo, e apesar de remeter, repetimos, para o artigo 501º, nº 8, é diversa, pois havendo extinção ou perda de qualidade do sujeito coletivo em causa e, portanto, não havendo entidade para a outorga de nova fonte, a pós eficácia tenderia a eternenizar-se, ficando, aparentemente, impossibilitada de cessar. E, por isso, sustentamos que a remissão para o artigo 501º, nº 1, e consequente aplicação deste, tem de ser feita com as devidas adaptações, situação que o legislador omitiu, ao contrário do que fez noutras situações (por exemplo, artigo 502º, nº 7, alíneas a) e b)). É preciso, portanto, destrinçar algumas situações: a) Existindo posterior filiação dos regulados pela fonte (que cessou) em sujeito outorgante de convenção coletiva ou a outorga, por parte do empregador filiado em entidade extinta, de um acordo de empresa ou acordo coletivo com associação em que o trabalhador está inscrito – antes ou depois da vicissitude modificativa ou extintiva do sujeito coletivo -, a pós-eficácia cessa; b) Cessará igualmente a pós-eficácia, caso existam alterações ao contrato de trabalho mais favoráveis, nos termos do artigo 476º; c) Inexistindo associação sindical e, portanto, o trabalhador não se podendo filiar – recorde-se que apenas o empregador pode ser parte na convenção coletiva -, a pós-eficácia parece que se tornaria eterna. Não cremos que esta interpretação meramente literal possa ser sustentada, sob pena de grave afectação, desde logo, do direito de contratação coletiva (artigo 56º, nºs 3 e 4, da CRP) e da liberdade de iniciativa económica (artigo 61º, nº 1, da CRP), adstringindo os destinatários da fonte a um regime (parcial) que tem, por natureza, vocação temporária, notando-se ainda que até poderá ser menos favorável do que quadros convencionais anteriores ou do que a lei (artigo 3º, nº 1, e 503º, cfr. anotação). Entendemos, por isso, que deve ser equacionada a limitação da pós-eficácia, identificando, dentro do sistema, uma solução, que carece ainda de maior reflexão.
[104] O novo nº 7 veio regular o que já era uma decorrência da aplicação da figura geral da fraude à lei, embora numa técnica legislativa deficiente (a remissão deveria ser para o artigo 501º, nº 1, alínea b), subalínea ii) e não para o número anterior, que é uma consequência daquela subalínea). Na verdade, no caso de um dos outorgantes se extinguir voluntariamente, com a intenção de se “furtar” à aplicação de uma convenção coletiva, fazendo operar unilateralmente a extinção imediata da fonte e impedindo a pós-eficácia, estamos perante o mecanismo da fraude à lei. Com efeito, o mecanismo em causa constitui uma “… manifestação particular da ilicitude, caracterizada em três pontos: – uma aparência inóqua; – uma intenção específica de prosseguir um objetivo vedado por lei; – a efetiva consecução desse objetivo” (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, volume II, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2014, p. 581), cuja consequência é a nulidade (artigos 280º e 294º do CC), neste caso, da deliberação extintiva. Isso mesmo veio agora sufragar o legislador, ao considerar que será “…nula e de nenhum efeito …” a deliberação que extingue ou altera a qualidade de associação outorgante – naturalmente, pressupondo a cessação da capacidade para ser parte numa convenção coletiva – “… com o objetivo de, por essa via, obter a caducidade da convenção …”. Trata-se de uma perspectiva subjetivista da fraude à lei – como já tinha sido consagrada no artigo 147º, nº 1, alínea a) – ao exigir como pressuposto aplicativo “… o objetivo de …”, o que não deixará de significar acrescidas dificuldades probatórias. E, portanto, a prescrição da nulidade e de nenhum efeito da deliberação que determina a extinção ou perda de qualidade do sujeito coletivo, imporá, consequentemente, a manutenção da convenção coletiva (artigo 502º, nº 7, alínea c)), bem como da entidade outorgante (remissão para os nºs 4 a 7 do artigo 456º).
[105] Cuja análise faremos mais à frente.
