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Open Innovation, Open Banking e Open Justice

muito além do Buzzword

Open Justice

De alguma forma as expressões open innovation, open banking e open justice estão a impactar a sua vida neste momento. Se utiliza um “smartphone” com sistema Android, se mantém uma conta ativa numa fintech ou realizou-se uma pesquisa de precedentes para compor uma estratégia judicial, seja bem-vindo a esta realidade.

Henry Chesbrough, professor norte-americano, teria inaugurado o uso popular do termo open innovation, o descrevendo como um fenómeno de empresas que recorrem a ideias e tecnologias externas nos seus próprios negócios. O conceito mina a lógica dominante do modelo de inovação fechada, permitindo uma maior mobilidade de acesso a dados em geral e colocando as grandes corporações a dialogar com as startups e o crescente acesso dessas empresas ao capital de risco.

Alguns dos benefícios do movimento open innovation são visíveis até mesmo a curto prazo. Redução do tempo entre desenvolvimento e comercialização de produtos e serviços. Criação de novos mercados. Aumento da possibilidade de aprovação do produto perante o público, a geração de ideias e o alargamento da base de conhecimento nas empresas são algumas delas. O “like” do Facebook, o Gmail, o Post-it da 3M, as animações da DreamWorks, como o simpático ogre do Shrek, vieram de iniciativas que prestigiaram a livre circulação de ideias.

Já o open banking, sistema bancário aberto ou partilha de dados bancários pessoais, é um conjunto de regras sobre o uso e partilha de dados e informações financeiras entre instituições. Consiste, basicamente, em três pilares: o primeiro na adoção de Interface Padrão de Programação (Application Programming Interface) aberta que permite a outros developers a criação de aplicações e serviços em torno daquela instituição financeira. A segunda é por mais opções de transparência financeira para os bancários, de  dados abertos a dados privativos. É o caso, por exemplo, onde os bancários poderão aprovar que instituições terceiras tenham acesso a seus dados bancários e, com isso, poder concentrar toda a gestão das finanças num só aplicativo, site ou plataforma. A terceira é consistente na utilização de códigos-fontes abertos (open source) para alcançar os objetivos mencionados.

Os benefícios do movimento de open banking geram, até mesmo, impacto social. Pessoas superendividadas poderão operar a portabilidade de um banco a outro, com melhores taxas e oportunidades de pagamento com condições melhores e acessíveis.

Quanto ao open justice, não seria exagero denominá-lo fenómeno. Para os juristas Daniel Becker e Erik Navarro Wolkart, com o maior datalake jurídico do mundo, os Tribunais brasileiros possuem uma riqueza inestimável de dados que, se estruturados e devidamente analisados, podem promover inúmeros benefícios para a sociedade, como, por exemplo, saber a hipótese de procedência de diversos tipos de demandas, entender quando vale a pena propor um acordo, qual o melhor valor de oferta, ou mesmo se vale à pena ajuizar uma determinada ação.

Há dois aspetos importantes na ideia de open justice quando se fala sobre a legibilidade dos dados do Poder Judiciário (e, por decorrência, de dados dos titulares). O primeiro deles diz respeito ao acesso à informação jurídica, um desdobramento do ideal de acesso à justiça. O direito de acesso à informação jurídica exige que o sistema jurídico seja de fácil navegação.

Já o segundo trata da legibilidade automática (machine readable) dos dados, ou seja, a possibilidade de leitura de dados estruturados ou não para fins de aplicação de técnicas de inteligência artificial. Hoje, dados de atos, autos e precedentes judiciais são praticamente ilegíveis para a inteligência artificial. Com acesso amigável aos dados de processos judiciais, segundo os juristas, o número de acordos poderá ser substancialmente elevado, gerando sugestões de ofertas ótimas, com grandes hipóteses de concordância pelos litigantes, uma vez que a jurisprudência e os precedentes se tornam de fácil acesso, viabilizando o cálculo do valor esperado da demanda. Ademais, antes disso, bem calculadas as oportunidades de sucesso e o prognóstico financeiro de um processo, libera-se o potencial para evitar o ajuizamento de novas ações judiciais. Além disso, a jurimetria aplicada aos precedentes é a única forma de garantir o accountability  ao Poder Judiciário, seja jurídico-decisional ou comportamental.

Iniciativas importantes para a identificação desses padrões decisórios agonizam por falta de dados e uma maior dedicação do Poder Judiciário sobre o tema. Com isso, lawtechs focadas em analytics, jurimetria, financiamento de litígios, por exemplo, não conseguem prosperar, prejudicando o fomento de empresas de tecnologia focadas em soluções para o mercado jurídico.

Entre os três movimentos abertos citados, certamente o open justice é o menos evoluído atualmente, seja qual for o lugar no mapa-múndi. E, curiosamente, o que é mais benéfico, seja do ponto de vista económico ou social. É hora, portanto, de criarmos um pacto para, coletivamente, propor uma pauta de avanço. Afinal, o mundo, agora, é open.