[106] Neste sentido, Benjamim Mendes e Nuno Aureliano, “Nota sobre os Efeitos Jurídicos da Caducidade das Convenções Colectivas de Trabalho”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XLVIII (XXI da 2ª série), 2007, nºs 3 e 4, pp. 51-52.
[107] Importa ter presente que os estatutos das associações sindicais e de empregadores devem prever a extinção e consequente liquidação da entidade, bem como o destino do respectivo património (artigo 450º, nº 1, alínea c)). Poder-se-ia pensar que tal indicação permitiria a manutenção da convenção. Benjamim Mendes e Nuno Aureliano, “Nota sobre os Efeitos Jurídicos da Caducidade das Convenções Colectivas de Trabalho”, cit., p. 51, nota 42, defendem a inadmissibilidade da manutenção ilimitada da convenção havendo extinção da associação, mesmo que prevista nos estatutos de um dos outorgantes, afirmando que tal posição colidiria, por um lado, com os efeitos relativos dos actos negociais e, por outro, com a eliminação “de um dos substratos fácticos indispensáveis à existência de contratação colectiva”. Em nossa opinião a questão a demonstrar é analiticamente anterior: saber se as normas estatutárias de um outorgante relativas ao conteúdo convencional vinculam o outro; e a resposta é negativa, pois para tal acontecer devem as mesmas integrar a convenção. Na verdade, é o regime acordado que traduz a vontade das partes, pois caso assim não fosse o clausulado da convenção seria integrado, para além do estabelecido pelas partes, por um conjunto indeterminado de actos a que cada um dos outorgantes está sujeito, com natural prejuízo das mais elementares regras de certeza e segurança jurídica e, mais relevante, da efectiva vontade dos outorgantes. Significa isto, portanto, que as partes podem estabelecer os efeitos, em nome da autonomia colectiva, da extinção de uma delas, mas será sempre em nome desse valor e, como tal, deve constar da convenção colectiva.
[108] Benjamim Mendes e Nuno Aureliano, “Nota sobre os Efeitos Jurídicos da Caducidade das Convenções Colectivas de Trabalho”, cit., pp. 50-51, consideram que a extinção da associação sindical ou de empregadores gera a caducidade, incluindo na extinção a figura da fusão (nota 42). Não atendem, no entanto, ao número de outorgantes.
[109] Neste sentido, por exemplo, Júlio Gomes, “Nótula sobre os Efeitos da Insolvência do Empregador nas Relações de Trabalho”, cit., pp. 285-286.
[110] Sublinha Palma R amalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais cit., p. 826, que “o conceito de empresa para efeitos desta norma deve entender-se no sentido mais amplo possível, por forma a abranger a organização mais rudimentar, e, designadamente, para possibilitar a aplicação da norma aos contratos de trabalho não empresariais – assim, por exemplo, o contrato de trabalho da secretária de um advogado em nome individual cessa com a morte deste”.
[111] Veja-se nota seguinte.
[112] Como bem salienta a doutrina – Romano Martinez, Direito do Trabalho, cit., p. 957 – “mas, em qualquer destes casos [morte ou extinção da entidade empregadora], a caducidade relaciona-se com a extinção da empresa em consequência da morte ou extinção do empregador”, ou seja: o facto extintivo não é a morte ou extinção do empregador, mas o encerramento definitivo da empresa. Deverá então aplicar-se o procedimento previsto no nºs 3 e 4 do artigo 346º, do qual resulta que estando em causa uma pequena, média ou grande empresa (artigo 100º), seguir-se-á o procedimento previsto para o despedimento colectivo, salientando-se a obrigação do empregador comunicar a data de cessação do contrato (artigo 363º); no caso de se tratar de microempresa, a lei dispensa o procedimento do despedimento colectivo, mas impõe o dever de o empregador informar o trabalhador (artigo 346º, nº 4).
[113] Sobre a matéria, entre outros, Leal Amado, Contrato de Trabalho – Noções Básicas, cit., pp. 347-348; Menezes Leitão, Direito da Insolvência, cit., pp. 215-216; Romano Martinez, Direito do Trabalho, cit., 2019, pp. 958 e ss; Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 4ª edição, Principia, Cascais, 2017, pp. 83 e ss; Palma R amalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais cit., pp. 826 e ss. E ainda, noutro quadro legal, Sá e Mello, “Extinção de Contratos de Trabalho por Dissolução da Pessoa Colectiva Empregadora”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXXIX (XII da 2ª série), 1997, nº 4, pp. 369 e ss; Raúl Ventura, “Extinção das Relações Jurídicas de Trabalho”, cit., pp. 224 e ss; Lobo Xavier e Nunes de Carvalho, “Um Caso Especial de Caducidade: Extinção de Empresas Públicas. Indemnização aos Trabalhadores”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXXIV (VII da 2ª série), 1992, nºs 1-2-3, pp. 67 e ss.
[114] Benjamim Mendes e Nuno Aureliano, “Nota sobre os Efeitos Jurídicos da Caducidade das Convenções Colectivas de Trabalho”, cit., pp. 50-51, defendem que a extinção de uma associação sindical ou de empregadores outorgante de convenção gera a cessação do instrumento convencional, invocando a remissão do (agora) artigo 441º para o artigo 184º, nº 1, do CC, reconhecendo que a ”«ultimação dos negócios pendentes» a que se refere a última norma não se dirige directamente à regulamentação da situação jurídica em análise, bem como que o raciocínio efectuado pressupõe uma qualificação jurídica prévia da CCT enquanto negócio jurídico”. Julgamos, como expomos no texto, que devemos atender ao número de partes e, por outro lado, a expressão em causa do Código Civil não resolve a questão.
[115] Em que só existem duas partes, repetimos.
[116] Parece ser este também o entendimento expresso pelo Ministério do Trabalho quando ao tratar dos dados dos instrumentos de regulamentação colectiva admite que alguns instrumentos não estejam em vigor por diversas razões, entre as quais as convenções relativas a associações patronais ou sindicatos que se extinguiram, Principais Características da Negociação Colectiva em Portugal (1994-2001), cit., p. 26. No entanto, em momento posterior (op. cit., pp. 49-50) dá alguns exemplos de convenções que não podem ser revistas porque as associações patronais ou sindicais se extinguiram há vários anos (convenção de 1980, extinção da associação patronal em 1984, e convenção de 1986, extinção da associação patronal em 1991), afirmando a sua vigência (parcial).
[117] Julgamos que nada impede que a convenção tenha uma cláusula a determinar que a utilização das formas de cessação por qualquer das partes abrangerá todos os destinatários.
[118] Considere-se, por exemplo, a cláusula 2º, nº 2, da Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a ANIMEE (Associação Nacional dos Industriais de Material Eléctrico e Electrónico) e a Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Indústrias Eléctricas de Portugal e outros, Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª série, nº 26/77, de 15 de Julho, tendo sido objecto de diversas alterações, segundo a qual a validade da denúncia por parte dos sindicatos carece de ser apresentada “pelos sindicatos que representem a maioria dos trabalhadores”.
[119] Pense-se, por exemplo, numa associação que recebe um número elevado de filiados ou na existência de um acordo de adesão. Note-se que no acordo de adesão, a adesão se opera por convenção entre a entidade interessada e aquela ou aquelas que se lhe contraporiam na negociação da convenção se nela tivessem participado (artigo 504º, nº 2), ou seja, não é preciso o acordo das entidades que têm a mesma natureza (associações de empregadores ou associações sindicais). Dito de outra forma: se, por exemplo, a adesão for de uma associação sindical, não há necessidade de qualquer concordância das outras associações sindicais. Também na portaria de extensão, os destinatários do instrumento convencional – ou decisão arbitral – tal como os titulares da convenção estendida não podem impedir a sua emissão. É verdade que há a possibilidade de oposição fundamentada (artigo 516º, nº 2 e 3), mas essa não tem força jurídica para impedir a emissão do instrumento heterónomo.
[120] Naturalmente desde que existam sempre, pelo menos, duas contrapartes (dois lados), i.e., empregador (ou associação de empregadores) e associação sindical.
[121] Assim, em termos gerais, se tem pronunciado a doutrina face a diversos regimes, Motta Veiga, Lições de Direito do Trabalho, 8ª edição, Universidade Lusíada, Lisboa, 2000, pp. 223-224; Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 19ª edição, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 745-746; João Caupers e Pedro Magalhães, Relações Colectivas de Trabalho, Empresa Literária Fluminense, s.l., 1979, pp. 41-42. Também parece ser a posição de Mário Pinto, Direito do Trabalho, Introdução e Relações Colectivas de Trabalho, Universidade Católica Editora, Lisboa, 1996, p. 304. Veja-se, aliás, por exemplo, a realidade no sector bancário, em que são comuns cláusulas de inaplicação de algumas matérias a certos outorgantes, da qual resulta formalmente um único instrumento, mas substancialmente numa pluralidade de acordos, ou seja, um instrumento de “geometria variável” para utilizar as palavras de Nunes de Carvalho, “Primeiras Notas sobre a Contratação Colectiva Atípica”, cit., 1999, p. 400, nota 136.
[122] Contrariamente do que acontecerá se se tratar da associação sindical.
[123] Sobre a resolução, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, cit., pp. 248 e ss; Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, cit., pp. 187 e ss.
[124] Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 5/11/2013, processo nº 1167/10.5TBACB-E. C1, www.dgsi.pt. Veja-se também, Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, cit., pp. 499 e ss.
[125] Com as alterações de 2009, e relativamente à obrigação de proceder de boa fé, a norma passou a abranger expressamente todos os instrumentos de regulamentação colectiva (artigo 520º, nº 1, do CT2009); enquanto, em matéria de alteração de circunstâncias, a redacção actual do preceito passou a referir-se à aplicação e incluiu o acordo de adesão. Para uma indicação mais pormenorizada das alterações, Gonçalves da Silva, em Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Madeira de Brito, Guilherme Dray e Gonçalves da Silva, Código do Trabalho Anotado, cit., pp. 1119 e ss.
[126] A alteração das circunstâncias releva também em matéria de declaração de greve (artigo 542º, nº 2, alínea a)).
[127] Posição já defendida, antes da sua consagração legislativa, por Menezes Cordeiro, em Convenções Colectivas de Trabalho e Alterações de Circunstâncias, Lex, Lisboa, 1995, em especial, pp. 110 e ss.
[128] Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, volume I, cit., pp. 723 e ss, em especial, pp. 734-735; Menezes Leitão, Código do Trabalho Anotado, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 398, bem como, Direito do Trabalho, cit., p. 611. Para mais desenvolvimentos, Gonçalves da Silva, Da Eficácia da Convenção Colectiva, cit., pp. 1083 e ss. Noutras ordens jurídicas, como acontece em Espanha, a aplicação do instituto divide a doutrina e jurisprudência, cfr. Pastor Martínez, La Vigencia del Convenio Colectivo Estatutario – Análisis Jurídico de su Dimensión Temporal, Lex Nova, Valladolid, 2008, pp. 357 e ss; Arufe Varela, La Denuncia del Convenio Colectivo, «Estudios de Derecho Laboral», Civitas, Madrid, 2000, pp. 55 e ss. O Tribunal Constitucional espanhol já admitiu expressamente a sua relevância, cfr. Sentencia nº 11/1981, de 8 de Abril, Jurisprudencia Constitucional, tomo Primeiro, Boletín Oficial del Estado, 1982, pp. 198-199.
[129] Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, p. 150.
[130] Não se pode, no entanto, ignorar e deixar de sublinhar que o instituto da alteração das circunstâncias tem sido objecto de uma aplicação restrita por parte dos tribunais, tendo mesmo sido recusado, por exemplo, relativamente aos acontecimentos verificados durante a Revolução de 1974-75. Para uma análise jurisprudencial, Menezes Cordeiro, Da Alteração das Circunstâncias, Separata dos Estudos em Memória do Professor Doutor Paulo Cunha, Lisboa, 1989, pp. 360 e ss, referindo-se, aliás, às grandes alterações das circunstâncias (ou seja, “modificações estruturais que venham bulir com a generalidade das variáveis económico-sociais que caracterizam uma sociedade” (p. 359); bem como Pinto Monteiro e Júlio Gomes, “A «Hardship Clause» e o Problema da Alteração das Circunstâncias (Breve Apontamento)”, AAVV, Juris et de Jure, Nos Vinte Anos da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa – Porto, coordenação de Afonso Vaz e Azeredo Lopes, Universidade Católica, Porto, 1998, pp. 28 e ss. Em Espanha, e relativamente ao âmbito laboral, as alterações legislativas têm relevado para a aplicação do instituto, Arufe Varela, La Denuncia del Convenio Colectivo, cit., pp. 58-59. Veja-se também, Bejarano Hernández, Principio de Condición Más Beneficiosa y Reglas de Absorcíon y Supresión de la Misma, Bosch, Barcelona, 2001, pp. 172 e ss.
[131] Naturalmente, como já referimos, desde que existam ainda duas contrapartes (dois lados), i.e., empregador e associação sindical.
[132] Menezes Cordeiro, “Introdução: Dilemas Existenciais do Direito do Trabalho”, Temas de Direito do Trabalho. Da sucessão de CCT ao Respeito pelo Direito à Reforma, Cadernos O Direito, 2007, n.° 1, p. 12.
[133] Assim, referindo-se ao artigo 437º do CC, Pinto Monteiro e Júlio Gomes, “A «Hardship Clause» e o Problema da Alteração das Circunstâncias (Breve Apontamento)”, cit., pp. 33 e 39, considerando nomeadamente admissível as cláusulas de hardship, que são “aquelas que estabelecem um dever de renegociar um contrato quando ocorre uma modificação substancial das circunstâncias, modificação essa susceptível de afectar o equilíbrio global do contrato” (pp. 21-22, itálico no original); bem como Galvão Telles, “Contrato Duradouro com Termo Final. Denúncia”, Colectânea de Jurisprudência, ano XI, 1986, tomo III, p. 23, escrevendo: “Mas nada impede que esse regime geral [constante do Código Civil] seja, no todo ou em parte,  substituído por um regime particular, convencionado para cada contrato pelas próprias partes”, itálico no original.
[134] Menezes Cordeiro, Da Alteração das Circunstâncias, cit., p. 332.
[135] Ac. da Rel. de Coimbra, de 5 de Novembro de 2013, cit., pode ler-se: “5. Ao falar na alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, a norma do artigo 437º do Código Civil quer, manifestamente, aludir às modificações contra as quais, pelo seu carácter imprevisto, as partes não possam e não devam acautelar-se, já que este instituto situa-se no ponto de encontro entre a segurança na estabilidade das relações contratuais como princípio da boa-fé que domina o direito das obrigações. 6. No tocante à modificação do contrato que o artigo 437º do Código Civil prevê, é preciso conciliar a segurança da força vinculativa dele com a justiça relativa que o inspirou, no contexto histórico e circunstancial, em que foi celebrado. 7. Por isso, só por si as crises financeiras não podem ser consideradas circunstâncias anormais, que escapam à regra, totalmente imprevisíveis, mas antes situações cíclicas e repetidas no tempo”.
[136] Sobre os requisitos, cfr., por exemplo, na jurisprudência, Ac. do STJ, de 10 de Outubro de 2013, processo nº 1387/11.5TBBCL.G1.S1, pontos 5 e 6; Ac. da Rel. de Lisboa, de 20 de Outubro de 2019, processo nº 13468/14.9 T8LSB.L1-1, www.dgsi.pt, ponto II – l e ss. Na doutrina, Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, cit., pp. 151-152. 137 Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Maio de 2014, processo nº 531/11.7TVLSB. L1-8, www.dgsi.pt, ponto II – B, na linha do Ac. do STJ, de 10 de Outubro de 2013, cit., pontos 5 e 6. Na doutrina, por exemplo, Carneiro da Frada, “Crise Financeira Mundial e Alteração das Circunstâncias: Contratos de Depósito vs. Contratos de Gestão de Carteiras”.

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